Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
620/20.7T8ELV.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: PERSI
AVALISTA
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
Data do Acordão: 01/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1) Conjugando as normas do DL n.º 227/2012, de 25 de outubro, com as regras gerais atinentes ao ónus de alegação, ao ónus de impugnação e à concretização de diligências de prova, conclui-se o seguinte:
- recai sobre a instituição de crédito/Exequente o ónus de alegar ter informado o cliente bancário da sua integração no PERSI e da subsequente extinção do referido procedimento;
- recai sobre a instituição de crédito/Exequente o ónus de apresentar suporte duradouro contendo uma e outra informação;
- recai sobre o cliente bancário/Executado o ónus de impugnar o envio, a receção ou outra circunstância de obste ao conhecimento daquela informação;
- exercido que seja o ónus de impugnação pelo cliente bancário/Executado, recai sobre a instituição de crédito/Exequente o ónus de demonstrar, por qualquer meio de prova, ter encetado diligências adequadas e bastantes a que a declaração/suporte duradouro chegasse ao poder do cliente bancário, e o colocasse em condições de este a receber e conhecer o respetivo conteúdo.
2) o regime legal consagrado no DL n.º 227/2012, de 25 de outubro não prevê que o avalista seja, nessa qualidade, integrado no PERSI; caso o avalista do título de crédito seja fiador em contrato de crédito abrangido pelo DL citado, a instituição de crédito resulta sujeita à aplicação do referido regime para poder intentar ação judicial contra o fiador tendo em vista a satisfação do crédito.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Exequente: Caixa (…) Geral
Recorridos / Executados: (…), (…) e (…)

Foi apresentado requerimento executivo tendo por base uma livrança subscrita pelos Executados (…) e (…) e avalizada pela Executada (…), livrança essa associada ao “Contrato de Crédito Individual (…)”, celebrado em 19/09/2018, cujo incumprimento sucessivo e reiterado determinou a sua resolução e o preenchimento da livrança.
Foi proferido despacho determinando a citação dos Executados para pagarem ou deduzirem embargos em oposição à execução.
Os executados foram citados e nada disseram.
Foram feitas diligências averiguadoras de bens para penhora.
Foi penhorado o vencimento da Executada (…), do que foram os Executados notificados.
Foi proferido despacho convidando o Exequente a informar se, e de que forma, foi dado cumprimento à obrigação de integração dos executados no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), previsto no DL n.º 227/2012, de 25 de outubro e, quanto ao fiador, do disposto no artigo 21.º do mesmo diploma legal, juntando ou requerendo a respetiva prova das comunicações legalmente impostas.
O Exequente alegou que os Executados (…) e (…) foram integrados no âmbito do PERSI, tendo a aqui Exequente remetido as referidas cartas de integração dos Executados, conforme docs. juntos sob o n.º 1 e 2 – cópias das cartas. Referiu que os referidos Executados foram notificados, por carta datada de 23 de maio de 2019, da extinção deste procedimento, conforme docs. juntos sob o n.º 3 e 4 – cópias das cartas. Mais invocou que a Executada (…), tendo a qualidade de avalista e não de fiadora, não tinha de ser integrada no PERSI. De todo o modo, a referida Executada foi interpelada, por carta, para pagamento da quantia que se encontrava em mora, não tendo ela solicitado a sua integração no mencionado procedimento.

II – O Objeto do Recurso
Foi proferida decisão com o seguinte teor:
«(…) não podendo concluir-se pelo cumprimento do regime em causa, verifica-se uma exceção dilatória inominada decorrente do artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro – que constitui pressuposto da admissibilidade da ação executiva.
Nestes termos, ao abrigo das disposições dos artigos 726.º, n.º 2, alínea b) e 734.º do CPC, rejeito a presente execução.»

Inconformada, a Exequente apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, devendo os autos prosseguir os seus regulares termos. Concluiu a alegação de recurso nos seguintes termos:
«A. Julgou o Tribunal a quo verificada a exceção dilatória inominada de não integração dos executados no âmbito do PERSI prevista no artigo 18.º, n.º 1, da alínea b), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro.
B. Notificada para vir juntar aos autos prova das comunicações impostas no que concerne ao regime do PERSI veio a aqui Recorrente, por requerimento datado de 30 de Junho de 2022, juntar as respetivas missivas endereçadas aos aqui executados, sendo que quanto à executada (...), apenas juntou as cartas de interpelação.
C. Com efeito, no entendimento do Tribunal a quo a missiva enviada aos executados referente à integração e extinção no âmbito do procedimento do PERSI, terá que ser comunicada em suporte duradouro, sendo do entendimento Tribunal a quo que a junção de simples documentos não faz prova bastante do cumprimento desta obrigação.
D. Conforme é definido pela alínea h) do artigo 3.º do Decreto Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, suporte duradouro “é qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas”.
E. Sendo que, conforme resulta do artigo supra referido, o legislador não faz qualquer menção expressa ao envio por correio registado ou com aviso de receção.
F. Aliás, como vem sendo entendimento da jurisprudência, se o legislador pretendesse que a prova fosse feita por aviso de receção tê-lo ia consagrado expressamente na lei.
G. A este propósito leia-se o Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 05 de Novembro de 2018, proferido no âmbito do Processo n.º 3413/14.7TBVFR-A.P1, Relator: Augusto de Carvalho que “(…) ao Exigir-se como forma de declaração uma comunicação em suporte duradouro, uma carta pode ser entendida como tal, pois, possibilita reproduzir de modo integral e inalterado o seu conteúdo”, continuando o acórdão supra referido que “Se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as Partes do procedimento extrajudicial de regularização das situações de incumprimento a comunicar através de carta registada com aviso de receção, tê-la-ia consagrado expressamente”.
H. Veja-se também o Ac. desta Relação datado de 21 de Maio de 2020, proferido no âmbito do Processo n.º 715/16.1T8ENT-B.E1, Relator: Tomé de Carvalho: “se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento extrajudicial de regularização das situações de incumprimento a comunicar através de carta registada com aviso de receção, tê-la-ia consagrado expressamente» […]. Não está assim obrigada a instituição bancária a utilizar correio registado com aviso de receção para cumprir a obrigação legal sub judice”.
I. E o Ac. desta Relação de 10 de Setembro de 2020, proferido no âmbito do Processo n.º 1834/17.2T8MMN-A.E1, Relator: Vítor Sequinho: “A lei não exige que as comunicações da integração do cliente bancário no PERSI e da extinção deste sejam efetuadas através de carta registada com aviso de receção. Não obstante, a instituição de crédito tem o ónus da prova de que efetuou tais comunicações em suporte duradouro, entendido este, nos termos do artigo 3.º, alínea h), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, como qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas”.
J. Ora, no caso vertente, e como se deixou supra exposto, foi a aqui Recorrente notificada que vir informar os autos de que forma foi dado cumprimento ao disposto no Decreto Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, juntando para esse efeito as cartas remetidas para as moradas dos executados constantes nos contratos, tendo procedido em conformidade com o requerido.
K. Não tendo havido, da parte dos executados, qualquer tentativa de resolução do referido incumprimento, tendo o exequente procedido à extinção do PERSI, comunicando-o, no mesmo sentido, aos Mutuários através de carta.
L. Não pode então a Recorrente concordar com o Tribunal a quo quando o mesmo julga verificada a exceção dilatória inominada do PERSI uma vez que a aqui Recorrente fez prova da inclusão dos executados no âmbito do referido procedimento juntando, para isso, as respetivas cartas.
M. Entendeu ainda o Tribunal a quo julgar verificada a exceção dilatória inominada do PERSI quanto à executada (…), referindo, ademais, que a mesma não foi integrada no PERSI quando o deveria ter sido.
N. Conforme resulta do contrato que instrui o requerimento executivo resulta que a executada é, realmente, fiadora.
O. No entanto, o título executivo dado a esta execução trata-se de uma livrança, e uma vez que é o título que define a relação jurídica e cambiária dos intervenientes, a executada (…) foi demandada na presente ação executiva na qualidade de avalista.
P. Ora, o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro é aplicável aos contratos celebrados com clientes bancários sendo que estes últimos, por definição presente no artigo 3.º daquele diploma legal, é o “consumidor, na aceção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito”.
Q. Por sua vez, consumidor “é uma pessoa singular que, no que respeita aos contratos abrangidos pelo presente decreto-lei, atue com fins que não se incluam no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional”.
R. A executada (…) não constava como mutuária era apenas garante no contrato executado nos presentes autos.
S. Aliás, o diploma que regula as disposições legais referentes ao PERSI, apenas regula os critérios e obrigações a serem cumpridos pela instituição bancária para os fiadores não incluindo este mesmo diploma os avalistas.
T. A este propósito veja-se o Ac. desta Relação datado de 15-04-2021, proferido no âmbito do processo n.º 992/19.6T8PTG-A.E1 , Relator: Conceição Ferreira, que se pronunciou sobre a aplicabilidade do diploma legal que regulamenta o PERSI: “O PERSI não é indiferenciadamente aplicável aos contratos de crédito em risco de incumprimento ou em incumprimento, sendo apenas aplicável aos contratos aludidos no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, desde que celebrados com clientes enquadráveis no conceito legal de consumidor para efeitos da lei do consumo”.
U. Acrescentando o mesmo Acórdão que “o regime do PERSI previsto no DL n.º 227/2012, de 25.10, só se aplica a situações de incumprimento dos contratos de crédito referidos no seu artigo 2.º, n.º 1, destinando-se apenas aos clientes bancários, enquanto consumidores na aceção da LDC (Esta lei adotou um sentido restrito de consumidor, entendendo-se este como qualquer pessoa singular que atue com objetivos não respeitantes à sua atividade comercial ou profissional, ou seja que adquira bens ou serviços para uso pessoal ou familiar) e aos fiadores destes que o requeiram, informados que sejam dessa possibilidade, mas o regime aplicável aos fiadores não abrange os avalistas de títulos de crédito com função de garantia de contratos de crédito que se encontrem em situação de incumprimento”.
V. Pelo que assim não se entenda, e quanto às disposições aplicáveis aos fiadores, resulta do Artigo 21.º do Decreto-Lei 227/2012, de 25 de Outubro, designadamente dos n.º 1 e 2: “Nos casos em que o contrato de crédito esteja garantido por fiança, a instituição de crédito deve informar o fiador, no prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida. 2 – A instituição de crédito que interpele o fiador para cumprir as obrigações decorrentes do contrato de crédito que se encontrem em mora está obrigada a iniciar o PERSI com esse fiador sempre que este o solicite através de comunicação em suporte duradouro, no prazo máximo de 10 dias após a referida interpelação, considerando-se, para todos os efeitos, que o PERSI se inicia na data em que a instituição de crédito recebe a comunicação anteriormente mencionada”.
W. Conforme supra exposto o regime do PERSI é apenas aplicável aos fiadores quando este o requeira sendo que o mesmo terá que ser informado do vencimento das obrigações em mora, do atraso no cumprimento das mesmas e dos montantes que se encontram em dívida, o que, salvo o devido respeito pelo Tribunal a quo, aconteceu no caso vertente.
X. Conclui-se que mal andou o Tribunal a quo ao ter proferido a decisão de extinção dos presentes autos, julgando verificada a exceção dilatória inominada de falta de integração do PERSI.»
Os Executados foram notificados do recurso interposto. Não apresentaram contra-alegações.

Cumpre apreciar se existe fundamento para alterar a decisão de rejeição da execução com fundamento na exceção dilatória inominada decorrente da inobservância do regime do PERSI.

III – Fundamentos
A – Os Factos
Em 1.ª Instância, não foram consignados, como se impunha, os factos provados e os factos não provados.
O que configura nulidade (cfr. artigo 615.º, n.º 2, alínea b), do CPC) que vai suprida (cfr. artigo 665.º do CPC) nos seguintes termos:
Os factos provados:
1 - O requerimento executivo alicerça-se numa livrança subscrita pelos Executados (…) e (…) e avalizada pela Executada (…), livrança essa associada ao “Contrato de Crédito Individual (…)”, celebrado em 19/09/2018, sendo invocado que o incumprimento sucessivo e reiterado determinou a resolução do contrato e o preenchimento da livrança.
2 - O Exequente remeteu aos Executados (…) e (…) cartas datadas de 20/02/2019 comunicando de integração dos Executados no âmbito do PERSI, conforme docs. juntos sob o n.º 1 e 2, a 30/06/2022.
3 - O Exequente remeteu aos Executados (…) e (…) cartas datadas de 23/05/2019 comunicando a extinção do referido procedimento, indicando como motivo da extinção ter sido atingido o prazo estipulado no artigo 17.º, n.º 1, alínea c), do DL n.º 227/2012, conforme docs. juntos sob o n.º 3 e 4, a 30/06/2022.
4 – A Executada (…) foi interpelada, por carta datada de 21/09/2020, para pagamento da quantia correspondente ao montante global vencido, sob pena de cobrança judicial do crédito, conforme doc. junto sob o n.º 5 a 30/06/2022.
As cartas juntas aos autos demonstram terem sido materializadas, em suporte duradouro, as referidas informações. Aqueles documentos apresentam-se como sendo cartas, missivas escritas que são instrumento de recolha e armazenamento das declarações nelas insertas, delas se colhendo ainda a identidade do destinatário, o local de expedição e a data da respetiva elaboração. Não existe fundamento para desqualificar tais documentos (cartas), passando a tomá-las como “meras impressões de documentos elaborados em computador”, como se afirma na decisão recorrida.
A alegação do envio das cartas, resultando elas disponíveis para recebimento e conhecimento dos destinatários, resulta provada por falta de impugnação. Apesar de os Executados se encontrarem em situação de revelia absoluta, não existe evidência de ter sido postergado o princípio do contraditório (cfr. artigo 249.º, n.º 3, do CPC).

B – O Direito
A 1.ª Instância considerou que a Exequente incorreu no incumprimento da obrigação de implementação do procedimento previsto no DL n.º 227/2012, de 25 de outubro.
Nos termos do disposto no artigo 1.º do mencionado DL, este diploma estabelece os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito:
a) No acompanhamento e gestão de situações de risco de incumprimento; e
b) Na regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários, respeitantes aos contratos de crédito referidos no n.º 1 do artigo seguinte.
No âmbito de tal regime, as instituições de crédito estão obrigadas a elaborar e a implementar um Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI), que descreva detalhadamente os procedimentos e as medidas adotados para o acompanhamento da execução dos contratos de crédito e a gestão de situações de risco de incumprimento – artigo 11.º, n.º 1.
Relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, as instituições de crédito promovem as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) – artigo 12.º. Trata-se do instrumento que visa “aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor.”[1]
Ora, mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI, recaindo sobre a instituição de crédito o dever informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro – artigo 14.º, n.ºs 1 e 4, do DL n.º 227/2012; extinto que seja o PERSI, cabe à instituição de crédito informar o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento – artigo 17.º, n.º 3, do citado DL. Entende-se por “suporte duradouro” qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas – cfr. artigo 3.º, alínea h), do citado DL.
Nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 1, no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de:
a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento;
b) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito;
c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou
d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual.
Como decorre dos artigos 12.º a 16.º, a instituição de crédito está incumbida de promover as diligências necessárias à implementação do PERSI relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito. Cabe-lhe informar o cliente bancário do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida no prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora e apurar as razões subjacentes ao incumprimento. Mantendo-se, então, o incumprimento, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI, iniciando-se a fase de avaliação de avaliação e proposta, na qual as instituições de crédito mutuantes procuram apurar se o incumprimento é pontual e temporário ou, ao invés, se denota uma incapacidade do cliente em cumprir de forma continuada com as suas obrigações contratuais, comunicando-lhe posteriormente o resultado dessa indagação, e apresentando ou não uma proposta de regularização adequada à sua situação financeira, objetivos e necessidades. Segue-se a fase de negociação, no âmbito da qual o cliente que recuse as propostas apresentadas pode propor alterações à proposta inicial, despoletando-se o procedimento negocial estipulado.
A comunicação de integração no PERSI, bem como a de extinção do mesmo, constituem condição de admissibilidade da ação (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (artigo 576.º, n.º 2, do CPC).[2]
O conhecimento oficioso implica que o Tribunal possa apreciar a eventual violação da norma que contende com o pressuposto processual ainda que a parte a quem ela aproveita não haja invocado a respetiva inobservância. Contudo, “o conhecimento oficioso da exceção dilatória não se confunde com o conhecimento oficioso dos factos em que ela se baseia.”[3]
O conhecimento de exceção dilatória, seja a título oficioso seja mediante alegação da parte a quem ela aproveita, tem por objeto a apreciação de facto e de direito. Os factos relevantes para aferir da verificação da exceção terão de ser alegados pelas partes, salvo se se tratar de factos que não carecem de alegação ou de prova.[4] Na verdade, “o Tribunal pode e deve conhecer das exceções dilatórias, mas apenas a partir dos factos alegados pelas partes (ou do que objetivamente resultar do processo), não lhe cabendo nesta específica sede, uma investigação oficiosa. Já nada obsta, contudo, a que, para efeitos de demonstração dos factos alegados ou daquilo que possa emergir dos autos, seja acionado o princípio da oficiosidade que se traduza na recolha dos meios de prova ou na formulação de convite dirigido a qualquer das partes no sentido de esclarecer a situação ou de apresentar meios de prova que estejam na sua disponibilidade ou ao seu alcance.”[5]
Ora, os factos sujeitos a instrução são os factos necessitados de prova – cfr. artigo 410.º do CPC. São aqueles que não estejam admitidos por acordo, dada a falta de impugnação, os que não tenham sido objeto de confissão e os que não estejam provados por documentos.
A decisão recorrida, embora ao longo das suas 28 páginas não discrimine os factos que considera provados e os que são tidos como não provados, assenta na circunstância de não acolher a alegação da Exequente no sentido de que informou os clientes bancários Executados da respetiva integração no PERSI e, bem assim, da extinção do referido procedimento.
Constata-se, porém, ter resultado demonstrado que a Exequente informou os Executados (…) e (…) da integração no PERSI e, posteriormente, da extinção do referido procedimento, conforme cartas cujas cópias juntou.
O regime legal em apreço impõe que a informação a prestar pela instituição de crédito aos clientes bancários da integração no PERSI e da extinção de tal procedimento se opere através de comunicação em suporte duradouro. Então, a declaração que consubstancia tal informação deve ser plasmada em instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.
Exige-se, assim, que a comunicação/declaração se materialize num suporte duradouro.
No entanto, o regime legal não estabelece modo específico de transmitir essa comunicação/declaração aos clientes bancários. Tratando-se de uma declaração receptícia, a sua eficácia está dependente da chegada ao poder do respetivo destinatário ou do conhecimento por parte deste, nos moldes estabelecidos no artigo 224.º do CC.
Conjugando as normas do DL n.º 227/2012, de 25 de outubro, com as regras gerais atinentes ao ónus de alegação, ao ónus de impugnação e à concretização de diligências de prova, conclui-se o seguinte:
- recai sobre a instituição de crédito/Exequente o ónus de alegar ter informado o cliente bancário da sua integração no PERSI e da subsequente extinção do referido procedimento;
- recai sobre a instituição de crédito/Exequente o ónus de apresentar suporte duradouro contendo uma e outra informação;
- recai sobre o cliente bancário/Executado o ónus de impugnar o envio, a receção ou outra circunstância de obste ao conhecimento daquela informação;
- exercido que seja o ónus de impugnação pelo cliente bancário/Executado, recai sobre a instituição de crédito/Exequente o ónus de demonstrar, por qualquer meio de prova, ter encetado diligências adequadas e bastantes a que a declaração/suporte duradouro chegasse ao poder do cliente bancário, e o colocasse em condições de este a receber e conhecer o respetivo conteúdo.
A informação tem de ser materializada em suporte duradouro, suporte duradouro esse que tem de ser apresentado no processo. O meio através do qual esse suporte duradouro é levado ao poder do respetivo destinatário, permitindo que este aceda à informação nele materializada, não é definido por lei nem nenhum concreto meio de prova é excluído para demonstrar ter sido regular e eficazmente prosseguido.[6]
Acompanha-se, assim, o acórdão desta Relação proferido a 14/10/2021[7], cujo sumário apresenta o seguinte teor:
1. O regime legal do PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento – não obriga a instituição bancária a enviar as comunicações dele decorrentes através de correio registado.
2. Se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento a comunicar através de correio registado, tê-lo-ia consagrado expressamente.
3. Apresentando a instituição bancária cópia das cartas simples enviadas aos executados no âmbito do PERSI, estas constituem princípio de prova do envio da comunicação, pelo que o juiz não pode oficiosamente concluir pela não receção de tais cartas.
4. Caberia aos executados, através dos meios processuais ao seu alcance, efetuar essa alegação, caso em que a exequente ofereceria a prova, inclusive testemunhal, apta a demonstrar o efetivo recebimento da correspondência.
Note-se que o processo executivo prevê o instrumento que permite aos executados opor à execução a falta de pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva – cfr. artigos 728.º, 729.º, alínea c) e 731.º do CPC. Trata-se do meio típico e próprio para que os executados suscitem questões atinentes ao saneamento de exceções que se coloquem no processo executivo.[8]
Assente que está provado ter o Exequente / instituição de crédito informado os Executados / clientes bancários da integração no PERSI e da extinção do referido procedimento, conforme dispõem os artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3, do DL n.º 227/2012, não se encontra o Exequente impedido de intentar e prosseguir a presente ação executiva tendo em vista a satisfação do seu crédito contra os Executados clientes bancários.
Relativamente à Executada avalista, é certo que o regime legal consagrado no DL n.º 227/2012, de 25 de outubro, não prevê seja, nessa qualidade integrada no PERSI. Conforme vem sendo apontado na jurisprudência, o Banco de Portugal propugna que não se “prevê a integração no PERSI dos avalistas de títulos de crédito com função de garantia de contratos de crédito que se encontrem em situação de incumprimento.”[9] Caso o avalista do título de crédito não seja fiador em contrato de crédito abrangido pelo DL n.º 227/2012, assegurando o cumprimento nele assumido pelo cliente bancário, a sua obrigação cambiária está claramente fora do âmbito de aplicação do referido regime.[10]
É que o artigo 21.º, reportando-se ao fiador, determina o seguinte:
1 - Nos casos em que o contrato de crédito esteja garantido por fiança, a instituição de crédito deve informar o fiador, no prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida.
2 - A instituição de crédito que interpele o fiador para cumprir as obrigações decorrentes de contrato de crédito que se encontrem em mora está obrigada a iniciar o PERSI com esse fiador sempre que este o solicite através de comunicação em suporte duradouro, no prazo máximo de 10 dias após a referida interpelação, considerando-se, para todos os efeitos, que o PERSI se inicia na data em que a instituição de crédito recebe a comunicação anteriormente mencionada.
3 - Aquando da interpelação para o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito que se encontrem em mora, a instituição de crédito deve informar o fiador sobre a faculdade prevista no número anterior, bem como sobre as condições para o seu exercício.
4 - Sem prejuízo de se tratar de um procedimento autónomo relativamente ao PERSI desenvolvido com o cliente bancário, é aplicável ao PERSI iniciado por solicitação do fiador o disposto no n.º 4 do artigo 14.º e nos artigos 15.º a 20.º, com as devidas adaptações.
Nestes termos, a instituição de crédito só pode intentar ação judicial tendo em vista a satisfação do seu crédito garantido por fiança contra o fiador desde que o tenha informado do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida, o tenha interpelado para cumprir, o tenha informado sobre a faculdade de solicitar a integração no PERSI e, caso este o solicite, desde que o tenha informado da integração no PERSI e da subsequente extinção em conformidade com as disposições legais que regulam tais atos.
Ora, não está demonstrado, e nem sequer foi alegado, ter a Exequente/instituição de crédito informado a fiadora (…) da faculdade de solicitar a respetiva integração no PERSI. Por conseguinte, não pode correr termos ação judicial tendo em vista a satisfação do crédito garantido por fiança contra a fiadora.
O que constitui exceção dilatória inominada que implica na rejeição da ação executiva contra a Executada (…) – cfr. artigos 726.º, n.º 2, alínea b) e 734.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Procede, assim, parcialmente o recurso, sendo de prosseguir a ação executiva contra os Executados (…) e (…), já que a tanto não obsta o regime decorrente do DL n.º 227/2012, de 25 de outubro.

Sumário: (…)

IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela parcial procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida relativamente à rejeição da execução contra os Executados (…) e (…), determinando a prossecução dos seus regulares termos, confirmando-se a rejeição da execução contra a Executada (…).

Custas pelos Executados (…) e (…), na vertente de custas de parte, e pelo Recorrente na proporção do decaimento.

*

Évora, 12 de janeiro de 2023
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Ana Margarida Leite


__________________________________________________
[1] Cfr. Preâmbulo do DL n.º 227/2012, de 25 de outubro.
[2] Entre muitos outros, cfr. Ac. STJ de 13/04/2021, Graça Amaral.
[3] Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, CPC Anotado, vol. 2.º, 2001, pág. 312.
[4] Cfr. artigo 412.º do CPC.
[5] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, CPC Anotado, Vol. I, 2.ª edição, pág. 682.
[6] Cfr., entre outros, Ac. STJ de 13/04/2021, Graça Amaral.
[7] Relatado por Mário Branco Coelho e subscrito pela ora relatora e aqui 1.ª Adjunta.
No mesmo sentido, cfr. Acs. TRE 21/05/2020 (Tomé de Carvalho) e de 24/09/2020 (Francisco Matos), Ac. STJ de 13/04/2021 (Graça Amaral).
[8] Por conseguinte, não há como acolher a posição propugnada em 1.ª Instância ao referir que o processo executivo não contempla fase de saneamento e que a invocação, pelos executados, do incumprimento do regime atinente ao PERSI por via de embargos à execução esvazia de sentido os artigos 726.º e 734.º do CPC e implica a confusão entre a tramitação típica de uma ação declarativa com as limitações de uma ação com vista à cobrança coerciva de uma dívida – cfr. fls. 26 e 27.
[9] Ac. TRL de 09/10/2018, Maria da Conceição Saavedra.
[10] Ac. TRL de 09/10/2018, já citado; Ac. TRL de 06/09/2019, Maria de Deus Correia.