Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1034/19.7T8STR-A.E1
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
ADMINISTRADOR JUDICIAL PROVISÓRIO
NOMEAÇÃO
Data do Acordão: 09/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
No âmbito do PER, na nomeação do administrador judicial provisório, nos termos do n.º1 do art.º 32.º do CIRE ex vi art.º 17.º-C/4, o Juiz não está vinculado à indicação pelo devedor na sua petição inicial, nada impedindo que a nomeação incida sobre administrador judicial inscrito nas listas oficiais, nos termos do sistema informático, já que a lei apenas lhe confere a mera possibilidade (e não dever) de atender a essa nomeação e desde que se trate de processos em que seja previsível a existência de atos de gestão que requeriam especiais conhecimentos.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório.
No presente Processo Especial de Revitalização (PER), instaurado pela devedora “BB, LDA”, foi proferido, em 11 de abril de 2019, o seguinte despacho:
Reunidos os pressupostos para que se tramite o processo especial de revitalização, previsto no artigo 17.º A e seguintes do Cire.
Nomeio para desempenhar as funções de administrador judicial o Sr. Dr. João P… constante da lista oficial, cuja nomeação tem por base o sistema de nomeação aleatória, integrado na plataforma citius, atenta a conveniência de distribuir de modo equitativo os processos em que seja necessária a intervenção de administrador judicial, assim se salvaguardando outrossim a transparência e a equidistância de tal interveniente processual relativamente a todos os interessados.
Notifique e cumpra o disposto nos artigos 37.º e 38.º do Cire em matéria de publicidade e registo”.
Inconformado com este despacho, na parte que procede à nomeação do Administrador Judicial Provisório, veio a devedora interpor o presente recurso, formulando, no essencial, as seguintes conclusões (as quais não transcrevem integralmente por não respeitar a exigência legal de síntese – art.º 639.º/1 do CPC):
1. Recorre-se do despacho de nomeação do Administrador Judicial Provisório, por não nomear o indicado pela Apelante – Dr. JOSÉ E…, inscrito nas Listas Oficiais de Administradores de Insolvência e melhor identificado na petição inicial;
2. Indicação que teve por suporte o disposto nos artigos 32º nº 1 e 52º n.º 2 do CIRE em conjugação com o consignado na Lei n. 22/2013 (Estatuto do Administrador da Insolvência).
3. O Administrador indicado reúne, idoneidade técnica para a função e conhecimentos satisfatórios sobre o juízo universal e aptidão para o desempenho das atividades que compõem a sua competência no exercício da profissão, merecendo a confiança dos credores e do Tribunal.
4. Previamente contactado pela Devedora que lhe expôs a sua situação manifestou expressamente, disponibilidade para aceitação do cargo, por conhecer a fundo a situação da Requerente e do sector da metalomecânica em especial e dos mais relevantes elementos á sua recuperação, bem como do esboço do plano de revitalização (aliás da sua autoria) e pagamentos que se pretende negociar com os credores.
5. Nessa medida, foi quem explicou prévia e convenientemente todas as previsões e expectativas que serão objeto de negociação com o universo dos credores, em função do projeto de Plano de Revitalização que a Devedora pretende por á consideração de todos, e que esta, por sua vez, explicou convenientemente e precisamente aos dois credores, que a acompanham e apoiam convictamente, em bem mais de 10% (cerca de 13%), como consta das declarações juntas aos autos e que os instrui nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 1 e 2 do artº 17-C do CIRE.
6. O despacho em crise apenas, justifica a nomeação aleatória por “ conveniência de distribuir de modo equitativo os processos em que seja necessária a intervenção de administrador judicial, assim se salvaguardando outrossim a transparência e a equidistância de tal interveniente processual relativamente a todos os interessados.”
7. A lei de processo impõe no artº 154 nº 1 que as decisões sejam sempre fundamentadas.
Esta necessária fundamentação deverá ser feita, tomando parte sobre os factos postos á consideração do Tribunal.
8. O despacho em crise é nulo nos termos dos artº s 154º nº 1 e º 615 nº 1 alíneas b) e c) do C.P.C, no segmento em que não atendeu á indicação da requerente/devedora para do AJP para desempenho de tais funções, uma vez que não se pronunciou sobre nenhum dos argumentos alegados pela devedora / requerente a favor da nomeação do AJ,P que indicou.
9. Mesmo que assim se não entenda, e sem conceder, o Despacho recorrido peca por VICIO DE ERRO NA APLICAÇÃO DO DIREITO, já que, se se encarar a nomeação do A.J.P como um poder discricionário, no caso de o juiz não atender á indicação feita pelo devedor, deve este, consignar as razões que o determinaram a essa não atendibilidade.
10. E, conjugando os argumentos aduzidos, pela requerente para a nomeação do AJP que indicou, com o facto de esta ser acompanhada nos termos e para os efeitos do disposto nos nº1 e 2 do artº 17-C do CIRE, por dois credores representativos de cerca de 13% dos créditos relacionados, a quem foi explicado previamente, o esboço e as medidas de gestão que irão ser tomadas, dando conhecimento a estes credores da identidade do AJP que iria indicar, é que decisivamente os motivou a acompanhá-la, é suficiente para atender á indicação deste AJP.
11. O que permitiu a não atendibilidade do AJP indicado - sem que seja violado o disposto nos artº 32 nº 1 e 52 nº do CIRE - foi a opção do Meritíssimo Juiz “a quo” por escolha aleatória, recaindo sobre o Sr. Dr. João P… constante da lista oficial, atenta a “conveniência de distribuir de modo equitativo os processos em que seja necessária a intervenção de administrador judicial, assim se salvaguardando outrossim a transparência e a equidistância de tal interveniente processual relativamente a todos os interessados.”
12. Efetivamente, a argumentação nele sustentada para fundamentar a não nomeação do AJP indicado, tem apenas correspondência com a regra geral de interpretação da Lei consagrada no artº 9 do Código Civil e o art. 13º, nº 2 da Lei nº 22/2013, de 26/2, omitindo contudo, a valoração e pronuncia os argumentos sustentados pela Recorrente/Devedora, para a o efeito.
13. A lei, não impõe ao Tribunal o dever de aceitar a indicação, mas deve o Juiz fundamentar as razões da não nomeação, não se podendo cingir á nomeação diversificada, aleatória e igualitária do Administrador Judicial Provisório pelos vários inscritos na lista oficial.
14. Mesmo referindo a Lei, o despacho recorrido nem uma palavra refere sobre a ”previsibilidade da existência de atos de gestão que requeiram conhecimentos especiais” não se deve ater, o seu interprete, apenas a atos lineares de gestão, tais como gerir tesouraria, património e outros.
15. Saber gerir as dívidas e negociá-las não está ao alcance de qualquer gestor, empresário, economista ou administrador judicial.
16. Pelo que “in casu” mal andou o Tribunal “a quo” ao desconsiderar a argumentação da Devedora/Recorrente, fundamentando-se apenas na “… conveniência de distribuir de modo equitativo os processos em que seja necessária a intervenção de administrador judicial, assim se salvaguardando outrossim a transparência e a equidistância de tal interveniente processual relativamente a todos os interessados.”
17. Este exíguo entendimento/tese impediria sempre a nomeação do AJP indicado pelas partes, por não atender às especiais razões alegadas para a sua indicação mesmo encarando-a como exceção á regra.
18. Inequívoco é que, nos termos do preceituado no art. 32°, n.°1, do CIRE, nomeação do Administrador da Insolvência é da competência do juiz.
Porém,
19. O legislador regulamenta os termos em que essa competência deve ser exercida permitindo ao Devedor/Recorrente, indicar a pessoa a nomear.
20. Quer em sede de revitalização quer de insolvência, se só o devedor indicar a pessoa/entidade a nomear para tal cargo e esta constar das ditas listas oficiais, o Juiz do processo deve, em princípio, acolher essa indicação, a não ser que tenha motivos que a desaconselhem – o que não se verificou.
21. Em qualquer dos casos, quando não acolher as indicações, do devedor, do credor, da comissão de credores, ou de todos -, o Juiz/Tribunal deve fundamentar esse não acolhimento e as razões que o levaram a nomear uma terceira pessoa/entidade - esta exigência de fundamentação decorre do que estabelecem os arts. 154º nº 1 e 607º nº 3 do CPC.
22. A não nomeação do AJP indicado pela Devedora /Apelante viola o disposto nos artºs 32, nº 1, artºs. 52, nº 2 (1ª parte) do CIRE, e os artº 154 nº 1, 607 nº3 e 615 nº 1 alíneas b) e c) do C.P.C.
Termos em que, deve ser julgada procedente a apelação e anular parcialmente a decisão recorrida, na parte em que nomeou como administrador Judicial Provisório o Sr. Dr. João P…, nomeando-se agora, para exercer o cargo, Sr. Dr. José E…, NIF …, com domicílio profissional na Rua dos …, …- …, …,Telefone … e E-MAIL: …, constante das listagens publicadas pela CAAJ, cuja última data de 22 de fevereiro de 2019 - ART.º 52º, N.º 2 DO C.I.R.E
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Não se mostram juntas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II – Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil -, constata-se que as questões a decidir são as seguintes:
a) Nulidade da decisão;
b) Se deve ser nomeado o Administrador Judicial Provisório indicado pelo devedor no seu requerimento inicial que deu origem ao PER.
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III – Fundamentação fáctico-jurídica.
1. Matéria de facto.
Para além do teor do despacho recorrido mencionado no antecedente relatório, importa atender ainda que o devedor no seu requerimento inicial requereu o seguinte:
1. NOMEAÇÃO COMO ADMINISTRADOR JUDICIAL PROVISÓRIO, DO ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA, Nº 419 - DR. JOSÉ E…, NIF …, COM DOMICÍLIO PROFISSIONAL NA RUA DOS …, …-…, …, QUE TAMBÉM É ECONOMISTA E T.O.C. INSCRITO NA ORDEM DOS TÉCNICOS OFICIAIS DE CONTAS E NA LISTA OFICIAL DE ADMINISTRADORES DE INSOLVÊNCIA, HÁ LONGOS ANOS, ESPECIALMENTE HABILITADO A PRATICAR ATOS DE GESTÃO, NOS DISTRITOS JUDICIAS DE PORTO, COIMBRA, LISBOA, ÉVORA, ILHA DA MADEIRA, CONSTANTE DAS LISTAGENS PUBLICADAS PELA COMISSÃO DE ACOMPANHAMENTO DOS AUXILIARES DE JUSTIÇA, CUJA ULTIMA, É DATADA DE 22 DE FEVEREIRO DE 2019 – ART.º 52º, N.º 2 DO C.I.R.E. E TELEFONE … E E-MAIL: …, porque este:
- Reúne, idoneidade técnica para a função e conhecimentos satisfatórios sobre o juízo universal e aptidão para o desempenho das atividades que compõem a sua competência no exercício da profissão, merecendo a confiança dos credores e do Tribunal.
- Previamente contactado pela Devedora que lhe expôs a sua situação manifestou expressamente, disponibilidade para aceitação do cargo no presente processo, por conhecer a fundo a situação da Requerente e do sector da metalomecânica em especial, e dos mais relevantes elementos á sua recuperação, bem como do esboço do plano de revitalização e pagamentos que se pretende negociar com os credores.
- E ainda porque, nessa medida, foi quem explicou prévia e convenientemente todas as previsões e expectativas que serão objeto de negociação com o universo dos credores, em função do projeto de Plano de Revitalização que a Devedora pretende por á consideração de todos, e que esta, por sua vez, explicou convenientemente e precisamente aos dois credores, que a acompanham e apoiam convictamente, em bem mais de 10% (cerca de 13%), como consta das declarações juntas aos autos e que os instrui nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 1 e 2 do artº 17-C do CIRE.
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2. O direito.
2.1. Nulidades por falta de fundamentação e omissão de pronúncia.
Diz a recorrente que a decisão recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação, nos termos dos artºs 154º nº 1 e º 615 nº 1 alíneas b) e c) do C.P.C, já que não fundamenta a razão pela qual não nomeou o AJP por si indicado e não se pronunciou sobre nenhum dos argumentos alegados pela devedora / requerente a favor da nomeação do AJP que indicou.
Ora, quanto à falta de pronúncia sobre os argumentos por si adiantados no requerimento inicial é evidente inexistir qualquer nulidade.
Com efeito, de acordo com a 1.ª parte da alínea d), do n.º1, do art.º 615.º do C. P. Civil, a sentença é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.
O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras – art.º 608.º/2 do C. P. Civil.
E a decisão padece do vício da nulidade quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Tem sido entendimento pacífico da doutrina e na jurisprudência, que apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal.
Questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do art.º 615º nº 1, al. d), do CPC. Daí que, se na sua apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este se não pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia.
Como escreve Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9.ª Edição, pág. 57, “trata-se de nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda”. E acrescenta, citando Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado, Volume V, pg. 143, que “são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.
Ora, no caso dos autos, o senhor Juiz procedeu à nomeação do AJP como lhe competia e lhe impõe o n.º1 do art.º 32.º do CIRE ex vi art.º 17.º-C/4 [1].
Assim, pronunciou-se sobre a questão que devia conhecer, não estando obrigado a conhecer todos os argumentos invocados pelo devedor quanto à sua nomeação.
E o mesmo se dirá quanto á falta de fundamentação da decisão.
Com efeito, nos termos do art.º 615º, n.º 1, alínea b), do C. P. Civil, a sentença é nula quando: Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
A causa de nulidade referida ocorre quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão, violando o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (art. 208º, n.º 1, C. R. P. e art. 154º, n.º 1, do C. P. Civil).
Como ensina Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 221: “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”.
Também Lebre de Freitas, in C. P. Civil, pág. 297, sublinha que “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”.
E já o Professor Alberto dos Reis, in C. P. Civil, Anotado, Vol. V, pág. 140, lembrava que “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
No caso concreto, é evidente não se detetar na decisão recorrida essa nulidade, por falta absoluta de fundamentação, visto que a decisão recorrida enuncia os fundamentos de direito que justificam essa nomeação, ao mencionar, como sublinha a recorrente: “Nomeio para desempenhar as funções de administrador judicial o Sr. Dr. João P… constante da lista oficial, cuja nomeação tem por base o sistema de nomeação aleatória, integrado na plataforma citius, atenta a conveniência de distribuir de modo equitativo os processos em que seja necessária a intervenção de administrador judicial, assim se salvaguardando outrossim a transparência e a equidistância de tal interveniente processual relativamente a todos os interessados”, ou seja, essa nomeação teve por base a sua inscrição na lista oficial e ser aleatória, permitindo uma distribuição equitativa dos processos e salvaguardando a transparência e equidistância do nomeado face à devedora e demais eventuais interessados.
Mas, ainda que assim não se entendesse, sempre essa putativa nulidade não impediria o conhecimento do presente recurso, face à regra de substituição ínsita no art.º 665.º/1 do CPC.
Improcedem, pois, as apontadas nulidades.
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2.2. Da atendibilidade da indicação de administrador judicial provisório do PER efetuada pela devedora no seu requerimento inicial.
No caso dos autos está em causa saber se o senhor Juiz devia ter atendido à indicação do AJP indicado pelo devedor, nomeando-o, como pretende a recorrente.
Ora, reza o atual n.º4 do art.º 17.º-C do CIRE que “Recebido o requerimento referido no número anterior, o juiz nomeia de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos art.ºs 32.º a 34.º com as devidas adaptações”.
E quanto à escolha do administrador judicial provisório estatui o n.º1 do art.º 32.º do CIRE:
“A escolha do administrador judicial provisório recai em entidade inscrita na lista oficial de administradores da insolvência, podendo o juiz ter em conta a proposta eventualmente feita na petição inicial no caso de processos em que seja previsível a existência de atos de gestão que requeiram especiais conhecimentos ou quando o devedor seja uma sociedade comercial em relação de domínio ou de grupo com outras sociedades cuja insolvência haja sido requerida e se pretenda a nomeação do mesmo administrador nos diversos processos”.
Convém sublinhar que a nomeação do AJP no âmbito do PER não se confunde com a nomeação de administrador judicial no âmbito do processo de insolvência e regulado no art.º 52.º do CIRE, cuja nomeação, apesar de competir ao juiz nos termos do n.º1 do art.º 32.º, estabelece por sua vez o nº 2 que nessa nomeação pode ter em conta as indicações que sejam feitas pelo próprio devedor ou pela comissão de credores, se existir, cabendo a preferência, na primeira designação, ao administrador judicial provisório em exercício de funções à data da declaração da insolvência [2].
Por sua vez, acrescenta o n.1 do art.º 13.º do Estatuto do Administrador Judicial, aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro, que sem prejuízo do disposto no art.º 53.º do CIRE, apenas podem ser nomeados administradores judiciais aqueles que constem de listas oficiais e, sem prejuízo do n.º2 do art.º 52.º do CIRE, “a nomeação efetuar pelo juiz processa-se por meio de sistema informático que assegure a aleatoriedade da escolha e a distribuição em idêntico número dos administradores judiciais nos processos”.
Das citadas disposições legais resulta que, no âmbito do PER, a nomeação do administrador judicial provisório compete ao juiz, a qual terá lugar imediatamente ao recebimento do requerimento apresentado pela empresa a comunicar a sua intenção de beneficiar desse processo, a qual deve incidir sobre administrador que conste de listas oficiais, nomeação que se processa por meio de sistema informático que assegure a aleatoriedade da escolha e distribuição em idêntico número dos administradores judiciais nos processos, podendo essa nomeação incidir sobre administrador judicial indicado pelo devedor no seu requerimento inicial desde que seja previsível existência de atos de gestão que requeiram especiais conhecimentos ou quando o devedor seja uma sociedade em relação de domínio ou de grupo com outras sociedades (o que não é o caso).
A propósito da redação do n.º1 do art.º 32.º do CIRE, escrevem Carvalho Fernandes e João Labareda, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 2.ª Edição, Quid Juris, pág. 251, anotação n.º 4: “Na sua redação primitiva, o n.º1 deste preceito legal dispunha que o juiz escolhe o administrador judicial provisório “tendo em conta a proposta eventualmente feita na petição inicial”. Na sua nova redação, foi alargado o poder decisório do juiz nesta matéria por duas vias: quando passou a dizer-se que o juiz pode ter em conta a proposta eventualmente contida na petição inicial; e, sobretudo, quando limita atendibilidade dessa proposta aos casos de processos “em que seja previsível a existência de atos de gestão que requeiram especiais conhecimentos”.
Assim, como também se decidiu nesta Relação, em acórdão proferido em 22 de fevereiro de 2018, no processo n.º 2649/17.3T8STR.E1 (Relator: Manuel Bargado), no qual o ora relator interveio como 2.º adjunto, “face ao estabelecido no citado nº 1 do art. 32º do CIRE, nos termos do qual, em resultado da alteração introduzida pelo DL 282/2007, de 07 de Agosto, em regra, a nomeação do administrador passou a ser feita de forma aleatória (tendo em vista assegurar o critério da igualdade), sem necessidade de se atender à indicação do requerente ou do devedor, a possibilidade de o juiz atender a esta indicação fica restringida aos casos em que seja previsível que estejam em causa atos de gestão que requeiram especiais conhecimentos ou quando o devedor seja uma sociedade comercial em relação de domínio ou de grupo com outras sociedades cuja insolvência haja sido requerida e se pretenda a nomeação do mesmo administrador nos diversos processos”.
Ora, a verdade é que no caso em apreço, a recorrente não indicou no seu requerimento inicial qualquer facto demonstrativo de ser previsível estar em causa atos de gestão que requeiram especiais conhecimentos, limitando-se a afirmar que o administrador indicado reúne idoneidade técnica para a função e conhecimentos satisfatórios sobre o juízo universal e aptidão para o desempenho das atividades que compõem a sua competência no exercício da profissão, merecendo a confiança dos credores e do Tribunal”, sendo certo que estas qualidades também devem ser reconhecidas ao AJP nomeado na decisão recorrida, visto que ao integrar as listas oficiais dos administradores judiciais é-lhes reconhecida idoneidade, competência e isenção.
Com o devido respeito, qualquer outra leitura do regime previsto no n.º1 do art.º 32.º do CIRE, nomeadamente de que deva prevalecer, na ausência de qualquer razão que o desaconselhe, a nomeação do administrador judicial proposto pelo requerente, não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, consabido que a letra da lei constitui o ponto de partida e o limite de toda a interpretação, ou como ensina Oliveira Ascensão, “O Direito”, 13.ª edição, 2005, pág. 396, “A letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação” (art.º 9.º/2 do C. Civil) [4].
Daí se entender que se o legislador quisesse impor ao juiz a nomeação do AJP indicado pelo devedor, nos termos do n.º1 do citado art.º 32.º, em vez de utilizar a expressão “podendo” teria dito “devendo” essa nomeação incidir…
Destarte, ainda que que no requerimento inicial o devedor invocasse existência de gestão que requeiram especiais conhecimentos, o juiz não está vinculado a essa nomeação.
Resumindo, o Senhor Juiz não estava vinculado a nomear o AJP indicado pela recorrente na sua petição inicial, nada impedindo que a nomeação incida sobre administrador judicial inscrito nas listas oficiais, nos termos do sistema informático referido, já que a lei apenas lhe confere a mera possibilidade (e não dever) de atender a essa nomeação desde que se trate de processos em que seja previsível a existência de atos de gestão que requeriam especiais conhecimentos, o que não é manifestamente o caso.
E porque a decisão recorrida respeitou o critério legal exigido, é de manter.
Improcede, pois, a apelação.
Vencida no recurso, suportará a recorrente as custas devidas – art.º 527.º/1 e 2 do CPC.
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IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.
No âmbito do PER, na nomeação do administrador judicial provisório, nos termos do n.º1 do art.º 32.º do CIRE ex vi art.º 17.º-C/4, o Juiz não está vinculado à indicação pelo devedor na sua petição inicial, nada impedindo que a nomeação incida sobre administrador judicial inscrito nas listas oficiais, nos termos do sistema informático, já que a lei apenas lhe confere a mera possibilidade (e não dever) de atender a essa nomeação e desde que se trate de processos em que seja previsível a existência de atos de gestão que requeriam especiais conhecimentos.
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V. Decisão.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Évora, 2019/09/26
Tomé Ramião
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
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[1] Com a redação do DL nº 79/2017, de 30 de junho.
[2] Podendo ser substituído por acordo dos credores, reunidos em assembleia de credores, nos termos do art.º 53.
[3] Cf. os acórdãos desta Relação de 05.11.2015 (do mesmo relator), proc. 6820/15.4T8STB-A.E1 e de 12.07.2012, proc. 287/12.6TBENT-A.E1, os acórdãos da Relação do Porto de 16.06.2014, proc. 449/14.1TJPRT-A.P1, e de 31.01.2012, proc. 495/11.7TYVNG-B.P1 e da Relação de Coimbra de 11.07.2012, proc. 134/12.9TBPBL-A.C1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[4] Em sentido contrário se pronunciou o Ac. desta Relação de 15/12/2016, proc. n.º 5692/16.6T8STB-A.E1 (Relator: José Tomé de Carvalho), in www.dgsi.pt.