Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
14/14.3GAVVC.E1
Relator: CARLOS BERGUETE COELHO
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
UNIDADE E PLURALIDADE DE INFRAÇÕES
CRIME DE TRATO SUCESSIVO
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 10/11/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário:
I - A caracterização, ou não, do crime como de trato sucessivo, que a lei expressamente não prevê, deve ser aferida da apreciação global das circunstâncias que se deparem, para determinar, em razão delas, quais os juízos de censura, definidos como ficou referido, que mereçam ser valorados, na perspectiva dos aludidos sentidos da vida jurídico-penalmente relevantes que vivem no comportamento global.

II - Assim, aceitando-se que o crime de trato sucessivo se revele como similar ao que vem sendo entendido como crime habitual e, por isso, manifestado por actos reiterados,esses actos haverão ainda que ser sucessivos, com o sentido de que se apresentem homogéneos, num mesmo contexto situacional e num curto período temporal, sem fractura no seu desenvolvimento, a que preside uma unidade resolutiva. Bem como, no caso de bens eminentemente pessoais (para quem o admita), incidindo numa mesma e única vítima.

III - Por seu lado, tal unidade resolutiva distingue-se, em rigor, de única resolução, uma vez que reflecte dimensão que não se queda pela dita resolução e traduz, sim, a percepção desse comportamento global, que só pode ter-se por um todo sucessivo quando, não só subjectiva, como também objectivamente, a actuação revele aqueles aspectos que propendem para a desnecessidade de renovação da motivação do agente, sem perder de vista, pois, certa unidade natural de acção.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

1. RELATÓRIO

Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, com o número em epígrafe, da Instância Central e Comarca de Évora, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido J, imputando-lhe a prática, em autoria material e concurso real, de oito crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal (CP).

O arguido não apresentou contestação.
Realizado julgamento e proferido acórdão, decidiu-se:

- absolver o arguido da prática de sete crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171.º, n.ºs 1 e 2, do CP;

- condenar o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171.º, n.ºs 1 e 2, do CP, na pena de 5 (cinco) anos de prisão.

Inconformados com a decisão, o arguido e o Ministério Público interpuseram recursos, formulando, respectivamente, as conclusões:

- o arguido:
1ª) O tribunal “a quo” ao dar como facto não provado o arrependimento do recorrente cometeu um erro de julgamento.
2ª) O recorrente confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe eram imputados, verbalizando o seu arrependimento.
3ª) O recorrente podia ter-se remetido ao silêncio, podia inclusivamente ter mentido ao tribunal, mas, não o fez.
4ª) Ficou provado que o recorrente apresenta sinais de tristeza e de sofrimento.
5ª) Tais sinais não são senão a exteriorização do seu arrependimento, tendo interiorizado o desvalor da sua conduta
6ª) Estes factos provam o arrependimento sincero do recorrente pelo mal causado à vitima.
7ª) Deve o tribunal “ad quem” reparar tal erro e dar como provado o arrependimento do recorrente.
8ª) O douto tribunal “a quo” ao formular um juízo de prognose desfavorável ao recorrente não levou na devida consideração todas as circunstâncias que militam a favor do recorrente.
9ª) O recorrente não revela uma personalidade perigosa ou com tendência para a criminalidade.
10ª) Está profissionalmente integrado e adaptado ao meio em que vive.
11ª) Não tem antecedentes criminais.
12ª) Está arrependido dos factos praticados e do mal causado à vítima.
13ª) Ponderando estas circunstâncias favoráveis ao recorrente impunha-se que a pena de prisão a que o mesmo foi condenado fosse suspensa na sua execução.
14ª) Se as exigências de prevenção geral pela prática deste ilícito são elevadas, as exigências de prevenção especial são menores.
15ª) Basta a simples ameaça de pena de prisão para dissuadir o recorrente da prática de futuros crimes.
16ª) Violou o douto acórdão recorrido os artigos 40 nº1, 50 e 53 nº4 do Código Penal.

Nestes termos deverá o douto acórdão recorrido ser revogado na parte em que dá como não provado o arrependimento do arguido, dando-se como provado o arrependimento do mesmo e, deverá a pena de 5 (cinco) anos de prisão efectiva a que o arguido foi condenado ser suspensa na sua execução, fazendo-se assim justiça.

- o Ministério Público:

1 - O Ministério Público entende que o Tribunal Colectivo errou ao decidir-se pela condenação do arguido J, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um (1) crime de abuso sexual de criança p. e p. pelo art. 171.º n.ºs. 1 e 2, do Cód. Penal, em trato sucessivo, com fundamento em que agiu ao abrigo de uma única resolução criminosa, em violação do disposto no artº 30º, nº 1, do Cód. Penal.

2 - Conforme decidido no Ac. do STJ de 22.04.2015, proferido no Proc. nº 45/13.0JASTB.L1.S1, não é «a unidade de resolução que pode conferir a uma reiteração de actos homogéneos o cariz de crime de trato sucessivo, que se identifica com a categoria legal do crime habitual, mas somente a estrutura do respectivo tipo incriminador, que há-de supor a reiteração.»

3 - O crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artº 171º, nºs. 1 e 2, do Cód. Penal não possui tal estrutura pois não pressupõe essa reiteração.

4 - Pelo que deve o arguido ser condenado por oito (8) crimes de abuso sexual de criança p. e p. pelo art. 171.º n.ºs. 1 e 2, do Cód. Penal, tal como foi acusado, na pena de cinco (5) anos de prisão por cada um deles.

5 - Segundo as regras da punição do concurso, o limite mínimo da pena aplicável ao arguido é de cinco (5) anos e o limite máximo quarenta (40) anos de prisão- nº 2, do artº 77º, do Cód. Penal.

6 - Ponderando os factos na sua globalidade, como exige o artº 77º, nº 2, do Cód. Penal, nomeadamente, a pouca idade da A. na à data da prática dos factos (12 anos de idade), mas apresentando uma perturbação do desenvolvimento cognitivo em grau moderado, com défice das funções intelectuais, e sem uma maturidade compatível com a sua idade real; a perpetuação dos factos durante quatro dias; a personalidade do arguido, distanciada de valores fundamentais e socialmente relevantes, levando-o a relacionar-se sexualmente com uma menor de doze anos de idade que se lhe dirigiu pedindo ajuda por ter sido maltratada pelo padrasto, encontrando-se em fuga da sua casa, necessariamente fragilizada, circunstâncias de que o arguido se aproveitou para a levar para a sua casa e ali manter com ela relações sexuais de cópula completa, com o único propósito de «satisfazer os seus instintos libidinosos», sabendo «que punha em causa a livre determinação sexual» da A. «que não tinha idade para se determinar livremente para a prática de actos sexuais daquela natureza, conforme o arguido bem sabia», mostra-se adequada e proporcional a condenação do arguido na pena única de oito (8) anos de prisão.

7 - Caso assim não se entenda, subsidiariamente, deverá a pena aplicada ser agravada porquanto, considerando, os critérios fixados no artº 71º, nº 2, do Cód. Penal, ou seja:

8 - O grau de ilicitude muito elevado, expresso na diversidade dos actos sexuais desenvolvidos com a menor; por oito vezes, durante quatro dias seguidos; na idade da menor à data dos factos (12 anos); na forma como o arguido conseguia ficar sozinho com ela (ganhando primeiro a sua confiança nas conversas que com ela manteve durante o período anterior à prática dos factos).

9 - A culpa, também de grau muito elevado: o arguido agiu com dolo muito intenso (dolo directo) e contra uma menor que tinha fugido de casa, por ser maltratada e apresentando uma perturbação do desenvolvimento cognitivo em grau moderado, com défice das funções intelectuais, e não tem uma maturidade compatível com a sua idade real, pelo que se encontrava bastante fragilizada, circunstância que o arguido explorou para com ela manter trato sexual, para satisfação dos seus instintos libidinosos em vez de a ajudar a superar as suas dificuldades;

10 - A forte necessidade de prevenção geral deste tipo de condutas, gravemente atentatórias de direitos fundamentais das crianças, seres particularmente indefesos, e que geram forte repulsa na comunidade em geral. O aumento significativo deste tipo de crimes que se vem registando, ou pelo menos conhecendo, impõe que se desencoraje a sua prática, assim se repondo a confiança da comunidade na eficácia do ordenamento jurídico;

11 - A conduta anterior aos factos: o arguido não tem antecedentes criminais registados, circunstância que não podendo traduzir qualquer prémio, posto que é dever de qualquer cidadão manter uma conduta conforme com o direito, não será aqui de desconsiderar totalmente, atenta a sua idade à data da prática dos factos.

12 - A conduta posterior aos factos e as necessidades de prevenção especial: o arguido confessou os factos tal como se provaram.

13 - Sopesando as circunstâncias indicadas, conforme determinado no artº 71º, do Cód. Penal, donde ressalta à evidência a forte preponderância das de cariz agravante deverá aplicar-se ao arguido uma pena não inferior a sete (7) anos e seis (6) meses de prisão.

Nesta conformidade, deverão V.as Ex.as revogar parte do Acórdão recorrido e condenar o arguido nos termos aqui preconizados.

Os recursos foram admitidos.

O Ministério Público apresentou resposta ao recurso do arguido, concluindo:

1. Tendo o arguido sido instado pelo tribunal, aos 03’.20” e segs. das suas declarações, a esclarecer os termos do seu alegado arrependimento e respondido:

Arguido: Estou muito arrependido.
Juiz: Está arrependido porquê? Porque está aqui hoje a ser julgado?
Arguido: Sim!
Juiz: Porque teve esta consequência, foi só isso?
Arguido: Sim! Estou arrependido! Muito! A minha vida a andar para trás, não sei …
Juiz: O senhor já pensou na situação desta menor, com os problemas que ela tem, isso já o fez pensar alguma coisa sobre isso?

2. A que se seguiu um pesado silêncio do arguido que não teve qualquer palavra para a vítima.

3. Constata-se que o arrependimento manifestado pelo arguido é puramente egoísta, reportando-se apenas à sua preocupação com a sua situação pessoal, com as consequências que para si podem advir de terem sido descobertos os seus actos e não um arrependimento pela prática desses, como bem revelou o Tribunal no Acórdão.

4. Pelo que o Tribunal não incorreu em erro de julgamento ao considerar como não provado o arrependimento do arguido.

5. Ainda que se entenda que a pena aplicada ao arguido está devidamente quantificada afigura-se que não pode ser suspensa a sua execução ainda que com o cumprimento de condições.

6. A necessidade de repor a confiança da comunidade nas normas violadas e a impossibilidade de formular um juízo de prognose social favorável ao arguido impedem que se decida pela suspensão da execução da pena de prisão a que foi condenado, por aplicação do disposto no artº 50º, do Cód. Penal.

Nesta conformidade, negando provimento ao recurso V.as Ex.as afirmarão a costumada Justiça.

Neste Tribunal da Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, subscrevendo a motivação e a resposta do Ministério Público, no sentido da procedência do recurso do último e da improcedência do recurso do arguido.

Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), o arguido nada veio acrescentar.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto de cada recurso define-se pelas conclusões que o respectivo recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam, as cominadas com nulidade do acórdão (art. 379.º, n.º 1, do CPP), os vícios da decisão e as nulidades que não se considerem sanadas (art. 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP), designadamente conforme jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário Secção Criminal STJ n.º 7/95, de 19.10 (publicado in D.R. I-A Série de 28.12.1995) e, ainda, entre outros, os acórdãos do STJ: de 25.06.1998, in BMJ n.º 478, pág. 242; de 03.02.1999, in BMJ n.º 484, pág. 271; e de 12.09.2007, no proc. n.º 07P2583, in www.dgsi.pt; e, ainda, Simas Santos/Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 3.ª edição, pág. 48, e Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1994, vol. III, págs. 320/321.

Delimitando-os, sem embargo de que a apreciação e decisão de alguma questão implique que o conhecimento de outra(s) fique afastado, reside em analisar:

- recurso do arguido:
A) - da impugnação de matéria de facto;
B) - da suspensão da execução da prisão.

- recurso do Ministério Público:
A) - da qualificação jurídica dos factos;
B) - da medida da pena.

Segundo lógica sequência, independentemente da definida ordenação para cada um dos recursos, a análise começará pelo que diz respeito à matéria de facto, seguida do atinente ao seu enquadramento jurídico e concluindo pela medida da pena.

Ao nível da matéria de facto, consta do acórdão recorrido:

Factos provados:
1- A. nasceu no dia 13.07.2000, em Negresti-Oas, Roménia, tendo à data dos factos que infra se descrevem, 12 (doze) anos de idade;

2- A A. apresenta uma perturbação do desenvolvimento cognitivo em grau moderado, com défice das funções intelectuais, e não tem uma maturidade compatível com a sua idade real, o que se traduz, no plano social, por relações frustrantes com adultos e dificuldade em interiorizar regras de conduta;

3- Nas circunstâncias de tempo que se passam a relatar, a menor vivia com a mãe ML e com o padrasto IV ambos cidadãos romenos a residir em Borba;

4- Em consequência da sua imaturidade, quando contrariada pelo padrasto e pela mãe, era frequente a menor A. fugir de casa, vagueando por Borba, designadamente, pelo jardim municipal, sito no Largo dos Combatentes;

5- Numa dessas ocasiões, em data não concretamente apurada mas certamente no início de Janeiro de 2013, a menor A. conheceu o arguido que, na qualidade de assistente operacional da Câmara Municipal de Borba, se encontrava a trabalhar no jardim municipal supra referido;

6- Desde Janeiro até Maio de 2013, era frequente a A. se deslocar ao aludido jardim para conversar com o arguido, tendo-lhe este dito onde residia;

7- Sucede que em data não apurada, mas no período compreendido entre 14 e 18 de maio de 2013, a menor A. dirigiu-se, pelas 20.30 horas à residência do arguido, sita na Rua …, em Borba, dizendo-lhe que tinha fugido de casa porque o padrasto a tratava mal, pedindo-lhe para ali ficar;

8- O arguido anuiu, firmando logo o propósito de manter relações sexuais de cópula completa com a A., sempre que a ocasião se proporcionasse, designadamente, por se encontrar a sós com a mesma, no interior da sua residência;

9- Assim que ambos entraram na residência, o arguido começou a beijar a A. na boca, enquanto lhe apalpava os seios e acariciava o corpo;

10- Após, ambos se dirigiram ao quarto do arguido, despiram-se completamente, tendo aquele colocado o seu pénis na boca da A., começando a menor a fazer movimentos descendentes e ascendentes com a cabeça;

11- De seguida, o arguido introduziu o pénis erecto na vagina da A. e fez com o seu corpo movimentos ascendentes e descendentes próprios da relação sexual, até ejacular dentro da sua vagina;

12- Nessa mesma noite, e após o arguido e a menor terem jantado juntos, no interior da residência, os factos referidos em 9 a 11 repetiram-se;

13- Terminada a relação sexual, o arguido dormiu com A. na mesma cama, no interior do seu quarto;

14- No dia seguinte, a menor permaneceu em casa do arguido, durante todo o dia, tendo o mesmo saído para trabalhar;

15- Quando chegou a casa pelas 18.00 horas, os factos referidos em 9 a 11 aconteceram por mais duas vezes, antes e após o arguido e A. jantarem;

16- Nesse mesmo dia o arguido voltou a dormir com a menor na mesma cama no interior do seu quarto;

17- A factualidade vertida em 9 a 11 repetiu-se, ainda, nos dois dias seguintes, tendo apenas terminado quando o arguido pediu à menor A. que abandonasse a sua residência, uma vez que os seus filhos aí iam passar o fim-de-semana;

18- O arguido usou preservativo em todos os actos sexuais praticados com a menor;

19- Ao agir da forma descrita, quis e logrou o arguido satisfazer os seus instintos libidinosos, beijando a boca da menor A., apalpando os seus seios, pondo-lhe o pénis na boca, penetrando-a até ejacular no interior da sua vagina, bem sabendo que, ao fazê-lo, a ofendia na sua liberdade e desenvolvimento sexual, ofendendo ainda o seu sentimento de timidez e de vergonha, não obstante ter perfeita consciência da sua idade e que esta não tinha o necessário discernimento para livremente consentir na prática de quaisquer actos sexuais;

20- Em tudo o arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas não eram permitidas por lei.

Provou-se ainda que:

21- O arguido confessou toda a sua conduta;

22- Não possui antecedentes criminais;

23- O arguido é o mais velho de três irmãos e cresceu num agregado familiar de humilde condição socioeconómica; os pais trabalhavam em vacarias e como trabalhadores rurais, habitando os montes das propriedades onde trabalhavam, o que determinou a ausência de morada fixa;

24- O arguido completou o 4.º ano de escolaridade com várias retenções, demonstrando desinteresse e dificuldades de aprendizagem; com 22 anos retomou os estudos e concluiu o 5.º ano de escolaridade;

25- Aos 14 anos passou a ajudar o pai como guardador de gado e mais tarde como trabalhador agrícola; aos 18/19 anos ingressou como operário na Adega Cooperativa de Borba, passando a residir nessa localidade; três anos mais tarde iniciou funções como assistente operacional da Câmara Municipal de Borba, funções que mantém na actualidade;

26- O arguido casou aos 33 anos, relação da qual nasceram três filhos menores, com 17, 15 e 14 anos de idade; há aproximadamente oito anos o casamento terminou, ficando o arguido a habitar a casa de morada de família com os filhos que, pouco depois, passaram a estar ao cuidado de familiares próximos, embora o arguido mantenha proximidade com os mesmos, através de visitas que estes lhe fazem na sua residência;

27- Actualmente o arguido vive sozinho, não tendo qualquer proximidade ou relação com a família de origem, por afastamento desta;

28- O arguido aufere salário mensal líquido de cerca de € 600,00 (seiscentos euros), paga empréstimo bancário pela aquisição da habitação, no valor mensal de cerca de € 200,00 (duzentos euros), suporta prestação de alimentos aos filhos menores no valor mensal de € 120,00 (cento e vinte euros) e tem o desconto mensal em função de penhora no montante de € 177,15 (cento e setenta e sete euros e quinze cêntimos);

29- O arguido é apoiado diariamente, ao nível das refeições, pela Santa Casa da Misericórdia de Borba e tem ainda algum apoio pontual do Presidente da Junta de Freguesia e da Cáritas;

30- O arguido passa os seus tempos livres a trabalhar numa horta que possui contígua à sua habitação;

31- O arguido apresenta reduzidas competências pessoais, desorganizando-se economicamente, mas está adaptado ao meio onde reside e trabalha, embora se tenha isolado em casa;

32- O arguido apresenta sinais de tristeza e sofrimento, preocupando-se com as consequências penais dos factos que cometeu.

Factos não provados:
Com relevo para a decisão a proferir, ficou apenas por apurar que o arguido se mostra arrependido dos factos cometidos.

Convicção do Tribunal:
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica de toda a prova produzida e examinada em audiência de julgamento.

Considerou-se, desde logo, a posição manifestada em audiência por parte do arguido, que, de forma convincente, admitiu os factos praticados e reconheceu a menor A. na fotografia de fls. 10 dos autos.

Em conjugação com a confissão do arguido, consideraram-se as declarações para memória futura, prestadas pela menor que, embora com alguma relutância em descrever os factos, foi referindo o sucedido de forma credível.

Acresce o que resulta do depoimento da testemunha MF, assistente social e directora da instituição onde a menor foi acolhida após os factos. Esta testemunha, depondo de forma objectiva e desinteressada, em coerência com o relatório de fls. 147 e seguintes, descreveu o comportamento da menor, o que a mesma relativa sobre o sucedido e o contacto que teve com o arguido, a aparência física adequada à idade da mesma, mas um comportamento típico de uma criança de apenas 5/6 anos de idade.

Consideraram-se ainda vários elementos constantes dos autos, concretamente, a referida fotografia da menor, constante de fls. 10, da mesma se extraindo a aparência física normal e adequada a uma criança da sua idade; os documentos de identificação da mesma a fls. 14 e 127, reveladores da sua data de nascimento, naturalidade e filiação; o exame médico-legal elaborado, cujo relatório consta de fls. 56 e seguintes, no mesmo se consignado, para além do mais, o já referido desenvolvimento físico e sexual compatível com a idade real da menor; o relatório da segurança social de fls. 128, traduz a composição do agregado familiar da menor à data dos factos, bem como a situação psicológica da mesma e seu comportamento; mais se considerou a perícia psicológica da menor, cujo relatório consta de fls. 279 e seguintes, do qual se extrai, de forma clara, a perturbação e défice das funções intelectuais da menor o que, aliás, já se denotava no âmbito das declarações que prestou no âmbito dos presentes autos.

Por último, o Tribunal considerou o Certificado de Registo Criminal do arguido (fls. 297), o relatório social relativo ao mesmo (fls. 279 e seguintes), bem como o que o mesmo referiu em sede de julgamento quanto à sua situação social e económica.

Cumpre referir, ainda, que o Tribunal não fez fé no afirmado arrependimento do arguido, na medida em que o arguido verbalizou apenas a sua preocupação com as consequências penais dos factos praticados, sendo incapaz de reconhecer a censurabilidade da sua conduta na perspectiva da vítima, apesar de instado para o efeito.

Apreciando:

- recurso do arguido:
A) - da impugnação de matéria de facto:
A modificação da matéria de facto pode verificar-se, segundo o disposto no art. 431.º do CPP, além do mais, “se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º”.

Tem-se, aqui, em vista, a impugnação traduzida na análise da prova, por reapreciação da mesma, não obstante dentro dos limites decorrentes do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 desse art. 412.º, na medida em que, como vem sendo pacificamente entendido, o recurso é mero remédio jurídico, e não novo julgamento com repetição dos meios de prova produzidos em 1.ª instância - exceptuado o caso em que seja admissível a renovação da prova -, para despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo.

Já Cunha Rodrigues o salientava, in “Lugares do Direito”, Coimbra Editora, 1999, págs. 498/499, ao referir que o Código de Processo Penal assume claramente os recursos como remédios jurídicos e não como meios de refinamento jurisprudencial, não visando o único objectivo de uma «melhor justiça».

Também, segundo Damião da Cunha, in “A Estrutura dos Recursos”, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 8, Abril-Julho, 1998, págs. 259 e seg., os recursos configuram-se no Código de Processo Penal como um remédio e não como um novo julgamento sobre o objecto do processo (…) Assim, ao recorrente é exigido que apresente os pontos de facto que mereçam a censura de incorrectamente decididos (…) Não basta, porém, que no recurso manifeste a discordância e, bem assim, as provas (…) que não só demonstrem a possível incorrecção decisória, mas também permitam configurar uma alternativa decisória.

A este propósito, lê-se no acórdão do STJ de 10.03.2010, in CJ Acs. STJ ano XVIII, tomo I, pág. 219, Como o Supremo Tribunal de Justiça tem reafirmado o recurso da matéria de facto perante a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento não existisse, tratando-se de um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento (…) O objeto do 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a Relação, mas, mais singelamente, a deteção e correção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento (…) A intromissão da Relação no domínio factual cingir-se-á a uma intervenção "cirúrgica", no sentido de delimitada, restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correção, se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação (…) A juzante impor-se-á um último limite que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitam uma outra decisão.

Apresentando-se com uma finalidade processualmente específica e justificada, os contornos necessários à impugnação de facto nessa vertente ficaram devidamente explicitados no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ n.º 3/2012, de 08.03 (publicado in D.R. I Série, n.º 77, de 18.04.2012).

No entanto, mesmo quando se considere a impugnação efectuada de forma processualmente válida, isso não equivale necessariamente à modificação da decisão de facto recorrida.

Não se bastará, para que venha a proceder, com a pretensão de dar-se como provada determinada versão, com base nas provas produzidas e diferentemente valoradas por quem recorre, já que a censura do tribunal ad quem não incidirá sobre a decisão do tribunal a quo que assente a sua convicção sobre a credibilidade da prova produzida, ou a falta dela, em elementos que relevam dos princípios da imediação e da oralidade, aos quais o tribunal de recurso não tem acesso, sem prejuízo dos limites do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127.º do CPP.

Em concreto, a impugnação do recorrente obedece ao imposto ónus de especificação, dado que indica o ponto de facto que considera incorrectamente julgado (facto não provado) e a prova que, na sua perspectiva, impõe decisão diversa (suas declarações), aludindo, relativamente à mesma e por referência à respectiva localização no suporte de gravação, a excertos que transcreveu.

Vejamos, sem perder de vista a motivação operada pelo tribunal no âmbito em apreço, bem como, nesta instância de recurso, a faculdade prevista no n.º 6 daquele art. 412.º.

Assim, para dar como não provado que “o arguido se mostra arrependido dos factos cometidos”, o tribunal fundamentou que “não fez fé no afirmado arrependimento do arguido, na medida em que o arguido verbalizou apenas a sua preocupação com as consequências penais dos factos praticados, sendo incapaz de reconhecer a censurabilidade da sua conduta na perspectiva da vítima, apesar de instado para o efeito”.

Ora, o preconizado arrependimento foi, efectivamente, verbalizado pelo recorrente, tal como decorre do apresentado excerto das suas declarações.

Mas se assim é, também as suas declarações que se seguiram, quando instado pelo tribunal para esclarecer essa afirmação, não consentem que esse arrependimento se tenha propriamente revelado.

Na verdade, como bem sublinha o Ministério Público na sua resposta ao recurso, quando questionado se pensou na situação da menor e nos problemas que ela tem, seguiu-se o silêncio do arguido que não teve qualquer palavra para a vítima e, assim, o arrependimento manifestado pelo arguido é puramente egoísta. Reporta-se apenas à sua preocupação com a sua situação pessoal, com as consequências que para si podem advir de terem sido descobertos os seus actos e não um arrependimento pela prática desses e, ainda, não praticou o arguido qualquer acto que demonstre um verdadeiro arrependimento, além do mais, como resulta do nº 17 da factualidade provada, a cessação dos factos não correspondeu a uma vontade do arguido de deixar de os praticar por ter “caído em si”, antes foi motivada pelo seu receio em ser descoberto pelos seus filhos.

Algo mais do que a mera afirmação de arrependimento seria, pois, necessário para que se impusesse diferente conclusão acerca do facto impugnado, uma vez que, definindo-se, o arrependimento, como o sentimento de pesar pelo mal que se fez, teria de se ter traduzido, para o efeito de se revelar, em atitude que não se remetesse apenas à sua pessoa, como sucedeu.

O mesmo se diga relativamente à circunstância de se ter provado em 32 que “apresenta sinais de tristeza e sofrimento, preocupando-se com as consequências penais dos factos que cometeu”, na medida em que, contrariamente à posição do recorrente, esses sinais não implicam que mostrasse arrependimento na correcta acepção deste conforme referido e não contende com o que ficou fundamentado nos termos descritos.

Afigura-se, pois, que o tribunal não incorreu em erro de julgamento, já que procedeu a análise objectiva e crítica na avaliação da prova indicada, norteado pelas regras da lógica e da experiência, denotando convicção devidamente sustentada.

Inexiste razão para modificar o facto dado como não provado, pelo que a impugnação improcede.

- recurso do Ministério Público:

A) - da qualificação jurídica dos factos:
O recorrente manifesta discordância quanto à qualificação jurídica que os factos provados mereceram, pugnando que, ao invés do entendimento do tribunal a quo de que o arguido praticou um só crime de abuso sexual de crianças, deva ser considerado que incorreu em oito crimes, correspondente ao número de vezes em que os actos típicos se revelaram.

Invoca, no essencial, que o Tribunal decidiu condenar o arguido pela prática de um único crime de abuso sexual de criança, sob a forma de trato sucessivo, por se ter provado no nº 8 do Acórdão, que o arguido agiu desde início com «o propósito de manter relações sexuais de cópula completa com a A,, sempre que a ocasião se proporcionasse, designadamente, por se encontrar a sós com a mesma, no interior da sua residência», ou seja, ao abrigo de uma única resolução criminosa, inicialmente tomada e, em abono da diferente posição que aqui defende, apela a jurisprudência do STJ, que indica, transcrevendo fundamentos mais pertinentes da mesma, no sentido que, como preconiza, tendo em conta a estrutura do tipo incriminador em causa, deva excluir-se a possibilidade de configurar o crime como de trato sucessivo, apesar desse facto provado.

Do acórdão recorrido, decorre fundamentado que:

«Ao arguido vem imputada a prática em autoria material e concurso real, de oito crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1 e 2, do Código Penal.
Pese embora este artigo tenha sido objecto de nova redacção em função das alterações operadas pela Lei n.º 103/2015, de 24/8, verifica-se que os referidos n.º 1 e 2 não foram alterados, pelo que não se impõe considerar a aplicação da lei no tempo em função do caso em apreciação.

Dispõe tal preceito legal, no seu n.º 1, que “Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos ou o levar a praticá-lo consigo ou com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos.”.

Nos termos do n.º 2, “Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.”.

O ilícito criminal em causa visa a protecção da sexualidade durante a infância e começo da adolescência e a preservação de um adequado desenvolvimento sexual nas referidas fases de crescimento, protegendo, de forma mediata, a liberdade e autodeterminação sexual. O legislador reconhece, assim, que os menores a proteger estão ainda numa fase de formação do seu desenvolvimento físico, intelectual e moral, que não lhes permite uma capacidade de avaliação e autodeterminação sexual, livre de constrangimentos.

Embora especifique no n.º 2 do referido preceito um determinado número de situações que facilitam a análise do julgador, o legislador reporta-se, neste tipo de crime ao acto sexual de relevo e, nesta medida, impõe-se proceder a uma análise objectiva do caso concreto, atendendo à multiplicidade de formas que a sexualidade pode assumir, ao enquadramento cultural e características da vítima conhecidas pelo agente, por forma a concluir sobre a objectividade da ofensa do bem jurídico tutelado, com dignidade penal, da sua representação pelo agente e efeitos sobre a vítima.

Neste contexto, a acção do agente, para além da conotação sexual, deverá possuir relevo suficiente para ofender o livre desenvolvimento sexual da criança.

Considerando a factualidade apurada, verifica-se que o arguido recebeu em sua casa a menor A., à data com apenas 12 (doze) anos de idade, com um desenvolvimento físico compatível com a idade real, mas que apresentava e apresenta uma perturbação do desenvolvimento cognitivo que lhe retira a maturidade intelectual compatível com a sua idade, comportando-se como uma criança com ainda menos idade. Não obstante, o arguido, formulando logo o propósito de manter relações sexuais com a menor sempre que tal se proporcionasse, permitindo a sua permanência em sua casa durante quatro dias, no decurso dos quais a beijou, acariciou nos seios e resto do corpo, colocou o seu pénis na boca da menor e na sua vagina, onde ejaculou, tudo sucedendo por oito vezes.

Perante este quadro factual, não existe qualquer dúvida quanto ao preenchimento dos elementos objectivos do tipo legal de crime em causa, nem da agravante prevista no n.º 2, considerando desde logo a existência de cópula e coito oral, sendo evidente o relevo de tais actos sexuais e a circunstância de afectarem a menor no seu desenvolvimento, não só pela sua idade, mas também pelas características intelectuais da mesma, as quais o arguido não podia deixar de conhecer, em função das conversas que com a mesma vinha mantendo.

Contudo, como esta actividade sexual criminosa do arguido não se caracterizou pela existência de um acto isolado – envolvendo uma actividade repetida e prolongada no tempo – importa determinar, em concreto, quantos foram os ilícitos criminais cometidos pelo arguido.

Neste tocante, tanto a doutrina como a jurisprudência têm vindo a proceder à contagem dos crimes cometidos, por apelo à figura do crime prolongado ou de trato sucessivo, considerando que, em determinadas circunstâncias e reunidos certos requisitos, apesar da actuação do agente se desdobrar em várias condutas que, se isoladas, constituiriam a prática de vários crimes, as mesmas se unificam na prática de um só crime, tanto mais grave quantas as vezes que se repetiu.

Para que se considere a existência de tal figura jurídica, há que detectar na conduta do agente uma unidade resolutiva que, nas palavras do Professor Eduardo Correia, se há-de traduzir numa “ conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua actividade sem ter renovado o respectivo processo de motivação”. Eduardo Correia, 1968: 201 e 202, citado no Código Penal Anotado de Paulo Pinto de Albuquerque.

No caso dos autos, consideramos que existe uma homogeneidade na conduta do agente que se prolongou durante os quatro dias em questão e que foi logo reconhecida aquando da dedução da acusação, pese embora a imputação da prática de oito crimes.

De facto, imputou-se ao arguido, e provou-se em sede de julgamento, que o mesmo, quando recebeu a menor em sua casa, firmou logo o propósito de manter relações sexuais com ela, sempre que a ocasião se proporcionasse, designadamente, por se encontrar a sós com a mesma, no interior da sua residência. Por outro lado, todos os factos ocorreram no mesmo contexto situacional, durante um curto hiato de tempo e enquanto a menor permaneceu na habitação do arguido, sendo o tipo de ilícito o mesmo e a vítima a mesma.

Em suma, tal como já se referia na acusação, apurou-se um momento volitivo que despoletou toda a conduta do arguido e que aglutinou tanto a primeira actuação como as subsequentes, afastando o concurso real de infracções, nos termos do artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal.

No que concerne ao elemento subjectivo do tipo, para além da resolução formulada pelo arguido – já devidamente analisada – verifica-se que o mesmo quis actuar da forma apurada, sabendo que não o podia fazer, em razão da idade da menor, não tendo a mesma o discernimento necessário para consentir os actos praticados. Ainda assim, levou a cabo a sua apurada conduta, sabendo a mesma proibida pela lei penal. Agiu com evidente dolo directo e, como tal praticou um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1 e 2, do Código Penal, impondo-se a sua absolvição relativamente aos restantes crimes por que vinha acusado.».

*
Analisando a problemática em questão, no essencial atentando nos argumentos aduzidos pelo recorrente, suportados na jurisprudência que menciona e bem reflete o que tem sido entendido e, daí, merecer que seja aqui aludida:

Desde logo, transparece da motivação do recurso que a jurisprudência do STJ tem sido sensível às reservas e às divergências quanto à configuração dos crimes e, mormente, de cariz sexual, como crimes prolongados ou de trato sucessivo.

No entanto, como se sublinhou no citado acórdão do STJ de 29.11.2012, no proc. n.º 862/11.6TAPFR.S1, rel. Conselheiro Santos Carvalho, in www.dgsi.pt :

«Os crimes sexuais são muitas vezes atos isolados, fruto de circunstâncias irrepetíveis.
É assim no caso de violações durante um assalto a uma residência, ou na sequência de um rapto, ou num encontro em local ermo.

Mas, outras vezes seguem um percurso que se prolonga no tempo, isto é, em vez de um ato ou de vários atos ilícitos, há uma atividade sexual ilícita.
É próprio da natureza humana a junção dos mesmos parceiros sexuais por períodos prolongados no tempo. O mesmo se passa, muitas vezes, nos crimes sexuais, sempre que as circunstâncias o proporcionam e a diferença entre estes e as uniões sexuais mais correntes entre as pessoas, é a circunstância de nos casos criminosos existir uma vítima, alguém a quem o agente retira [ou condiciona] a liberdade ou a autodeterminação sexual.

Na “atividade sexual criminosa” o agente aproveita-se sexualmente de outra pessoa que é acessível ao seu contato, por ser da família, ou do seu círculo de amizades, ou do seu local de trabalho, ou por outra circunstância similar, fazendo-o pela força, ou pela intimidação, ou pela incapacidade da vítima em se defender, por exemplo, por ser menor. Nesses casos, os crimes sexuais tendem a ter uma frequência por um período prolongado no tempo e a juntar os mesmos «parceiros», um deles vitimizado sucessivamente.

Ora, quando os crimes sexuais são atos isolados, não é difícil saber qual o seu número. Mas, quando os crimes sexuais envolvem uma repetitiva atividade prolongada no tempo, torna-se difícil e quase arbitrária qualquer contagem.
(…)
A doutrina e a jurisprudência têm resolvido este problema, de contagem do número de crimes, que de outro modo seria quase insolúvel, falando em crimes prolongados, protelados, protraídos, exauridos ou de trato sucessivo, em que se convenciona que há só um crime – apesar de se desdobrar em várias condutas que, se isoladas, constituiriam um crime - tanto mais grave [no quadro da sua moldura penal] quanto mais repetido.

Ao contrário do crime continuado [cuja inserção doutrinária também nasceu, entre outras razões, da dificuldade em contar o número de crimes individualmente cometidos ao longo de um certo período de tempo], nos crimes prolongados não há uma diminuição considerável da culpa, mas, antes em regra, um seu progressivo agravamento à medida que se reitera a conduta [ou, em caso de eventual «diminuição da culpa pelo facto», um aumento da culpa enquanto negligência na formação da personalidade ou de perigosidade censurável»]. Na verdade, não se vê que diminuição possa existir no caso, por exemplo, do abuso sexual de criança, por atos que se sucederam no tempo, em que, pelo contrário, a gravidade da ilicitude e da culpa se acentua [ou, pelo menos, se mantém estável] à medida que os atos se repetem.

O que, eventualmente, se exigirá para existir um crime prolongado ou de trato sucessivo será como que uma «unidade resolutiva», realidade que se não deve confundir com «uma única resolução», pois que, «para afirmar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua atividade sem ter de renovar o respetivo processo de motivação» (Eduardo Correia, 1968: 201 e 202, citado no “Código Penal anotado” de P. P. Albuquerque).

Para além disso, deverá haver uma homogeneidade na conduta do agente que se prolonga no tempo, em que os tipos de ilícito, individualmente considerados são os mesmos, ou, se diferentes, protegem essencialmente um bem jurídico semelhante, sendo que, no caso dos crimes contra as pessoas, a vítima tem de ser a mesma.».

Por seu lado, citando Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2.ª edição, Universidade Católica Editora, anotação 32 ao artigo 30.º, p. 162, o acórdão do STJ de 12.06.2013, no proc. n.º 1291/10.4JDLSB.S1, rel. Conselheira Isabel Pais Martins, dando conta das divergências nesse âmbito, refere que «se o resultado prático pretendido pelo legislador foi a supressão da benesse do crime continuado em caso de condutas contra bens eminentemente pessoais, também “é inadmissível a punição dos crimes contra bens eminentemente pessoais como um único crime «de trato sucessivo», ficcionando o julgador um dolo inicial que engloba todas as acções. Tal ficção constituiria uma fraude ao propósito do legislador.».

Alem do que se colhe do voto de vencido, exarado pelo Conselheiro Manuel Braz, naquele acórdão do STJ de 29.11.2012, em que o recorrente, sobretudo, sustenta a sua posição:

«A categoria de crime de trato sucessivo, a que a posição maioritária faz apelo, não vem, com essa designação, contemplada na lei, que prevê o crime permanente [artº 119º, nº 2, alínea a), do CP], o crime continuado [artºs 119º, nº 2, alínea b), 30º, nºs 2 e 3, e 79º] e o crime habitual [artº 119º, nº 2, alínea b)], bem como o crime que se consuma por actos sucessivos ou reiterados [artº 19º, nº 2, do CPP].

O crime de trato sucessivo será reconduzível à figura do crime habitual, como refere Lobo Moutinho (Da unidade à pluralidade dos crimes no direito penal português, página 620, nota 1854).

Este autor, depois de definir o crime contínuo como o «crime cuja consumação se protrai mediante a prática de uma pluralidade de actos sucessivos (no sentido de praticados em imediata sequência temporal)», correspondendo «basicamente àquilo que Eduardo Correia chamou o crime único com pluralidade de actos», caracteriza assim o crime habitual:

«O crime habitual, no sentido que à expressão confere a actual legislação, é um crime em que a consumação se protrai no tempo (dura) por força da prática de uma multiplicidade de actos “reiterados”.

Que a persistência temporal na consumação se não dá mediante a prática de um só acto, mas de uma multiplicidade deles – eis o que distingue o crime habitual do crime permanente; que os actos que vão consumando o crime são, não sucessivos, mas reiterados – eis o que distingue o crime habitual do crime contínuo.

O ponto central da definição do crime habitual é, por isso, o que deve entender-se por “actos reiterados”.

É seguro que, por “actos reiterados”, se deve entender, pelo menos, a pluralidade de actos homogéneos. Actos diversos não são reiterados.

(…) apenas se pode admitir a “consumação por actos reiterados” (um crime habitual) em casos especiais – o mesmo é dizer, nos casos e termos em que isso é expressamente possibilitado pelo tipo de crime.

Na verdade, embora a caracterização legal não se esgote nisso, os “actos reiterados” são opostos, pela própria lei, aos “actos sucessivos” no sentido de praticados em acto seguido. Isso indica um certo distanciamento temporal – pelo menos suficiente para se não admitir a existência de um crime contínuo – o que faz o crime perder o cariz episódico, para passar a estruturar-se numa actividade que se vai verificando, multi-episodicamente, ao longo do tempo.

Mas se em relação a todos os crimes fosse de admitir esta forma habitual de perpetração, as restantes figuras a que nos referimos ficariam em crise, se é que lhes sobraria qualquer espaço de aplicação.

Assim se compreende que, como a doutrina indica, os crimes “habituais” (seja qual for o entendimento a dar à “habitualidade” do crime, o mesmo é dizer, à “reiteração” dos actos de que se compõe) correspondem a casos especiais em que a estrutura do facto criminoso se apresenta ou, pelo menos, pode apresentar mais complexa do que habitualmente sucede e se desdobra numa multiplicidade de actos semelhantes que se vão praticando ao longo do tempo, mediante intervalos entre eles. Exemplos apontados são o crime de maus-tratos e infracção às regras de segurança (art. 152º), o crime de lenocínio (art. 170º)».

Admite o autor outros casos, como o crime de tráfico de estupefacientes, que considera desdobrar-se ou poder desdobrar-se numa multiplicidade de actos semelhantes, «como claramente resulta da previsão da agravação por diversas circunstâncias, a começar pela da destinação ou entrega a “menores” ou da distribuição “por um grande número de pessoas” (art. 24º, nº 1, als. a) e b), do Dec.-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro)» (ob. cit., páginas 604-620).

Mais incisivo, Figueiredo Dias define crimes habituais como sendo «aqueles em que a realização do tipo incriminador supõe que o agente pratique determinado comportamento de uma forma reiterada», dando como exemplo os crimes de lenocínio e de aborto agravado do artº 141º, nº 2, do CP (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, página 314).

Não é, pois, a unidade de resolução que pode conferir a uma reiteração de actos homogéneos o cariz de crime de trato sucessivo, que se identifica com a categoria legal do crime habitual, mas somente a estrutura do respectivo tipo incriminador, que há-de supor a reiteração.

Parece claro que tanto os tipos de crime de abuso sexual de crianças e de abuso sexual de menores dependentes como o de violação não contemplam aquela «multiplicidade de actos semelhantes» que está implicada no crime habitual nem, por isso, a sua realização supõe um comportamento reiterado.

Cada um dos vários actos do arguido foi levado a cabo num diverso contexto situacional, necessariamente comandado por uma diversa resolução e traduziu-se numa autónoma lesão do bem jurídico protegido. Cada um desses actos não constituiu um momento ou parcela de um todo projectado nem um acto em que se tenha desdobrado uma actividade suposta no tipo, mas um “todo”, em si mesmo, um autónomo facto punível. Deve por isso entender-se que, referentemente a cada grupo de actos, existe, usando palavras de Figueiredo Dias, «pluralidade de sentidos de ilicitude típica» e, portanto, de crimes (ob. cit., página 989).».

Também, afastando a caracterização de crime de trato sucessivo, segundo o citado acórdão do STJ de 17.09.2014, no proc. n.º 595/12.6TASLV.E1.S1, rel. Conselheiro Pires da Graça, in www.dgsi.pt :

«O crime de trato sucessivo, embora englobe a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico executado por forma essencialmente homogénea, é unificado pela mesma resolução criminosa, bastando a prática de qualquer das condutas para que fique preenchido o tipo legal de crime.

Ora, as acções adequadas à produção do resultado, ainda que de forma sucessiva, não se encontram interligadas de forma a que só possam produzir o resultado numa adequação conjunta de todos elas.

Outrossim, cada acção produz o consequente resultado.

Inexiste uma unidade típica de acção, a que alude Paulo Pinto de Albuquerque, Paulo Pinto de Albuquerque, no seu Comentário do Código Penal, 2ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, p. 158, nota 14.

In casu, a renovação de acção criminosa reiterada desenvolvida, produz o consequente e adequado resultado. Embora haja homogeneidade na violação do mesmo bem jurídico, há uma pluralidade de resolução criminosa na produção do resultado que desencadeia e que se autonomiza como tal.».

Pelo seu interesse na temática da unidade/pluralidade de infrações, aqui se trazem doutas considerações expendidas no acórdão do STJ de 12.07.2012, no proc. n.º 1718/02.9JDLSB, rel. Conselheiro Santos Cabral, in www.dgsi.pt:

«Para que exista uma infracção não basta que uma conduta seja tipicamente antijurídica: é preciso, também, que ela possa ser reprovada ao seu agente, isto é, que seja culposa. Assim, ao lado daquele Juízo que refere o comportamento humano a bens ou valores jurídico-criminais, outro juízo de valor se requer como pressuposto do crime, o qual se analisa na censura dum certo facto típico à pessoa do seu agente.

Por vezes o momento psicológico, correspondente à realização de uma série de actividades subsumíveis a um mesmo tipo legal, estrutura-se de tal forma que esse concreto juízo de reprovação tenha de ser formu­lado várias vezes. Consequentemente, o todo formado por tais actividades, enquanto encarnam a violação do mesmo bem jurídico, fragmenta-se na medida em que algumas das suas partes são objecto de um juízo autónomo de censura, adquirindo, portanto, dessa maneira independência e individualidade.

Assim, a consideração da «culpa», elemento essencial ao conceito de crime, constitui um limite do critério segundo o qual se determinaria a unidade ou pluralidade de infracções pela unidade ou pluralidade de tipos realizados. Na verdade, a unidade de tipo legal preenchido não importará definitivamente a unidade das condutas corres­pondentes, na medida em que, sendo vários os juízos de censura que as ligam à personalidade do seu agente, outras tantas vezes esse mesmo tipo legal se torna aplicável, e deverá por conseguinte considerar-se existente uma pluralidade de crimes.

A questão subsistente será, então, a aferição da existência de vários juízos de censura incidindo sobre actividades unificadas do ponto de vista do valor jurídico que negam. A esta aspiração de concretização de critérios responde Eduardo Correia reafirmando o postulado de que o direito criminal pode ser encarado antes de tudo como um complexo de normas de valoração objectiva, ou seja, de normas do ponto de vista das quais se retira objectivamente a licitude ou ilicitude do comportamento humano. Com o olhar este aspecto do direito não se esgota, porém, a sua essência pois que, paralelamente, citando Mezger «em derivação desta, uma outra função não menos significativa é exigida pelo seu conceito: a de determinação».

Repristinando a força das palavras de Eduardo Correia “o direito penal não valora negativamente certas condutas apenas por valorar. Valora-as para, emprestando-lhes a força desta sua avaliação, alcançar no processo de motivação dos indivíduos um papel decisivo: valora-as para determinar. Quer dizer: o direito é também um conjunto de normas de determinação subjectiva (Bestimmungsnormen), isto é, um conjunto de imperativos dirigidos aos indivíduos que querem funcionar como motivos que obstem à formação de resoluções tendo por conteúdo a realização de actividades criminosas,- que querem, como diz GOLDSCHMIDT, «que os indivíduos orientem a sua conduta interior de tal forma que possam corresponder às exigências postas pelas normas jurídicas no respeitante à sua conduta exterior».

Ora é precisamente a violação concreta das normas nesta sua função de determinação, é precisamente a falta da sua eficácia querida, devida e, portanto, possível no domínio da representação e do processo de motivação do agente, que faz nascer aquele juízo de censura em que se estrutura a culpa.

Necessariamente que tais juízos de reprovação têm de ser desdobrados, e repetidos, sempre que uma pluralidade de resoluções, e de resoluções no sentido de determinações de vontade, tiver iluminado o desenvolvimento da actividade do agente.

Com efeito, afirma o mesmo Mestre, a resolução neste sentido é o termo daquele especifico momento do processo volitivo em que o «eu» pondera o valor, ou desvalor, os prós e os contras dum projecto concebido. É o termo daquela específica fase da volição que, metafisicamente se costuma descrever como constituída por uma luta de motivos e contra motivos, em que o próprio «eu» intervém numa afirmação da sua personalidade. Deste modo, quando se trate de um projecto criminoso que entra em execução, é precisamente no momento em que o agente toma a resolução de o realizar que a ineficácia da norma, na sua função de determinação, se verifica. Se, pois, diversas resoluções foram tomadas para o desenvolvimento da actividade crimi­nosa, diversas vezes deixa a norma de alcançar concretamente a eficácia determinadora a que aspirava e vários serão os juízos de censura a formular ao agente.

O índice da unidade, ou pluralidade, de determinações volitivas apenas se pode consubstanciar na forma como o acontecimento exterior se desenvolveu, olhando fundamentalmente à conexão temporal que liga os vários momentos da conduta do agente.

A experiência, e as leis da psicologia, referem que, se entre diversos actos medeia um largo espaço de tempo, a resolução que porventura inicialmente os abrangia a todo se esgota no intervalo da execução, de tal sorte que os últimos não são a sua mera descarga, mas supõem um novo processo deliberativo. Daqui resulta que se deve considerar existente uma pluralidade de resoluções sempre que se não verifique, entre as actividades efectuadas pelo agente, uma conexão de tempo tal que, de harmonia com a experiência normal e as leis psicológicas conhecidas, se possa e deva aceitar que ele as executou a todas sem ter de renovar o respectivo processo de motivação.

Igualmente Jeschek aponta no sentido de que, em algumas situações, a simples realização do tipo não é suficiente para a determinação da distinção entre a unidade e pluralidade de infracções e deverá fazer-se apelo a critérios como o da unidade natural de acção.

Situação típica é a realização repetida do mesmo tipo legal de crime num curto espaço de tempo. O requisito para apreciar a unidade de acção nestes casos é a circunstância de que, com a repetição plural do tipo, a lesão do bem jurídico só experimenta uma progressão quantitativa e que o facto responda, além do mais, a uma situação motivacional unitária.

Uma pluralidade de factos externamente separáveis deve conformar uma acção unitária quando os diversos actos parciais, que respondem a uma única resolução volitiva, se encontram tão ligados no tempo e espaço que, para um observador não interveniente são percepcionados como uma unidade natural.

No mínimo, dir-se-ia que a autonomização tem como pressuposto um processo de renovação da vontade e não é incorrecto, à luz dos princípios, considerar uma renovação de propósito criminoso a sustentar uma renovação da formulação de um juízo de culpa.
(…)
Se tal conclusão é formulada, de forma sustentada, à luz do ensinamento proposto por Eduardo Correia igualmente a mesma linearidade lógica oferece a apreciação nos limites propostos por Figueiredo Dias, apontando a necessidade de se prestar atenção ao facto de que “o tipo de ilícito, o verdadeiro portador da ilicitude material, é sempre formado pelo tipo objectivo e pelo tipo subjectivo de ilícito. A segunda observação que formula é a de que o tipo objectivo tem sempre como seus elementos constitutivos o autor, a con­duta e o bem jurídico, só da conjugação destes elementos - e também da sua ligação ao tipo subjectivo de ilícito - resultando o sentido jurídico ­social da ilicitude material do facto que o tipo abrange. Todos estes elementos parece deverem ser tidos em conta e valorados - e não apenas em si mesmos, mas ainda no sentido que da sua consideração global resulta - na determinação da unidade ou pluralidade de tipos violados.

Para o mesmo Autor o bem jurídico assume, na questão da tipicidade, um relevo primacial e insubstituível, devendo recorrer-se aos restantes elementos típicos numa perspectiva de consideração global do sentido social do comportamento que integra o tipo. Só assim, acrescenta, se podendo ter a esperança de aceder à compreensão do sentido jurídico-social do comportamento delituoso. O que se tem de contar são sentidos da vida jurídico-penalmente relevantes que vivem no comportamento global.

Nesta última perspectiva o "crime" por cuja unidade ou pluralidade se demanda é o facto punível e, por conseguinte, uma violação de bens jurídico-penais que integra um tipo legal ao caso efectivamente aplicável. A essência de uma tal violação não reside pois nem por um lado na mera "acção", nem por outro na norma ou no tipo legal que integra aquela acção: “reside no substrato de vida dotado de um sentido negativo de valor jurídico-penal, reside no ilícito típico: é a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica existente no comportamento global do agente submetido à cognição do tribunal que decide, em definitivo, da unidade ou pluralidade de factos puníveis e, nesta acepção, de crimes” (Figueiredo Dias Direito Penal I Volume 24,20 3 seg.)

Tal posicionamento encontrou o apoio de alguns autores como Conceição Ferreira da Cunha (Questões actuais em torno de uma vexata questio: o crime continuado em estudos em Homenagem do Professor Figueiredo Dias pag 325 e se g) referindo que o critério, defendido por Figueiredo Dias, da "unidade ou pluralidade de sentidos sociais de ilicitude do comportamento global), parece-nos ter potencialidades para, perante as concretas situações da vida, distinguir com justeza o que deve considerar-se uno do que deve qualificar-se de múltiplo: "O que se tem de contar para determinação da unidade ou pluralidade de crimes não são por uma parte acções externas, como tal indiferentes ao sentido do comportamento; nem por outro lado tipos legais de crime como entidades abstractas, mesmo que concretamente aplicáveis ao caso. O que se tem de contar são sentidos da vida jurídico-penalmente relevantes que vivem no comportamento global").

Segundo esta concepção, vários factores deverão ser considerados, não assumindo cada um deles isoladamente relevância decisiva, mas sendo tomados no seu conjunto, e no âmbito das concretas circunstâncias do comportamento em causa, pois é esse conjunto, esse "comportamento global", que tem significado segundo um juízo de ilicitude material. Assim, os bens jurídicos afectados, a unidade ou pluralidade de resoluções, a distância ou proximidade espácio-temporal entre as acções, as conexões de sentido entre elas (por exemplo, a relação meio-fim), o modo como tais bens jurídicos, condutas e relações encontram tradução nos tipos legais de crime, a unidade ou pluralidade de vítimas, serão elementos a relevar.».

Vistas todas as considerações que aqui se deixaram e reconhecendo divergências de entendimento - que, no entanto, haverão de ser casuisticamente compreendidas, como não pode deixar de ser, perante a concreta análise das situações que essas decisões versaram -, afigura-se que a caracterização, ou não, do crime como de trato sucessivo, que a lei expressamente não prevê, deve ser aferida da apreciação global das circunstâncias que se deparem, para determinar, em razão delas, quais os juízos de censura, definidos como ficou referido, que mereçam ser valorados, na perspectiva dos aludidos sentidos da vida jurídico-penalmente relevantes que vivem no comportamento global.

Assim, aceitando-se que o crime de trato sucessivo se revele como similar ao que vem sendo entendido como crime habitual e, por isso, manifestado por actos reiterados, esses actos haverão ainda que ser sucessivos, com o sentido de que se apresentem homogéneos, num mesmo contexto situacional e num curto período temporal, sem fractura no seu desenvolvimento, a que preside uma unidade resolutiva.

Bem como, no caso de bens eminentemente pessoais (para quem o admita), incidindo numa mesma e única vítima.

Por seu lado, tal unidade resolutiva distingue-se, em rigor, de única resolução, uma vez que reflecte dimensão que não se queda pela dita resolução e traduz, sim, a percepção desse comportamento global, que só pode ter-se por um todo sucessivo quando, não só subjectiva, como também objectivamente, a actuação revele aqueles aspectos que propendem para a desnecessidade de renovação da motivação do agente, sem perder de vista, pois, certa unidade natural de acção.

Compreendendo-se que, na vertente dos crimes sexuais, o cuidado interpretativo deva ser especialmente acrescido, todavia, não se aceitará, sem mais, que a estrutura típica impeça a existência de crime de trato sucessivo.

Tal como se deixou sublinhado, o critério, defendido por Figueiredo Dias, da "unidade ou pluralidade de sentidos sociais de ilicitude do comportamento global), parece-nos ter potencialidades para, perante as concretas situações da vida, distinguir com justeza o que deve considerar-se uno do que deve qualificar-se de múltiplo: "O que se tem de contar para determinação da unidade ou pluralidade de crimes não são por uma parte acções externas, como tal indiferentes ao sentido do comportamento; nem por outro lado tipos legais de crime como entidades abstractas, mesmo que concretamente aplicáveis ao caso.

Afigura-se que, entendendo de modo diverso, as considerações de culpa perderiam relevância e ficariam desvalorizadas em detrimento do segmento meramente objectivo do comportamento, de molde a que a adequada valoração do seu sentido penalmente relevante não se completaria.

Não, porém, para defender que as reticências subjacentes a uma análise simplista devam prevalecer, mas sim para que a apreciação, afinal, não venha a contender com o correcto sentido que a realidade acaba por transmitir.

Deste modo, não obstante a pertinência da argumentação do recorrente e, por maioria de razão, acolhida na jurisprudência que aqui traz, não se descortina que o tribunal a quo não tenha interpretado de forma aceitável a conduta do arguido, quando refere, no acórdão, que “No caso dos autos, consideramos que existe uma homogeneidade na conduta do agente que se prolongou durante os quatro dias em questão e que foi logo reconhecida aquando da dedução da acusação, pese embora a imputação da prática de oito crimes. De facto, imputou-se ao arguido, e provou-se em sede de julgamento, que o mesmo, quando recebeu a menor em sua casa, firmou logo o propósito de manter relações sexuais com ela, sempre que a ocasião se proporcionasse, designadamente, por se encontrar a sós com a mesma, no interior da sua residência. Por outro lado, todos os factos ocorreram no mesmo contexto situacional, durante um curto hiato de tempo e enquanto a menor permaneceu na habitação do arguido, sendo o tipo de ilícito o mesmo e a vítima a mesma.”.

Na verdade, depara-se com esse propósito inicial do arguido, que se revelou sempre de forma idêntica ao longo dos quatro dias em que os actos se repetiram e, uma vez que a vítima permaneceu na residência daquele, à qual este regressava após trabalhar, é legítimo concluir-se que não se verificou propriamente uma fractura comportamental ao longo desse curto período.

Os actos que praticou foram sempre idênticos e sem que o sentido do seu comportamento se tivesse alterado.

Note-se, entretanto, que, colocando a hipótese de que a pluralidade de crimes devesse sobressair, a posição mais adequada comportaria a existência de quatro crimes, não oito, já que, nos referidos quatro dias, a repetição dos actos em cada um deles envolveu, em si mesma, um conjunto que não se desprende pela circunstância de terem sido interrompidos pelo jantar.

Em conclusão, se bem que não pacífico, antes pelo contrário, o entendimento seguido pelo tribunal recorrido aceita-se face à situação concreta que se provou, dado que não representa interpretação que ponha em crise o disposto no art. 30.º, n.º 1, do CP.

B) - da medida da pena:
Prejudicada a apreciação da medida de pena única, uma vez que, nos termos descritos, se optou pela verificação de um único crime, de trato sucessivo, o recorrente, subsidiariamente e nesse sentido que se acolheu, pugna pela aplicação de pena em medida superior à fixada, situando-a como não inferior a 7 anos e 6 meses de prisão.

Para tanto, reporta-se às finalidades da punição, à multiplicidade dos caos, ao grau da ilicitude e da culpa do arguido muito elevado, entendendo que é forte a necessidade de prevenção geral e é preponderante a existência de circunstâncias agravantes, apesar da ausência de antecedentes criminais e da confissão dos factos.
*
No que ora releva, resulta do acórdão:

A moldura abstracta a considerar, é de pena de prisão de 3 a 10 anos.

Na escolha da pena, deve o julgador ter em atenção o critério constante do artigo 70.º, do Código Penal, o qual dispõe: “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

A escolha da pena depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial e não da culpa. Esta última revela para efeitos da medida da pena. Assim, o recurso às penas detentivas só será legítimo quando, dadas as circunstâncias, se não mostrem adequadas as sanções não detentivas.

No presente caso, não cumpre efectuar tal ponderação, na medida em que o crime praticado pelo arguido não prevê a possibilidade de punição com pena não privativa da liberdade.

De acordo com o disposto no artigo 71.º, do Código Penal, a determinação da medida da pena é feita, dentro dos limites fixados na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tomando-se para tal em conta, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do respectivo tipo de crime, deponham a favor ou contra aquele.

A opção do legislador pela culpa e exigências de prevenção, compreende-se como forma de realizar, por um lado, as finalidades da punição com a exigência de considerações sobre a prevenção e, por outro, ao atender-se à culpa, respeita-se a dignidade da pessoa do agente, funcionando esta vertente pessoal do crime como limite inultrapassável pelas exigências da prevenção – vide Figueiredo Dias, As consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 215.

Princípio básico imposto por aquele normativo e reforçado pelo artigo 40.º n.ºs 1 e 2, é de que toda a pena tem como suporte a culpa concreta do agente, não havendo pena sem culpa e é esta que determina a medida daquela, intervindo também a prevenção geral positiva ou de integração, que visa a defesa do ordenamento jurídico e da própria sociedade, e a prevenção especial, que visa a ressocialização do agente.

Contra o arguido há que ponderar a agravação da ilicitude proporcionada pela circunstância de se tratar de um crime de trato sucessivo, em que o mesmo persistiu na mesma conduta durante um período de quatro dias, mantendo relações sexuais de cópula e coito oral com a menor, por oito vezes. Ainda a ponderar contra o mesmo, o dolo intenso com que agiu, por directo, demonstrando total desprezo quer pela idade da menor, quer pela perturbação do desenvolvimento cognitivo que a mesma possui.

Ao nível da prevenção geral, as exigências são muito elevadas, considerando a expectativa que a comunidade possui, relativamente à validade das normas que protegem este tipo de crimes contra menores.

Ao nível da prevenção especial, não obstante a confissão do arguido, a ausência de antecedentes criminais e a sua integração profissional – circunstâncias a ponderar a seu favor – importa ter presente que o arguido não tem apoio familiar, para além das visitas efectuadas pelos seus filhos menores, tendo-se isolado e evitado contacto social.

Acresce que, pese embora tenha verbalizado o seu arrependimento, ficou claro ao Tribunal que a sua preocupação se prende apenas com as consequências jurídico-criminais da sua conduta, não tendo formulado qualquer pesar relativamente ao mal que causou à menor.

Tendo tudo isto em consideração, o Tribunal decide condenar o arguido na pena de 5 (cinco) anos de prisão.
*
Analisando:
Como refere Hans Heinrich Jescheck, in “Tratado de Derecho Penal, Parte General”, II, pág. 1194, o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena.

Segundo Fernanda Palma, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva” em “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, AAFDL, 1998, pp.25-51, e in “Casos e Materiais de Direito Penal”, Almedina, 2000, pp. 31-51 (32/33), a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial. Por outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena. E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela protecção de bens jurídicos. A pena como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito pode ser desnecessária, segundo critérios preventivos especiais, ou ineficaz para a realização da prevenção geral.

Por respeito à salvaguarda da dignidade humana, a medida da culpa constitui limite inultrapassável da medida da pena e, como já aludia Claus Roxin, in “Derecho Penal, Parte General”, tomo I, tradução da 2.ª edição alemã e notas por Diego-Manuel – Luzón Peña, Miguel Diaz y Garcia Conlledo e Javier de Vicente Remesal, Civitas, págs. 99/100, a pena não pode ultrapassar na sua duração a medida da culpabilidade mesmo que interesses de tratamento, de segurança ou de intimidação relevem como desenlace uma detenção mais prolongada (…) não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcançá-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo. Nele radica uma diferença decisiva frente à teoria da retribuição, mas que reclama em todo o caso que a dita pena àquela corresponda, com independência de toda a necessidade preventiva.

Ainda, segundo Figueiredo Dias, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 3, 2º a 4º, Abril-Dezembro de 1993, págs. 186/187, o modelo de determinação da medida da pena consagrado no CP vigente comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos – dentro do que é consentido pela culpa – e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o “quantum” exacto de pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente.

Esta (a medida da pena) deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia óptima de protecção dos bens jurídicos, sendo que culpa e prevenção são (…) os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito ou de determinação concreta da pena) - mesmo Autor, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Notícias Editorial, 1993, págs. 231 e 214.

Esse juízo de culpa, que na realidade constitui o suporte axiológico-normativo da punição, reconduz-se a um juízo de valor e apreciação, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da sua validade lógica, da ética ou do direito (acórdão do STJ de 10.04.1996, in CJ Acs. STJ ano IV, tomo II, pág. 168), isto é, à censura dum certo facto típico à pessoa do seu agente, entendida como censura ético-jurídica dirigida a um sujeito por não ter agido de modo diverso (Eduardo Correia, in “Direito Criminal”, Almedina, 1971, vol. I, págs. 315 e seg.).

A confiança da comunidade na validade das normas, se não pode ceder em limites que lhe retirem sentido na ponderação e concordância prática das finalidades e exigências em presença, não poderá, do mesmo modo, constituir parâmetro que impeça a realização das finalidades de política criminal que justificam e conformam o regime penal.

Essa validade é afirmada pela aplicação das penas adequadas, que traduza a interiorização e o respeito pelo sistema de valores fundamentais reconhecidamente aceites e, por isso, penalmente tutelados; mas, do mesmo modo, a comunidade deve sentir e compreender as opções de política criminal que se realizam através da formulação e aplicação do direito penal.

Devendo qualquer pena ter, quanto possível, um sentido pedagógico e ressocializador, a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e, em última análise, na comunidade, não pode ser descurada.

É inegável a necessidade de adequada tutela do bem jurídico que o arguido postergou, não só pela sua relevante natureza pessoal, como também pelo aumento que o tipo de ilícito vem assumindo.

A comunidade é claramente sensível e exige resposta consentânea à intrínseca gravidade dos actos praticados pelo arguido, que se aproveitou da convivência que foi mantendo com a menor, da perturbação do seu desenvolvimento cognitivo e da sua fragilidade.

Conforme assinalado pelo recorrente, a União Europeia, através da Directiva 2011/92/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 2011, relativa à luta contra o abuso sexual reconhecendo que o abuso sexual constitui violação grave dos direitos fundamentais, em especial do direito das crianças à protecção e aos cuidados necessários ao seu bem estar, tal como estabelecido na Convenção das Nações Unidas de 1989 sobre os direitos da Criança estabeleceu regras mínimas relativas às sanções no domínio do abuso sexual, em que considera como circunstância agravante o recurso ao abuso de uma posição manifesta de confiança ou de influência sobre a criança – cfr. artºs. 3º, nº 5, al i) e 9º, al. b).

Inevitavelmente, também, as consequências da prática desse tipo de actos projectam-se de forma assinalável no normal desenvolvimento das vítimas, desencadeando perturbações que nunca são de menosprezar.

O arguido denotou persistente actuação, prolongando-a por curto período, mas durante o qual não se coibiu de a determinar intensivamente, tendo-a cessado em razão de visitas dos filhos, e não, que se saiba, porque tivesse obedecido a reflexão acerca do que antes fizera.

A sua reinserção social não se mostra facilitada em função das suas condições pessoais, ainda que não tenha antecedentes criminais e tenha confessado a sua conduta.

Fazem-se sentir exigências de prevenção, que, ponderadas todas as circunstâncias, não se compadecem com a medida da pena fixada.

Aliás, da fundamentação do tribunal, logo decorre que, atenta a medida abstracta da pena, não se aceitaria que, sobretudo dada a multiplicidade de actos do arguido, a sua concretização se tivesse quedado, como sucedeu, por medida inferior à média legal (que corresponde a 6 anos e 6 meses de prisão).

Razão tem o recorrente em preconizar a elevação dessa pena.

Sopesando todos os factores em causa, a pena de 7 anos de prisão representa punição consentânea, por proporcional e justa.

- recurso do arguido:

B) - da suspensão da execução da prisão:

Fixada a pena conforme referido, esta é insusceptível de suspensão na sua execução, uma vez que, nos termos do art. 50.º, n.º 1, do CP, o pressuposto formal de que não excedesse cinco anos de prisão se mostra afastado.

3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se:
- negar provimento ao recurso interposto pelo arguido;

- conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público;

em consequência,

- revogar o acórdão na parte em que fixou a pena aplicada em 5 anos de prisão e, em substituição, determinar que o arguido vai condenado na pena de 7 (sete) anos de prisão;

- no mais, manter o acórdão recorrido.

Custas pelo arguido, com taxa de justiça de 3 UC.


Processado e revisto pelo relator.

Évora, 11 de Outubro de 2016

Carlos Jorge Berguete

João Gomes de Sousa