Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2239/15.5T8ENT-A.E1
Relator: MATA RIBEIRO
Descritores: DISPENSA DE AUDIÊNCIA PRÉVIA
NULIDADE PROCESSUAL
Data do Acordão: 05/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
1 - Entendendo o juiz, após a fase dos articulados, que os autos contêm os elementos necessários a habilitá-lo a proferir decisão de mérito que ponha termo ao processo, impõe-se a convocação de audiência prévia para o fim previsto no artigo 591.º, n.º 1, b), do Código de Processo Civil.
2 - A preterição da aludida formalidade processual que se reputa de essencial, gera para além de nulidade processual a nulidade do saneador-sentença e atenta a influência sobre esta decisão, implica a anulação do processado a fim da tramitação processual regressar ao momento anterior ao despacho que dispensou a realização da audiência prévia, de forma a possibilitar a efetiva audição das partes em sede de audiência de prévia, devendo no despacho que a designar esclarecer, em concreto, os fins a que se destina.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

AA e BB, deduziram embargos de executado por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa que lhes move BANCO CC, S.A., a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Juízo de Execução do Entroncamento - Juiz 1), alegando, em síntese:
- O que está na base da execução é um incumprimento dum contrato de locação financeira, relativo a um imóvel, tendo os executados entregue à exequente o imóvel inerente a tal contrato, a qual, perante tal ato “declarou a extinção total da dívida perante a entrega do bem”, não resultando prejuízo de maior perante o incumprimento do contrato de locação financeira;
- A livrança apresentada à execução foi abusivamente preenchida, dada a extinção da dívida.
Concluindo pedem a procedência dos embargos e a consequente extinção da execução.
A exequente veio contestar, salientando que a entrega do imóvel não ditava a extinção da dívida e que foi respeitado o pacto de preenchimento da livrança celebrado entre as partes no que tange o valor apurado de responsabilidades pela devedora.
Findos os articulados o Julgador a quo salientando “que se encontram reunidos todos os elementos necessários à decisão, passo à prolação de sentença, assim ao abrigo do disposto no art. 595.º/1, al. b) do NCPC, o que dispensa a realização de audiência prévia, ex vi art. 593.º/1 do mesmo diploma” proferiu de imediato sentença pela qual julgou improcedentes os embargos e ordenou o prosseguimento da execução.
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Irresignados, os embargantes vieram interpor recurso tendo apresentado as respetivas alegações, terminando pela formulação das seguintes «conclusões»[1] que se transcrevem:
1.ª Com o Saneador-Sentença, procedeu o Tribunal a quo à dispensa da audiência prévia nos termos dos artigos 595º, nº 1, al. b) ex vi artigo 593º, nº 1 do CPC.
2.ª Considerou o Tribunal a quo que o estado do processo permitia, sem necessidade de mais prova, a apreciação total do mérito da causa, tendo nesse momento dispensado a realização de audiência prévia e, sem mais, proferido a douta sentença de que ora se recorre.
3.ª Decisão essa, que surpreendeu os ora Recorrentes, uma vez que dos autos não decorriam quaisquer indícios que o Tribunal a quo iria agir deste modo, pelo que, salvo melhor opinião, consideram os Recorrentes que os autos não permitiam a tomada desta decisão surpresa, facto este confirmado pelo próprio saneador-sentença.
4.ª Com efeito, em dada altura refere o tribunal a quo “competia-lhe [aos Recorrentes] demonstrar que a livrança não se acha preenchida em conformidade com o ajustado entre os sujeitos cambiários, isto é, incumbia-lhe provar o facto do qual extrai o abuso” e que “era aos oponentes que competia a alegação e posterior prova da inobservância, pela exequente, da convenção de preenchimento”.
5.ª Ora, na verdade procederam os Recorrentes à alegação de factos conclusivos da situação de preenchimento abusivo do título executivo (livrança) e, em consequência, que não é devida a quantia exequenda, ao contrário do entendido pelo tribunal a quo. Mas a comprovação desses factos, concretamente alegados, exigiria a produção de prova, a qual ficou impedida pela preterição da realização da audiência prévia.
6.ª Ainda que se entendesse que os factos alegados pelos Recorrentes, importantes e necessários para ser decidida a ação, estariam alegados de forma vaga, imprecisa ou até de forma relativamente descontextualizada, certo é que isso sempre obrigaria, a nosso ver, à prolação de um despacho de aperfeiçoamento dos articulados, ao abrigo do artigo 590º, nº 2, al. b) e nº 4 do CPC, o que não se verificou.
7.ª Certo é que apesar de o Tribunal a quo teoricamente entender que os Recorrentes deveriam ter produzido prova conducente à confirmação da sua alegação, em momento algum deu azo a que tal acontecesse, não tendo sequer permitido a audição de testemunhas.
8.ª Na verdade, apesar de as partes terem apresentado, nos seus articulados, a prova testemunhal e documental que queriam ver produzida em sede de audiência de julgamento, o certo é que nunca lhes foi permitida produzirem esta prova, testemunhal.
9.ª Ora, dada a importância e carácter marcante da audiência prévia na ação executiva, conforme reconhecem a generalidade da doutrina e jurisprudência, enquanto momento para facultar às partes uma discussão sobre as vertentes do mérito da causa que o juiz projeta decidir e, ao mesmo tempo, visando assegurar a aproximação entre as partes e estas e o tribunal, através de uma cultura de diálogo, são raras as situações em que o legislador permite a sua preterição.
10.ª Tais situações constam do artigo 592º do CPC e nelas não cabem, com toda a certeza, os presentes embargos.
11.ª A dispensa de audiência prévia carece de preencher os requisitos previstos no artigo 593º do CPC, desde logo que a ação haja de prosseguir. Só neste caso o juiz pode dispensar a realização daquela audiência, contando que se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) do nº 1 do artigo 591º do CPC.
12.ª Ora, o conhecimento da totalidade do mérito da causa não é de considerar para efeitos do artigo 593º do CPC, pois não satisfaz o primeiro requisito da norma habilitadora da dispensa: “ações que hajam de prosseguir”.
13.ª Em qualquer caso, o juiz não pode dispensar a realização de audiência prévia quando, para satisfação dos respetivos fins, haja necessidade de realizar qualquer dos atos previstos nas alíneas a), b) c) e g) do nº 1 do artigo 591º do CPC.
14.ª Assim, ela é de realização necessária designadamente quando o juiz tencione conhecer de todo o mérito da causa, se a questão não tiver sido debatida nos articulados. Mesmo quando o tenha sido, a decisão de dispensa deve, todavia, ser precedida da consulta das partes, em conformidade com disposto no artigo 3º, nº 3 do CPC, assim se garantindo não apenas o contraditório sobre a gestão do processo, como também uma derradeira oportunidade para as partes discutirem o mérito da causa.
15.ª Efetivamente, a dispensa da audiência prévia só será admissível num contexto que o tribunal sempre teria que descrever no despacho respetivo e só depois de ouvidas as partes, conforme resulta dos artigos 547º e 6º do CPC.
16.ª Mal andou o Tribunal a quo ao tomar esta decisão, porquanto e pelo que se verifica no texto da sentença, o próprio teve dúvidas no momento do proferimento de tal decisão. Dúvidas essas que, a existirem, deveriam ter sido colmatadas pela realização de audiência prévia e produção da prova indicada pelas partes e por toda a que se viesse a mostrar necessária.
17.ª Com a não produção de prova testemunhal, proferindo o Tribunal a quo a decisão de mérito agora recorrida, apenas com os elementos existentes nos articulados, foram impedidos os Recorrentes de cumprir o ónus probatório relativo aos factos alegados, conforme lhe competia, tendo o Tribunal a quo violado o disposto no artigo 595º, nº 1, al. b) do CPC.
18.ª Destarte, e salvo melhor opinião, afigurasse-nos evidente a necessidade de realizar a audiência prévia ante a perspetiva do Tribunal conhecer do mérito dos embargos de executado, desde logo porque não ocorre nenhum dos motivos legalmente previstos para a não realização da mesma (artigos 592º e 593º do CPC).
19.ª Pelo que deve a decisão ora recorrida ser anulada, bem como os termos processuais subsequentes a essa decisão viciada, incluindo a decisão que julgou improcedente os embargos de executado, devendo determinar-se o prosseguimento dos autos com vista à delimitação dos temas do litígio e posterior produção de prova em sede de audiência de discussão e julgamento.
20.ª Sem prescindir, sempre se dirá que proferiu o tribunal a quo decisão sem anunciar a sua intenção de conhecer imediatamente do mérito da causa, constituindo uma verdadeira decisão surpresa.
21.ª Ora, conforme já ficou dito en passant e conforme é entendido pela maioria da doutrina e jurisprudência, não pode o tribunal julgar o mérito da causa no despacho saneador sem primeiro facultar a discussão, em audiência, às partes, como previsto no artigo 3º, nº 3 do CPC.
22.ª Tal solução impede que as partes venham a ser confrontadas com uma decisão que, provavelmente, não esperariam fosse já proferida, isto é, evita-se uma decisão surpresa, ao mesmo tempo que são acautelados os casos em que a anunciada intenção de conhecimento imediato do mérito da causa derive de alguma precipitação do juiz, tanto mais que não é frequente a possibilidade de, sem a produção de prova, ser proferida já uma decisão final, tal como se verificou neste caso concreto.
23.ª O Tribunal a quo, ao dispensar a realização de audiência prévia, nos termos do artigo 595º, nº 1, al. b) do CPC, ex vi artigo 593º, nº 1 – afinal não aplicável ao caso – com a agravante de não ter comunicado essa posição às partes antes da comunicação do teor da decisão sobre o mérito da causa no despacho saneador-sentença, violou o direito de aquelas serem ouvidas sobre a matéria de facto e de direito em causa e defraudou as suas legítimas expectativas de contribuírem para a sua discussão em função da antecipação da decisão para o momento do saneador.
24.ª Com efeito, a decisão de mérito proferida constituiu para as partes uma decisão surpresa, proibida nos termos do artigo 3º, nº 3 do CPC e em violação do artigo 591º, nº 1, al. b) do CPC.
25.ª Não tendo as partes sido ouvidas, nem sequer advertidas acerca da eventual dispensa da audiência prévia, podiam legitimamente esperar que pudessem fazer valer nesse ato, através da garantia do primado da oralidade, os seus derradeiros argumentos.
26.ª Nem sequer se diga que a matéria controvertida e alegada pelas partes havia já sido debatida suficientemente nos articulados, para efeitos dos artigos 6º e 547º do CPC.
27.ª A preterição daquela formalidade processual, concretizada na violação do princípio do contraditório, constitui a omissão de um ato prescrito na lei capaz de influir no exame e na decisão da causa, incluindo-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constante do artigo 195º, nº 1 do CPC.
28.ª Assim, deve a decisão recorrida ser revogada, devendo ser declarado nulo o saneador sentença recorrido e, em consequência, ser determinada a baixa do processo à 1ª instância para que aí se dê cumprimento ao princípio do contraditório e após se determine o prosseguimento dos autos, conforme for entendido de direito.
29.ª Sempre sem prescindir, acresce que, como ficou dito, com a preterição de audiência prévia, e demais consequências legais, ficaram o Recorrentes impossibilitados de produzir prova em benefício dos embargos de executado apresentados.
30.ª Nos termos do artigo 341º do CC “as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos”. Com efeito, as provas são produzidas ou trazidas para análise dentro do processo com a função primordial de demonstração da verdade dos factos alegados pelas partes, o autor e réu, para a formação da convicção do juiz.
31.ª Se é certo que quem invoca determinado facto deve prová-lo, também é certo que deve ser dada a devida oportunidade para produção dessa prova, para cabal esclarecimento dos factos.
32.ª O direito à prova surge, por um lado, como uma consequência natural da garantia constitucional prevista no supracitado artigo 20º, nº 1, da CRP (acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva), mas também, por outro lado, surge como uma emanação dos direitos, liberdades e garantias que merecem tutela constitucional.
33.ª Nesse sentido, o direito à prova é tomado como um direito fundamental, conferindo às partes, não só o acesso aos tribunais e a tutela jurisdicional efetiva, como também a faculdade de apresentação de prova em juízo, pois que o direito à prova é um direito decorrente do direito de ação, bem como o direito de cada uma das partes oferecer as suas provas, controlar a parte contrária e discutir dentro do processo sobre o valor atribuído e o resultado concreto das mesmas.
34.ª Enquanto direito fundamental e considerando as consequências deste entendimento do direito à prova, certo é que, havendo dúvidas, designadamente quanto ao preenchimento abusivo da livrança que serviu de título executivo à execução, não tiveram os autos possibilidade de ver respondidas essas dúvidas, porquanto nem sequer foi permitida a produção de prova, nomeadamente de prova testemunhal.
35.ª Sendo certo que a prova testemunhal poderia e teria lugar como meio idóneo a suportar os factos alegados, porquanto é apta à descoberta da verdade material, em conformidade com o disposto nos artigos 392º a 396º do CC e artigos 413º e 500º ab initio do CPC.
36.ª Face ao exposto, andou mal o tribunal a quo ao prescindir da audiência prévia sem que antes permitisse às partes a produção de prova, nomeadamente para permitir a audição da testemunha arrolada pelos Recorrentes, pelo que deveria o douto tribunal ter suscitado essas dúvidas em sede de audiência prévia, ao invés de dar como assentes factos sobre os quais recaem dúvidas.
37.ª Assim, ao decidir pela preterição da audiência prévia, proferindo despacho saneador sentença que julgou improcedentes os embargos de executado sem antes permitir às partes a produção de prova e apreciação da mesma, violou o Tribunal a quo o direito fundamental dos Recorrentes ao acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 20º da CRP.
38.ª Tal violação constitui omissão de um ato prescrito na lei capaz de influir no exame e na decisão da causa, incluindo-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constantes do artigo 195º, nº 1 do CPC.
39.ª Assim, também por este motivo deve ser declarado nulo o despacho saneador-sentença recorrido e, em consequência, ser determinada a baixa do processo à 1ª instância para que aí seja garantido o direito à prova aos Recorrentes e consequente prosseguimento dos autos.
40.ª Pelo que desde já se requer a V. Exa. se digne revogar a decisão recorrida e ordenar a sua substituição por outra que ordene o prosseguimento dos autos e consequente admissão de produção da prova requerida em sede de audiência de julgamento.
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Não foram apresentadas contra alegações.
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Apreciando e decidindo

O objeto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso - (artºs. 635º n.º 4, 639º n.º 1 e 608º n.º 2 ex vi do art.º 663º n.º 2 todos do CPC).
Assim, sinteticamente, a questão que importa apreciar cinge-se em saber se o Julgador, tal como o fez, podia ter dispensado a realização da audiência prévia e conhecer do mérito da causa em sede de saneador/sentença.
***
Na sentença recorrida foi considerado como provado o seguinte quadro factual:
1. AA e BB, ora embargante, aí designados por “LOCATÁRIO”, subscreveram um contrato de locação financeira imobiliária com o nº 450002303, ao qual foi atribuído o valor de €87.300,00, com o imóvel melhor constante da sua cláusula 1 em 10/03/2005, pelo qual cada um deles declarou o que do mesmo consta e que aqui se tem por integralmente reproduzido, designadamente que:
1. Imóvel Objeto da Locação:
Um prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e primeiro andar, para habitação, com a área coberta de cinquenta e cinco metros e oitenta e cinco decímetros quadrados, e logradouro com noventa metros e noventa decímetros quadrados, com o alvará de licença de utilização nº 19 emitido pela Câmara Municipal de Torres Novas em 25 de Fevereiro de 1993, sito na Rua …, número …, de polícia, na vila e freguesia de Riachos, concelho de Torres Novas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas sob o número …, e inscrito na matriz sob o artigo n° …;
2. Aquisição do Imóvel:
O imóvel atrás identificado foi adquirido pelo Locador ao aqui Locatário por dação em cumprimento, sob proposta deste, conforme escritura pública nesta data celebrada, motivada pela necessidade de regularização de responsabilidades deste perante aquele.
3. Valor do Contrato:
3.1. Valor total do contrato: € 87.300,00 (oitenta e sete mil e trezentos euros);
3.2. Despesas contratuais já incluídas no valor total do contrato;
3.3. Despesas notariais e registrais já incluídas no valor total do contrato;
4. Prazo da Locação Financeira I Produção de efeitos: 324 meses (27 anos), contados a partir da data de celebração do presente contrato;
5. Rendas:
5.1. Número de rendas: 324;
5.2. Periodicidade: Mensal;
5.3. Montante da 18 renda: € 400.00 (quatrocentos euros);
(…)
11º (Resolução e caducidade)
1. Para além dos demais casos de resolução decorrentes da lei e do presente Contrato, este poderá ser resolvido em caso de incumprimento de qualquer uma das obrigações do Locatário se este, interpelado para o efeito, por carta registada com aviso de receção, não suprir a sua falta no prazo de trinta dias a contar da data de emissão daquela notificação.
2. O Locador poderá ainda resolver o presente Contrato nos seguintes casos:
a) Se no decurso de obras de adaptação ocorrer qualquer embargo administrativo ou judicial, ou se não forem emitidas as competentes licenças administrativas de utilização decorrentes das obras de adaptação realizadas;
b) Se se verificarem os pressupostos de insolvência, falência, recuperação de empresa, dissolução ou liquidação do Locatário, ou contra ele correr execução ou providência cautelar em que esteja ou possa estar em causa, o imóvel locado.
3. A resolução far-se-á por simples declaração do Locador dirigida ao Locatário, por carta registada com aviso de receção.
4. Resolvido o Contrato, o Locatário, que não terá direito a qualquer indemnização ou compensação, deverá restituir o imóvel locado em bom estado de conservação, no prazo máximo de quinze dias a contar da data da resolução, sob pena de se constituir na obrigação de pagar ao Locador uma quantia conforme previsto no número 8. do artigo 9º deste contrato.
5. A resolução do Contrato não exonera o Locatário do dever de cumprimento de todas as suas obrigações que à data se encontrarem vencidas, ou cujo facto gerador tenha ocorrido anteriormente à resolução, e confere ao Locador, para além do direito de conservar as rendas vencidas e pagas, o direito de receber do Locatário, a titulo de indemnização por perdas e
• danos, uma importância igual a 20% da soma das rendas vincendas com o valor residual, sempre sem prejuízo, porém, do direito à reparação integral por maior dano.
6. Em alternativa ao direito à resolução do Contrato previsto nos números anteriores, poderá o Locador, em caso do Locatário se constituir em incumprimento de qualquer uma das suas obrigações contratuais, exercer os seus direitos de crédito sobre este, que se considerarão todos vencidos no momento da verificação do incumprimento. Neste caso, todos os créditos vencerão juros a partir do referido vencimento.
7. A caducidade do Contrato não exonera o Locatário do dever do cumprimento de todas as suas obrigações que à data se encontrarem vencidas ou cujo facto gerador tenha ocorrido anteriormente à caducidade, e conferem ao Locador o direito a conservar as rendas vencidas e pagas.
8. Sem prejuízo do direito do Locador resolver o Contrato, exigir o seu cumprimento, ou verificando-se a caducidade do Contrato, em caso de não pagamento ou reembolso pontual de quaisquer encargos, despesas, rendas ou valor residual por parte do Locatário, serão devidos juros de mora, calculados à taxa do Contrato, acrescida de quatro pontos percentuais.
(…)
12º (Outras causas de resolução do Contrato)
Locador e Locatário acordam em considerar que o incumprimento, temporário ou definitivo, das obrigações emergentes de outras operações de concessão de crédito entre ambos celebradas ou celebradas entre o Locatário e uma outra instituição de crédito ou sociedade financeira integrada no GRUPO DD, é causa objetiva de perda de interesse contratual na manutenção da vigência do presente contrato, pelo que, caso o Locatário não faça cessar o incumprimento em que se constituiu no prazo para tanto fixado, ao Locador assiste o direito de declarar resolvido este Contrato.
13º (Titulação dos débitos e garantias)
1. O Locador poderá exigir ao Locatário, até à data de entrada em vigor do presente Contrato, Livranças por este subscritas, letras sacadas por aquele e aceites por este, ou qualquer outro título de crédito, destinadas a titular os seus direitos de crédito.
2. Para garantia do pontual cumprimento das obrigações emergentes do presente Contrato, o Locador poderá exigir ao Locatário, até à data de celebração do presente Contrato, qualquer garantia, pessoal ou real, que entenda adequada.
14° (Comunicações entre as partes)
As notificações ou comunicações entre Locador e Locatário serão consideradas válidas e eficazes se forem efetuadas para os respetivos domicílios ou sedes sociais tal como identificados neste Contrato ou que, posteriormente, sejam informados, por escrito, à outra parte.”
2. No âmbito do pacto referido em Factos 1.), os embargantes subscreveram a livrança dada a execução nestes autos e de que é portadora a exequente;
3. Na altura, a livrança foi subscrita nos termos referidos sem que nela estivesse inscrito valor ou data de vencimento;
4. Os embargantes não efetuaram o pagamento das rendas, a exequente declarou o contrato de locação resolvido perante ele e obteve a recuperação do imóvel entregue em execução do acordo referido em Factos 1.);
5. A exequente lançou em execução a livrança subscrita pelos embargantes preenchendo-a pelo valor de €38.900,21, correspondente a €17.428,97 de rendas vencidas e não pagas, €3.682,73 de juros, €147,31 de Imposto de selo e €101,18 pela selagem do título com data de vencimento em 13.01.2015.

Conhecendo da questão
A questão levantada não diz respeito à sentença propriamente dita, situando-se em momento anterior, referindo-se ao despacho que determinou a dispensa de realização da audiência prévia, não obstante os efeitos se repercutirem na tramitação posterior do processo e designadamente na sentença final.
Sustentam os recorrentes que no âmbito destes autos de embargos, com o valor de € 395.690,67 que seguem os termos do processo comum declarativo (cfr artºs 734º n.º 2 do CPC) se impunha a realização da audiência prévia, diligência que o legislador prevê, como regra, não sendo de dispensar a sua realização, nos casos de se pretender conhecer imediatamente do mérito da causa no despacho saneador.
Dispõe o artº 591º do CPC epigrafado de “Audiência prévia:
1 - Concluídas as diligências resultantes do preceituado no n.º 2 do artigo anterior, se a elas houver lugar, é convocada audiência prévia, a realizar num dos 30 dias subsequentes, destinada a algum ou alguns dos fins seguintes:
a) Realizar tentativa de conciliação, nos termos do artigo 594.º;
b) Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa;
c) Discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate;
d) Proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º;
e) Determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º;
f) Proferir, após debate, o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º e decidir as reclamações deduzidas pelas partes;
g) Programar, após audição dos mandatários, os atos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e designar as respetivas datas.
(…)
Por sua vez dispõe o artº 592º do CPC epigrafado de “Não realização da audiência prévia:
1 - A audiência prévia não se realiza:
a) Nas ações não contestadas que tenham prosseguido em obediência ao disposto nas alíneas b) a d) do artigo 568.º;
b) Quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados.
(…)
Relativamente à “Dispensa da audiência prévia” dispõe o artº 593º do CPC ao consignar:
1 - Nas ações que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º.
(…)
Da conjugação do disposto nestes três aludidos artigos parece resultar claro que pretendendo o Juiz conhecer imediatamente do mérito da causa haverá lugar a realização de audiência prévia, não sendo possível, em princípio, sem mais (designadamente sem ser precedida de prévia consulta das partes), decidir pela sua dispensa.
onforme decorre expressamente do disposto no artº 593º n.º 1 do CPC, apenas é autorizado ao juiz a dispensar a audiência prévia nas ações que hajam de prosseguir, ficando assim, fora da aplicação desta norma habilitadora os casos em que o processo finde de imediato, com o conhecimento do mérito da causa, sendo, por isso a audiência prévia de realização necessária.[2]/[3]
Por isso, “não se verificando nenhuma das situações previstas no artº 592º do CPC que conduzem à não realização da audiência prévia, e se a ação não houver de prosseguir, nomeadamente por se ir conhecer no despacho saneador do mérito da ação, deve ser convocada tal audiência a fim de facultar às partes a discussão de facto e de direito, assegurando-se por essa via o respeito pelo princípio do contraditório, evitando-se decisões-surpresa (artº 3º, nº 3 do CPC), embora se possa defender a inutilidade da sua realização, quando se evidencie que as questões a discutir já se encontram suficientemente debatidas (o que não é o caso dos autos), permitindo-se a possibilidade do juiz fazer uso do mecanismo de gestão processual ao abrigo do disposto nos arts. 6º e 547º do CPC e, nessa medida, dispensar a sua realização desde que previamente tenha consultado as partes para esse fim de modo a garantir “não apenas o contraditório sobre a gestão do processo, como também a derradeira oportunidade para as partes discutirem o mérito da causa”.[4]
A necessidade de convocação de audiência prévia quando se pretenda conhecer de imediato do mérito da causa, ao que cremos, é assumida pela generalidade da doutrina como passamos a referir.
Fora dos casos de exclusão legal da sua realização, bem como nos casos de dispensa judicial “a convocação da audiência prévia é um ato processual obrigatório”.[5] A audiência prévia “é em principio obrigatória”,[6] ou “tendencialmente obrigatória” embora seja facultado ao juiz dispensar a sua realização “nos processos que devam prosseguir para julgamento”.[7]
Sempre que “o saneador se destine a conhecer total ou parcialmente do mérito da causa”… segundo o art. 591.º, n.º 1, alínea b), do CPC, antes terá sido convocada a audiência prévia para o contraditório das questões que podem ser apreciadas no despacho-saneador, por não poder o juiz conhecer do mérito da causa e dispensar a audiência prévia. No âmbito do CPC, sem a audiência prévia não se poderá conhecer do mérito da causa no despacho-saneador, o que se extrai da interpretação dos arts. 591.º, n.º 1, alínea b), e 593.º, n.º 1”.[8]
“O juiz não pode julgar de mérito no despacho saneador sem primeiro facultar a discussão, em audiência prévia, entre as partes… o juiz não pode dispensar a audiência prévia, nomeadamente quando se verifiquem os requisitos da al. b) ou da 2ª parte da alínea c) do artº 591º n.º 1 do CPC”.[9]
“Por princípio, no processo comum de declaração, é obrigatória a realização de audiência prévia” (…) e “sempre que o juiz projete conhecer no despacho saneador de uma exceção perentória ou de algum pedido (independentemente do possível sentido da decisão), deverá convocar audiência prévia para os efeitos do art.º 591º.1.b)”, pois “está em jogo assegurar o exercício do contraditório, na aceção de direito a produzir alegações antes de uma decisão final (artº 3º.3)”[10]
“A realização da audiência prévia é obrigatória sempre que o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa (art. 591.º, n.º 1, al. b), CPC). Nesta hipótese, a audiência prévia destina-se a facultar às partes a discussão de facto e de direito antes do proferimento do saneador-sentença, à semelhança do que acontece com as alegações orais com que termina a fase da audiência final (cf. art. 604.º, n.º 3, al. e), e 5, CPC) e que antecedem o proferimento da sentença final. Esta conclusão é confirmada pelo disposto no art. 592.º, n.º 1, al. b), CPC: a audiência prévia não se realiza quando o processo haja de findar no despacho saneador pela procedência de uma exceção dilatória, desde que esta já tenha sido debatida nos articulados [o que, atendendo à atual função da réplica (cf. art. 584.º CPC), raramente acontece]. Assim, a contrario sensu, pode concluir-se que a audiência prévia deve realizar-se quando o juiz pretenda conhecer do mérito da causa no despacho saneador, o que se justifica pela referida função da audição prévia das partes.”[11]
“É de toda a conveniência que o juiz não decida o litígio sem um debate prévio no qual os advogados das partes tenham oportunidade de produzir alegações orais, de facto e de direito… (…). “A convocação das partes para a audiência prévia no contexto da al. b) do n.º 1 do artº 591º, é pertinente a vários títulos. Antes de mais, impede que as partes venham a ser confrontadas com uma decisão que, provavelmente, não esperariam fosse já proferida, isto é, evita-se uma decisão-surpresa (art.º 3º 3). Depois, são acautelados os casos em que a anunciada intenção de conhecimento imediato do mérito da causa derive de alguma precipitação do juiz, tanto mais que não é frequente a possibilidade de, sem a produção de prova, ser proferida já uma decisão final. Desse modo, a discussão entre as partes tanto poderá confirmar como infirmar a existência de condições para o tal conhecimento imediato do mérito (…). Por outro lado, sabendo as partes que, no caso de o juiz pretender decidir o mérito da causa logo no despacho saneador, serão convocadas para uma discussão adequada, não terão de preocupar-se em utilizar os articulados para logo produzirem alegações completas sobre a vertente jurídica da questão. A solução consagrada permite, portanto, que os articulados mantenham a sua vocação essencial (exposição dos fundamentos da ação e da defesa), ao mesmo tempo que garante a discussão subsequente, se necessária, em diligência própria.”[12]
Por isso, mesmo para quem defenda, ao abrigo da gestão processual que é facultada pela lei ao Juiz, a possibilidade deste, em qualquer das situações, designadamente do conhecimento imediato do mérito da causa, dispensar a realização de audiência prévia, tal dispensa está sempre dependente do prévio prevenir das partes de “forma fundamentada, sobre a solução do litígio, o que implica a enunciação das questões a solucionar e a sua comunicação às partes” para que possam “influenciar o juiz na discussão do mérito da causa”[13]
Também a jurisprudência dos nossos tribunais vai no sentido da impossibilidade de dispensa da audiência prévia quando se pretenda conhecer imediatamente do pedido. Admitindo alguma jurisprudência que a dispensa possa ter lugar no âmbito da gestão processual que incumbe ao juiz fazer do processo, impondo, no entanto, a consulta prévia das partes, a fim de garantir, por essa via, o exercício do contraditório, quer sobre a gestão processual, quer sobre a discussão do mérito da causa.
“Quando a ação houver de prosseguir (i. é., não deva findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória que já tenha sido debatida nos articulados) e o juiz pretenda decidir de imediato, no todo ou em parte, do mérito da causa (ou apreciar exceção dilatória que não tenha sido debatida nos articulados ou que vá julgar improcedente) deve realizar-se audiência prévia para facultar às partes a discussão de facto e de direito que importe para esse conhecimento.”[14]
“Entendendo o juiz a quo que está em condições de conhecer, no despacho saneador, de exceção dilatória e exceção perentória invocadas, sendo que o conhecimento da exceção perentória de prescrição é um conhecimento de mérito, tem de dar cumprimento ao disposto no art. 591º nº 1 b) do CPC, convocando audiência prévia. Não o fazendo, incorre na nulidade prevista no art. 195º nº 1 do CPC - prática de um ato que a lei não admita, ou seja, dispensar a realização da audiência prévia quando tal dispensa não é viável legalmente, atentas as circunstâncias.”[15]
“Entendendo o juiz, após a fase dos articulados, que os autos contêm os elementos necessários a habilitá-lo a proferir decisão de mérito que ponha termo ao processo, deverá convocar audiência prévia para o fim previsto no artigo 591.º, n.º 1, b), do Código de Processo Civil. A não realização desse ato processual só será consentida no âmbito do exercício do dever de gestão processual, a título de adequação formal, se o juiz entender que a matéria a decidir foi objeto de suficiente debate nos articulados, justificando a dispensa dessa diligência. Sobre o propósito de dispensar a audiência prévia deverá, porém, ouvir as partes, de acordo com o disposto nos artigos 6.º, n.º 1, e 3.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil.”[16]
A lei processual apenas autoriza o juiz a dispensar a audiência prévia nas ações que hajam de prosseguir e, a realizar-se, a audiência prévia só tivesse por objeto as finalidades indicadas nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º. A dispensa da audiência prévia fora destes casos, só é possível por via do mecanismo da adequação formal prevista no artº 547º e 6º do C.P.C. sem prejuízo de a dispensa ser precedida de consulta das partes, por exigência do princípio do contraditório, como decorre do artº 3º, nº 3, do NCPC.”[17]
“Não se verificando nenhuma das situações previstas no art. 592º, e se a ação não houver de prosseguir, nomeadamente por se ir conhecer no despacho saneador do mérito da ação, deve ser convocada audiência prévia para facultar às partes a discussão de facto e de direito [art. 591º, nº 1, al. b)]. A convocação da audiência prévia para o fim previsto no art. 591º, nº 1, al. b), visa assegurar o respeito pelo princípio do contraditório, e, assim, evitar decisões-surpresa (art. 3º, nº 3), pelo que se nos afigura que o juiz só poderá dispensar, nestes casos, a audiência prévia, ao abrigo do disposto nos arts. 6º e 547º, se aquele conhecimento assentar em questão suficientemente debatida nos articulados” e o juiz justifique perante as partes a dispensa da audiência prévia, o princípio da adequação formal e o dever de gestão processual.[18]
“A convocação da audiência prévia para os fins previstos no artigo 591º, nº 1, alínea b), do CPC, nomeadamente quando o juiz tencione conhecer imediatamente do mérito da causa, visa assegurar o respeito pelo princípio do contraditório, evitando assim decisões-surpresa. Só é lícito ao juiz dispensar a audiência prévia, nestes casos, ao abrigo do disposto nos artigos 6º e 547º, do CPC se aquele conhecimento versar sobre questão suficientemente debatida nos articulados.”[19]
No caso em apreço o Julgador a quo, sem antes consultar as partes, limitou-se a singelamente a referir “que se encontram reunidos todos os elementos necessários à decisão, passo à prolação de sentença, assim ao abrigo do disposto no art. 595.º/1, al. b) do NCPC, o que dispensa a realização de audiência prévia, ex vi art. 593.º/1 do mesmo diploma,” tendo de imediato proferido saneador-sentença que conheceu do mérito da causa, julgando improcedentes os embargos de executado.
Não existindo audição prévia das partes em litígio pode afirmar-se que estamos perante uma situação de violação pelo tribunal do dever de consulta tendo sido omitida, pelo Julgador ao decidir de mérito, sem auscultar as partes e não convocar a audiência prévia com vista ao assegurar do contraditório, uma formalidade de cumprimento obrigatório, donde “depara-se-nos uma nulidade processual traduzida na omissão de um ato que a lei prescreve, mas que se comunica ao despacho saneador, de modo que a reação da parte vencida passa pela interposição de recurso da decisão proferida em cujos fundamentos se integre a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d), in fine, do CPC.”[20]
Pois, “o que é nulo não é apenas o processo, mas o saneador-sentença que se pronunciou sobre uma questão de que, sem a audição prévia das partes, não podia conhecer (cf. art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC)” de modo que “a nulidade do processo só se verifica atendendo ao conteúdo do despacho saneador (ou seja, é o conteúdo deste despacho que revela a nulidade processual) e o despacho não seria nulo se tivesse outro conteúdo, isto é, se não tivesse conhecido do mérito da causa (o que mostra que a nulidade não tem apenas a ver com a omissão de um ato, mas também com o conteúdo do despacho).”[21]
Cremos, face ao que dispõe a lei, não é de perfilhar do entendimento que aceita a possibilidade de se dispensar a audiência prévia fazendo uso do mecanismo de gestão processual previsto nos artº 547º e 6º do CPC, uma vez que a simplificação processual ou a adequação formal não pode ir contra normas que refletem determinado ritualismo como obrigatório ou necessário, o qual não se mostra de todo inadequado às especificidades da causa, antes pelo contrário, possibilitando às partes e respetivos mandatários, cara a cara com o juiz, fazerem valer os seus argumentos, quando se pretende “prematuramente” (na perceção de pelo menos uma das partes) pôr fim à causa, julgando da questão de mérito sem um efetivo debate quer relação aos factos a considerar, quer em relação ao direito a aplicar. Mas seja como for, o certo é, que no caso em apreço nem sequer fez uso de tal mecanismo para a dispensa da realização da diligência.
A preterição da aludida formalidade processual que se reputa de essencial, gera para além de nulidade processual a nulidade do saneador-sentença e atenta a influência sobre esta decisão, implica a anulação do processado a fim da tramitação processual regressar ao momento anterior ao despacho que dispensou a realização da audiência prévia, de forma a possibilitar a efetiva audição das partes em sede de audiência de prévia, devendo no despacho que a designar esclarecer, em concreto, os fins a que se destina.
Procede, assim, nos termos enunciados a apelação, sendo de anular a decisão recorrida.
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DECISÂO
Pelo exposto, decide-se, nos termos supra referidos, julgar procedente a apelação e, consequentemente, anular o saneador-sentença devendo no tribunal a quo ser designada a realização da audiência prévia.
Sem custas.

Évora, 10 de maio de 2018
Mata Ribeiro
Sílvio Teixeira de Sousa
Manuel Bargado

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[1] - Consignámos conclusões entre aspas, porque o ilustre mandatário dos recorrentes, sem se dignar seguir a previsão legal (cfr. artº 639º n.º 1 do CPC), limita-se a fazer a quase reprodução (apenas eliminando citações doutrinais ou jurisprudenciais), em quarenta artigos, da matéria explanada nas alegações, sem apresentar umas verdadeiras conclusões tal como a lei prevê, as quais devem ser sintéticas, concisas, claras e precisas - v. Ac. STJ de 06/04/2000 in Sumários, 40º, 25 e Cardona Ferreira in Guia de Recursos em Processo Civil, Coimbra Editora, 3ª edição, 73; Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 124.
[2] - v. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro in Primeiras Notas ao Novo Código Processo Civil, 2013, vol. I, 494.
[3] - Para Miguel Teixeira de Sousa a referência a "nas ações que hajam de prosseguir" deve ser interpretada em conjugação com o disposto no art.º 590.º, n.º 1, CPC, pelo que “as ações que devem prosseguir são aquelas em que a petição inicial não tenha sido indeferida”, assumindo assim posição divergente, relativamente ao sentido da expressão - [cfr. Jurisprudência (250) in https://blogippc.blogspot.pt/].
[4] - v. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro in Primeiras Notas ao Novo Código Processo Civil, 2013, vol. I, 494.
[5] - v. Rui Pinto in Notas ao Código de Processo Civil, 1ª edição, 369.
[6] - v. Francisco Ferreira de Almeida in Direito Processual Civil, vol. I, 2ª edição, 473.
[7] - v. Jorge Pais de Amaral in Direito Processual Civil, 13ª edição, 278.
[8] - v. ANA CELESTE CARVALHO in O regime processual da nova ação administrativa: aproximações e distanciamentos ao CPC, página 22, disponível em http://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/ACC_MA_31528.pdf
[9] - Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 3ª edição, 641 e 650.
[10] - João Correia, Paulo Pimenta e Sérgio Castanheira in Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código e Processo Civil de 2013, 2013, 73 e 77.
[11] - v. Miguel Teixeira de Sousa (Jurisprudência 123) in https://blogippc.blogspot.pt/
[12] - v. Paulo Pimenta in Processo Civil Declarativo, 2014, 230-231.
[13] - v. J.H. Delgado de Carvalho in A dispensa da audiência prévia como medida de gestão processual:para lá dos receios do legislador, disponível em https://blogippc.blogspot.pt/2016/06/a-dispensa-da-audiencia-previa-como.html
[14] - v. Ac. do TRP de 27/09/2017 no processo 136/16.6T8MAI-A.P1 disponível em www.dgsi.pt
[15] - v. ac. do TRL de 19/10/2017 no processo 155421-14.5YIPRT.L1-8 disponível em www.dgsi.pt
[16] - v. Ac. do TRP de 24/09/2015 no processo 128/14.0T8PVZ.P1 disponível em www.dgsi.pt
[17] - v. Ac. do TRL de 08/02/2018 no processo 3054/17.7T8LSB-A.L1-6 disponível em www.dgsi.pt
[18] - v. Ac. do TRL de 05/05/2015 no processo 1386/13.2TBALQ.L1-7 disponível em www.dgsi.pt
[19] - v. Ac. do TRE de 30/06/2016 no processo 309/15.9T8PTG-A.E1 disponível em www.dgsi.pt
[20] - v. Ac. do STJ de 23/06/2016, no processo 1937/15.8T8BCL.S1; Também no mesmo sentido Ac. do STJ de 17/03/2016, no proc. 1129/09.5TBVRL-H.G1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt
[21] - v. Miguel Teixeira de Sousa (Jurisprudência 250) in https://blogippc.blogspot.pt/