Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
182/17.2OLH-A.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO
Data do Acordão: 10/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: No caso de indevidamente ter sido homologado um acto de desistência da instância, ainda assim o fim do processo especial de revitalização efectuado nesses termos impede o devedor de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 182/17.2OLH-A.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central de Comércio – J2
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório:
(…) apresentou processo especial de revitalização com base na sua difícil situação económica e na possibilidade de reestruturação das suas dívidas com a aprovação de um plano de recuperação.
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Por decisão datada de 05/06/2017 foi julgado extinto o processo especial de revitalização. A decisão estriba-se na circunstância de não se mostrar decorrido o prazo de dois anos a que alude o artigo 17º-G, nº 6, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas desde a data do termo do anterior processo especial de revitalização intentado pela devedora.
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A recorrente não se conformou com a referida decisão e as suas alegações contenham as seguintes conclusões[1]:
1 – Conforme consta da referida decisão recorrida, "(...) foi apresentada desistência pela requerente... não deixa tal circunstância de obstar à aplicação do disposto no art. 17º-G, nº 6, do CIRE... E, como é manifesto, tendo em conta aceitação da desistência por sentença proferida a 30-03-2016, tal norma torna impossível a interposição de novo PER pela aqui requerente no prazo de 2 anos.... em função do exposto... determino a extinção da presente lide, por inadmissibilidade legal de início e prossecução da presente forma processual" pela devedora ora recorrente, porquanto no inarrável entender do tribunal "a quo":
2 – No entanto a extinção da presente lide decorreu de uma incorrecta aplicação da lei, nomeadamente do preceituado no artº 17º-G, nº 6, do CIRE.
3 – Sendo pois nula a douta sentença recorrida por força do disposto no artº 195º, nº 1, do C.P.C., face à por demais manifesta influência na decisão da causa.
4 – Nulidade essa que gera a nulidade de todos os termos subsequentes ao despacho de fls. dos autos, por força do disposto no nº 2 do supracitado artigo.
5 – Porquanto,
6 – Foram violados, entre outros, o artigo 195º, nº 3, do Código de Processo Civil ex vi art. 17º do CIRE e artº 17º-G, nº 6, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
7 – O recurso ora apresentado tem na sua génese a sentença da Meritíssima Juiz a quo que declarou encerrado o processo nos termos do art. 17º-G, nº 6, do CIRE, por "inadmissibilidade legal de início e prossecução da presente forma processual".
8 – Entende a recorrente que a Meritíssima Juiz a quo decidiu assente em erro na interpretação e aplicação do art. 17º-G, nº 6, do CIRE uma vez que o prazo de dois anos em que o devedor se encontra impedido de recorrer a novo PER apenas e só se aplica quando:
9 – 17º-G, nº 6, "O termo do processo especial de revitalização efectuado de harmonia com os números anteriores impede o devedor de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos".
10 – Ora conforme decorre da douta decisão recorrida, bem como do documento que aqui se junta com o nº 1 e se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos (requerimento de desistência da instância e declaração anexa),
11 – O processo – PER – que correu seus termos no tribunal recorrido com o nº 1130/15.00T80LH foi extinto porquanto "... julga-se válida a desistência da instância efectuada pela requerente/devedora, em conformidade com o disposto nos artigos 277º, alínea d), 285º, nº 2, 286º, nº 1 e 290º, nº 1, todos do Código de Processo Civil, ex vi artigo 17º do CIRE" (cfr. doc. que aqui se junta com o nº 2 e se dá por reproduzido).
12 – Ora, resulta do supra exposto que a forma como ocorreu o encerramento do processo em apreço, e salvo sempre m.o.c., não é de todo subsumível nos casos previstos no artigo 17º-G, nº 1 a 5, do CIRE.
13 – Atendendo a que as normas constantes do CIRE – lei especial – não importam qualquer interpretação analógica.
14 – Pelo que é, manifestamente, inaplicável ao caso sub judice a proibição estatuída no nº6 do mesmo artigo, podendo a devedora iniciar um novo PER, ainda que não tenham decorrido dois anos desde o encerramento do anterior, atendendo aos precisos termos em que este ocorreu.
15 – Visto o encerramento do PER anterior não ter ocorrido em nenhuma das circunstâncias previstas nos nºs 1 a 5 do artº 17º-G do CIRE mormente das previstas no seu nº 5 que dispõe que "o devedor pode por termo às negociações a todo o tempo, independentemente de qualquer causa, devendo, para o efeito, comunicar tal pretensão ao administrador judicial provisório, a todos os seus credores e ao tribunal, por meio de carta registada, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos números anteriores".
16 – Seria contrariar totalmente, e subverter até, o espírito do legislador aquando a introdução, em 2012, do PER visto que nos termos do art. 17º-A, nº 1, do CIRE, um processo especial e que se destina a permitir a qualquer devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores, de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização económica, facultando-lhe a possibilidade de se manter activo no giro comercial.
17 – Não se deverá nunca esquecer que o PER foi introduzido no nosso ordenamento jurídico em consequência das obrigações assumidas pelo Estado por imposição do Memorando da Troika, uma vez que se afigurava necessário uma maior variedade de instrumentos de reestruturação e rever a lei tributária com vista à remoção de impedimentos à reestruturação voluntária de dívidas, introduzindo uma maior rapidez nos procedimentos judiciais de aprovação de planos de reestruturação.
18 – Deste modo, o espírito do legislador na criação do PER funda-se na possibilidade da reestruturação, sendo certo que é tal princípio que serve de redacção base ao projecto de decreto-lei que visa a alteração do CIRE, em execução da Resolução do Conselho de Ministros nº 46/2016, de 18 de Agosto, nomeadamente a nova redacção do artigo 17º-G.
19 – Trata-se de um processo negocial extrajudicial do devedor com os credores, com a orientação e fiscalização do administrador judicial provisório, tendo como corolário chegarem a acordo com vista à sua revitalização, sendo uma oportunidade para promover a reestruturação da empresa.
20 – Nestes termos, o conjunto das normas reguladoras do PER visa proteger o devedor, evitando um eventual processo de insolvência com todas as consequências nefastas que isso acarretaria para a devedora, bem como para a universalidade de credores.
21 – O PER está consagrado em termos muito flexíveis, embora fixando um determinado procedimento e publicidade, bem como prazos curtos, num processo de natureza urgente, nos termos do art. 17º-A, nº 3, do CIRE, que se pretende de rápida conclusão, tendo em conta, nomeadamente, os efeitos da sua instauração previstos no art. 17º-E do mesmo diploma legal.
22 – Salvo melhor e mais douta opinião, a aprovação de um plano de revitalização, com a manutenção em actividade da devedora, agora em termos de poder recuperar e vir a cumprir as suas obrigações, é, certamente, mais favorável para a sociedade e para os credores, do que a manutenção daquela, mas numa situação económica difícil ou mesmo de insolvência iminente que a levou a requerer o PER.
23 – Assim, se por outro lado, e ainda ressalvado o devido respeito, não se concorda, porquanto a violação de uma norma imperativa consubstancia uma nulidade.
24 – Foram violados, entre outros, o artigo 195º, nº 3, do Código de Processo Civil, ex vi art. 17º do CIRE e art. 17º-G, nº 6, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
25 – Deve por isso ser revogado o douto despacho/sentença proferida, determinando-se que o PER em apreço nos presentes autos prossiga a sua tramitação legal prevista no CIRE, seguindo-se os ulteriores termos até final, o que desde já se requer.
26 – Ao recurso interposto deve ser atribuído efeito suspensivo, tendo em conta que a execução imediata da sentença recorrida causa prejuízo considerável à Recorrente (artigo 647º, nº 4, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 17º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) para o que desde já requer dispensa de prestação de caução, atenta a essência do PER e os seus princípios enformadores.
27 – Pelo exposto, andou assim mal o tribunal a quo.
Nestes Termos, nos melhores de Direito e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e em consequência ser revogada a sentença posta em crise, por outra que determine o prosseguimento do PER em apreço, seguindo-se os ulteriores termos até final, assim se fazendo, Justiça!.
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do NCPC). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito a apurar se na situação em concreto a requerente se encontra impedido de propor novo processo especial de revitalização no prazo de dois anos a contar desde o encerramento do processo anterior.
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III – Factos com interesse para a decisão da causa:
1 – (…) apresentou-se a processo especial de revitalização – processo que correu termos sob o nº 1130/15.0T8OLH no Juízo de Comércio de Olhão (J2) da Comarca de Faro.
2 – No âmbito de tal processo, por sentença datada de 30/03/2016, foi homologada a desistência da instância efectuada pelo requerente.
3 – Em 10/02/2017 foi apresentado novo processo de revitalização e, nessa sequência, foi proferido o despacho agora impugnado.
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IV – Fundamentação:
4.1 – Da nulidade:
Alberto dos Reis refere que existem «dois tipos de sentença viciada: a sentença injusta e a sentença nula. A primeira enferma de erro de julgamento; a segunda enferma de erro de actividade (erro de construção ou formação»[2].
Na concepção de Antunes Varela «não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro de construção do silogismo judiciário»[3].
A nulidade invocada pelo recorrente não é suscitada ao abrigo da disciplina acolhida no artigo 615º do Código de Processo Civil. Antes se trata de uma questão exclusivamente relacionada com o mérito do decidido e assim a questão da invocada nulidade não terá tratamento jurídico autónomo, sendo apreciada em sede de apreciação de erro na interpretação do direito aplicável.
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4.2 – Da extinção do processo especial de revitalização:
O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes, acordo conducente à sua revitalização (artigo 17º-A, nº 1, do Código da insolvência e da Recuperação de Empresas).
A iminência da insolvência caracteriza-se pela ocorrência de circunstâncias que, não tendo ainda conduzido ao incumprimento em condições de poder considerar-se situação de insolvência já actual, com toda a probabilidade a vão determinar a curto prazo, exactamente pela insuficiência do activo líquido e disponível para satisfazer o passivo exigível[4]. Ou, na formulação de Catarina Serra[5], a insolvência iminente é a situação em que o devedor antevê que estará impossibilitado de cumprir as suas obrigações quando elas se vencerem, no futuro próximo.
O processo negocial estabelecido entre o devedor e os seus credores pode concluir-se com a aprovação de um plano de recuperação[6] [7] ou terminar, antecipadamente ou no fim do prazo, sem que o acordo tenha sido alcançado.
O processo negocial pode também ser concluído sem que exista a aprovação do seu plano de recuperação. Tal acontece na hipótese de o devedor ou da maioria dos credores prevista no nº 5 do artigo 17º-F concluírem antecipadamente não ser possível alcançar o acordo, ou quando seja ultrapassado o prazo para as negociações previsto no artigo 17º-D, nº 5[8]. A estas razões, previstas no artigo 17º-G, nº 1[9], acresce ainda a hipótese contemplada no nº 5 do mesmo artigo, que prevê que o devedor pode pôr termo às negociações a todo o tempo, independentemente da causa, desde que comunique tal pretensão ao administrador judicial provisório, a todos os credores e ao tribunal por meio de carta registada. Carvalho Fernandes e João Labareda admitem que a razão da frustração do processo negocial pode ser encontrada na ausência da maioria de votos estabelecida no artigo 17º-F, nº 3[10].
A questão do termo do processo especial de revitalização por homologação de acto de desistência da instância não está textualmente contida na previsão em análise.
Aliás, em sentido contrário, a legislação de insolvência não admite essa possibilidade ao prever que «salvo nos casos de apresentação à insolvência, o requerente da declaração de insolvência pode desistir do pedido ou da instância até ser proferida sentença, sem prejuízo de procedimento criminal» (artigo 21º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
Como afirmam Carvalho Fernandes e João Labareda «o que subjaz à exclusão da desistência por parte do devedor é a ideia de que, envolvendo a apresentação o reconhecimento da situação de insolvência por quem por ela é, prioritariamente, atingido (ex vi dos artigos 28º e 252º, nº 4) é do interesse geral (comum) que se desencadeiem os procedimentos adequados a ultrapassar e resolver o problema, que, decerto, se agravarão, na hipótese contrária»[11].
E é constante a jurisprudência que entende que não é admissível a possibilidade de desistência do pedido ou da instância[12] [13]. Com efeito, o legislador provisionou uma espécie específica de desistência no âmbito do processo especial de revitalização em que o requerente pode pôr termo às negociações a todo o tempo, independentemente de causa, seguindo o procedimento previsto no artigo 17º-G, nº 5, do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa.
Pergunta-se então nesta hipótese se, em caso de erro na homologação da desistência da instância, o devedor está impedido de voltar a recorrer ao processo pelo prazo de dois anos, tal como prevê o artigo 17º-G[14] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas para as situações acima relatadas?
Se o processo erradamente se extinguir por desistência da instância promovida pelo apresentante à insolvência deve entender-se que as consequências são idênticas às que decorrem da conclusão sobre a impossibilidade de acordo e, logo, às do esgotamento do prazo das negociações sem acordo[15].
Na verdade, a limitação impressa no nº 6 do artigo 17º-G visa acautelar um quadro de uso abusivo ou injustificado de recurso ao processo de especial de revitalização e com isso impedir que o processo especial de revitalização e os seus efeitos especiais de compressão dos direitos dos credores sejam instrumentalizados através do recurso sistemático e indevido a este procedimento especial.
A este propósito, Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis[16] afirmam que «se o recurso ao PER não fosse limitado, o devedor poderia, em conluio com um credor, apresentar sucessivos processos especiais de revitalização e dessa forma impedindo que os credores exercessem os seus direitos contra si. É justamente o que pode suceder se o plano de recuperação for aprovado mas depois não for homologado pelo tribunal». Por isso, advogamos que o nº 6 do artigo 17°-G terá de ser interpretado extensivamente, por forma a incluir o caso em que o processo de revitalização precedente é declarado extinto por desistência da instância.
De outro modo, a interpretar-se o nº 6 do artigo 17º-G do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas como excluindo da proibição do recurso a um novo processo especial de revitalização pelo prazo de dois anos, o caso de o devedor utilizar a figura processual da desistência da instância prevista no Código de Processo Civil, é permitir defraudar aquela proibição legal, encontrando-se por essa via, o meio para o devedor instaurar e fazer cessar sucessivos processos especiais de revitalização, sem se sujeitar àquela limitação temporal e assim conseguir obstar à instauração de acções para cobrança de dívidas e obter a suspensão das acções em curso com idêntica finalidade ao abrigo do artigo 17º-E, nº 1, do citado diploma[17] [18].
Neste horizonte, para além da clareza da proibição legal, importa ainda aceder aos objectivos presentes no acto de desistência, quando se afirma que «não estando reunidas as condições para levar por diante o presente PER, nomeadamente quanto ao prazo necessário para ultimar a elaboração do plano na negociação com os credores e submissão à respectiva aprovação do mesmo». Com isto, o acto ilegal de desistência serviu para instrumentalizar o objectivo de não declaração de extinção do procedimento de revitalização por decurso do prazo peremptório legal das negociações, sem que tivesse sido aprovado um plano de recuperação.
Desta maneira não merece censura a argumentação inscrita no acto postulativo recorrido quando assevera que «tendo em conta a aceitação da desistência por sentença proferida em 30-3-2016, tal norma torna impossível a interposição de novo PER pela aqui requerente no prazo de 2 anos.
Tal prazo de 2 anos não decorreu ainda integralmente, o que, não permitindo o início deste processo especial de revitalização (o que, por lapso, não foi previamente considerado), não permite igualmente a sua prossecução».
Em síntese, no caso de indevidamente ter sido homologado um acto de desistência da instância, ainda assim o fim do processo especial de revitalização efectuado nesses termos impede o devedor de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos
E não se invoque a natureza especial do regime da insolvência, dado que, ao invés daquilo que é dito nas alegações, em primeiro lugar não estamos perante uma norma de natureza excepcional e, depois, mesmo que estivesse errada esta primeira premissa, este é um domínio hermenêutico onde é admitida a interpretação extensiva, face à regra estabelecida pelo artigo 11º[19] do Código Civil.
Neste quadro factual e jurídico a decisão impugnada por via recursal mostra-se acertada e, assim, a mesma é confirmada, julgando-se o recurso improcedente.
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V – Sumário:
1 – O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas proíbe a desistência do pedido ou da instância por parte do requerente do processo especial de revitalização de empresas, apenas a admitindo uma forma paralela de extinção da instância ao abrigo da disciplina inscrita no nº 5 do artigo 17º-G.
2 – A limitação impressa no nº 6 do artigo 17º-G visa acautelar um quadro de uso abusivo ou injustificado de recurso ao processo de especial de revitalização e com isso impedir que o processo especial de revitalização e os seus efeitos especiais de compressão dos direitos dos credores sejam instrumentalizados através do recurso sistemático e indevido a este procedimento especial.
3 – No caso de indevidamente ter sido homologado um acto de desistência da instância, ainda assim o fim do processo especial de revitalização efectuado nesses termos impede o devedor de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos.
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente, tendo em atenção o disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
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Processei e revi.
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Évora, 12/10/2017
José Manuel Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel de Matos Peixoto Imaginário

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[1] O recorrente deve terminar as suas alegações de recurso com conclusões sintéticas (onde indicará os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida). Essas conclusões devem ser idóneas para delimitar de forma clara, inteligível e concludente o objecto do recurso, permitindo apreender as questões de facto ou de direito que o recorrente pretende suscitar na impugnação que deduz e que o tribunal superior cumpre solucionar.
No presente caso apenas não se determina a correcção do articulado de recurso face à urgência do processo e à circunstância de ter sido atribuído efeito suspensivo ao recurso interposto, dado que o convite para sintetizar as alegações prolongaria desnecessariamente o tempo da lide. Adianta-se ainda que existe uma linha jurisprudencial que entende que a introdução de conclusões com o mesmo teor das alegações corresponde a um quadro de falta de alegações, que implica a rejeição do recurso.
[2] Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, Coimbra 1984, pág. 122.
[3] Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra 1985, pág. 686.
[4] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa 2015, pág. 87.
[5] Revitalização – a designação e o misterioso objecto designado. O Processo Homónimo (PER) e as suas ligações com a Insolvência (situação e processo) e com o SIREVE, in I Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra 2013, pág. 91.
[6] Parte das normas em causa foram alterada pelo Decreto-Lei nº 79/2017, de 30/06 e são de aplicação imediata.
[7] Artigo 17º-F (Conclusão das negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização da empresa):
1 - Até ao último dia do prazo de negociações a empresa deposita no tribunal a versão final do plano de revitalização, acompanhada de todos os elementos previstos no artigo 195.º, aplicável com as devidas adaptações, sendo de imediato publicada no portal Citius a indicação do depósito.
2 - No prazo de cinco dias subsequente à publicação, qualquer credor pode alegar nos autos o que tiver por conveniente quanto ao plano depositado pela empresa, designadamente circunstâncias susceptíveis de levar à não homologação do mesmo, dispondo a empresa de cinco dias após o termo do primeiro prazo para, querendo, alterar o plano em conformidade, e, nesse caso, depositar a nova versão nos termos previstos no número anterior.
3 - Findo o prazo previsto no número anterior é publicado no portal Citius anúncio advertindo da junção ou não junção de nova versão do plano, correndo desde a publicação referida o prazo de votação de 10 dias, no decurso do qual qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215.º e 216.º, com as devidas adaptações.
4 - Concluindo-se a votação com a aprovação unânime de plano de recuperação conducente à revitalização da empresa, em que intervenham todos os seus credores, este é de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa do mesmo pelo juiz, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, produzindo tal plano de recuperação, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos.
5 - Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o plano de recuperação que:
a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os nºs 3 e 4 do artigo 17.º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou
b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.
6 - A votação efectua-se por escrito, aplicando-se-lhe o disposto no artigo 211.º, com as necessárias adaptações, e sendo os votos remetidos ao administrador judicial provisório, que os abre em conjunto com a empresa e elabora um documento com o resultado da votação, que remete de imediato ao tribunal.
7 - O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à recepção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 194.º a 197.º, no n.º 1 do artigo 198.º e nos artigos 200.º a 202.º, 215.º e 216.º
8 - Caso o juiz não homologue o acordo aplica-se o disposto nos nºs 2 a 4, 6 e 7 do artigo 17.º-G.
9 - Sendo proferida decisão de não homologação, é aplicável ao recurso que venha a ser interposto dessa decisão o disposto no n.º 3 do artigo 40.º, com as devidas adaptações, caso o parecer do administrador venha a ser de que a empresa se encontra em situação de insolvência.
10 - A decisão de homologação vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 4 do artigo 17.º-C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal.
11 - Compete à empresa suportar as custas do processo de homologação.
12 - É aplicável ao plano de recuperação o disposto no n.º 1 do artigo 218.º
13 - É aplicável o disposto no n.º 6 do artigo seguinte, contando-se o prazo de dois anos da decisão prevista no n.º 7 do presente artigo, excepto se a empresa demonstrar, no respectivo requerimento inicial, que executou integralmente o plano ou que o requerimento de novo processo especial de revitalização é motivado por factores alheios ao próprio plano e a alteração superveniente é alheia à empresa.
[8] Artigo 17º-D (tramitação subsequente)
1 - Logo que seja notificada do despacho a que se refere o n.º 4 do artigo anterior, a empresa comunica, de imediato e por meio de carta registada, a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração mencionada no n.º 1 do mesmo preceito, que deu início a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso e informando que a documentação a que se refere o n.º 1 do artigo 24.º e a proposta de plano se encontram patentes na secretaria do tribunal, para consulta.
2 - Qualquer credor dispõe de 20 dias contados da publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo anterior para reclamar créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao administrador judicial provisório, que, no prazo de cinco dias, elabora uma lista provisória de créditos.
3 - A lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas.
4 - Não sendo impugnada, a lista provisória de créditos converte-se de imediato em lista definitiva.
5 - Findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e a empresa, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius.
6 - Durante as negociações a empresa presta toda a informação pertinente aos seus credores e ao administrador judicial provisório que haja sido nomeado para que as mesmas se possam realizar de forma transparente e equitativa, devendo manter sempre actualizada e completa a informação facultada ao administrador judicial provisório e aos credores.
7 - Os credores que decidam participar nas negociações em curso declaram-no à empresa por carta registada, podendo fazê-lo durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, sendo tais declarações juntas ao processo.
8 - As negociações encetadas entre a empresa e os seus credores regem-se pelos termos convencionados entre todos os intervenientes ou, na falta de acordo, pelas regras definidas pelo administrador judicial provisório nomeado, nelas podendo participar os peritos que cada um dos intervenientes considerar oportuno, cabendo a cada qual suportar os custos dos peritos que haja contratado, se o contrário não resultar expressamente do plano de recuperação que venha a ser aprovado.
9 - O administrador judicial provisório participa nas negociações, orientando e fiscalizando o decurso dos trabalhos e a sua regularidade, e deve assegurar que as partes não adoptam expedientes dilatórios, inúteis ou, em geral, prejudiciais à boa marcha daquelas.
10 - Durante as negociações os intervenientes devem actuar de acordo com os princípios orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, de 25 de Outubro.
11 - A empresa, bem como os seus administradores de direito ou de facto, no caso de aquela ser uma pessoa colectiva, são solidária e civilmente responsáveis pelos prejuízos causados aos seus credores em virtude de falta ou incorrecção das comunicações ou informações a estes prestadas, correndo autonomamente ao presente processo a acção intentada para apurar as aludidas responsabilidades.
[9] Artigo 17º-G (Conclusão do processo negocial sem a aprovação de plano de recuperação):
1 - Caso a empresa ou a maioria dos credores prevista no n.º 5 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no nº5 do artigo 17.º-D, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios electrónicos e publicá-lo no portal Citius.
2 - Nos casos em que a empresa ainda não se encontre em situação de insolvência, o encerramento do processo especial de revitalização acarreta a extinção de todos os seus efeitos.
3 - Estando, porém, a empresa já em situação de insolvência, o encerramento do processo regulado no presente capítulo acarreta a insolvência da empresa, devendo a mesma ser declarada pelo juiz no prazo de três dias úteis, contados a partir da recepção pelo tribunal da comunicação mencionada no nº 1.
4 - Compete ao administrador judicial provisório na comunicação a que se refere o n.º 1 e mediante a informação de que disponha, após ouvir a empresa e os credores, emitir o seu parecer sobre se aquela se encontra em situação de insolvência e, em caso afirmativo, requerer a respectiva insolvência, aplicando-se o disposto no artigo 28.º, com as necessárias adaptações, e sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência.
5 - A empresa pode pôr termo às negociações a todo o tempo, independentemente de qualquer causa, devendo, para o efeito, comunicar tal pretensão ao administrador judicial provisório, a todos os seus credores e ao tribunal, por meio de carta registada, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos números anteriores.
6 - O termo do processo especial de revitalização efectuado de harmonia com os números anteriores impede a empresa de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos.
7 - Havendo lista definitiva de créditos reclamados, e sendo o processo especial de revitalização convertido em processo de insolvência por aplicação do disposto no nº 4, o prazo de reclamação de créditos previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 36.º destina-se apenas à reclamação de créditos não reclamados nos termos do n.º 2 do artigo 17.º-D.
[10] Obra citada, págs. 175-176.
[11] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa 2015, pág. 175.
[12] No acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07/04/2016, in www.dgsi.pt, pode ler-se que «em Processo Especial de Revitalização, não é admissível a desistência da instância por parte do devedor, nos termos do disposto nos artigos 285º e seguintes do Código de Processo Civil, que, a ser admitida, subtrairia o devedor ao escrutínio da sua situação de solvência imposta pelo mesmo, sendo o meio adequado de pôr fim ao processo por iniciativa do devedor o previsto no n.º 5 do art.º 17.º - G do CIRE».
[13] No mesmo sentido pode ser consultado o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30/03/2017, in www.dgsi.pt.
[14] Artigo 17º-G (Conclusão do processo negocial sem a aprovação de plano de recuperação):
1 - Caso a empresa ou a maioria dos credores prevista no n.º 5 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios electrónicos e publicá-lo no portal Citius.
2 - Nos casos em que a empresa ainda não se encontre em situação de insolvência, o encerramento do processo especial de revitalização acarreta a extinção de todos os seus efeitos.
3 - Estando, porém, a empresa já em situação de insolvência, o encerramento do processo regulado no presente capítulo acarreta a insolvência da empresa, devendo a mesma ser declarada pelo juiz no prazo de três dias úteis, contados a partir da recepção pelo tribunal da comunicação mencionada no n.º 1.
4 - Compete ao administrador judicial provisório na comunicação a que se refere o n.º 1 e mediante a informação de que disponha, após ouvir a empresa e os credores, emitir o seu parecer sobre se aquela se encontra em situação de insolvência e, em caso afirmativo, requerer a respectiva insolvência, aplicando-se o disposto no artigo 28.º, com as necessárias adaptações, e sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência.
5 - A empresa pode pôr termo às negociações a todo o tempo, independentemente de qualquer causa, devendo, para o efeito, comunicar tal pretensão ao administrador judicial provisório, a todos os seus credores e ao tribunal, por meio de carta registada, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos números anteriores.
6 - O termo do processo especial de revitalização efectuado de harmonia com os números anteriores impede a empresa de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos.
7 - Havendo lista definitiva de créditos reclamados, e sendo o processo especial de revitalização convertido em processo de insolvência por aplicação do disposto no n.º 4, o prazo de reclamação de créditos previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 36.º destina-se apenas à reclamação de créditos não reclamados nos termos do n.º 2 do artigo 17.º-D.
[15] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa 2015, pág. 175.
[16] O Processo Especial de Revitalização, Comentários aos artigos 17º-A a 17.º-I do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Coimbra Editora, em nota de rodapé no comentário a esta norma.
[17] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/02/2015, in www.dgsi.pt.
[18] Também o Tribunal da Relação de Guimarães em acórdão datado de 25/06/2015, in www.dgsi.pt, firma posição no sentido de que «atento o disposto no artº 17º-G, do CIRE, não é permitido ao devedor instaurar sucessivos processos de revitalização sem ter que observar o referido período legal de carência, mesmo no caso de desistência da instância, sob pena de estar encontrada a forma ideal daquele fazer paralisar indefinidamente todas as acções judiciais para a cobrança de dívidas, pendentes ou a instaurar, assim como os processos de insolvência anteriormente instaurados».
[19] Artigo 11º (Normas excepcionais):
As normas excepcionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva.