Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1215/15.2T8TMR.E1
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: TRABALHO SUPLEMENTAR
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
Data do Acordão: 07/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. A liquidação de sentença permite complementar a atividade probatória desenvolvida na fase declarativa dentro dos parâmetros definidos na ação, pelo que ter-se-á de conter no quadro das causas de pedir e dos pedidos formulados pelas partes, mas também dentro dos limites da factualidade apurada.
2. Estamos numa fase já delimitada, em que se provou a existência do direito, respeitadas que foram as regras do ónus da prova, importando agora proceder à fixação da quantia devida com recurso, se for até necessário, a uma indagação oficiosa, dirigida pelo juiz, que pode contemplar a produção de prova pericial.
3. A liquidação de sentença, tendo natureza declarativa, não pode servir para reabrir a discussão sobre se existe ou não obrigação.
4. A resposta para a questão de saber se podia ou não ser proferida uma condenação genérica tem de ser encontrada, na factualidade dada como provada, pois se dessa factualidade resultar que se provou a existência da obrigação, então o tribunal terá, nos termos do art. 609º nº2 do CPC, de condenar no que vier a ser liquidado.
5. Se da factualidade dada com provada resultar que o A. prestou trabalho suplementar em outros dias para além dos discriminados, não tendo, no entanto, logrado provar os dias em que o prestou, estão preenchidos os requisitos para o tribunal proferir uma condenação genérica, que possa vir a ser liquidada em sede de execução de sentença.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 1215/15.2T8TMR.E1 (Apelação)


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
BB (A./recorrente) intentou a presente ação emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum contra Transportes CC, Ldª, (R./recorrida) pedindo a condenação desta a pagar-lhe:
- A quantia de € 9.374,81 referente ao trabalho suplementar realizado em dias úteis, sábados, domingos e feriados, tal como discriminou nos quadros do artigo 17º da p.i.;
- A quantia que se apurar em liquidação de execução de sentença relativamente ao trabalho suplementar realizado nos dias que não estão discriminados no artigo 17º da p.i., mas dentro do período de 10/11/07 a 23/07/2014;
- A quantia de € 136,01 correspondente à retribuição dos dias de descanso compensatório não gozados e devidos pelo trabalho suplementar prestado nos dias indicados nos quadros do artigo 17º da petição inicial;
- A quantia que se apurar em liquidação de execução de sentença, relativamente à retribuição correspondente à falta de gozo dos dias de descanso compensatório pelo trabalho suplementar realizado nos dias que não estão discriminados no artigo 17º da p.i., mas dentro do período de 10/11/2007 a 23/07/2014 correspondente ao período de trabalho efetivo;
- Juros de mora à taxa legal até integral pagamento.
Para o efeito alegou em síntese:
Foi admitido ao serviço da R. em 10/11/2007 para trabalhar como motorista de pesados mediante retribuição de €550,00, tendo o contrato cessado em 23/08/2014 por sua iniciativa;
Durante o tempo em que trabalhou para a R. prestou trabalho muito para além das 8.00 horas por dia e 40 por semana e também aos sábados domingos e feriados, sendo certo que o horário de trabalho era de 40 horas semanais de segunda a sexta-feira, já que o sábado e o domingo eram dias de descanso;
A R. não lhe pagou todas as quantias que lhe eram devidas pela prestação do trabalho suplementar nem lhe concedeu o gozo dos descansos compensatórios.
A R. contestou defendendo-se por impugnação e por exceção de prescrição, concluindo pela total improcedência da ação.
O A. apresentou resposta, concluindo pela improcedência da exceção e pediu a condenação da R. como litigante de má-fé por esta ter alegado que pagou ao A. o trabalho suplementar que este peticionou.
A R. respondeu ao pedido de condenação como litigante de má-fé, alegando que se limitou a defender em nada alterando ou omitindo a verdade dos factos.
Foi proferido despacho saneador no âmbito do qual se apreciou a exceção da prescrição, a qual foi julgada procedente relativamente a todos os créditos respeitantes ao trabalho suplementar e descanso compensatório no período compreendido entre o ano de 2007 e 19 de julho de 2010.
Procedeu-se à audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que decidiu:
- Julgar a ação parcialmente procedente, por provada, e consequentemente condenar a R. a pagar ao A. a quantia global de € 2.036,82, sendo € 401,03 a título de trabalho suplementar prestado aos sábados e € 1.635,79 a título de descanso compensatório, tudo acrescido de juros à taxa legal vencidos e vincendos até integral e efetivo pagamento.
- Absolver a R. do pedido de condenação como litigante de má-fé.
Inconformado com esta decisão judicial, o A. interpôs recurso de apelação, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. A sentença julgou a ação apenas parcialmente procedente, tendo condenado a R., ora recorrida, a pagar ao A. ora recorrente, “a quantia global de 2.036,82 sendo 401,03 a titulo de trabalho suplementar prestado aos sábados e 1.635,79 a título de descanso compensatório”.
2. Mas a sentença devia também, para além desta parte, ter condenado a R. a pagar todo o trabalho suplementar realizado pelo A. relegando a liquidação do correspondente montante remuneratório para execução de sentença.
3. Ficou provado que o limite máximo de trabalho semanal do A. era de 40 horas, em regime de horário flexível, com descanso semanal ao sábado e domingo (alínea E dos factos assentes e ponto 5. da fundamentação de facto); (ponto 9 da fundamentação de facto) que o A. “realizou trabalho na condução de veículos pesados, por ordens e determinação da Ré, pelo menos nos seguintes sábados…” (sublinhado nosso) e (ponto 10 da fundamentação de facto) o seguinte: “ o autor durante o tempo que trabalhou por conta da Ré prestou diversas vezes, por ordem e determinação da Ré para além das 40 horas semanais contratadas, pois apesar da hora de início de trabalho ser normalmente pelas 7.00 horas, muitas vezes entrava às 6h30 e excecionalmente entreva às 5h30, sendo a hora de término do trabalho entre as 15.00 e as 16.00 horas, sendo certo que por vezes terminava o seu trabalho mais tarde”. (sublinhados nossos);
4.Dos factos provados resulta que o A. realizou trabalho para além do limite das 40 horas de trabalho semanais, com ordem e por determinação da R., o que significa que aquele realizou trabalho suplementar;
5.No ponto 9.da fundamentação de facto consta a expressão “pelo menos” o que significa que existem mais sábados, os quais não estão descriminados na matéria de facto, porque não foi possível fazê-lo, o que implica necessariamente relegar o cálculo da respetiva remuneração para liquidação em execução;
6.Por outro lado também não tendo sido possível descriminar os dias concretos e horas em que o trabalho suplementar foi prestado, a sentença devia ter relegado a sua liquidação para execução de sentença;
7.E o mesmo se diga quanto ao gozo dos descansos compensatórios pelo trabalho suplementar prestado em dias úteis ou em sábados;
8.Acresce que na sua petição inicial o A. relegou para liquidação de execução de sentença o trabalho realizado “nos dias que não estão discriminados no artigo 17º desta p.i. mas dentro do período de 10.11.07 a 23.07.14” e fez precisamente o mesmo quanto à falta de gozo dos descansos compensatório pelo trabalho suplementar realizado;
9.A matéria de facto provada, permite concluir que foi realizado trabalho suplementar ao longo da relação laboral não só em dias de descanso mas também necessariamente em dias úteis – porque o trabalho suplementar não se resumiu ao trabalho prestado nos sábados mas também a todo o trabalho realizado para além das 40 horas semanais – faltando que a sentença relegue para liquidação o restante trabalho suplementar;
10.Assim, por tudo o que se deixou dito, procedeu a sentença a uma incorreta interpretação dos factos provados e efetuou uma errada aplicação do Direito, tendo violado o artigo 226º do CT e artigo 661º nº 2 do CPC, pelo que a mesma deve ser revogada,
A R. contra-alegou, tendo apresentado as seguintes conclusões:
1. Não se conformando com a douta sentença recorrida, pugna o apelante pela revogação da mesma e pela alteração da decisão, que deveria ter condenado a Ré a pagar ao Autor todo o trabalho suplementar e descansos compensatórios peticionados nos autos, relegando para liquidação de sentença o montante a pagar.
2. Fundamentando tal alteração na errada interpretação dos factos e deficiente aplicação do direito.
3. Porquanto, defende o Autor que ficou provado que o limite máximo de trabalho semanal era de 40h, prestado em regime de horário flexível, com dois dias de descanso semanal, ao sábado e Domingo.
4. E ainda, que o Autor realizou trabalho em pelo menos nos sábados identificados no ponto 9 da fundamentação de facto.
5. E que trabalhou por conta e por determinação da Ré, realizando trabalho para além das 40h semanais.
6. No entanto, não lhe assiste qualquer razão, como adiante se demonstrará.
7. O apelante, não põe em causa a matéria de facto dada como provada e não provada.
8. Resulta da Douta Sentença proferida pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo como factos dados como não provados, “…. Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, nomeadamente não se provou que o autor tivesse entrado e saído nos dias e horas discriminados no quadro que consta da petição inicial sob o artigo 17º, nem se provou que a Ré nunca deu a gozar os descansos compensatórios pelo trabalho prestado em dias úteis e em sábados domingos e feriados até Agosto de 2012 num total de 203 horas, pois a prova produzida em audiência de julgamento revelou-se de manifestamente insuficiente para dar tais factos como provados….”
9. Dispõe o artigo 226.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que considera-se trabalho suplementar aquele que é prestado fora do horário normal de trabalho.
10. Sendo que, compete ao trabalhador que invoca o direito à remuneração por trabalho suplementar alegar e provar os factos constitutivos desse direito, ou seja, que prestou trabalho fora do horário de trabalho e que tal sucedeu por determinação prévia expressa do empregador, ou com conhecimento e sem oposição deste que a prestação desse trabalho foi realizada em circunstâncias de não ser previsível a oposição do empregador.
11. A matéria de facto dada como provada nos pontos 5 e 10, ao contrário do alegado pelo Autor, só por si não nos permite concluir, sem mais, que o Autor tenha prestado trabalho suplementar nos termos peticionados no artigo 17 da petição inicial.
12. Sendo que, a convicção do Tribunal fundou se na apreciação critica e conjugada da prova produzida em audiência, nomeadamente do confronto e conjugação dos documentos juntos aos autos e das declarações prestadas pelas testemunhas, ouvidas em audiência de julgamento.
13. Pelo que, analisando a globalidade da prova produzida em audiência de julgamento a Meritíssima Juiz e bem, concluiu pela não prova do trabalho suplementar alegado pelo Autor no artigo 17 da Petição Inicial.
14. O Autor não logrou sequer provar qual era o seu concreto horário de trabalho, nos referidos dias, concretizando a sua hora de início e fim, em cada dia que alegou ter prestado trabalho para além das 40h, com o rigor que se impunha.
15. Perante o exposto e julgando-se não provada a matéria alegada pelo Autor no Artigo 17º da PI, teria necessariamente de improceder a condenação da Ré no pagamento de qualquer quantia a esse título.
16. Alega ainda o Autor, que igualmente prestou trabalho suplementar, em dias de descanso semanal, sábados, que não se encontram discriminados na PI, o que implicava necessariamente relegar o cálculo da respetiva remuneração para liquidação de sentença.
17. Mais uma vez não assiste qualquer razão ao Autor,
18. Nos autos apurou-se que o Autor prestou trabalho suplementar nos sábados discriminados no ponto 9 da fundamentação de facto, da Douta Sentença.
19. Sendo certo, que muitos dos sábados mencionados no referido ponto nem sequer haviam sido peticionados pelo Autor no artigo 17º da PI.
20. No entanto a Meritíssima Juiz, considerou de acordo com a prova testemunhal e documental dos autos, ter o Autor prestado trabalho suplementar, nos referidos dias.
21. Pelo que não colhe a argumentação do Autor em relegar para liquidação de sentença, o apuramento dos montantes a pagar, a título de trabalho suplementar prestado aos sábados, quando, nos autos, não fez prova da realização do mesmo, conforme lhe cabia.
22. Acresce ainda que, o incidente de liquidação, previsto no artigo 358º, n.º 2, do Código de Processo Civil, depende da ocorrência de uma condenação genérica, o que, in casu, claramente não sucede.
23. Perante tais factos, dados como provados, e não provados bem andou o Tribunal "a quo", em absolver a Ré do pedido de trabalho suplementar alegadamente prestado em dias uteis e respetivos descansos compensatórios.
24. Não merecendo qualquer reparo a Douta Sentença proferida.
A Senhora Procuradora-Geral Adjunta, neste tribunal da relação, emitiu parecer no sentido de se julgar o recurso improcedente.
Foi remetido o projeto de acórdão aos Ex.mos Juízes-adjuntos que, atendendo à natureza das questões a decidir, deram o seu acordo para serem dispensados os vistos, nos termos do art. 657º nº4 do Código de Processo Civil.

II. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente retira da respetiva motivação, tendo sido suscitada a seguinte questão:
Saber, face à matéria de facto dada como provada, se deveriam ou não ter sido relegados para execução de sentença os pedidos do A. que foram julgados improcedentes, referentes ao restante trabalho suplementar prestado e descansos compensatórios.

III. Factos dados como provados na decisão proferida pela primeira instância:
1 - A Ré tem é uma empresa que se dedica à atividade do transporte rodoviário de mercadorias (alínea A) dos factos assentes).
2 - O Autor foi admitido ao serviço da Ré em 10/11/2007 mediante a celebração de contrato individual de trabalho a termo certo pelo período de 6 meses, o qual se foi renovando sucessivamente até aquele se tornar trabalhador permanente desta (alínea B) dos factos assentes).
3 - O Autor possuía a categoria profissional de “motorista de pesados” e auferiu da Ré sempre a mesma retribuição de € 555,00 acrescida de uma diuturnidade no valor de € 13,97, a partir de novembro de 2010 e duas diuturnidades no valor de € 27,94 a partir de novembro de 2013, sendo que recebia ainda algumas quantias a título de trabalho suplementar e outras a título de ajudas de custo (alínea C) dos factos assentes).
4 - O contrato de trabalho do Autor cessou em 23/08/2014, por iniciativa do autor, tendo este gozado férias de 23/07/2014 a 23/08/2014 (alínea D) dos factos assentes).
5 - Entre Autor e Ré ficou acordado que o autor prestava 40 horas semanais, em regime de horário flexível, com descanso semanal ao sábado e domingo (alínea E) dos factos assentes).
6 - O Autor sempre realizou em território nacional a condução de veículos pesados de mercadorias, por ordem e determinação da Ré, iniciando o serviço nas instalações do entreposto do Minipreço, localizadas na Zibreira, Torres Novas, e posteriormente nas instalações do Intermarché nos Bugalhos, Alcanena, efetuando entregas em diversos locais, consoante o serviço que lhe era atribuído pela Ré diariamente (alínea F) dos factos assentes).
7 - O autor desde o início da relação laboral e até julho de 2013 à prestava serviço de transporte nacional para o cliente da Ré Minipreço, sito em Torres Novas, após a referida data passou a efetuar serviços de transporte no cliente da Ré Intermarché, nos Bugalhos, Alcanena, o que fez até à cessação do contrato de trabalho (alínea G) dos factos assentes).
8 - Às relações de trabalho aplica-se o CCT para o setor dos transportes rodoviários de mercadorias, publicado no BTE n.º 9 de 8/03/1980 e celebrado entre a FESTRU e a ANTRAM com as alterações publicadas no BTE n.º 16 de 29/04/1982 e portaria de extensão publicada no BTE n.º 30 de 15/08/1980 e BTE, 1ª Série, n.º 33 de 08/09/1982 (alínea H) dos factos assentes).
9 - O Autor realizou trabalho na condução de veículos pesados, por ordens e determinação da Ré, pelo menos nos seguintes sábados:
(…)
10 – O autor durante o tempo que trabalhou por conta da Ré prestou diversas vezes trabalho, por ordem e determinação da Ré para além das 40 horas semanais contratadas, pois apesar da hora de início de trabalho ser normalmente pelas 7.00 horas, muitas vezes entrava às 6h30 e excecionalmente entrava às 5h30, sendo a hora de término do trabalho entre as 15.00 e as 16.00 horas, sendo certo que por vezes terminavam o seu trabalho mais tarde.
11 – Aquando da celebração do contrato de trabalho entre Autor e Ré este foi informado que a Ré iria pagar-lhe uma quantia mensal a título de “ajudas de custo” “sábados domingos e feriados”, para compensar o trabalho suplementar prestado durante a semana e ao fim de semana quando fosse necessário.
12 - O pagamento de determinada importância mensal como contrapartida do trabalho suplementar prestado, bem como do prestado aos sábados domingos e feriados vigorava para todos os motoristas.
13 - Caso o Autor não prestasse trabalho suplementar, ou aos sábados, recebia na mesma, o montante pré estabelecido pela Ré.
14 – O Autor nunca reclamou quanto, esta forma estabelecida pela Ré de pagamento do trabalho suplementar e do trabalho prestado aos sábados, nem quando a Ré alterou os montantes que normalmente liquidava, em face da alteração legislativa provocada pela alteração do valor/hora do trabalho suplementar, no âmbito da qual a Ré deu a conhecer aos seus trabalhadores que iria manter os valores líquidos que liquidava aos trabalhadores mensalmente, alterando no recibo de vencimento o montante que liquidava a título de ajudas de custo que passaria a ser mais elevado e o montante liquidado a título de Sábados Domingos e Feriados passaria a ser mais baixo.
15 – A Ré entre julho de 2010 e agosto de 2014 liquidou os seguintes montantes ao Autor a título de Trabalho Suplementar, Ajudas de Custo Nacionais e Sábados Domingos e Feriados:
(…)

IV. Fundamentação
A única questão que se discute no presente recurso consiste em saber se face à matéria de facto dada como provada, se deveriam ou não ter sido relegados para execução de sentença os pedidos do A. que foram julgados improcedentes, referentes ao restante trabalho suplementar prestado e descansos compensatórios.
Antes de mais, vejamos o que foi pedido pelo Autor:
- A quantia de € 9.374,81 referente ao trabalho suplementar realizado em dias úteis, sábados, domingos e feriados, tal como discriminou nos quadros do artigo 17º da p.i.;
- A quantia que se apurar em liquidação de execução de sentença relativamente ao trabalho suplementar realizado nos dias que não estão discriminados no artigo 17º da p.i., mas dentro do período de 10/11/07 a 23/07/2014;
- A quantia de € 136,01 correspondente à retribuição dos dias de descanso compensatório não gozados e devidos pelo trabalho suplementar prestado nos dias indicados nos quadros do artigo 17º da petição inicial;
- A quantia que se apurar em liquidação de execução de sentença, relativamente à retribuição correspondente à falta de gozo dos dias de descanso compensatório pelo trabalho suplementar realizado nos dias que não estão discriminados no artigo 17º da p.i., mas dentro do período de 10/11/2007 a 23/07/2014 correspondente ao período de trabalho efetivo.
Como já se referiu a ação foi julgada parcialmente procedente e a R. foi condenada a pagar ao A. a quantia global de € 2.036,82, sendo € 401,03 a título de trabalho suplementar prestado ao sábados e € 1.635,79 a título de descanso compensatório.
Quanto ao trabalho suplementar que o A. alegou ter prestado em dias úteis, na sentença recorrida refere-se o seguinte:
Em relação ao trabalho suplementar realizado em dia útil, incumbe deixar desde já consignado que os factos provados são manifestamente insuficientes, para podermos concluir que o autor prestou trabalho suplementar nos termos por si alegados. Os factos provados permitem-nos concluir que o autor efetivamente prestou trabalho enquanto esteve ao serviço da Ré para além do seu horário de trabalho, sem que possamos concluir em que termos concretos o mesmo foi prestado, já que o autor não logrou provar tal como lhe incumbia, por se tratar de factos constitutivos do seu direito, que tivesse prestado trabalho nos dias e horários por si alegados, ou seja não se provou que no período compreendido entre 19 de julho de 2010 e o término da relação contratual, o autor tivesse realizado trabalho suplementar diário nos termos por si alegados no artigo 17º da p.i.
Com efeito não se provou a hora de entrada diária do autor, nem a hora de saída nem os intervalos para refeição, conforme o por si alegado, pelo terá de improceder na sua totalidade o seu pedido no que respeita ao trabalho suplementar prestado em dia útil e consequentemente também terá de improceder o pedido de condenação no pagamento dos eventuais descansos compensatórios remunerados a que esse trabalho pudesse dar lugar. Por fim também deixamos desde já consignado que não haverá lugar a liquidação em execução de sentença, por não se terem apurado qualquer facto do qual resulte que nos dias úteis não discriminados no artigo 17º da p.i. o autor prestou trabalho suplementar.
Quanto aos sábados, na sentença recorrida refere-se que se apurou que por ordem e determinação da R. o A. prestou trabalho em diversos sábados, tendo mais adiante ficado consignado que o A. realizou trabalho na condução de veículos da R., pelo menos em 9 sábados no ano de 2010, pelo menos 17 sábados, no ano de 2011, pelo menos em 27 sábados do ano de 2012, pelo menos em 21 sábados do ano de 2013 e pelo menos em 12 sábados do ano de 2014 (ponto 9 dos factos provados)
Por outro lado, ficou provado que entre A. e R., aquando da celebração do contrato, ficou acordado que o A. prestava 40 horas semanais, em regime de horário flexível, com descanso semanal ao sábado e domingo (ponto 5 dos factos provados).
Ficou também provado que durante o tempo em que o A. trabalhou por conta da R. prestou diversas vezes trabalho, por ordem e determinação da Ré para além das 40 horas semanais contratadas, pois apesar da hora de início de trabalho ser normalmente pelas 7.00 horas, muitas vezes entrava às 6h30 e excecionalmente entrava às 5h30, sendo a hora de término do trabalho entre as 15.00 e as 16.00 horas, sendo certo que por vezes terminavam o seu trabalho mais tarde (ponto 10 dos factos provados).
Na sentença recorrida admite-se que o A. prestou trabalho em diversos sábados, tendo-se discriminado alguns deles, afirmando-se que, pelo menos, naqueles trabalhou.
Do ponto 10 dos factos provados também se infere que o A. prestou, por ordem e determinação da Ré, diversas vezes, trabalho para além das 40 horas semanais contratadas, tendo-se provado até que apesar da hora de início de trabalho ser normalmente pelas 7.00 horas, muitas vezes o A. entrava às 6h30 e excecionalmente até chegou a entrar às 5h30. Também no fim da jornada diária, por vezes, terminava o seu trabalho depois da hora habitual, que era entre as 15.00 e as 16.00 horas.
O tribunal recorrido, ao fundamentar a decisão proferida sobre a matéria de facto, faz alusão à insuficiência da prova, que determinou a absolvição da R. quanto à parte restante do pedido, nos seguintes termos:
Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, nomeadamente não se provou que o autor tivesse entrado e saído nos dias e horas discriminados no quadro que consta da petição inicial sob o artigo 17º, nem se provou que a Ré nunca deu a gozar os descansos compensatórios pelo trabalho prestado em dias úteis e em sábados domingos e feriados até agosto de 2012 num total de 203 horas, pois a prova produzida em audiência de julgamento revelou-se de manifestamente insuficiente para dar tais factos como provados.
Perante este contexto importa determinar se a factualidade dada como provada permitia uma condenação genérica da R. quanto aos pedidos de trabalho suplementar e descansos compensatórios que foram julgados improcedentes por insuficiência de prova.
O art. 609º nº2 do Código de Processo Civil estatui que se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida. Por seu turno, o art. 358º nº2 do mesmo diploma legal, refere que o incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do nº2 do art. 609º, e, caso seja admitido, a instância extinta considera-se renovada. Nos artigos 359º a 361º prevê-se a tramitação da liquidação, referindo-se no art. 360º nº4 que quando a prova produzida pelos litigantes for insuficiente para fixar a quantia devida, incumbe ao juiz completá-la mediante indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial. Finalmente, o art. 361º prevê a liquidação por árbitros, nos casos em que a lei especialmente o determine ou as partes o convencionem.
O Professor Alberto dos Reis[1] a propósito da “ Condenação no que se liquidar” escreveu o seguinte:
O tribunal encontra-se perante esta situação: verifica-se que o réu deixou de cumprir determinada obrigação ou praticou certo facto ilícito; quer dizer, reconhece que tem de o condenar; mas o processo não lhe fornece elementos para determinar o objeto ou a quantidade da condenação. Em face desses factos, nem seria admissível que a sentença absolvesse o réu, nem seria tolerável que o condenasse à toa, naquilo que ao juiz apetecesse. A única solução jurídica é a que o texto consagra: proferir condenação ilíquida. O juiz condenará o réu no que se liquidar em execução de sentença.
A liquidação de sentença apresenta-se assim como um instituto que permite complementar a atividade probatória desenvolvida na fase declarativa dentro dos parâmetros definidos na ação. Assim, a liquidação ter-se-á de conter no quadro das causas de pedir e dos pedidos formulados pelas partes, mas também dentro dos limites da factualidade apurada. Dentro desses limites importa efetuar a quantificação que não foi possível na fase declarativa por insuficiência de prova.
Estamos numa fase já delimitada, em que se provou a existência do direito, respeitadas que foram as regras do ónus da prova, importando agora proceder à fixação da quantia devida com recurso, se for até necessário, a uma indagação oficiosa, dirigida pelo juiz, que pode contemplar a produção de prova pericial.
Pelo que fica dito, a liquidação de sentença, tendo natureza declarativa, não pode servir para reabrir a discussão sobre se existe ou não obrigação.
Chegados a este ponto, torna-se fácil concluir que teremos de encontrar a resposta para a questão de saber se podia ou não ser proferida uma condenação genérica na factualidade dada como provada. Se dessa factualidade resultar que se provou a existência da obrigação então o tribunal terá, nos termos do art. 609º nº2 do CPC, de condenar no que vier a ser liquidado.
No caso concerto, como já se referiu, na sentença recorrida admite-se que o A. prestou trabalho em diversos sábados, tendo-se discriminado alguns deles, afirmando-se que, pelo menos, naqueles trabalhou.
Como também já ficou consignado, o que se infere do ponto 9 dos factos provados e da própria lógica da sentença é que o A. terá trabalho em mais sábados do que os discriminados, não tendo logrado provar as respetivas datas.
Por outro lado, do ponto 10 dos factos provados também resulta que o A. prestou, por ordem e determinação da Ré, diversas vezes, trabalho para além das 40 horas semanais contratadas, tendo-se provado até que apesar da hora de início de trabalho ser normalmente pelas 7.00 horas, muitas vezes o A. entrava às 6h30 e excecionalmente até chegou a entrar às 5h30. Também no fim da jornada diária, por vezes, terminava o seu trabalho depois da hora habitual, que era entre as 15.00 e as 16.00 horas.
Desta factualidade dada com provada tem de se concluir que o A. terá prestado trabalho suplementar em outros dias para além dos discriminados, nomeadamente em dias úteis, não tendo, no entanto, logrado provar em concreto em que dias o prestou.
Assim, parece que estariam preenchidos os requisitos para o tribunal ter proferido uma condenação genérica de forma que pudesse vir a ser liquidada em execução de sentença, pelo que é de dar razão ao recorrente na pretensão que formulou.

V. Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
1. Em julgar procedente a apelação, revogando assim a sentença recorrida na parte em que julgou improcedentes, por não provados, os restantes pedidos do A., referentes ao trabalho prestado aos sábados, trabalho suplementar prestado em outros dias e descansos compensatórios;
2. Condenar a R. a pagar ao A. o que se vier a liquidar em execução de sentença relativamente os pedidos do A. que foram julgados improcedentes, referentes ao restante trabalho suplementar prestado e descansos compensatórios.
Custas a fixar a final na respetiva proporção.
Anexa-se sumário do acórdão.

Évora, 12/07/2016
Joaquim António Chambel Mourisco (Relator)
José António Santos Feteira
Moisés Pereira da Silva

__________________________________________________
[1] Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra Editora, LIM. Pág.70.