Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1056/10.3TXEVR-P.E1
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: RECURSO PENAL
LIBERDADE CONDICIONAL
Data do Acordão: 07/29/2019
Votação: DECISÃO SINGULAR
Texto Integral: S
Sumário: O processo de adaptação à liberdade condicional vem previsto no artigo 188.º do CEPMPL e do seu regime legal não se extrai a previsão expressa de qualquer recurso para o Tribunal da Relação.
Decisão Texto Integral: RECLAMAÇÃO 1056/10.3TXEVR-P.E1 (ÉVORA – EXECUÇÃO PENAS)


Uma vez notificado do douto despacho proferido em 10 de Julho de 2019 no Juízo de Execução das Penas de Évora (agora a fls. 16 dos autos) – e que lhe havia rejeitado o recurso que tinha interposto do douto despacho proferido a 13 de Junho de 2019 (a fls. 9 dos autos), que indeferira o seu pedido de autorização de ausência do domicílio para o exercício de actividade laboral –, nos presentes autos de liberdade condicional, a correrem termos nesse Juízo, vem o Arguido (…), domiciliado na Avenida do (…), Edifício (…), n.º 3, 3º-B, em Armação de Pêra, apresentar reclamação desse douto despacho, “nos termos do disposto no artigo 405.º do Código de Processo Penal”, por entender que, ao contrário do que aí vem decidido, o recurso deverá ainda ser admitido, por a tal se não opor o regime legal previsto no Código da Execução das Penas, pois que “se é certo que a recorribilidade do despacho em causa não está expressamente prevista na lei, quer no artigo 235º, quer no artigo 188º, do CEPMPL, também é certo que a lei não prevê a sua irrecorribilidade”, sendo que assim “o CEPMPL não veda ao reclamante o recurso da decisão que lhe indefere a autorização para se ausentar do domicílio nos termos da Lei n.º 33/2010, de 02 de Setembro”. E, ademais, sempre “a interpretação das normas constantes dos arts. 235º e 188º do CEPMPL, segundo a qual se entenda que o despacho que indefere a autorização para o arguido se ausentar do domicílio para exercício da actividade laboral não admite recurso, inquina de inconstitucionalidade material as referidas normas, por contenderem com o estatuído nos artigos 18º e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa”. São, pois, termos em que, conclui, se deverá, ainda, vir a deferir a presente Reclamação e a admitir-se o recurso apresentado.
Não foi deduzida qualquer resposta à Reclamação.
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Atendem-se aos seguintes factos e datas:

1) Em 10 de Maio de 2019 foi proferida, no Juízo de Execução das Penas de Évora, douta sentença a conceder ao Arguido, ora Reclamante, (…), então recluído no Estabelecimento Prisional do Linhó, a medida de adaptação à liberdade condicional e a fixar a sua residência na Av. do (…), Edifício (…), n.º 3, 3º-B, em Armação de Pêra, “ficando colocado em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância desde o momento da colocação de tais meios técnicos até 05.02.2020, data em que perfaz os cinco sextos da pena”, nos presentes autos de liberdade condicional a correrem termos nesse Juízo de Execução das Penas (vide o seu teor completo a fls. 3 a 7 verso dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido).
2) Em 13 de Junho de 2019 foi-lhe indeferido um pedido de autorização de ausência do domicílio para o exercício de actividade laboral nos dias de 3.ª-feira a domingo, das 12 às 19 horas (vide fls. 9 dos autos).
3) E em 09 de Julho de 2019 veio o Arguido interpor recurso desse douto despacho, e juntar as correspondentes alegações, conforme ao douto articulado que agora constitui fls. 11 verso a 14 verso dos autos, aqui igualmente dado por reproduzido na íntegra, com a respectiva data de entrada aposta a fls. 15.
4) A 10 de Julho de 2019 foi o recurso rejeitado pelo douto despacho ora objecto desta Reclamação, nos seguintes termos, conforme fls. 16 dos autos:
Ref.ª 398647:
Nos termos do disposto no nº 1 do art.º 235º do CEPMPL são recorríveis as decisões do TEP nos casos expressamente previstos na lei.
O despacho de que pretende o recluso recorrer não se insere em nenhuma das alíneas do n.º 2 do referido artigo 235.º.
Do mesmo modo, as normas que em especial regulam a adaptação à liberdade condicional (artigo 188º do CEPMPL) não preveem a recorribilidade e excluem de forma clara a remissão para o regime dos recursos consagrado no artigo 186º do CEPMPL (como se constata da análise dos nos 6 e 7 do artigo 188º CEPMPL, cuja remissão não contempla o artigo 186º do CEPMPL).
Não estando expressamente prevista a recorribilidade de despacho em causa, não admito o recurso apresentado.
Notifique”.
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Mas a Mm.ª Juíza da 1ª instância tem razão no douto despacho reclamado quando propende pela irrecorribilidade do douto despacho que nega ao arguido o pedido de autorização de ausência do domicílio para o exercício de actividade laboral, no âmbito da execução da medida de adaptação à liberdade condicional que lhe fora aplicada, pois se não enquadra a mesma nos casos previstos para tal no n.º 1 do artigo 235.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL), aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro.

Com efeito, segundo o estatuído nesse normativo legal – que é o que está em causa nesta polémica –, “Das decisões do tribunal de execução das penas cabe recurso para a Relação nos casos expressamente previstos na lei”, sendo que, de acordo com o seu n.º 2, “São ainda recorríveis as seguintes decisões do tribunal de execução das penas: a) Extinção da pena e da medida de segurança privativas da liberdade; b) Concessão, recusa e revogação do cancelamento provisório do registo criminal; c) As proferidas em processo supletivo”.

Naturalmente que a decisão sub judicio não está expressamente excluída pela lei dos casos que admitem recurso – e daí partir o Reclamante para a defesa dessa sua admissibilidade (afinal, utilizando o princípio de que o que não esteja proibido estará permitido).

Mas, se bem vemos a construção do normativo legal em apreço, ele não está feito pela negativa – como está o artigo 399.º do Código de Processo Penal (também invocado pelo Reclamante), no sentido de que “É permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei”.
Já aqui, no presente caso, a situação é legalmente prevista pela positiva: “Das decisões do tribunal da execução de penas cabe recurso para a Relação nos casos expressamente previstos na lei”.
Assim, enquanto no primeiro caso é preciso ir à procura de um normativo legal que exclua o recurso – e, não o encontrando, a decisão é recorrível –, já no segundo caso (que é o que nos ocupa hic et nunc) é preciso ir à procura de um normativo que o preveja – e, não o achando, a decisão passa a ser irrecorrível.
Tal, pois, a técnica que foi utilizada pelo legislador ao fixar os princípios que norteiam o processo penal nesta matéria.

O processo de adaptação à liberdade condicional vem previsto no artigo 188.º do CEPMPL e do seu regime legal não se extrai a previsão expressa de qualquer recurso para o Tribunal da Relação – aliás, seria de todo incongruente que não estivesse previsto recurso da decisão que viesse a pronunciar-se sobre a própria concessão ou rejeição do regime da adaptação à liberdade condicional (como é comummente aceite não ser recorrível – vide o Acórdão da Relação de Coimbra datado de 05-02-2014, in CJ, 2014, tomo I, páginas 62: “É irrecorrível a decisão do TEP que nega ao condenado o pedido de concessão de adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância”) e houvesse, depois, recurso de um incidente, que ocorre justamente dentro desse processo, como é este da autorização para a ausência do domicílio para o exercício de actividade laboral.

E esta interpretação nada tem de inconstitucional – mormente de violação do princípio do acesso aos Tribunais e à Justiça (e do direito ao recurso) –, pois não ficam postos em causa esses direitos, apenas tem de ter-se em consideração que não são usualmente inconstitucionais as regras do processo que se destinam a disciplinar o exercício dos direitos que a Constituição em si prevê e comporta. O direito ao recurso não é absoluto e o legislador pode limitá-lo a situações que o justifiquem e suprimi-lo naquelas em que manifestamente não há necessidade.

São termos em que terá o presente recurso que continuar rejeitado, por ter sido deduzido de forma ilegal, mantendo-se na ordem jurídica o douto despacho reclamado, e que assim considerou, e indeferindo-se a Reclamação.

Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, indefiro a presente Reclamação e confirmo o douto despacho que vem reclamado.
Custas pelo Reclamante (2 UCs).
Registe e notifique.
Évora, 29 de Julho de 2019
Mário João Canelas Brás