Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
221/22.5GBTNV.E1
Relator: NUNO GARCIA
Descritores: REGISTO CRIMINAL
EXTINÇÃO DAS PENAS
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Quer nos termos do artº 15º da L. 57/98 de 18/8, quer do artº 11º da L. 37/2015 de 5/5, o que há que considerar, é a data dos despachos que declararam extintas as penas e não a data do cumprimento das penas.
Nem sempre pode ser líquido que determinada pena está cumprida. É necessário que haja decisão a declarar extinta a pena, como claramente resulta do disposto no artº 475º do C.P.P., para a generalidade das penas, e do artº 57º, nº 1, do Cód. Penal, especificadamente para a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão.

2 - É o despacho que declara extinta a pena que tem a segurança jurídica necessária para servir de início ao decurso do prazo de 5 anos e não qualquer outro facto que pode ser controvertido.

É por isso que os referidos preceitos legais aludem à extinção da pena e não ao cumprimento da pena.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
RELATÓRIO

O arguido AA foi submetido a julgamento, no âmbito do qual foi proferida sentença contendo o seguinte dispositivo (na parte que interessa):

“Em face do exposto, decide-se:---

a) Condenar o arguido AA na pena de 11 (onze) meses de prisão, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal;---

b) Determinar que tal pena de prisão, ora aplicada ao arguido AA, seja cumprida em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância (todos os dias, 24 horas por dia, enquanto decorrer a execução desta pena), na habitação sita na Rua …, em …, subordinada às seguintes regras de conduta:---

i. Fixar a sua residência na habitação sita na Rua …, …;---

ii. Manter uma boa conduta e integração ao nível sociofamiliar;---

iii. Aceitar a tutela dos serviços de reinserção social da área da sua residência, cumprindo os deveres inerentes à fiscalização e controlo do integral cumprimento da pena em regime de permanência na habitação que lhe sejam comunicados.---

c) Autorizar a saída do arguido da sua residência para, nos dias úteis e com excepção do período das suas férias laborais, exercer a sua actividade profissional de tractorista agrícola, na …, entre as 07,30 e as 19,30 horas;---

d) Autorizar, genericamente, as saídas da sua residência pelo tempo estritamente necessário, com vista a comparecer a consultas médicas, tratamentos e similares, renovação de documentos, comparência a actos judiciais e diligências previamente agendadas ou programadas, comparência nos Serviços de Finanças e da Segurança Social, comparência em cerimónias fúnebres de familiares (linha directa e linha colateral, neste caso até ao 3.º grau), devendo previamente comunicar as mesmas, nos termos dos seus deveres legais, aos serviços de reinserção social que, por seu turno, para além de antecipadamente as comprovarem devidamente, também em termos de necessidade real e efectiva, exercendo ainda a adequada fiscalização, as devem comunicar ao tribunal, sem prejuízo do demais previsto no artigo 11.º da Lei n.º 33/2010, de 02.09;---

e) Em caso de incumprimento grave destas obrigações, de saída ilegítima do condenado da residência em período de restrição ou a sua não apresentação em devido e acordado tempo sem justificação plausível, a equipa de vigilância fica autorizada a informar os OPC territorialmente competentes com vista à sua imediata detenção e condução a juízo;---

f) Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, de qualquer categoria, na via pública, pelo período de 18 (dezoito) meses, em conformidade com o disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal;---”

#

Inconformado com a referida condenação, o arguido recorreu da sentença, tendo terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões:

“1. O facto 18 da matéria de facto provada considera demonstrado que “Do certificado do registo criminal do arguido, constam as seguintes condenações:”, elencando, além do mais, os pontos a., b., e c.

2. Consta, assim, da matéria de facto dada como provada que o arguido cometeu, em 1998 e em 2000, os crimes elencados em a., b. e c. do facto provado 18.

3. A motivação da matéria de facto refere ““Os antecedentes criminais do arguido, acima elencados, resultam do teor do respectivo certificado de registo criminal actualizado, de fls. 32 a 42 – vd. ponto 18 dos factos provados. A este propósito, tendo tal questão sido suscitada pela defesa em audiência de julgamento, importa notar que o tribunal considerou a totalidade das condenações que se encontram averbadas no certificado de registo criminal do arguido”.

4. No caso dos autos, e relativamente ao facto provado 18, importa considerar que: - o cumprimento da pena em a. ocorreu a 15-02-2000; - o cumprimento da pena em b. ocorreu em 13-03-2000; e, - o cumprimento da pena em c. ocorreu em 20-02-2000.

5. Assim, o prazo de 5 anos para o cancelamento dos registos das penas em a., b. e c., iniciou-se em 13-03-2000, data em que a pena de maior duração foi integralmente cumprida. E, decorreu até 13-03-2005, sem que, entretanto, o arguido tivesse sido condenado por crime de qualquer natureza.

6. Em 13-03-2005 decorreram 5 anos sobre a extinção da pena de maior duração nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 da Lei do Registo Criminal (Lei n.º 37/2015, de 5 de maio), pelo que essa condenação e todas as anteriores deveriam ter sido removidas do registo criminal do Recorrente, e qualquer registo criminal do arguido que fosse requerido após aquela data, deveria ter sido emitido sem qualquer inscrição.

7. Verificada a hipótese contemplada na previsão da norma que determina o cancelamento - artigo 11.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 da Lei do Registo Criminal (Lei n.º 37/2015, de 5 de maio) -, o registo da condenação deixa de poder ser considerado (contra o arguido), assim sucedendo independentemente da circunstância de se ter ou não procedido prontamente à real efetivação do cancelamento.

8. Logo, tendo-se extinguido as condenações pelo cumprimento, e operando essa extinção ipso iure, sem depender de qualquer despacho judicial que o declare, a extinção ocorre na data do cumprimento e não fica dependente da diligência de terceiros, designadamente dos Tribunais.

9. Os factos dos presentes autos ocorreram em maio de 2022. Legalmente, nesta data, teria de se considerar cessada a vigência no registo criminal do arguido das condenações elencadas em a., b. e c.

10. A sentença recorrida não poderia ter considerado e valorado o Certificado de Registo Criminal do arguido nos termos em que foi emitido, uma vez que as condenações ali mencionadas e incluídas nos pontos a., b. e c. do facto provado 18 já deveriam ter sido canceladas, por ter decorrido o prazo de cinco anos previsto para o seu cancelamento definitivo. Deverão, pois, considerar-se não escritos os pontos a., b. e c. do facto provado 18.

11. Os antecedentes criminais do arguido foram sopesados e valorados contra ele, ou seja, como circunstância agravante geral. E foram-no, apesar de já não deverem nem poderem constar do CRC.

12. O passado judiciário do arguido elencado em a., b. e c. do facto provado 18 não é passível de valoração. Logo, não pode influir contra o arguido na determinação da pena. Pelo que a valoração do CRC do arguido feita pelo Tribunal a quo é ilegal.

13. Deverão ser reapreciadas as exigências de prevenção especial, à luz da alteração da factualidade legalmente demostrada, de modo a dar efetivo cumprimento ao disposto no artigo 40.º do Código Penal, não só no que concerne à determinação da medida concreta da pena principal, mas também no que se refere à medida da sanção acessória de inibição de condução, onde também foram levadas em conta as condenações do arguido – ocorridas há mais de 20 anos-, quando não o deveriam ter sido.

14. Para além da não relevância jurídica das condenações anteriores em a., b. e c., sempre se adiantará que, as condenações em d. e e., pelo mesmo tipo de crime em causa nos autos, transitaram em julgado em 25/06/2012 e em 13/01/2015 e foram declaradas extintas em 11/11/2013 e em 03/05/2016. Ou seja, são condenações extintas há mais de 6 anos. O que, para o tipo de criminalidade em causa, não justificaria a agravação operada pelo Tribunal recorrido.

15. A medida das penas (principal e acessória), têm por referência o disposto nos artigos 40º e 71º, do Código Penal, devendo ser encontrada e fixada nos limites exigidos essencialmente pelo grau de culpa, da ilicitude e pela necessidade de prevenção geral e especial. É manifesto que, in casu, o Tribunal recorrido não fez correta determinação da medida da pena, uma vez que foi preponderante a relevância dada ao CRC (ilegal) do arguido.

16. Deverá considerar-se como não escrito ou como não constando do factualismo provado, os factos referentes às condenações do arguido constantes dos pontos a., b. e c. do facto provado 18; aplicar-se ao arguido uma pena não privativa de liberdade e reduzir o prazo da pena acessória.

Termos em que, concedendo provimento ao recurso e revogando a decisão recorrida, Vossas Excelências farão Justiça.”

#

O Ministério Público não respondeu ao recurso.

#

Neste tribunal da relação, a Exmª P.G.A. emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e, cumprido que foi o disposto no artº 417º, nº 2, do C.P.P., não foi apresentada resposta.

#

APRECIAÇÃO

Importa apreciar no presente recurso a relevância de algumas das condenações anteriores do arguido e, em consequência, apurar se deve ser alterada a natureza e medida da pena principal e da pena acessória.

#

Consta na sentença recorrida:

“II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:---

2.1. Factos provados:---

1. No dia 13.05.2022, pelas 23,50 horas, o arguido AA conduziu o veículo automóvel de matrícula … pela Rua …, em …, …;---

2. O arguido ingeriu bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução, sendo, naquela data, hora e local e enquanto conduzia, portador de uma taxa de alcoolemia no sangue de, pelo menos, 1,786 g/l, correspondente à taxa de alcoolemia no sangue registada de 1,88 g/l, deduzido o erro máximo admissível;---

3. O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente e quis agir do modo descrito, ciente de que se encontrava a conduzir um veículo na via pública sob a influência de bebidas alcoólicas que previamente ingerira;---

4. Não obstante, quis conduzir aquela viatura nas referidas circunstâncias, sabendo ainda que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.---

Mais se provou:---

5. O arguido tem uma companheira há cerca de 5 anos e dois filhos, de 7 e 21 anos de idade;---

6. O arguido despende a quantia mensal de €80,00, a título de alimentos devidos ao seu filho de 7 anos de idade, e tem suportado os custos respeitantes à frequência de curso do ensino superior pela sua filha mais velha;---

7. O arguido vive com a companheira em casa própria, sita na Rua …, …, à qual está associado um empréstimo bancário, que amortiza através da entrega da quantia mensal de €199,00;---

8. Integra ainda o agregado familiar do arguido o seu pai, ainda que provisoriamente, pois a sua habitação está em obras;---

9. O arguido exerce actividade profissional remunerada como tractorista agrícola numa empresa da …, prestando trabalho no período compreendido entre as 07,30 horas e as 19,30 horas, auferindo mensalmente a quantia de €735,00, acrescida do subsídio de alimentação;--

10. O pai do arguido contribui para as despesas do agregado familiar com a quantia mensal de €150,00;---

11. A companheira do arguido está desempregada, estando a receber uma quantia mensal de €200,00, a título de subsídio de desemprego;---

12. O arguido é titular de um veículo automóvel de marca …, de 1995, com um valor patrimonial aproximado de €4.000,00;---

13. O arguido é titular de uma roulotte, destinada a arrumações, de valor não concretamente apurado;---

14. O arguido encontra-se a liquidar faseadamente uma dívida junto da Autoridade Tributária, despendendo a quantia mensal de €100,00;---

15. Como habilitações literárias, o arguido apresenta o 9.º ano de escolaridade;-

16. O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos de que se mostra acusado nos autos;---

17. O arguido prestou o seu consentimento ao eventual cumprimento de pena de prisão em regime de permanência na habitação;---

18. Do certificado do registo criminal do arguido, constam as seguintes condenações:---

No Processo Comum n.º 18/99.4TBGLG, que correu termos no extinto Tribunal Judicial de …, pela prática, em 07.11.1998, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, tendo sido condenado, por sentença proferida em 19.10.1999, transitada em julgado em 05.11.1999, numa pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 500$00, e numa pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor na via pública pelo período de 1 mês, tendo ambas sido declaradas extintas pelo cumprimento por despacho proferido em 06.03.2008;---

b. No Processo Abreviado n.º 45/00.0PATNV, que correu termos no extinto ….º Juízo do Tribunal Judicial de …, pela prática, em 29.01.2000, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, tendo sido condenado, por sentença proferida em 28.11.2000, transitada em julgado em 13.12.2000, numa pena de 3 meses de prisão, substituída pela prestação de 110 horas de trabalho a favor da comunidade, declarada extinta pelo cumprimento por despacho proferido em 15.01.2002, e numa pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor na via pública pelo período de 3 meses;

c. No Processo Abreviado n.º 273/00.9TBACN, que correu termos no extinto Tribunal Judicial de …, pela prática, em 29.01.2000, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, tendo sido condenado, por sentença proferida em 13.12.2000, transitada em julgado em 05.01.2001, numa pena de 50 dias de multa, à taxa diária de 500$00, declarada extinta pelo cumprimento por despacho proferido em 18.10.2007;---

d. No Processo Sumário n.º 181/12.0PATVN, que correu termos no extinto ….º Juízo do Tribunal Judicial de …, pela prática, em 05.05.2012, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, tendo sido condenado, por sentença proferida em 24.05.2012, transitada em julgado em 25.06.2012, numa pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, subordinada ao dever de o arguido frequentar o programa STOP – Responsabilidade e Segurança, e numa pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor na via pública pelo período de 1 ano, tendo ambas sido declaradas extintas, pelo cumprimento, por despacho proferido em 11.11.2013;---

e. No Processo Sumário n.º 170/14.0GBGLG, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo de Competência Genérica …, Juiz …, pela prática, em 06.11.2014, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, tendo sido condenado, por sentença proferida em 01.12.2014, transitada em julgado em 13.01.2015, numa pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, acompanhada de regime de prova, e numa pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor na via pública pelo período de 14 meses, tendo ambas sido declaradas extintas, pelo cumprimento, por despacho proferido em 03.05.2016;---

f. No Processo Comum n.º 77/16.7GBGLG, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … Juízo de Competência Genérica …, Juiz …, pela prática, em 17.07.2016, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.os 1, alínea b) e 2, do Código Penal, tendo sido condenado, por sentença proferida em 15.10.2018, transitada em julgado em 14.11.2018, numa pena de 3 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período;---

g. No Processo Comum n.º 47/18.0GBGLG, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo de Competência Genérica …, Juiz…, pela prática, em 03.08.2018, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.os 1, alíneas b) e c) e 2, do Código Penal, tendo sido condenado, por sentença proferida em 01.07.2019, transitada em julgado em 31.07.2019, numa pena de 3 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período;--

h. No Processo n.º 123/20.0T8STR, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo Central Criminal de …, Juiz 4, foi proferido acórdão cumulatório, em 13.02.2020, transitado em julgado em 16.03.2020, englobando as condenações proferidas nos Processos n.os 77/16.7GBGLG e 47/18.0GBGLG, tendo sido aplicada ao arguido uma pena única de 4 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.---

*

2.2. Factos não provados:---

Com relevância para a boa decisão da acção penal, inexistem.---

*

*

Motivação:---

No caso dos autos, a convicção do Tribunal encontra-se essencialmente alicerçada na confissão integral e sem reservas prestada pelo arguido em sede de audiência de julgamento, o qual reconheceu a autoria do crime imputado, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritas no libelo acusatório, relato que, ademais, se afigura ainda consentâneo com os restantes elementos objectivos constantes dos autos, designadamente por referência ao teor do auto de notícia, de fls. 19 e do talão que atesta o resultado do teste de alcoolímetro, de fls. 28, tudo razões pelas quais se julgaram provados os factos vertidos na douta acusação pública [vd. pontos 1 a 4, 16 e 17 dos factos provados].---

Os factos relativos à situação social, laboral, económica e familiar do arguido decorreram do teor do relatório social elaborado pela DGRSP – Equipa do …, constante da ref.ª citius n.º …, o que não divergiu das declarações prestadas em audiência de julgamento pelo próprio [vd. pontos 5 a 15 dos factos provados].---

Os antecedentes criminais do arguido, acima elencados, resultam do teor do respectivo certificado de registo criminal actualizado, de fls. 32 a 42 – vd. ponto 18 dos factos provados.---

A este propósito, tendo tal questão sido suscitada pela defesa em audiência de julgamento, importa notar que o tribunal considerou a totalidade das condenações que se encontram averbadas no certificado de registo criminal do arguido.---

Vejamos então.---

Estabelece o artigo 11.º da Lei n.º 37/2015, de 05.05, o seguinte: “As decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal nos seguintes prazos: a) Decisões que tenham aplicado pena de prisão ou medida de segurança, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da pena ou medida de segurança, se a sua duração tiver sido inferior a 5 anos, entre 5 e 8 anos ou superior a 8 anos, respetivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza; b) Decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza; (…) e) Decisões que tenham aplicado pena substitutiva da pena principal, com ressalva daquelas que respeitem aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza; f) Decisões de dispensa de pena ou que apliquem pena de admoestação, decorridos 5 anos sobre o trânsito em julgado ou sobre a execução, respetivamente; g) Decisões que tenham aplicado pena acessória, após o decurso do prazo para esta fixado na respetiva sentença condenatória ou, tratando-se de pena acessória sem prazo, após a decisão de reabilitação. 2 - Quando a decisão tenha aplicado pena principal e pena acessória, os prazos previstos no número anterior contam-se a partir da extinção da pena de maior duração. 3 - Tratando-se de decisões que tenham aplicado pena de prisão suspensa na sua execução os prazos previstos na alínea e) do n.º 1 contam-se, uma vez ocorrida a respetiva extinção, do termo do período da suspensão. (…)”.---

Assim, a Lei de Identificação Criminal impõe o cancelamento dos registos criminais por decurso de determinados prazos desde a data da extinção das penas sem que o arguido volte a praticar factos jurídico-penalmente relevantes.---

Importa assinalar que se, durante esse período de cinco anos, tiver ocorrido outra condenação, quando a vigência desta (subsequente) condenação no registo cessar, aquelas que se tiverem mantido em virtude da última também cessam – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.09.2020, Processo n.º 73/19.2PTAMD.L1-9 e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10.05.2016, Proc.216/14.2GBODM.E1, disponíveis em www.dgsi.pt.---

Estando verificada a hipótese constante da previsão da norma que determina o cancelamento, o registo da condenação deixa de poder ser considerado (contra o arguido), assim sucedendo independentemente da circunstância de se ter ou não procedido prontamente à real efectivação do cancelamento. Com efeito, tem sido entendido que o aproveitamento judicial de informações que, só por anomalia do sistema, se mantêm no CRC, além de ilegal, viola o princípio constitucional da igualdade, pois permite distinguir esse arguido de um outro cujo CRC nas mesmas condições se encontra devidamente “limpo” – neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 10.05.2016, Processo n.º 216/14.2GBODM.E1 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13.09.2017, Processo n.º 27/16.0GTCBR.C1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.---

No caso em apreço, compulsado o teor do CRC do arguido, emitido em 16.05.2022, do mesmo resulta que a primeira condenação transitou em julgado em 05.11.1999, tendo sido condenado em pena de multa, que foi declarada extinta em 06.03.2008. Após, o arguido sofreu duas condenações, a última delas transitada em julgado em 05.01.2001, tendo a pena sido declarada extinta em 18.10.2007. Em 25.06.2012, o arguido foi condenado no Processo n.º 181/12.0PATVN, cujas penas (principal e acessórias) foram declaradas extintas, pelo cumprimento, por despacho proferido em 11.11.2013. O arguido veio a sofrer nova condenação, transitada em julgado em 13.01.2015, sendo que as penas aí aplicadas foram declaradas extintas, pelo cumprimento, por despacho proferido em 03.05.2016. Nos Processos n.os 77/16.7GBGLG e 47/18.0GBGLG (que vieram a dar lugar a uma pena única, por acórdão cumulatório), o arguido foi condenado por sentenças transitadas em julgado nos dias 14.11.2018 e 31.07.2019. Ora, desde a extinção de cada uma das penas daqueles processos não decorreram mais de cinco anos sem que o arguido tenha cometido crimes, pelo que a totalidade das condenações que constam do registo criminal do arguido devem ser valoradas, termos em que se procedeu.---

* *

III - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:---

(…)

*

Das consequências jurídicas do crime:---

(…)

Considerando o crime com o qual o arguido se comprometeu, é mister reconhecer serem acentuadas as exigências de prevenção geral, atendendo ao alto índice de sinistralidade nas estradas portuguesas, surgindo os acidentes de viação, em elevado número, causados pela condução de veículos sob a influência do álcool.---

Não menos relevante, importa valorar, no caso vertente, os antecedentes criminais averbados no certificado de registo criminal do arguido – contando com quatro condenações pela prática de crimes dessa mesma natureza -, o que, tudo conjugado, não nos permite formular um juízo favorável quanto à pessoa do arguido no tocante à prevenção de futura delinquência, revelando este uma personalidade avessa e desconforme ao direito, com manifesta dificuldade de interiorização do desvalor das suas condutas e da necessidade de cumprir algumas das mais basilares regras de convivência em sociedade, sendo que estas, quando inobservadas, redundam na prática de crimes, o que o arguido, em face das suas condenações, sabe, não se mostrando, porém, motivado a conformar o seu comportamento com o dever-ser jurídico-penal. A latere, na primeira dessas quatro condenações pela prática de crimes da mesma natureza, foi aplicada ao arguido pena de multa, a qual não se mostrou suficientemente dissuasora para o arguido, conforme se extrai, à saciedade, da sua conduta posterior, pois que o mesmo persiste nesta tipologia de condutas, o que é ilustrativo da inoperacionalidade desta pena.---

Opta-se, assim, pela aplicação de uma pena de prisão, cabendo agora determinar a sua medida.---

Estatui o artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal: “na determinação concreta da pena, o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”.-No caso ajuizado, há a considerar os seguintes factores, em desfavor do arguido:---

- A intensidade do dolo com que actuou, directo ou de 1.º grau;---

- O grau mediano de ilicitude da sua conduta, considerando as concretas circunstâncias em que o arguido actuou, com uma taxa de alcoolemia no sangue de, pelo menos, 1,786 g/l, ainda que tenha exercido a condução em horário de menor afluência de utentes e de outros veículos na via pública;---

- As elevadas exigências de Prevenção Geral Positiva, tendo presente que crimes desta natureza, cometidos com uma inegável frequência, atentam contra a segurança da circulação rodoviária e, de forma reflexa, contra bens jurídicos individuais, como a vida, a integridade física, o património e a propriedade, e ainda por referência ao índice de sinistralidade nas estradas portuguesas, o qual se apresenta em muito elevado, surgindo a condução de veículos sob a influência do álcool como uma das principais causas para a ocorrência de acidentes de viação;---

- Exigências de Prevenção Especial Positiva de nível elevado, dado que o arguido, além de ter antecedentes criminais por crimes de diferente natureza daquele que ora julgamos, já foi anteriormente condenado, por quatro vezes, pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, tendo cometido estes factos no decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada na última sentença condenatória, o que é revelador da ausência de juízo crítico para o seu comportamento e demonstrativo da indiferença e alheamento a que tem votado as condenações de que tem sido alvo;---

- Os seus relevantes antecedentes criminais, apresentando o arguido sete condenações, quatro das quais pela prática de crime da mesma natureza, que o condenaram em pena de multa (a primeira) e em penas de prisão, substituídas pela prestação de trabalho a favor da comunidade (uma) e suspensas na sua execução (duas), todas elas não surtindo efeitos positivos para a sua ressocialização.---

A favor do arguido, cumpre atender à circunstância de este se encontrar familiar, profissional e socialmente inserido na comunidade e, além disso, ter confessado integralmente e sem reservas os factos de que se mostrava acusado nestes autos [embora com uma relevância relativa, considerando a prova que já constava dos autos].---

Ponderadas todas estas circunstâncias, e atendendo à moldura abstractamente aplicável, consideramos adequada a pena de 11 (onze) meses de prisão.---

*

Aplicada uma pena de 11 (onze) meses de prisão, importa ponderar sobre uma eventual aplicação de uma pena de substituição.---

Dentro das penas de substituição da prisão, em sentido próprio, aplicáveis ao caso em apreço, encontram-se as penas de multa, de suspensão de execução da prisão e de prestação de trabalho a favor da comunidade [cfr. artigos 45.º, 50.º e 58.º, todos do Código Penal].---

Para além destas penas de substituição, há que ponderar a forma especial de cumprimento da pena de prisão, consubstanciada no regime de permanência na habitação [vd. artigo 44.º do Código Penal].---

A pedra de toque na escolha da pena de substituição da pena de prisão está na realização das finalidades da punição, que não de qualquer expiação da culpa, que justificam e impõem a preferência por uma pena de substituição cumprida na comunidade e a sua efectiva aplicação.---

Principiando pela ponderação da eventual substituição da pena de prisão por multa, a que se alude no artigo 45.º do Código Penal, importa considerar que a circunstância de, a montante, o Tribunal haver preterido a pena de multa principal não torna anódina a ponderação da substituição da prisão por multa nesta fase. Isto porque “além temos um critério de conveniência e de maior ou menor adequação, aqui um critério de necessidade: é necessário – e o tribunal tem de o demonstrar sob pena de erro de direito inescapável – que só a execução da prisão permita dar resposta às exigências de prevenção” – vd. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português - Parte Geral - As consequências jurídicas do crime, Tomo II, Coimbra, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, §557.---

No entanto, a pena de multa substitutiva já não satisfaz, à evidência, as finalidades da punição, quer ao nível das exigências de prevenção especial, quer ao nível da prevenção geral. Na verdade, o arguido conta com quatro condenações pela prática de crimes da mesma natureza. Na primeira decisão, o arguido foi condenado numa pena de multa, na segunda numa pena de prisão substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade e nas duas seguintes em penas de prisão suspensas na sua execução, mas isso não o impediu de repetir a conduta ilícita.---

Por outro lado, também a substituição da pena de prisão pela prestação de trabalho a favor da comunidade, a que se reporta o artigo 58.º do Código Penal - que consiste numa prestação de serviços gratuitos ao Estado ou a outras pessoas colectivas de direito público/entidades privadas com objectos sociais comunitariamente relevantes -, não se nos afigura adequada, posto que a mesma já foi aplicada ao arguido no Processo n.º 45/00.0PATNV, sem que tal houvesse surtido qualquer efeito positivo para a sua ressocialização.---

São termos em que se decide não substituir a pena de prisão aplicada na presente decisão por prestação de trabalho a favor da comunidade.---

Importa ponderar uma eventual suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos autos.---

Prescreve o artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.---

Assim, temos, desde logo, um requisito formal, a saber, que a pena de prisão aplicada seja em medida não superior a 5 anos. Exige-se, ainda, de um ponto de vista material, que o tribunal alcance um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do arguido.---

A finalidade político-criminal que a lei visa alcançar com este instituto da suspensão é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes.---

Ao arguido foi aplicada uma pena de onze meses de prisão, mostrando-se verificado o requisito formal para aplicação da pena de substituição em análise.---

Vejamos o requisito material.---

No que respeita a este requisito, cumpre salientar que, à data da prática dos factos ajuizados nestes autos, o arguido apresentava, já o dissemos, quatro condenações pela prática de crimes da mesma natureza, o que é revelador da indiferença a que tem votado os juízos de censura ético-jurídicos que lhe vêm sendo sucessivamente dirigidos, dos quais, deliberadamente, tem feito tábua rasa, permanecendo alheado e insensível ao perigo que causa com a sua conduta antijurídica, impondo-se, para uma adequada tutela de bens jurídicos de capital importância, colocar fim à conduta que por aquele vem sendo perpetrada, para cujo desiderato não se mostra suficiente, como anteriormente o não foi, a simples ameaça de prisão.---

Veja-se que nas duas últimas condenações pela prática de crimes da mesma natureza o arguido foi condenado em duas penas de prisão suspensas na sua execução, uma delas subordinada ao dever de frequentar o programa STOP – Responsabilidade e Segurança e a outra acompanhada da imposição de regime de prova, as quais não foram de molde a refrear o arguido da condução em estado de embriaguez.---

Não menos relevante, importa referir que o arguido praticou os factos ajuizados nestes autos no decurso da suspensão da execução da pena de prisão aplicada na última decisão.---

Daí que o tribunal considere, em síntese conclusiva, que não é o receio de cumprir pena de prisão que impedirá o arguido de voltar a cometer factos jurídico-penalmente relevantes, ficando afastada a hipótese de suspender a pena de prisão aplicada na sua execução.---

Nesta conformidade, decide-se não suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido por via da presente decisão.---

Restando apenas ponderar uma eventual aplicação do regime de permanência na habitação.---

Nos termos do artigo 43.º do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei n.º 94/2017, de 23.08: “1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos; b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º; c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º. 2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas. 3 - O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado. 4 - O tribunal pode subordinar o regime de permanência na habitação ao cumprimento de regras de conduta, suscetíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social e destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, desde que representem obrigações cujo cumprimento seja razoavelmente de exigir, nomeadamente: a) Frequentar certos programas ou atividades; b) Cumprir determinadas obrigações; c) Sujeitar-se a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, obtido o consentimento prévio do condenado; d) Não exercer determinadas profissões; e) Não contactar, receber ou alojar determinadas pessoas; f) Não ter em seu poder objetos especialmente aptos à prática de crimes. 5 - Não se aplica a liberdade condicional quando a pena de prisão seja executada em regime de permanência na habitação”.---

Trata-se de uma inovação ao nível das reacções jurídico-criminais, dado que o regime de permanência na habitação, erigido nos termos enunciados, e em face da letra da lei, passou a constituir, não só uma pena de substituição em sentido impróprio, como também, em rigor, uma forma de execução ou de cumprimento da pena de prisão – vd. neste sentido os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, proferidos a 28.06.2017, Relator: Élia São Pedro, Processo n.º 260/15.2GAPVZ.P1, e a 07.03.2018, Relator: Maria Ermelinda Carneiro, Processo n.º 570/15.9GBVFR-A.P1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.---

Aquela nova lei reitera, pois, o entendimento generalizado de que as penas curtas de prisão devem ser evitadas, por não contribuírem necessariamente para a ressocialização efectiva do condenado. Foi, inclusivamente, na senda desse pensamento, que se procedeu à abolição da prisão por dias livres e do regime de semidetenção, alterando-se, através da ampliação do respetivo campo de aplicação, o regime de permanência na habitação.---

Através deste “novo” regime de permanência na habitação, o legislador visou obviar às consequências perversas, de efeito criminógeno e de disrupção social e familiar, causadas pelo cumprimento de uma privação da liberdade continuada e, ademais, em ambiente carcerário, sem que, com isso, não se deixe de dirigir ao condenado um forte sinal de reprovação para o crime por este cometido.---

Descendo ao caso sub judice.---

Quanto aos requisitos formais, foi aplicada uma pena de prisão efectiva não superior a dois anos.---

Resulta do relatório da DGRSP que se encontram reunidas as condições necessárias, ao nível logístico, para a implementação e execução do regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica.---

Além disso, o arguido, em sede de audiência de julgamento, prestou o seu consentimento para a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação.---

Também a companheira do arguido prestou o seu consentimento para a utilização de meios de vigilância eletrónica para fiscalização da permanência na habitação.---

Assim, existem condições físicas habitacionais favoráveis para a aplicação da vigilância eletrónica.---

Apenas faltando equacionar, de um ponto de vista material, da “adequação e suficiência” desta forma de execução ou de cumprimento desta pena a cumprir pelo arguido.---

No presente caso, sopesando as elevadas exigências de prevenção especial de ressocialização, com a integração familiar, social e laboral do arguido na comunidade, e bem assim por se constatar que o mesmo, em algum momento, esteve em situação de reclusão, entendemos, por ora, que as finalidades da execução da pena de prisão ficam asseguradas com o recurso ao regime de permanência na habitação, por daí decorrer, de modo idêntico, uma privação da liberdade, permitindo evitar os efeitos criminógenos e estigmatizantes que sempre subjazem ao contacto com um estabelecimento prisional.---

Considerando que o arguido rejeitou em audiência de julgamento, de forma categórica, fazer um consumo excessivo de bebidas alcoólicas, conforme resulta espelhado no relatório social elaborado nos autos, não se determinará a respectiva sujeição a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, na medida em que, pelo antedito, o arguido não se revê num tal diagnóstico, o que vale por dizer que o tratamento, nessa decorrência, não beneficiaria, como seria de supor, da sua adesão, sendo de perspectivar, em derradeira análise, o insucesso de uma intervenção dessa índole.---

Atende ainda o Tribunal ao benefício que pode advir para o arguido do seu afastamento do meio prisional, continuando o mesmo a exercer a sua actividade profissional como tractorista agrícola, e às características do seu agregado familiar (estando a sua companheira em situação de desemprego), que se nos afiguram favoráveis a um cumprimento rigoroso pelo arguido do regime de permanência na habitação, devidamente apoiado e fiscalizado.---

Assim, no que diz respeito ao modo de execução do regime de permanência na habitação, entendemos ser de conceder ao arguido autorização de ausência da habitação apenas para que possa continuar a exercer a sua actividade profissional, sendo certo, outrossim, que a prestação de trabalho se afigura importante para o seu processo de ressocialização e para assegurar o seu sustento, assim como o do seu agregado familiar.---

Dessarte, decide-se autorizar o arguido a ausentar-se de casa para exercer a sua actividade profissional nos dias úteis, com excepção do período de férias laborais, no período decorrido entre as 07,30 horas e as 19,30 horas.---

Em suma, e sem esquecer que a pena de prisão efectiva constituirá, consabidamente, a última ratio das reacções jurídico-criminais, concluímos pela verificação dos legais pressupostos - formais e materiais - para aplicar ao arguido o regime de permanência na habitação, sujeita a vigilância electrónica à distância, nos termos conjugados dos artigos 43.º, n.os 1, alínea a) e 2, do Código Penal.---

A vigilância eletrónica será exercida todos os dias – e 24 horas por dia -, sem prejuízo das autorizações de ausência concedidas na presente decisão, durante o período de tempo em que perdurar a execução da pena, sendo os respetivos mecanismos instalados na habitação do arguido.---

Mais se determina que a DGRSP proceda à instalação dos meios de vigilância eletrónica no prazo máximo de 48 horas após a notificação da presente sentença transitada em julgado – cfr. artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 33/2010, de 02.09.---

*

Da pena acessória:---

De acordo com o disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, “É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos” quem for punido pela prática do crime previsto no artigo 292.º do Código Penal.---

Como sustenta o Tribunal da Relação de Coimbra, em Ac. proferido a 17.01.2001, CJ, XXVI, Tomo I, p. 50, “A determinação da medida concreta de tal pena acessória opera-se mediante recurso aos critérios do artigo 71.º do Código Penal, com a ressalva de que a finalidade a atingir é mais restrita, na medida em que a sanção em causa tem em vista tão só prevenir a perigosidade do agente, muito embora se lhe assinale também efeito de prevenção geral. Esta pena acessória não pode em caso algum ser substituída por outra, designadamente por caução de boa conduta ou pela suspensão da sua execução”.---

Assim, no tocante à pena acessória em que igualmente se mostra incurso, convocando de novo os critérios definidos no artigo 71.º do Código Penal, designadamente os antecedentes criminais do arguido e a TAS que o mesmo apresentava (de, pelo menos, 1,786 g/l), decide-se aplicar ao arguido uma pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de dezoito meses.---"

#

Quanto aos processos referidos em a. b. e c. do ponto 18

O que está em causa no presente recurso é a relevância a dar, ou não, às três condenações referidas no ponto 18 da matéria considerada provada, ou seja:

- processo 18/99.4TBGLG, pela prática, em 07.11.1998, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, tendo o arguido sido condenado, por sentença proferida em 19.10.1999, transitada em julgado em 05.11.1999, numa pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 500$00, e numa pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor na via pública pelo período de 1 mês, tendo ambas sido declaradas extintas pelo cumprimento por despacho proferido em 06.03.2008;

- processo 45/00.0PATNV, pela prática, em 29.01.2000, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, tendo sido condenado, por sentença proferida em 28.11.2000, transitada em julgado em 13.12.2000, numa pena de 3 meses de prisão, substituída pela prestação de 110 horas de trabalho a favor da comunidade, declarada extinta pelo cumprimento por despacho proferido em 15.01.2002, e numa pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor na via pública pelo período de 3 meses;

- processo 273/00.9TBACN, pela prática, em 29.01.2000, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, tendo sido condenado, por sentença proferida em 13.12.2000, transitada em julgado em 05.01.2001, numa pena de 50 dias de multa, à taxa diária de 500$00, declarada extinta pelo cumprimento por despacho proferido em 18.10.2007.

O que resulta da decisão recorrida é que se consideraram as datas dos despachos que declararam extintas as penas para se concluir que aquando da prática dos factos relativos à 2ª condenação ainda não tinham decorridos 5 anos desde a data do despacho que declarou extinta a pena aplicada no 1º processo; aquando da prática dos factos relativos à 3ª condenação ainda não tinham decorridos 5 anos desde a data do despacho que declarou extinta a pena aplicada no 2º processo; aquando da prática dos factos relativos à 4ª condenação (5/5/2012) ainda não tinham decorridos 5 anos desde a data do despacho que declarou extinta a pena aplicada no 3º processo.

O referido prazo de 5 anos foi invocado por referência ao artº 11º da Lei 37/2015 de 5/5, diploma legal que veio substituir a L. 57/98 de 18/8 que era o que estava em vigor em todas as referidas datas.

Independentemente disso, sempre seria de considerar o prazo de 5 anos, pois que o artº 15º da L. 57/98 de 18/8 também previa esse mesmo prazo.

Ora, o recorrente vem insurgir-se quanto a essa decisão, alegando que a data a ter em conta é a data do cumprimento da pena e que: “o cumprimento da pena em a. ocorreu a 15-02-2000; - o cumprimento da pena em b. ocorreu em 13-03-2000; e, - o cumprimento da pena em c. ocorreu em 20-02-2000.

Assim, o prazo de 5 anos para o cancelamento dos registos das penas em a., b. e c., iniciou-se em 13-03-2000, data em que a pena de maior duração foi integralmente cumprida. E, decorreu até 13-03-2005, sem que, entretanto, o arguido tivesse sido condenado por crime de qualquer natureza.”

Desconhece-se onde é que o recorrente obteve a informação acerca das referidas datas, uma vez que elas não constam na matéria dada como provada e o C.R.C. que consta nos autos tem apenas como datas de cumprimento a de 7/12/99 referente ao pagamento da multa do 1º processo.

Seja como for, nos termos, quer do artº 15º da L. 57/98 de 18/8, quer do artº 11º da L. 37/2015 de 5/5, o que há que considerar, como se fez na sentença recorrida, é a data dos despachos que declararam extintas as penas e não a data do pagamento das multas, quando se trata desse tipo de pena, como se tratou nos processos a. e c. do ponto 18, ou do fim do trabalho a favor da comunidade, como se tratou no processo identificado em b. do mesmo ponto 18.

E não podia ser de outra forma. É que nem sempre pode ser líquido que determinada pena está cumprida. É necessário que haja decisão a declarar extinta a pena, como claramente resulta, ao contrário do alegado pelo recorrente, do disposto no artº 475º do C.P.P., para a generalidade das penas, e do artº 57º, nº 1, do Cód. Penal, especificadamente para a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão.

É o despacho que declara extinta a pena que tem a segurança jurídica necessária para servir de início ao decurso do prazo de 5 anos e não qualquer outro facto que pode ser controvertido.

É por isso que os referidos preceitos legais aludem à extinção da pena e não ao cumprimento da pena.

Se o atraso na retirada das condenações do c.r.c. for da entidade administrativa, justifica-se plenamente que as condenações que ainda aí constarem, mas não devam constar, não sejam tidas em conta.

A este propósito, veja-se o ac. desta relação de Évora de 10/5/2016, relatado pela então Exmª Desembargadora Ana Brito, quando se refere: “(…) o regime legal do registo criminal implica … um verdadeiro efeito retroativo de potencial cancelamento “em cascata”, sempre e quando, um registo posterior que legitima o não cancelamento de registo anterior, for ele próprio cancelado, assim implicando o cancelamento daquele(s) ao(s) qual(is) servia de fundamento para a sua manutenção no registo criminal (…)”.

No mesmo sentido: acs. desta relação de Évora de 23/3/2021, relatado pela Exmª Desembargadora Fátima Bernardes e de 21/9/2021, relatado pela Exmª Desembargadora Beatriz Marques Borges.

É evidente que também pode haver atraso na prolação do despacho que declara extinta a pena, mas isso são contingências do atraso de qualquer decisão judicial. Em última análise, a celeridade, ou não, com que uma decisão judicial é proferida pode levar, ou não, à prescrição do procedimento criminal ou da pena.

Temos, portanto, que quanto a isto nada há a censurar à sentença recorrida.

#

Quanto aos processos referidos em d. e e. do ponto 18

O recorrente alega “as condenações em d. e e., pelo mesmo tipo de crime em causa nos autos, transitaram em julgado em 25/06/2012 e em 13/01/2015 e foram declaradas extintas em 11/11/2013 e em 03/05/2016. Ou seja, são condenações extintas há mais de 6 anos. O que, para o tipo de criminalidade em causa, não justificaria a agravação operada pelo Tribunal recorrido.

É verdade que aquando da prática dos factos destes autos – 13/5/2022 – já tinham passado seis anos desde o trânsito em julgado da sentença proferida no processo referido em e. e cerca de 8 anos e meio desde o trânsito em julgado da sentença proferida no processo referido em d..

O certo é, porém, que essa circunstância não pode fundamentar qualquer alteração da natureza e medida da pena que foi fixada.

Com efeito, há que considerar que essas duas penas de prisão já foram substituídas por suspensão da execução das mesmas e, ainda assim, o arguido voltou a praticar crimes, sendo que um deles (processo 47/18.0GBLG) foi mesmo praticado no decurso da suspensão da execução da pena de prisão aplicada no processo 77/16.7GBGLG. É certo que estes dois processos se referem a crimes de violência doméstica, mas são ilustrativos da forma pela qual o arguido tem encarado as intervenções judiciais.

Já por 5 vezes foi aplicada ao arguido a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, tendo a última delas (cúmulo) ocorrido em 13/2/2020 e transitado em julgado em 16/3/2020, o que significa que os factos destes autos ocorreram no decurso do período de 4 anos e 4 meses fixado para a duração da suspensão da execução da pena de prisão.

De nada serviram as sucessivas oportunidades que foram dadas ao arguido que teima em continuar na senda da prática de crimes, designadamente de condução sob o efeito do álcool.

A par das fortes exigências de prevenção geral, resulta do exposto que as necessidades de prevenção especial se fazem também sentir com especial relevância, pelo que se revela completamente adequada a pena que foi aplicada.

#

DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes em julgar o recurso improcedente.

#

Deverá o recorrente suportar as custas com taxa de justiça que se fixa em 3UCs.

#

Évora, 10 de Janeiro de 2023

Nuno Garcia

António Condesso

Laura Goulart Maurício