Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1165/12.4TBVNO-E.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: CRÉDITOS LABORAIS
LOCAL DE TRABALHO HABITUAL
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. Os créditos dos trabalhadores emergentes de contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação gozam de privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade.
2. Tratando-se de um facto constitutivo da garantia real que pretendiam efectivar, a atribuição do privilégio imobiliário especial previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 333º do Código de Trabalho pressupõe a alegação e prova por parte do trabalhador de que prestava a sua actividade no imóvel ou imóveis apreendidos.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 1165/12.4TBVNO-E.E1
Tribunal Judicial Comarca de Santarém – Juízo Central de Comércio – J2
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório:
O “Banco (…), SA” veio interpor recurso da decisão que considerou que os trabalhadores da insolvente gozam de privilégio imobiliário especial previsto no artigo 333º, nº 1, al. b), do Código do Trabalho sobre a fracção autónoma que beneficia de hipoteca registada a seu favor.
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Em 10/07/2017, por apenso aos autos do processo de insolvência da sociedade “(…) – Administração, Serviços e Representações, Lda.”, o “Banco (…), SA” reclamou créditos no âmbito dos autos de verificação ulterior de créditos contra a Insolvente, a Massa Insolvente e os Credores.
Pediu então que fosse reconhecido e graduado no lugar que lhe competisse o crédito no montante global de € 127.022,64 (cento e vinte e sete mil e vinte e dois euros e sessenta e quatro cêntimos), ao qual acrescem juros de mora até efectivo e integral pagamento, dívida essa garantida pelo produto da venda da fracção autónoma designada pela letra “D” do prédio descrito sob o nº (…) da Freguesia de Pousos na Conservatória do Registo Predial de Leiria, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…).
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Para o efeito alegou que, através de notificação datada de 06/07/2017, foi informada pelo Sr. Administrador de Insolvência que havia sido apreendida a favor da massa insolvente a fracção autónoma em causa.
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Nos termos das disposições conjugadas nos artigos 333º do Código do Trabalho, 97º, nº 1, al. b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, 122º, nº 1, do CIMI, 744º, nº 1, 748º, 686º e 693º, nºs 1 e 2, do Código Civil e 205º da Lei nº 110/2009, decidiu-se que os créditos reclamados deviam ser graduados à frente do crédito privilegiado do ISS, IP e logo após o crédito privilegiado da Autoridade Tributária relativo a IMI respeitante ao referido imóvel.
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Da parte decisória da sentença consta a seguinte condenação: «decido reconhecer, como crédito privilegiado, o crédito do “Banco (…), SA”, no valor de € 127.022,64 (cento e vinte e sete mil, vinte e dois euros e sessenta e quatro cêntimos), aos quais acrescem juros de mora até efectivo e integral pagamento, como crédito exclusivamente a ser pago pelo produto da venda da fracção autónoma designada pela letra “D” do prédio descrito sob o nº (…) da Freguesia de Pousos na Conservatória do Registo Predial de Leiria, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … (verba 71), passando a graduar os créditos sobre a Insolvente “(…) – Administração, Serviços e Representações, Lda.” para serem pagos pelo produto da venda do citado prédio da seguinte forma:
1 – O crédito dos trabalhadores identificados a fls. 125;
2 – O crédito privilegiado da Autoridade Tributária, relativo a IMI respeitante a cada um dos referidos imóveis;
3 – O crédito garantido por hipoteca do “Banco (…), SA”, até ao limite do valor inscrito no registo;
4 – O crédito privilegiado do ISS, IP;
5 – Os créditos comuns;
6 – Os créditos subordinados».
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A recorrente não se conformou com a referida decisão e apresentou as alegações que continham as seguintes conclusões[1]:
«1 – O recurso interposto versa a sentença proferida nos autos de verificação ulterior de créditos na parte em que graduou pelo produto da venda do imóvel apreendido nos presentes autos de insolvência sob a verba 71, a fracção autónoma designada pela letra “D” do prédio descrito sob o n.º (…) da Freguesia de Pousos na Conservatória do Registo Predial de Leiria, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), os créditos dos trabalhadores identificados a fls. 125 em primeiro lugar pelo que, antes do crédito do Autor Banco (…), S.A., está garantido por hipoteca em 1º grau sobre o referido imóvel.
2 – Decorre do artigo 686º do CC que a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo, configurando um direito real de garantia.
3 – O credor hipotecário detém o direito de sequela do bem que lhe está hipotecado, bem como o direito de ser pago com preferência em relação a outros credores, que não gozem de privilégio especial ou de prioridade do registo, pelo produto da venda desse bem, o que fundamentou a decisão do Autor e aqui recorrente ver verificado o crédito reclamado, nos termos e com os fundamentos constantes do seu requerimento inicial.
4 – Contudo, a graduação efectuada sobre o produto da venda do imóvel em apreço violou claramente a disposta no artigo 686º do Código Civil, situação que cumpre rectificar.
5 – Na sentença de graduação de créditos proferida em 14/03/2014, no apenso B, consta da mesma, por referência aos créditos laborais que: “Efectivamente, estes créditos gozam de privilégio mobiliário geral e de privilégio imobiliário especial sobre os imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade, de acordo com o disposto no artigo 377º, nº 1, alíneas a) e b), do Código do Trabalho”.
6 – Nessa mesma sentença determina-se ainda que:
“Os créditos garantidos são pagos imediatamente após a liquidação dos bens onerados com garantia real e abatidas as correspondentes despesas, com respeito pela prioridade que lhes caiba; quanto àqueles que não fiquem integralmente pagos e perante os quais o devedor responda com a generalidade do seu património, são os saldos respectivos incluídos entre os créditos comuns (artigo 174º, nº 1, do CIRE).
O pagamento dos credores privilegiados rege-se pelo estatuído o artigo 175.º do CIRE, nos termos do qual tal pagamento é efectuado à custa dos bens não afectos a garantias reais prevalecentes, com respeito da prioridade que lhes caiba e na proporção dos seus montantes, quanto aos que sejam igualmente privilegiados”.
7 – E tendo isso em consideração passa a efectuar a graduação dos bens por grupos, em função da respectiva situação, considerando:
- Sobre os bens móveis, sobre os quais os trabalhadores, em função do privilégio mobiliário geral, são graduados em primeiro lugar;
- Sobre o bem imóvel aprendido sob a verba 51 que resulta ser o local onde a empresa desenvolvia a sua actividade de acordo com o relatório a presentado pelo Senhor Administrador de Insolvência nos termos do artigo 155º do CIRE, graduando em primeiro lugar os créditos dos trabalhadores, depois os créditos da AT referentes a IMI e somente a seguir os créditos do credor hipotecário;
- Passa seguidamente a considerar a os restantes bens imóveis garantidos por hipoteca, verbas 64, 65, 66, verba 46, verbas 49 e 50, verba 72 e verba 41, onde gradua em primeiro lugar os créditos de IMI quando os há, em segundo os créditos decorrentes das garantias hipotecárias e seguidamente os seguidamente os créditos da SS e restantes créditos;
- Finalmente considera uma última categoria referente aos restantes bens imóveis que se depreende sobre os quais não foram reconhecidos créditos com garantia hipotecária, sem especificar em concreto a verba 71.
8 – Sobre a verba 71 veio a apurar-se que não só estava incorrectamente identificada como, estava onerada com hipoteca, o que veio a determinar a reclamação do crédito hipotecário pelo aqui Autor e o seu reconhecimento, na sentença proferida no apenso E.
9 – A verba 71, a fracção autónoma designada pela letra “D” do prédio urbano letra “D” do prédio descrito sob o nº (…) da Freguesia de Pousos na Conservatória do Registo Predial de Leiria, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), é um andar destinado a habitação, sito em Pousos, conforme resulta da informação predial junta ao doc. 1 da petição inicial e de acordo com o relatório do artigo 155º apresentado nos autos principais, a actividade e instalações da sociedade insolvente estavam sitas em Vilar dos Prazeres, Ourém. Cita-se o relatório do Senhor Administrador datado de 13 de Novembro de 2012 sob a epigrafe – Actividade – relata que: “A empresa concentra a sua actividade (fábrica, armazém e escritório) em instalações próprias para o efeito, sito em Vilar dos Prazeres (…) – Ourém”.
10 – Acresce que de acordo com a lista do artigo 129º do CIRE apresentada nos autos, os créditos dos trabalhadores vêm referenciados como privilegiados mas não referem os imóveis em concreto sobre os quais incidem tais privilégios, e quais estariam abrangidas por privilégio imobiliário especial nos termos do artigo 377º, nº 1, alíneas a) e b), do Código do Trabalho.
11 – Nos termos da lei e da melhor jurisprudência, a atribuição do privilégio imobiliário especial previsto no artigo 377º, nº 1, alínea b), do Código de Trabalho pressupõe a alegação e prova por parte do trabalhador de que prestava a sua actividade no imóvel ou imóveis apreendidos – veja-se nesse sentido o Ac. da Relação de Lisboa de 16-01-2014, Relator Carla Mendes, w.dgsi.pt.
12 – Se o imóvel com hipoteca ao aqui Recorrente não se situa em Vilar dos Prazeres mas sim em Pousos, sendo este um andar em prédio de habitação destinado ele próprio a habitação, nem estando especialmente invocado que algum trabalhador exercesse nessa morada a sua actividade, quando a sociedade mantida a sede, a actividade e instalações em Vilar os Prazeres, apenas poderemos concluir que o imóvel com hipoteca ao Banco (…), S.A., aqui Recorrente, não era local de trabalho de nenhum trabalhador e como tal não pode ser graduado como se os créditos laborais gozassem sobre este imóvel de privilégio imobiliário especial.
13 – A única graduação possível de acordo com a lista de créditos a provada, conjugada com a sentença proferida nos presentes autos, em que são reconhecidos os créditos decorrentes da hipoteca, é a de que estes créditos estes terão de ser graduados conjugados com os restantes créditos e como tal, mutais mutantes, merecer o mesmo tratamento que os restantes bens imóveis garantidos por hipoteca, sobre os imóveis que integraram o património da sociedade insolvente mas onde os trabalhadores não prestavam a sua actividade, tal como determinado para as verbas 64, 65, 66, verba 46, verbas 49 e 50, verba 72 e verba 41, onde se gradua em primeiro lugar os créditos de IMI quando os há, em segundo os créditos decorrentes das garantias hipotecárias e seguidamente os seguidamente os créditos restantes créditos pela ordem que lhe couber.
14 – Tratando-se o crédito do Autor e aqui Recorrente Banco (…), S.A. de crédito garantido por hipoteca sobre o imóvel que destinado a habitação, onde, de acordo com os relatórios do Senhor Administrador de Insolvência, não era prestada qualquer actividade empresarial, dado que a sociedade insolvente tida as suas instalações e actividades sitas em Vilar dos Prazeres, Ourém, era forçoso atender a tal factualidade e graduar o crédito garantido por hipoteca em segundo lugar, logo a seguir ao crédito da Fazenda nacional referente a IMI, único que poderá preferir aos créditos garantidos por hipoteca, não podendo ser reconhecido sobre os créditos dos trabalhadores em primeiro lugar por não beneficiarem de privilégio imobiliário especial nos termos do artigo 377º, nº 1, al. b), do Código do Trabalho sobre este imóvel.
15 – Devendo a decisão proferida ser alterada em conformidade, única forma de respeitar o disposto no artigo 377º, nº 1, alínea b), do Código do Trabalho e artº 686º do Código Civil, violadas pela sentença recorrida, ao graduar.
Termos em que se requer a V. Exas se dignem revogar a sentença proferida pelo douto tribunal a quo, e determinar que o crédito reconhecido ao Autor/Recorrentes Banco (…), S.A. seja graduado em segundo lugar, a seguir aos créditos da AT decorrentes de IMI sobre o imóvel e antes dos créditos reclamados pelos Trabalhadores e Segurança Social.
Assim se fazendo a costumada Justiça!».
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Não foram apresentadas contra-alegações de recurso.
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Foi admitido o recurso e observados os vistos legais.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do NCPC).
Analisadas as alegações de recurso, a questão que se suscita neste recurso é apurar se os créditos dos trabalhadores da insolvente estão garantidos com privilégio imobiliário especial sobre o imóvel apreendido à ordem dos autos.
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III – Factos com interesse para a decisão da causa:
Do histórico do processo e da documentação junta aos autos resultam provados os seguintes factos:
1) Através de missiva datada de dia 06/07/2017 o Autor foi informado pelo Sr. Administrador de Insolvência que, no dia 10/04/2017, tinha sido apreendida a favor da massa insolvente a fracção autónoma designada pela letra “D” do prédio descrito sob o nº (…) da Freguesia de Pousos na Conservatória do Registo Predial de Leiria, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…).
2) Decorre da certidão predial junta com a petição inicial que sobre o prédio apreendido se mostra registada, mediante a ap. 36, de 2002/02/10, uma hipoteca voluntária a favor do “Crédito (…), SA”, actualmente “Banco (…), SA”, a qual assegura o montante máximo de € 106.449,71, sendo a mesma para “garantia de empréstimo …”, nos moldes aí indicados, que aqui se consideram reproduzidos, inexistindo outras garantias registadas, anteriormente.
3) No relatório do Administrador Judicial datado de 13 de Novembro de 2012 consta que a empresa concentra a sua actividade (fábrica, armazém e escritório) em instalações próprias para o efeito, sitas em Vilar dos Prazeres (… – Ourém).
4) O prédio hipotecado corresponde a uma casa destinada à habitação.
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IV – Fundamentação:
O enunciado normativo controvertido está precipitado no número do artigo 333º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12/02, que dispõe que:
«1 – Os créditos do trabalhador, emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam dos seguintes privilégios creditórios:
a) Privilégio mobiliário geral;
b) Privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade».
2 – A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte:
a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes de crédito referido no nº 1 do artigo 747º[2] do Código Civil;
b) O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes de crédito referido no artigo 748º[3] do Código Civil e de crédito relativo a contribuição para a segurança social».
Desta previsão legal resulta indubitável que o privilégio imobiliário especial dos créditos laborais não incide sobre todos os imóveis da titularidade da entidade empregadora, mas apenas sobre aquele ou aqueles em que o trabalhador preste a sua actividade[4] [5].
A questão crucial do presente recurso está associada à interpretação da alocução normativa «imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade».
Habitualmente o local de trabalho é, em geral, o centro estável (ou permanente) de actividade de certo trabalhador e a sua determinação obedece essencialmente ao intuito de se dimensionarem no espaço as obrigações e os direitos e garantias que a lei lhe reconhece.
Todavia, em Direito do Trabalho é admitido um conceito de local de trabalho de natureza relativa e elástica, susceptível de abranger áreas mais ou menos extensas, em virtude do tipo de actividade que é objecto do acordo contratual estabelecido[6] [7].
Efectivamente, à luz do Código de Trabalho, o local de trabalho poderá configurar uma realidade pluricomplexa e que nem sempre é possível delimitar naturalisticamente. Pedro Madeira de Brito[8] afirma que o local de trabalho não é nem um ponto no espaço, nem uma delimitação geográfica que se realiza por recurso a instrumentos de medida e precisão.
Sobre a esfera de abrangência desta norma existem duas linhas de pensamento doutrinal, uma restritiva[9] [10] [11] [12] [13] [14] que entende que o privilégio imobiliário está circunscrito aos imóveis onde o trabalhador exerce a sua profissão com carácter de regularidade e habitualidade e outra de amplitude alargada[15] [16] [17] que abrange todos os imóveis onde a entidade empregadora desenvolve a sua actividade.
Para maior desenvolvimento pode ser consultado o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/05/2017, in www.dgsi.pt, que faz uma resenha da polémica jurisprudencial e do âmbito de abrangência do artigo 333º do Código do Trabalho[18].
A interpretação restritiva da norma pode redundar em desigualdade de tratamento entre trabalhadores. E aqui não deve ser valorizado o critério acidental do local específico de prestação laboral em detrimento da vinculação contratual idêntica e da participação tendencialmente igualitária de todos os trabalhadores na prossecução da actividade global da empresa.
A fim de permitir uma interpretação conforme à Constituição, se tais créditos laborais merecerem uma protecção social especial é de inferir que, como decorrência lógica do direito fundamental à retribuição e a uma existência condigna, todos os trabalhadores que se encontrem funcionalmente ligados aos imóveis da empresa devem beneficiar em igual medida do produto da venda como forma de garantir o sucesso do pagamento dos créditos laborais em dívida de modo equitativo e equilibrado.
O apelo a argumentos de coerência do ordenamento jurídico, da ratio e teleologia das normas, bem como das finalidades orientadoras da concessão do privilégio imobiliário exige que essa seja a interpretação prevalente da norma.
Por isso, quando a lei diz que o privilégio imobiliário incide sobre os “bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade” está a referir-se à ligação funcional do trabalhador a determinado estabelecimento ou unidade produtiva e não propriamente à localização física do seu posto de trabalho[19].
Esta posição é acolitada em diversos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça[20] que perfilham o entendimento que «se é sobre os imóveis do empregador que incide o privilégio imobiliário, o requisito especial tem de ir buscar-se, segundo o que dispõe a lei, à actividade do trabalhador: imóvel onde ele preste a sua actividade; não diz a lei imóvel da actividade do empregador onde o trabalhador presta actividade»[21].
Sobre a possibilidade de locais de trabalho plurilocalizados já se pronunciou este colectivo no acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 20/10/2016[22], publicado em www.dgsi.pt, optando-se também aí por uma concepção mais alargada do conceito. Este aresto fundava-se no argumentário do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 23/02/2016[23], onde foi debatida a problemática dos privilégios imobiliários especiais de que gozam os trabalhadores sobre os «bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade»[24].
Essa conexão funcional deve ser efectiva e não meramente simbólica. No entanto, neste caso concreto não existe essa especial ligação entre o imóvel e a actividade dos trabalhadores que reclamaram créditos em sede de processo de insolvência.
No actual quadro normativo nacional não assiste aos trabalhadores um privilégio imobiliário especial sobre todo o acervo de bens imóveis pertencentes à sua entidade patronal, antes esse direito está circunscrito nos termos delineados no artigo 333º do Código do Trabalho.
E neste processo o recorrente alegou que o prédio em discussão se destinava à habitação e não está directamente ligado à actividade comercial da insolvente. E esta factualidade não foi colocada em causa por nenhum dos interessados chamados à acção, considerando-se assim assente por falta de impugnação.
É assim acertada a conclusão da sociedade recorrente quando afirma que «não se situando o imóvel em apreço em Vilar dos Prazeres mas sim em Pousos e sendo este um andar em prédio de habitação destinado ele próprio a habitação, nem estando especialmente invocado que algum trabalhador exercesse nessa morada a sua actividade, quando a sociedade mantém a sede, a actividade e as instalações em Vilar dos Prazeres, apenas poderemos concluir que o imóvel com hipoteca ao “Banco (…), SA”, aqui recorrente, não era local de trabalho de nenhum trabalhador e como tal não pode ser graduado como se os créditos laborais gozassem sobre este imóvel de privilégio imobiliário especial».
Na realidade, a atribuição do privilégio imobiliário especial previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 333º do Código de Trabalho pressupõe a alegação e prova por parte do trabalhador afectado que prestava a sua actividade no imóvel ou imóveis apreendidos[25] [26] [27] [28].
Mesmo quando se trata de uma acção de verificação ulterior de créditos ou de outros direitos proposta ao abrigo do disposto no artigo 146º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, enquanto credores, os trabalhadores podem contrariar a pretensão da autora através da alegação e prova dos pressupostos fácticos impulsionadores do referido privilégio especial que contrariasse a prioridade de pagamento por esta invocada. O que não fizeram.
Assim, na associação entre os créditos constantes das reclamações apresentadas pelos trabalhadores e a hipoteca constituída a favor do “Banco (…), SA”, é de concluir que os antigos assalariados da insolvente não gozam de privilégio imobiliário especial sobre este concreto bem apreendido para a massa.
A sentença recorrida não contém qualquer factualidade que permita integrar a realidade apurada na esfera de previsão da norma sub judice e, assim sendo, não está preenchida a premissa que permitia construir o silogismo judiciário firmado na sentença recorrida.
Deste modo, a sentença de graduação de créditos é alterada nos termos propostos, passando o crédito do “Banco (…), SA” a ser graduado em segundo lugar, a seguir aos créditos da AT decorrentes de IMI sobre o imóvel e antes dos créditos reclamados pelos Trabalhadores. Em função disto, concede-se provimento ao recurso, revogando-se parcialmente a sentença recorrida.
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V – Sumário:
(...)
VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o recurso interposto, revogando-se parcialmente a sentença recorrida, nos seguintes termos:
«O produto da venda do imóvel a que corresponde a venda 71 é pago pela seguinte ordem:
1 – O crédito privilegiado da Autoridade Tributária, relativo a IMI respeitante a cada um dos referidos imóveis.
2 – O crédito garantido por hipoteca do “Banco (…), SA”, até ao limite do valor inscrito no registo.
3 – O crédito dos trabalhadores identificados a fls. 125.
4 – O crédito privilegiado do ISS, IP.
5 – Os créditos comuns.
6 – Os créditos subordinados».
No mais mantém-se o anteriormente decidido.
Sem tributação nos termos do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 5, do Código de Processo Civil).
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Évora, 28/06/2018
José Manuel Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel Matos Peixoto Imaginário

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[1] Foi rectificada a numeração, uma vez que as conclusões das alegações de recurso continham duas vezes o número 5, alterando-se assim a ordem sequencial subsequente.
[2] Artigo 747º (Ordem dos outros privilégios mobiliários):
1. Os créditos com privilégio mobiliário graduam-se pela ordem seguinte:
a) Os créditos por impostos, pagando-se em primeiro lugar o Estado e só depois as autarquias locais;
b) Os créditos por fornecimentos destinados à produção agrícola;
c) Os créditos por dívidas de foros;
d) Os créditos da vítima de um facto que dê lugar a responsabilidade civil;
e) Os créditos do autor de obra intelectual;
f) Os créditos com privilégio mobiliário geral, pela ordem segundo a qual são enumerados no artigo 737.º
2. O disposto no presente artigo é aplicável, ainda que os privilégios existam contra proprietários sucessivos da coisa.
[3] Artigo 748º (Ordem dos outros privilégios imobiliários):
1. Os créditos com privilégio imobiliário graduam-se pela ordem seguinte:
a) Os créditos do Estado, pela contribuição predial, pela sisa e pelo imposto sobre as sucessões e doações;
b) Os créditos das autarquias locais, pela contribuição predial.
[4] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/05/2012, in www.dgsi.pt.
[5] Numa redacção alternativa proposta pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/01/2017, disponível em www.dgsi.pt, «o privilégio imobiliário especial, concedido aos créditos laborais pelo artigo 333º, nº 1, al, b), do Código do Trabalho, abrange todos os bens imóveis integrantes do património da insolvente afectos ao desenvolvimento da respectiva actividade empresarial, exigindo-se uma conexão, em termos funcionais, entre a actividade dos trabalhadores reclamantes e a unidade empresarial da insolvente, integrada por tais imóveis».
[6] Pedro Madeira de Brito, Trabalhadores no Código de Trabalho», in VII Congresso Nacional de Direito de Trabalho, Almedina, Coimbra, 2004, pág. 45.
[7] Leal Amado, «Local de trabalho, estabilidade e mobilidade: O paradigma do trabalhador on the road?», in Temas Laborais, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pág. 68.
[8] Anotação ao artigo 154º, Código do Trabalho Anotado, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 366.
[9] Joana Vasconcelos, Sobre a Garantia dos Créditos Laborais no Código do Trabalho, in Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Prof. Manuel Alonso Olea, págs. 321-341.
[10] Joana de Vasconcelos, Código do Trabalho Anotado, 9ª edição, pág. 705.
[11] Miguel Lucas Pires, Garantia dos Créditos Laborais, in Código do Trabalho, A Revisão de 2009, pág. 246.
[12] Miguel Lucas Pires, Dos Privilégios Creditórios, pág. 246.
[13] Paula Quintas e Hélder Quintas, Código do Trabalho, Anotado e Comentado, 2012, 3ª edição, págs. 928-934;
[14] Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 3ª edição, págs. 318-319.
[15] Júlio Gomes, Direito do Trabalho, pág. 899.
[16] Maria do Rosário Palma Ramalho, Os trabalhadores no processo de insolvência, in III Congresso de Direito da Insolvência, pág. 399.
[17] Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2ª edição Revista e Actualizada, Almedina, Coimbra, 2017.
[18] Dita este aresto que «I. O privilégio imobiliário especial a que alude o artigo 333º, nº 1, al. b), do Código do Trabalho, abrange todos os imóveis da entidade patronal que estejam afectos à sua actividade empresarial e, à qual, os trabalhadores estejam funcionalmente ligados, independentemente da localização do seu posto de trabalho.
II. Ficam afastados de tal privilégio todos os imóveis pertencentes ao empregador, que estejam arrendados e/ou que tenham sido afectados a quaisquer outros fins, diversos da sua específica actividade económico/empresarial».
[19] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22/10/2012, in www.dgsi.pt.
[20] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/06/2008, in www.dgsi.pt.
[21] Relativamente a este tema pronunciam-se entre outros os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13/11/2014 (no âmbito da lei do pretérito), de 13/11/2014 (na vigência da nova lei) e 13/01/2015, disponíveis em www.dgsi.pt.
[22] O trabalhador goza de privilégio imobiliário especial pelo seu crédito perante a entidade empregadora sobre o património imobiliário pertencente ao empregador que integre a estrutura estável da sua organização produtiva, independentemente da localização habitual do posto de trabalho do trabalhador, desde que exista uma interacção efectiva na prestação da obrigação laboral mantida entre as partes no referido imóvel.
II- O local onde o trabalhador presta a sua actividade, referido no art.º 333º do Código do Trabalho tanto podem ser o local habitual como aquele outro para onde se deslocava quando aumentavam as necessidades de produção na unidade fabril.
[23] Publicado no Diário da República, 1ª série, nº 74, de 15/04/2016, páginas 1284-1306.
[24] O acórdão uniformizador de jurisprudência foi editado à luz do artigo 377º do Código do Trabalho de 2003, cuja redacção é, neste segmento normativo, em parte, essencialmente idêntica à do correspondente preceito do actual Código do Trabalho – artigo 333º.
[25] Neste sentido, no domínio da legislação do pretérito pode ser consultado o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16/01/2014, in www.dgsi.pt.
[26] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/06/2008, in www.dgsi.pt.
[27] Na visão do Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão datado de 22/01/2018, in www.dgsi.pt, «o entendimento do que se considera “local onde o trabalhador exerce a actividade", deve ser interpretado de forma lata, abrangendo todos os imóveis da entidade patronal que estejam afectos à sua actividade empresarial, à qual os trabalhadores estão funcionalmente ligados, independentemente da localização, em concreto, do respectivo posto de trabalho, ficando, consequentemente, excluídos, os imóveis que embora pertença da entidade patronal não estivessem afectos ao escopo societário, à actividade empresarial da entidade patronal».
[28] Como o faz o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07/07/2016, in www.dgsi.pt, é de admitir uma linha menos formalista que no reconhecimento da existência do privilégio imobiliário especial. De acordo com este aresto «para o efeito de graduação de créditos reclamados no processo de insolvência, o juiz poderá reconhecer aos trabalhadores da insolvente privilégio imobiliário especial sobre imóvel apreendido, ainda que na respectiva reclamação aqueles não tenham alegado terem exercido a sua actividade no referido imóvel, embora tenham invocado a natureza privilegiada do seu crédito, se dos elementos constantes no processo se colher que o imóvel em causa estava afectado à actividade empresarial da insolvente, existindo por conseguinte e em princípio uma ligação funcional entre o mesmo e o trabalhador, enquanto elementos da mesma organização produtiva».