Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
369/11.1T2STC-A.E1
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS A CARGO DO RECORRENTE
RECURSO DE REVISÃO
TRANSACÇÃO JUDICIAL
ERRO SOBRE OS MOTIVOS DO NEGÓCIO
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
1. Não tendo o recorrente especificado os concretos pontos da matéria de facto, nem os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizado, relativamente a cada um desses pontos da matéria de facto, nem indicado qual a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre os factos impugnados, e bem assim não fundamentou a respetiva discordância, especificando criticamente as suas razões, assentes nos concretos meios de prova constantes do processo ou que nele foram registados e que são determinantes de uma decisão diversa, não cumpriu o ónus processual prescrito no art.º 640.º/1, alíneas a), b) e c) do C. P. Civil, justificando a não reapreciação da matéria de facto.

2. A procedência do recurso de revisão de transação homologada judicialmente acarreta a reabertura da relação processual extinta para se alcançar uma nova decisão de fundo, prosseguindo os termos necessários para a causa ser novamente instruída e julgada, aproveitando-se a parte do processo que o fundamento da revisão não tenha prejudicado - art.º 701.º, n.º1, al. c), do CPC.

3. Se o erro sobre as circunstâncias incidir sobre a base do negócio, nos termos do n.º2 do art.º 252.º do CC, é aplicável ao erro do declarante o regime sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias, nos termos do art.º 437.º, ou seja, podendo conduzir à anulação do negócio, não à sua resolução.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Évora
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I. Relatório.
1. BB, interveniente na transação celebrada no âmbito do processo n.º 369/11.1T2STC, veio, por apenso, nos termos do artigo 696.º, alínea d) e do artigo 291.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, interpor o presente Recurso de Revisão da sentença homologatória da mencionada transação, pedindo:
a) Que que seja anulada/declarada nula a cláusula 8ª da transação celebrada nos presentes autos e que seja;
b) Substituída a cláusula 8.ª por cláusula com a seguinte redação: “8. O autor e o filho do primeiro réu, BB, aceitam que este faça constar das contas que está a apresentar no processo n.º 559/11.7T2STC que corre termos no Juízo de Pequena e Média Instância Cível de Santiago do Cacém, como receita a favor da sociedade, o valor de €17.500, correspondente ao valor da venda do trator, realizada em 22 de Abril de 2008 e como despesa da sociedade, o valor de €43.104,92, correspondente ao valor despendido para adquirir o referido trator.”
c) Ser suprida a cláusula 10.ª da transação celebrada nos presentes autos em virtude da sua natureza acessória à cláusula 8.ª, cuja anulação ora se peticiona.
Caso assim não se entenda, deverá ser anulado integralmente o acordo celebrado, ordenando-se que sigam os termos necessários para a causa ser novamente instruída e julgada, nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 701.º do CPC.
Alegou, em síntese, que existiu erro nos termos em que foi elaborada a transação, dado que se pretendia fazer constar na cláusula 8ª a diferença entre o valor de aquisição do trator e de venda desse trator.
Citados, os requeridos CC e DD apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência da ação, sustentando que as partes celebraram o acordo com o principal escopo de compensar a sociedade com a perda patrimonial que esta havia sofrido com a venda (ineficaz) do trator, na medida em que a recuperação do trator se vislumbrava impossível.
Mais invocaram a exceção do caso julgado, porque o supremo tribunal de justiça pronunciou-se sobre a alegada alteração da cláusula 8ª do acordo, no recurso de revista interposto pelo ora recorrente no âmbito do processo n.º 559/11.7 T2STC.
Saneado o processo, teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença que julgou improcedente o presente recurso de revisão.
Desta sentença veio a Autor interpor o presente recurso concluindo as alegações nos seguintes termos:
I. Errou o Tribunal a quo ao não reconhecer o erro matemático/erro de raciocínio lógico contido na cláusula oitava do acordo de transação. Com efeito, da interpretação do acordo, sobretudo, à luz do que se provou ser a intenção das partes (salvaguardar que não fosse causado qualquer prejuízo à sociedade de facto existente entre o recorrente e o recorrido CC pela venda do trator em causa – cf. ponto AI dos factos provados) resulta que o método aplicado na cláusula oitava não faz sentido, na medida em que é ilógico fazer inscrever, no processo de prestação de contas 559/11.7T2STC, por referência à compra e venda desse trator, um saldo positivo de €14.995,08, quando é evidente que da compra e venda do trator resulta um saldo negativo de €25.604,52 (€43.104,92 - €17.500).
II. Errou, em especial, o Tribunal a quo ao entender que existiria alguma explicação válida para o método matemático «estranho» aplicado na cláusula oitava, nomeadamente, o facto de ter sido o Recorrido CC a proceder ao pagamento do trator (com os montantes depositados, para o efeito, na sua conta pelo Recorrente), porquanto no processo de prestação de contas foi reconhecido àquele um crédito (de €43.104,92) por tais pagamentos, conforme resulta do Ac. do Tribunal da Relação de Évora, de 25.02.2015, proferido no âmbito do proc. º 559/11.7 T2STC.E2, correspondente ao Documento nº 5 junto com o requerimento do Recorrente de 21.12.2015, refª 544222.
III. Errou o Tribunal a quo na sua decisão sobre o ponto 1º dos temas da prova (que constitui, alias, uma ilação lógica e não um facto)
IV. Também errou o Tribunal recorrido na sua decisão sobre os pontos 4, 5 e 6 dos temas da prova e, assim, ao não considerar demonstrada a vantagem injustificada resultante da cláusula 8ª para o Recorrido CC, errando, também, ao considerar que essa vantagem injustificada também beneficiaria o próprio Recorrente. Com efeito, é evidente que, por força do estatuído na cláusula oitava, se desconsiderou, nas contas aprovadas, o preço bruto do trator (€40.600), tendo o Recorrente sido condenado a pagar um valor em €20.300 superior ao que teria sido condenado a pagar, caso aquele valor tivesse sido, também, inscrito nessas contas.
V. Errou a sentença recorrida ao considerar não provado o disposto nos pontos 3º, 7º, 9º e 10º dos temas da prova. Em especial, resultou do depoimento do Exmo. Senhor Juiz de Direito P…, corroborado pelas declarações do próprio Recorrente, que o Recorrente não participou na negociação da cláusula oitava e que o respetivo conteúdo nem foi explicado ao Recorrente, ao que acresce que ficou demonstrado que o Recorrente é uma pessoa simples, de baixa escolaridade; que o mesmo não se encontrou representado por advogado no momento da celebração da transação; e que não existia qualquer motivo que justificasse que o Recorrente quisesse beneficiar o Recorrido CC.
VI. Errou, assim, o Tribunal a quo ao julgar não provado o vício na formação da vontade do Recorrente de aceitar o acordo de transação.
VII. Impõe-se, no mais, dar por provado todo o conteúdo (e não apenas de parte, como se considerou na sentença recorrida) do ponto 11º dos temas da prova.
VIII. Errou o Tribunal a quo ao não considerar verificados todos os pressupostos de que depende a anulabilidade da cláusula oitava da transação à luz do disposto nº 2 do artigo 252º, conjugado com o disposto no artigo 437º, ambos do Código Civil.
IX. Além disso, errou o Tribunal a quo ao ter considerado que inexistiria qualquer causa de anulabilidade do negócio em questão (transação acordada), assim excluindo, também, a anulabilidade à luz do disposto no número um do artigo 282º do Código Civil, alegada subsidiariamente.
Deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que deferia a sua pretensão nos precisos formulados.
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O Recorrido contra alegou, defendendo a bondade e manutenção da sentença, concluindo pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II – Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil, constata-se que a questão essencial consiste em saber se ocorre fundamento legal para a revisão da sentença homologatória da transação celebrada entre as partes.
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III – Fundamentação fáctico-jurídica.
1. Matéria de facto.
A factualidade provada pela 1.ª instância é a seguinte:
1º) A instância extinguiu-se por transação celebrada entre as partes no processo e o aqui recorrente em 23 de abril de 2013 (alínea A) dos factos apurados).
2º) Da sentença homologatória não foi intentado recurso de apelação, pelo que transitou em julgado em 28 de maio de 2013 (alínea B) dos factos apurados).
3º) As cláusulas da transação são as seguintes:
1ª - As partes aceitam que o trator “New holland” com o chassis n.º 001327370 equipado com buldózer e marujos foi adquirido em 1 de novembro de 2003 por CC e BB pelo preço de € 40 600.
2ª – Para pagamento desse trator foi desde logo entregue a quantia de € 10 302,50, incluindo imposto de selo e despesas de contrato.
3ª – Para pagamento da parte restante do preço foram pagas 47 rendas, 20 rendas de € 684,86 e 27 rendas de € 686,86, num total de € 32 242,42.
4ª – No final foi pago o valor residual de € 560.
5ª – No total foi gasto para aquisição do referido trator o montante de € 43 104,92.
6ª – Em 22 de abril de 2008, o referido trator foi vendido, em nome do primeiro réu, pelo preço de € 17 500.
7ª – Para pagamento das rendas de 2 a 48 e do valor residual foram feitos pelo filho do primeiro réu, BB, depósitos na conta do autor entre 15 de abril de 2004 e 21 de abril de 2008 no montante total de € 31 430,70.
8ª – Tendo em conta o valor inicial do trator e o valor da sua venda posterior, o autor e o filho do primeiro réu, BB, aceitam que este faça constar das contas que está a apresentar no processo n.º 559/11.7 T2STC que corre termos no Juízo de Pequena e Média Instância Cível de Santiago do Cacém o valor de € 14 995,08 como saldo a favor da sociedade correspondente à diferença do valor inicial somado ao valor da venda posterior do trator e deduzido de todas as despesas para a sua aquisição, sem prejuízo de se expurgarem valores de despesas de aquisição que eventualmente já tenham sido consideradas.
9ª – Para além do processo referido corre termos no Juízo de Competência Genérica de Odemira sob o n.º 340/12.6 T2ODM um processo especial de prestação de contas em que o filho do primeiro réu, BB, pede ao aqui autor a prestação de contas da sua atividade no âmbito da sociedade.
10ª – Caso venha a resultar do conjunto dos processos com os números 559/11.7 T2STC que corre termos no Juízo de Pequena e Média Instância Cível de Santiago do Cacém e 340/12.6 T2ODM que corre termos no Juízo de Competência Genérica de Odemira um saldo a favor do aqui autor, o aqui primeiro réu, EE, presta por este meio fiança à obrigação de pagamentos aos aqui autores daquele saldo pelo seu filho BB até ao montante de € 7 497,54 com renúncia ao benefício da excussão prévia.
11ª – O filho do primeiro réu, BB, aqui presente, aceita intervir nos presentes autos para assumir as obrigações que deste acordo resultam para si (alínea C) dos factos apurados).
4º) Por acórdão proferido pelo tribunal da relação de Évora em 13 de setembro de 2012, no âmbito do processo n.º 559/11.7 T2STC.E1, foi considerado existir uma sociedade irregular entre o ora recorrente e o autor CC, tendo o trator supra referido sido considerado bem da sociedade (alínea D) dos factos apurados).
5º) O aqui recorrente foi condenado a prestar contas ao autor CC no âmbito do processo n.º 559/11.7 T2STC, que correu termos no Juízo de Pequena e Média Instância Cível de Santiago do Cacém e que se encontrava em fase de recurso de revista, à data da propositura do presente recurso de revisão e que foi, entretanto, decidido definitivamente por acórdão do supremo tribunal de justiça, proferido em 10 de dezembro de 2015 (alínea E) dos factos apurados).
6º) Na sequência do acordo nestes autos, em 3 de maio de 2013, no processo de prestação de contas, o ora recorrente apresentou conta corrente, da qual consta na coluna das receitas “saldo a favor da sociedade irregular, resultando da venda do trator New Holland (acordo processo 369/11.1 T2STC) - € 14 995,08 (alínea F) dos factos apurados).
7º) Em 30 de janeiro de 2014 foi expedida notificação da sentença proferida nos autos de prestação de contas, na qual o ora recorrente foi condenado a entregar ao autor a quantia de € 15 715,30 (alínea G) dos factos apurados).
8º) O ora recorrente interpôs recurso para o tribunal da relação de Évora, alegando “numa verba das receitas as partes estão de acordo: a de € 14 995,08, resultante de transação no processo 369/11.1 T2STC, Juiz 2 da Grande Instância Cível” (alínea H) dos factos apurados).
9º) Foi no contexto referido em 8º) que as partes aceitaram celebrar o acordo exarado em ato judicial (alínea I) dos factos apurados).
10º) No acórdão proferido pelo supremo tribunal de justiça em 8 de outubro de 2015, no âmbito do processo n.º 559/11.7 T2STC, consta: “Mas sobretudo esta questão não pode ser conhecida por outra razão mais evidente. Com efeito, os recursos constituem “meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e não para criar decisões sobre matéria nova não submetida ao exame do tribunal de que se recorre” – F. Amândio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, pág. 155 da 7ª ed. Ora, a questão da anulabilidade da cláusula por erro não foi levantada no processo e, por isso, as decisões da 1ª instância e da Relação se não pronunciaram sobre a existência do mesmo erro, pelo que se trata de questão nova que é vedado conhecer neste recurso, até porque se não trata de questão do conhecimento oficioso que poderia constituir exceção à regra acabada de enunciar. Por outro lado, diremos que tendo o réu o ónus de dedução na contestação dos meios de defesa de que pretende servir-se, nos termos do artigo 573.º, n.º 1, do código de processo civil, a dedução do presente meio de defesa do recorrente réu nas alegações de recurso de revista é manifestamente extemporânea e inadmissível, até pela necessidade de assegurar a defesa dos interesses da parte contrária. Soçobra, desta forma, esta pretensão do recorrente”. E, mais em diante, consta do referido acórdão “Nesta terceira questão pretende o recorrente que se integre a declaração negocial consistente na referida cláusula 8ª com uma redação diversa que indica, ao abrigo do disposto no artigo 239º do código civil. Esta pretensão tem como fundamento o aludido erro existente na mesma. Consequentemente também esta pretensão tem de improceder. Antes de mais, o artigo 239º referido trata de um meio de suprir uma declaração negocial em que se não se haja pronunciado sobre determinada matéria, suprimento esse de acordo com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa-fé, quando outra seja a solução por eles imposta. Ora como vimos a referida cláusula contém uma imposição clara que o recorrente não aceita por entender ter havido um erro vício que, como já vimos, não foi atempadamente alegado. Logo não tem aqui aplicação o disposto no artigo 239º referido. Assim improcede este fundamento do recurso” (alínea J) dos factos apurados).
11º) Através de acórdão proferido pelo supremo tribunal de justiça de 10 de dezembro de 2015, no processo 559/11.7 T2STC, foi declarado nulo o acórdão referido em L, lendo-se nesse acórdão: “Analisando as conclusões formuladas nas alegações do aqui recorrente, a fls. 685, verso e seguintes, vemos que as questões ali formuladas são as seguintes: (…) No acórdão recorrido essas questões não foram ali apreciadas e foram conhecidas outras questões diferentes. A razão para esta anomalia, como o reclamante logo detetou, consistiu no acórdão reclamado, as questões ali apontadas como objeto do presente recurso – e consequentemente ali conhecidas – foram as questões que constam das conclusões das alegações do recurso de revisão que o aqui recorrente interpusera autonomamente, alegações essas que o reclamante juntou com as alegações apresentadas neste recurso como documento 1. Desse modo, o acórdão recorrido cometeu uma nulidade consistente no conhecimento de questões de que não podia conhecer – por não constarem das conclusões das alegações apresentadas no respetivo recurso – e na omissão de conhecimento de outras de que devia conhecer – por terem sido colocadas aqui pelo recorrente nas conclusões das alegações formuladas nesta revista. Está assim o acórdão reclamado incurso no disposto no n.º 1, alínea d), do artigo 615.º e por isso, é nulo, o que aqui se declara e, consequentemente, declarando-se a respetiva nulidade (…)” (alínea L) dos factos apurados).
12º) No decurso da segunda sessão de julgamento, o pai do recorrente reconheceu que o trator dado de retoma não era sua propriedade, acedendo celebrar o acordo constante da respetiva ata (alínea M) dos factos apurados).
13º) Nesse acordo interveio o aqui recorrente (alínea N) dos factos apurados).
14º) No dia 1 de novembro de 2003, a “F…” acordou com o recorrido a venda de um trator de rastos, marca “New Holland”, com o chassis n.º 001327370, equipado com buldózer e marujos, pelo preço de € 40 600 (alínea O) dos factos apurados).
15º) O recorrido, nessa data, como sinal e princípio de pagamento, entregou à “F…”, a quantia de € 1 000 através do cheque n.º 4552256154 sobre a “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de São Teotónio” (alínea P) dos factos apurados).
16º) Dada a indisponibilidade financeira da sociedade, o recorrido celebrou em 22 de abril de 2004, contrato intitulado de “locação financeira mobiliária” com “FF, S.A.”, nos termos do qual esta se obrigou a adquirir o trator supra identificado à “F…” e conceder o gozo do mesmo ao recorrido e, finda a locação, caso este pretenda, vender-lho (alínea Q) dos factos apurados).
17º) O prazo do referido contrato foi de 48 meses (alínea R) dos factos apurados).
18º) As respetivas 48 rendas seriam pagas mensal e antecipadamente (Alínea S) dos factos apurados).
19º) Recorrido e “FF” acordaram como valor residual a pagar por aquele, caso pretendesse adquirir a viatura, a quantia de € 500, acrescido dos impostos que incidam sobre a venda à data em que a mesma tivesse lugar (alínea T) dos factos apurados).
20º) O recorrido, a título pessoal, subscreveu em 20 de fevereiro de 2004 livrança em branco a favor do “FF” com o n.º … e a sua esposa deu aval (alínea U) dos factos apurados).
21º) Os recorridos celebraram em 20 de fevereiro de 2004 com o “FF SA” convenção de preenchimento de livrança em branco, nos termos da qual autorizaram o “FF” a preencher a livrança à sua melhor conveniência de lugar, tempo e forma de pagamento, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, nos termos que correspondam às suas responsabilidades não satisfeitas (Alínea V) dos factos apurados).
22º) Nessa data, o recorrido assinou autorização para que o “FF” debitasse da sua conta com o n.º … as 48 rendas (alínea X) dos factos apurados).
23º) O recorrido pagou a primeira renda cifrada em € 10 000 (€ 8 928,57, acrescido de iva), acrescido de despesas do contrato e imposto de selo, no montante global de € 10 302,50 (alínea Z) dos factos apurados).
24º) As rendas 2 a 21 inclusive, o recorrido pagou, por cada uma delas, a quantia de € 684,86 (alínea AA) dos factos apurados).
25º) As rendas 22 a 48 o recorrido pagou, por cada uma delas, a quantia de € 686,86 (alínea AB) dos factos apurados).
26º) No dia 22 de abril de 2008, o recorrido pagou à “FF” o valor residual acordado pela venda do trator, no montante de € 560 (alínea AC) dos factos apurados).
27º) O recorrente entregou ao recorrido o valor global de € 50 871,20 (alínea AD) dos factos apurados).
28º) No processo de prestação de contas, apurou-se um resultado de € 109 250, correspondente ao trabalho efetuado e pago (alínea AE) dos factos apurados).
29º) A este valor há que somar o valor da venda do trator e abater as despesas provadas (alínea AF) dos factos apurados).
30º) Foi o recorrido quem pagou a integralidade do trator, no valor de € 43 104,92 (alínea AG) dos factos apurados).
31º) E que o recorrente entregou ao recorrido a quantia global de € 50 871 (alínea AH) dos factos apurados).
32º) Através da celebração do acordo, as partes pretenderam (apenas) salvaguardar que não fosse causado qualquer prejuízo à sociedade de facto existente entre o recorrente e o recorrido CC pela venda do trator em causa (alínea AI) dos factos apurados).
33º) A formação escolar do recorrente cinge-se ao 7º ano de escolaridade e toda a sua vida foi apenas agricultor (artigo 2º dos temas da prova).
34º) O recorrido CC admite assumir que teria igualmente celebrado o acordo se na cláusula 8ª tivesse constado o valor da venda do trator de € 17 500, com esclarecimento que seria esse valor a favor da sociedade (artigo 11º dos temas da prova).
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2. O direito.
2.1. Da eventual reapreciação da matéria de facto.
Antes, porém, de entrar na abordagem jurídica da questão colocada, importa tecer previamente algumas considerações relativamente à manutenção da matéria de facto, tal como apurada na 1.ª instância, visto que o recorrente, embora o não refira expressamente, parece, implicitamente, questionar a matéria de facto.
Como é consabido, se o recurso envolver a impugnação da matéria de facto, o recorrente, sob pena de rejeição, deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, enunciá-los na motivação de recurso e sintetiza-los nas conclusões, bem como os concretos meios probatórios que, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizado impunham decisão diversa da adotada quanto aos factos impugnados, indicando as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição – Art.º 640.º/1 e 2 do C. P. C. (Cf. Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª Ed., Almedina, pág.153 e Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, dos Recursos, Quid Juris, Pág. 253 e segs).
Com efeito, determina o art.º 640º, n.º1, do C. P. Civil, que o Recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de gravação, que impunham decisão diversa da recorrida;
c) A decisão, que, no seu entender, deve ser proferida sobre os pontos da matéria de facto que impugna.
E acrescenta o seu n.º2 que, no caso previsto na alínea b) do seu n.º1, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de, se assim o entender, poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Como sublinham Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, ob. Cit. Pág. 253 e 254, “(…) o recorrente que impugne a matéria de facto deve procurar demonstrar o erro de julgamento dessa matéria, demonstração que implica a produção de razões ou fundamentos que, no seu modo de ver, tornam patente tal erro “(…). “(…) não parece excessivo exigir ao apelante que, no curso da alegação, exponha, explique e desenvolva os fundamentos que mostram que o decisor de 1.ª instância errou quanto ao julgamento da matéria de facto, exposição e explicação que deve consistir na apreciação do meio de prova que justifica a decisão diversa da impugnada, o que pressupõe, naturalmente, a indicação do conteúdo desse meio de prova, a determinação da sua relevância e a sua valoração. Este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente …, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor, caso contrário, a impugnação da matéria de facto banaliza-se numa mera manifestação inconsequente de inconformismo.” – No mesmo sentido, Abrantes Geraldes, ob. cit. E Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 2008, pág. 80.
Assim, para se modificar a decisão da 1.ª instância, em caso de erro de julgamento, é necessário que, sob pena de rejeição, para além da especificação dos concretos pontos de facto que se consideram incorretamente julgados e dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa, que o recorrente fundamente a respetiva discordância, alegando as respetivas razões, concretizando em que é que os depoimentos contrariam a conclusão factual do tribunal recorrido, isto é, torna-se necessário que o recorrente delimite efetivamente o objeto do recurso, e fundamente as razões da respetiva discordância, motivando a sua alegação.
Com esta exigência legal visa-se circunscrever a reapreciação do julgamento efetuado a pontos concretos da matéria controvertida, já que a Relação, no exercício deste poder de reapreciação da matéria de facto, não pode proceder a um verdadeiro segundo julgamento de toda a matéria de facto, com a reapreciação de todos os meios de prova, devendo rejeitar-se a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto - Cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4.ª Edição, pág. 161, e Ac. STJ de 09-02-2012, proferido no processo n.º 1858/06.5TBMFR.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
Como se refere neste aresto, não bastar alegar, “de forma genérica, uma série de pontos de facto cuja alteração pretendia e a invocar depoimentos testemunhais e documentos sem uma efetiva apreciação crítica. Exige-se igualmente a especificação (e apreciação crítica) dos concretos meios de prova constantes do processo ou que nele foram registados determinantes de uma decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados, exigência que, relativamente aos meios de prova gravados, deve ainda ser acompanhada da indicação do local onde se encontra a gravação”.
Orientação que o STJ tendo vindo a reafirmar, nomeadamente no seu Acórdão 19/02/2015, processo n.º 405/09.1TMCBR.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt., ao sublinhar que «não observa tal ónus o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado. (…) O incumprimento de tais ónus – prescritos para a delimitação e fundamentação do objeto do recurso de facto – impedem a Relação de exercer os poderes-deveres que lhe são atribuídos para o respetivo conhecimento».
Não procedendo a estas obrigatórias especificações o recurso sobre a matéria de facto será rejeitado, nos termos do art.º 640.º/1, do C. P. C., sendo que se não indicar com exatidão as passagens da gravação ou transcrever os excetos que considere relevantes dos depoimentos em que funda o seu recurso, será rejeitado o recurso nesta parte – n.º2, al. a), do citado preceito legal.
Não basta, pois, discordar da convicção, alicerçada nos meios de prova produzidos, formulada pelo Senhor Juiz quanto à demonstração de determinada realidade, no que tange à valorização que foi dada a uns meios de prova em detrimento de outros, é necessário que se identifiquem, além do mais, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com a especificação (e apreciação crítica) dos concretos meios de prova e a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, enunciá-los na motivação de recurso e sintetiza-los nas conclusões.
Ora, lendo e relendo as alegações e conclusões, aparentemente a recorrente parece pretender impugnar a matéria de facto, ao afirmar: “Errou o Tribunal a quo na sua decisão sobre o ponto 1º dos temas da prova”; “Também errou o Tribunal recorrido na sua decisão sobre os pontos 4, 5 e 6 dos temas da prova e, assim, ao não considerar demonstrada a vantagem injustificada resultante da cláusula 8ª para o Recorrido Vítor Matos, errando, também, ao considerar que essa vantagem injustificada também beneficiaria o próprio Recorrente”; e “Errou a sentença recorrida ao considerar não provado o disposto nos pontos 3º, 7º, 9º e 10º dos temas da prova. Em especial, resultou do depoimento do Exmo. Senhor Juiz de Direito Pedro Cláudio Rodrigues dos Santos, corroborado pelas declarações do próprio Recorrente, que o Recorrente não participou na negociação da cláusula oitava e que o respetivo conteúdo nem foi explicado ao Recorrente, ao que acresce que ficou demonstrado que o Recorrente é uma pessoa simples, de baixa escolaridade” ( conclusões III a V).
Todavia, como decorre das passagens transcritas das suas conclusões, não especificou os concretos pontos da matéria de facto, bem como os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizado, relativamente a cada um desses pontos da matéria de facto, que impõem decisão diversa, nem fundamentou a respetiva discordância, especificando criticamente as suas razões, assentes nos concretos meios de prova constantes do processo ou que nele foram registados e que são determinantes de uma decisão diversa, nem a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Na realidade, a recorrente não indicou, com clareza e objetividade, qual ou quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, referindo-se apenas e em termos genéricos a alguns temas da prova e meios de prova testemunhal, não indicou os concretos meios de prova em que alicerça a sua discordância e que justificam outra decisão sobre a matéria de facto e muito menos indicou a decisão que deveria ser proferida sobre esse pontos da matéria de facto, nem fundamentou a respetiva discordância, especificando criticamente as suas razões, assentes nos concretos meios de prova constantes do processo ou que nele foram registados e que são determinantes para a decisão que propõe.
Como tem sido reafirmado pelo STJ [1], “Apenas violações grosseiras, mormente, quanto ocorre omissão absoluta e indesculpável do cumprimento do ónus contido no art. 640º do Código de Processo Civil, que comprometam decisivamente a possibilidade do Tribunal da Relação proceder à reapreciação da matéria de facto, a saber: a) indicação dos pontos de facto que se pretendem ver reapreciados; b) indicação dos meios de prova convocados para a reapreciação; c) indicação do sentido das respostas a alterar; d) indicação, com referência à ata da audiência de discussão e julgamento, dos depoimentos gravados em suporte digital, podem conduzir à rejeição liminar, imediata do recurso – art. 640º, nº2, al. a), 1ª parte, do Código de Processo Civil”.
Neste sentido, sublinhou-se no recente Acórdão do STJ [2], quando se trata de impugnação da matéria de facto “não basta andar à volta do tema. É necessário que se cumpra com rigor o ónus processual de especificar quer os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados quer a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” [3].
Assim sendo, o recorrente não cumpriu o ónus processual prescrito no art.º 640.º/1, alíneas a), b) e c) do C. P. Civil, razão pela qual não se altera a matéria de facto.
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2.2. Da anulação da cláusula oitava da transação à luz do disposto nº 2 do artigo 252º, do C. Civil.
Entende o recorrente que o tribunal a quo errou em não dar por verificados todos os pressupostos mencionados no n.º2 do art.º 252.º do C. Civil e que deveria ter conduzido à anulação da transação, no que respeita ao teor da cláusula 8.ª da realizada transação.
Na decisão recorrida afirma-se:
“(…) Assim, facilmente se constata que não existe erro matemático/erro de raciocínio lógico contido na cláusula 8ª da transação celebrada.
E o mesmo se diga em relação às demais questões suscitadas pelo recorrente.
Se o recorrente alega que existiu errada representação da realidade por sua parte, nada logrou provar, pois a sua alegada errada representação da realidade apenas se configurou quando foi confrontado com a obrigação de indenizar o aqui recorrido, no âmbito do processo de prestação de contas.
E não se verifica qualquer vantagem injustificada resultante da cláusula 8ª para o autor CC, pois o valor que seria apurado, segundo os cálculos do ora recorrente, não seriam em benefício do recorrido CC, mas sim da sociedade irregular constituída pelo recorrente e recorrido, portanto, o recorrente também beneficiava da eventual inclusão de um valor superior ao pretendido pelas partes na cláusula 8ª – a alegada vantagem injustificada do recorrido não existe.
E também não se verifica qualquer falta de incentivo, por parte do recorrido (deverá ser recorrente), para atribuir qualquer vantagem ao autor CC.
Admitimos que o recorrente não pretendia atribuir qualquer vantagem ao recorrido, mas isso também não era a causa deste processo, mas antes de recuperar o trator que o pai do agora recorrente terá vendido de forma ilegal, dado que não era o seu legítimo proprietário, revertendo o valor da venda do trator para a sociedade irregular de ambos, e não para o recorrido. Então como é que se justifica que, pretendendo-se fazer reverter o valor da venda do trator para a sociedade, como é que ficaria a sociedade ainda em débito?
O mesmo se diga em relação ao eventual erro bilateral/da cognoscibilidade do erro por parte dos autores.
Não se logrou provar ou demonstrar, por qualquer forma, que existiu erro, cognoscibilidade do erro, por parte de qualquer das partes intervenientes na celebração da transação. A alegada cognoscibilidade do erro, por parte do recorrente, só teria acontecido quando foi confrontado com a decisão final do processo de prestação de contas, onde o valor aqui mencionado quanto à venda do trator foi incluído nesse processo - mas refira-se mais uma vez que não foi apenas esse o valor incluído na transação celebrada nestes autos.
Não se verifica qualquer causa de anulabilidade da transação celebrada nos autos, pelos motivos já supra expostos”.
Adianta-se que a razão não está do lado do recorrente.
A transação é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões - art.º 1248.º, n.º 1, do Cód. Civil.
E sendo exarada no processo, põe termo ao litígio entre as partes, constituindo um contrato processual, concretizando um negócio jurídico efetivamente celebrado pelas partes intervenientes na ação, correspondente àquilo que estas quiseram e conforme o conteúdo da declaração feita.

“Ao homologar o acordo o Juiz, nos termos do disposto no art.º 290.º, n.º 3 e 4 do C. P. Civil, limita-se a fiscalizar a legalidade, a verificar a qualidade do objeto desse contrato e a averiguar a qualidade das pessoas que nele intervieram” - cfr. Acórdão do STJ de 7/12/2016 (Silva Gonçalves), disponível em www.dgsi.pt.

Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 22/02/2015 (Eva Almeida), consultável em www.dgsi.pt, “ A “transação judicial” é um contrato celebrado pelas partes no âmbito de uma determinada ação pendente em Tribunal, podendo sê-lo perante o juiz, em ato a que este presida, por termo lavrado nos autos, ou por documento, que será submetido ao Juiz e objeto de homologação.
A vontade que presidiu à celebração do negócio em que a transação se traduz pode estar viciada na sua formação, no processo de volição e de decisão”.

Com efeito, o art.º 290.º do CPC estabelece a forma de realização da transação, acrescentando-se no seu art.º 291.º a possibilidade de poder ser declarada nula ou anulada e que o trânsito em julgado da sentença proferida sobre a transação não impede que se intente a ação destinada à declaração de nulidade ou à anulação, ou se peça a revisão da sentença com esse fundamento, sem prejuízo da caducidade do direito à anulação (n.ºs 1 e 2).

Como refere Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4.ª Edição, pág. 496, a propósito do fundamento de revisão de sentença previsto na alínea d) do art.º 696.º do CPC, “deve ligar-se diretamente ao disposto no art.º 291.º que abre ao interessado duas possibilidades de uso alternativo: instauração de ação para declaração da invalidade ou interposição de recurso de revisão em que sejam invocados os factos reveladores da nulidade ou da anulabilidade”.
O recurso extraordinário de revisão traduz-se num mecanismo processual que faculta a quem tenha ficado vencido numa decisão transitada em julgado, a reabertura do processo respetivo, mediante a invocação de certas causas, taxativamente indicadas no art.º 696.º do CPC.
“Enquanto que com a interposição de qualquer recurso ordinário pretende-se evitar o trânsito em julgado duma decisão desfavorável, através do recurso extraordinário de revisão visa-se a rescisão duma sentença transitada.
Será o último remédio contra os erros que atingem uma decisão judicial, já insuscetível de impugnação pela via dos recursos” – cfr. Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª ed. pág. 324.

A transação (assim como a confissão ou desistência) encontra-se sujeita à disciplina do direito substantivo, podendo ser declarada nula ou anulada segundo o regime do art.º 285.º e seg. co C. civil, , por falta de vícios da vontade, de acordo com o disposto nos arts. 240.º e segs. do CC – Cfr. Amâncio Ferreira, ob., cit.

A procedência do recurso acarreta a reabertura da relação processual extinta pra se alcançar uma nova decisão de fundo.

Daí que, tal como se prescreve no art.º 701.º, n.º1, al. c), do CPC, o juízo rescisório visa a revogação da decisão recorrida, implicando, no caso dos autos, que sejam seguidos os termos necessários para a causa ser novamente instruída e julgada, aproveitando-se a parte do processo que o fundamento da revisão não tenha prejudicado.

Assim, nas palavras emprestadas de Amâncio Ferreira, ob., cit. Pág. 357, “Visa, assim, o juízo rescisório uma nova instrução, discussão e julgamento da causa, ou só a nova apreciação desta, conforme o motivo que levou à prolação do juízo rescindente”.

E acrescenta: “ Confissões, desistências ou transações acontecidas em audiência de julgamento e posteriormente declaradas nulas ou anuladas causam menos estragos na causa anterior que as ocorridas na fase dos articulados” – pág. 358.

No mesmo sentido se pronuncia Rui Pinto, “O Recurso Cível, Uma Teoria Geral”, AAFDL, 2017, pág. 249, afirmando: “ A fase rescisória só é aberta se o pedido de revisão tiver sido julgado procedente, ou seja, se foi revogada a decisão transitada em julgado. Impõe-se, então, a produção de uma nova decisão em sua substituição”.

Ora, o art.º 251.º/1 do C. Civil estabelece o regime do erro sobre os motivos determinantes da vontade que se refira à pessoa do declaratário ou ao objeto do negócio, tornando este anulável nos termos do art.º 247.º.
E prescreve o n.º1 do art.º 252.º que se o erro não incidir sobre a pessoa do declaratário nem sobre o objeto do negócio, este só é anulável se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do erro, abrangendo o seu n.º2 o erro que recaia sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, tendo como consequência a eventual resolução ou modificação do contrato.
O erro que atinja os motivos determinantes da vontade quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objeto do negócio (art.º 251.º), só pode gerar a anulabilidade do negócio quando for essencial para a formação da vontade da parte que o invoca.
Assim, o erro sobre os motivos só confere relevância anulatória desde que se seja um motivo essencial, patente e aceite como tal (cfr. Castro Mendes, Teoria Geral, pág. 205) ou, como refere Pais Vasconcelos, “Teoria Geral de Direito Civil”, 2005, 3.ª edição, pág. 498, que o erro seja tal que sem ele a parte o não teria celebrado ou o não teria celebrado com aquele conteúdo. E acrescenta, ainda, este Professor, não ser suficiente a essencialidade do erro, pois “é necessário ainda que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre o qual o erro incidiu”.
Mas a anulabilidade do negócio jurídico, com base no erro vício sobre os motivos determinantes da vontade, não incluído no art.º 251.º, ou seja, que não incida sobre a pessoa do declaratário nem ao objeto do negócio, só pode fundamentar a anulação do negócio se for reconhecido por acordo das partes a essencialidade do motivo – art.º 252.º/1, do CC.
Trata-se de erro sobre as circunstâncias exteriores ao negócio e que influenciaram a sua celebração. Porém, como sublinha Pais de Vasconcelos, ob. citada, pág. 506/507, “ no caso do n.º1, a falsa representação só tem relevância anulatória quando haja consenso sobre a essencialidade dessas circunstâncias. Para que haja acordo é necessário que haja consciência”. O que significa que “é necessário que as partes tenham previsto e, mais do que isso, que tenham consensualmente assente a celebração do negócio no pressuposto da verificação daquelas circunstâncias, cuja existência é essencial para a sua decisão negocial”
Ora, tendo em conta a factualidade assente, é de excluir, desde logo, o âmbito de aplicação do regime de invalidade do negócio processual “transação” a que se refere o n.º1 do art.º 251.º do CC, porquanto não está provado o reconhecimento das partes da essencialidade do motivo que conduziu à realização da transação.
Com efeito, as partes celebraram a transação no processo tendo em vista a condenação do recorrente, no processo 340/12.6 T2ODM, a prestar contas da sua atividade no âmbito da sociedade que estabeleceu com o recorrido, considerando o valor de aquisição do trator “New holland, pelo preço de € 40 600, cujo valor total de aquisição, com encargos, foi de € 43 104,92, totalmente suportado pelo recorrido, e em conta o preço de venda do mencionado trator (€ 17 500), acordaram em mencionar o valor de € 14 995,08 como o saldo a favor da sociedade, valor a que chegaram segundo a seguinte regra aritmética:
- Valor correspondente à diferença do valor inicial somado ao valor da venda posterior do trator e deduzido de todas as despesas para a sua aquisição, sem prejuízo de se expurgarem valores de despesas de aquisição que eventualmente já tenham sido consideradas.
E segundo esta regra o valor apurado de € 14 995,08 está correto (€ 40 600+17.500,00 - € 43 104,92), sendo até inferior ao valor real da venda do dito trator.
Repare-se que na cláusula 10.ª da transação se consignou metade desse valor objeto da fiança prestada por EE, o que revela que as partes tinham consciência na fórmula e valor apurado a inscrever na prestação de contas à sociedade.
Sustenta o recorrente ter havido erro matemático/erro de raciocínio lógico contido na cláusula oitava do acordo de transação, pois à luz da interpretação do acordo, (era intenção das partes salvaguardar que não fosse causado qualquer prejuízo à sociedade de facto existente entre o recorrente e o recorrido CC pela venda do trator em causa) resulta que o método aplicado na cláusula oitava não faz sentido, na medida em que é ilógico fazer inscrever, no processo de prestação de contas 559/11.7T2STC, por referência à compra e venda desse trator, um saldo positivo de €14.995,08, quando é evidente que da compra e venda do trator resulta um saldo negativo de €25.604,52 (€43.104,92 - €17.500).
Porém, o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta, como decorre expressamente do art.º 249.º do CC, não à anulação da transação.
É verdade que o recorrente fundamenta o seu recurso com base na violação do n.º2 do art.º 252.º do C. Civil, considerando preenchidos os respetivos pressupostos.
Há erro sobre a base do negócio quando a falsa representação incide sobre circunstâncias (pretéritas, presentes ou futuras) em que as partes fundaram a decisão de contratar” – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 4.ª edição revista, pág. 236.
Ora, se o erro sobre as circunstâncias incidir sobre a base do negócio, é aplicável ao erro do declarante o regime sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias, nos termos do art.º 437.º, nos termos do n.º2 do art.º 252.º.
Contrariamente ao regime previsto no n.º1 do art.º 252.º, o do n.º2 pressupõe a consciência da essencialidade, mas não o consenso sobre ela.
Como sublinha Mota Pinto, “Teoria Geral do Direito Civil”4.ª edição, pág. 514, a 2.º parte do n.º2 do art.º 2542.º estabelece um regime especial para certos casos de erro sobre os motivos: se o erro incidir sobre as circunstâncias que constituem a chamada base negocial, haverá lugar à anulabilidade do contrato, nos termos que se se dispõe acerca da resolução por alteração das circunstâncias.
Mas é necessário que haja erro. O erro é uma falsa representação da realidade. É necessário que tenha ocorrido uma falsa representação do quadro circunstancial que constitui a base do negócio – cfr. Pedro Pais de Vasconcelos, ob. Cit. Pág. 500.
Para Inocêncio Galvão Telles, “Manual dos Contratos em Geral”, 4.ª edição, pág. 99, “as circunstâncias que formam a base do negócio podem ser quaisquer, mesmo as previstas no art.º 252.º, n.º1, e inclusive as previstas no art.º 251.º, referentes aos sujeitos ou ao objeto do negócio”.
E a lei manda aplicar ao erro na base do negócio o disposto nos art.º 437.º a 439.º, quanto à resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias.
Sobre o âmbito de aplicação do n.º2 do art.º 252.º do CC, escreve Mota Pinto, ob. cit. pág. 503, citando vasta doutrina no mesmo sentido:
“No caso de erro sobre os motivos que recaia sobre circunstâncias que constituem a base negocial (art.º 252.º, n.º2), surge uma dúvida: terá lugar a anulabilidade, tal como outras modalidades de erro-vício, ou haverá lugar para uma faculdade de resolução, tal como nos casos de alteração superveniente das circunstâncias? Inclinamo-nos para a hipótese da anulabilidade, pois nos casos de erro sobre os motivos, diversamente da alteração superveniente das circunstâncias vigentes ao tempo do negócio, o estado das coisa erradamente figurado é anterior ou contemporâneo do negócio(…). Sendo assim, a remissão que no art.º 252.º, n.º2 se faz para o art.º 437.º, tem o sentido de indicar apenas os pressupostos ou requisitos necessários para a relevância do erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio”.
No sentido de que se trata de anulabilidade e não de resolução se pronunciam também Inocêncio Galvão Telles, ob. cit., pág. 100; e Pedro Pais de Vasconcelos, ob. cit., pág. 504.

Assim sendo, ainda que se verificassem os pressupostos do n.º2 do art.º 252.º do CC, como defende o recorrente, a consequência jurídica não podia conduzir à modificação da cláusula 8.ª da transação como pretendia obter por via da ação de revisão (e em sede do presente recurso), mas à anulação da transação, com a consequente prosseguimento dos termos necessários para a causa ser novamente instruída e julgada, como se deixou dito (art.º 701.º, n.º1, al. c), do CPC).

Resumindo, não demonstrou o recorrente, como lhe competia, ter havido qualquer erro sobre as circunstâncias que constituem a base da transação que justifique a sua anulação, pelo que bem andou a sentença recorrida, a qual deve ser mantida.

Vencido no recurso, suportará o apelante as custas respetivas – art.º 527.º/1 e 2 do C. P. Civil.

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IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.
1. Não tendo o recorrente especificado os concretos pontos da matéria de facto, nem os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizado, relativamente a cada um desses pontos da matéria de facto, nem indicado qual a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre os factos impugnados, e bem assim não fundamentou a respetiva discordância, especificando criticamente as suas razões, assentes nos concretos meios de prova constantes do processo ou que nele foram registados e que são determinantes de uma decisão diversa, não cumpriu o ónus processual prescrito no art.º 640.º/1, alíneas a), b) e c) do C. P. Civil, justificando a não reapreciação da matéria de facto.

2. A procedência do recurso de revisão de transação homologada judicialmente acarreta a reabertura da relação processual extinta para se alcançar uma nova decisão de fundo, prosseguindo os termos necessários para a causa ser novamente instruída e julgada, aproveitando-se a parte do processo que o fundamento da revisão não tenha prejudicado - art.º 701.º, n.º1, al. c), do CPC.

3. Se o erro sobre as circunstâncias incidir sobre a base do negócio, nos termos do n.º2 do art.º 252.º do CC, é aplicável ao erro do declarante o regime sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias, nos termos do art.º 437.º, ou seja, podendo conduzir à anulação do negócio, não à sua resolução.

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V. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas da apelação pela recorrente.
Évora, 2018/09/13
Tomé Ramião
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro

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[1] Acórdão de 8/11/2016 (Fonseca Ramos), in dgsi.pt.
[2] Acórdão de 3/10/2017, Revista, 6.ª Secção, proferido no processo n.º 29/14.1TBMCQ.E1.S2
[3] Pode ler-se no seu sumário: “II – Sendo função das conclusões do recurso indicar os fundamentos porque se pede a alteração da decisão, é obrigatório que nelas o recorrente especifique os concretos factos que entende estarem mal julgados e a decisão que importa ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. III – Não procedendo o recorrente a tais especificações com a devida clareza e objetividade, apesar de mostrar de forma genérica discordar do julgamento da matéria de facto, terá o recurso de apelação que ser rejeitado quanto à matéria de facto”.