Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1951/16.6T8ENT-A.E3
Relator: JOSÉ MANUEL BARATA
Descritores: PRORROGAÇÃO DO PRAZO
CONTINUIDADE DOS PRAZOS PROCESSUAIS
Data do Acordão: 03/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I.- A diferença fundamental ente a prorrogação do prazo processual marcado pela lei (artigo 141.º/1 e 2, do CPC) e o fixado pelo juiz é a de que, neste último, não se exige a concordância da parte contrária na sua fixação nem na sua prorrogação.
II.- Prorrogado o prazo processual fixado pelo juiz fica a haver um único prazo, com a duração da soma desses dois períodos, que corre de acordo com a regra da continuidade prevista no artigo 138.º/1, do Código de Processo Civil.
III.- O tribunal dispõe do poder discricionário (aqui entendido como escolha da melhor solução entre as várias possíveis e não um exercício meramente arbitrário, este ilegal), de decidir em cumprimento do princípio da adequação formal (artigo 547.º do CPC) da cooperação com as partes (artigo 7.º), da gestão, economia e celeridade processual (artigo 6.º), que visam proteger os interesses das partes em igualdade (artigo 4.º) e também fins públicos, constituindo, tais princípios processuais manifestações na lei ordinária do princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, ínsitos no artigo 20.º/4 e 5, da Constituição da República Portuguesa.
IV.- A equidistância e a igualdade substancial das partes, a que alude o artigo 4.º do CPC, não podem ser olvidadas pelo juiz em todos os atos que pratica no processo, cabendo-lhe aplicar as cominações ou sanções processuais que a lei determina, onde se inclui ordenar o desentranhamento do documento junto aos autos fora do prazo inicial somado ao da prorrogação, mais de três dias após o seu termo e sem que se alegue e demonstre justo impedimento.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Procº 1951/16.6T8ENT-A.E3


Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Recorrente: Caixa Geral de Depósitos, S.A.

Recorridos: Quinta do (…) – Sociedade Imobiliária, Lda.,
(…), (…), (…), (…), (…)e (…).

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No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo de Execução do Entroncamento – Juiz 1, no âmbito dos embargos de executado propostos por Quinta do (…) – Sociedade Imobiliária, Lda. e (…), (…), (…), (…), (…) e (…), contra Caixa Geral de Depósitos, S.A., foi proferida decisão que julgou os embargos procedentes nos seguintes termos:
Donde, porque o documento particular dado à execução não vale como título executivo para a execução que corre termos no processo principal, julgo procedente a exceção de inexequibilidade do título executivo e, em consequência, absolvo os embargantes da instância executiva e determino a extinção da execução.
Interposto recurso, pela CGD, S.A., mereceu a seguinte decisão deste Tribunal da Relação:
Delibera-se, pelo exposto, em revogar a decisão recorrida, na parte em que extinguiu a execução por inexequibilidade do título executivo, a qual deverá ser substituída por outra com vista ao aperfeiçoamento do requerimento executivo, nos termos supra preconizados.
Interposto recurso de revista pela Quinta do (…), Lda. e outros, foi decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça o seguinte:
Pelo exposto, decide-se na 1ª Secção do supremo Tribunal, negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.
Remetido os autos à primeira instância para cumprimento do decidido, foi proferido o seguinte despacho:
Tomei conhecimento dos teores dos doutos acórdãos proferidos sob as ref.ªs 6715940 de 21-05-2020 e 10149933 de 08-06-2021.
D.N., incluindo conhecimento à Mma. Juiz prolatora da sentença recorrida e à Sra. Agente de execução.
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Em obediência ao superior e doutamente decidido, convido a exequente/embargada «a indicar todos os pressupostos que, de acordo com o título, concorreram para o seu cálculo (taxas de juro aplicáveis, períodos sobre que incide a contagem dos juros capitalizados e respetiva base de incidência demonstrada com as taxas que justificam o cálculo e outros elementos considerados necessários)».
Prazo: 10 (dez) dias.
Entroncamento, 08-07-2021
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Este despacho foi notificado às partes em 15-07-2021.
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Em 10-09-2021 a Caixa Geral de Depósitos, S.A. requereu o seguinte:
Caixa Geral de Depósitos, S.A., Exequente no processo acima identificado, notificada do Despacho que antecede, vem requerer a V. Exa o prazo adicional de 10 dias, de forma a informar o Tribunal, das taxas de juro aplicáveis, dos períodos sobre os quais incidiram as contagens de juros capitalizados e demais informações e esclarecimentos solicitados.
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Em 13-09-2021 o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
Ref.ª 8007145 de 10-09-2021: Deferida a requerida prorrogação de prazo por 10 (dez) dias.
Entroncamento, 13-09-2021
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Este despacho foi notificado às partes em 14-09-2021.
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Em 28-10-2021, a Caixa Geral de Depósitos juntou requerimento onde descrevia os cálculos que teve em conta para a liquidação da obrigação exequenda, tendo sempre cumprido o que dispõe o artigo 221.º/1, do CPC.
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Em 11-10-2021, a Quinta do (…), Lda. e outros vieram requerer o desentranhamento do requerimento da CGD, S.A. datado de 28-10-2021, por extemporâneo (o prazo havia terminado em 20-10-2021, sendo que o terceiro dia útil se fixou no dia 23), uma vez que havia precludido a possibilidade da prática do ato em causa.
Para além disso, não foi alegado justo impedimento, sendo que o documento junto se refere ao dia 16-09-2021, pelo que não havia impedimento na prática do ato desde esta data.
O que implica a nulidade do ato, nos termos do artigo 195.º/1, do CPC, nulidade de conhecimento oficioso.
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A CGD, S.A. respondeu, em 25-10-2021, alegando que a parte contrária não poderia invocar exceções porque já se esgotaram todos os articulados admissíveis no processo, devendo ser condenada em multa e ordenado o desentranhamento da oposição à junção do documento em cumprimento do ordenado pelo Supremo Tribunal de Justiça.
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O tribunal a quo proferiu então o seguinte despacho:
Na 2.ª parte do despacho proferido sob a ref.ª 87308052 de 08-07-2021 fez-se constar o seguinte:
«Em obediência ao superior e doutamente decidido, convido a exequente/embargada “a indicar todos os pressupostos que, de acordo com o título, concorreram para o seu cálculo (taxas de juro aplicáveis, períodos sobre que incide a contagem dos juros capitalizados e respetiva base de incidência demonstrada com as taxas que justificam o cálculo e outros elementos considerados necessários)”.
Prazo: 10 (dez) dias».
Tal despacho foi notificado à exequente/embargada através do ofício plasmado na ref.ª 87400803 de 15-07-2021, tendo a mesma, sob a ref.ª 8007145 de 10-09-2021, vindo requerer «o prazo adicional de 10 dias, de forma a informar o Tribunal, das taxas de juro aplicáveis, dos períodos sobre os quais incidiram as contagens de juros capitalizados e demais informações e esclarecimentos solicitados».
Pela Ilustre mandatária subscritora desse requerimento foi cumprido o disposto no artigo 221.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Em seguida, no despacho prolatado sob a ref.ª 87692162 de 13-09-2021 foi «[d]eferida a requerida prorrogação de prazo por 10 (dez) dias».
Tal despacho foi notificado a todos os Ilustres mandatários por ofícios datados de 14-09-2021.
Entretanto, sob a ref.ª 8055253 de 28-09-2021, a exequente/embargada veio evidenciar os cálculos que teve em conta para liquidação da obrigação exequenda.
Mais uma vez cumprido o disposto no artigo 221.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, os executados/embargantes reagiram sob a ref.ª 8091153 de 11-10-2021, onde, com base nos fundamentos de facto e de direito que se consideram reproduzidos, entendem dever «o requerimento da Exequente / Embargada, de 28/09/2021, ser desentranhado dos autos, com legais consequências», «[c]onsiderando-se precludida a possibilidade da prática do acto em causa e rejeitando-se, nesta parte, a execução».
Para o caso de assim não se entender, impugnaram expressamente a liquidação vertida na sobredita ref.ª 8055253 de 28-09-2021 e arguiram «a prescrição de qualquer pretensão pecuniária da Exequente sobre os ora Executados, com fundamento no contrato dado à execução, o que se invoca para os devidos efeitos legais».
A exequente/embargada veio exercer contraditório sobre tal requerimento (cfr. ref.ª 8132198 de 25-10-2021), pugnando pelo seu desentranhamento, «prosseguindo os ulteriores termos processuais, cumprindo-se o acórdão proferido pelo STJ», não sem antes alegar que «a parte contrária não poderá processualmente estar a invocar exceções quando as partes já esgotaram todos os articulados admissíveis no processo, devendo a mesma ser condenada em multa, em virtude do uso reprovável do próprio processo executivo».
De novo cumprido o disposto no artigo 221.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, nada mais foi dito.
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Cumpre apreciar e decidir, para o que são suficientes os factos vindos de enunciar.
Em primeiro lugar, refira-se que, tendo presente o disposto nos artigos 138.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e 28.º da Lei n.º 62/2013, de 26/08, o prazo de 10 dias conferido no sobredito despacho a que se reporta a ref.ª 87308052 de 08-07-2021 terminava no dia 10-09-2021, precisamente a data em que foi formulado o pedido de prorrogação plasmado no requerimento com a ref.ª 8007145.
Ora, dispõe o artigo 141.º do Código de Processo Civil, o seguinte:
«1 - O prazo processual marcado pela lei é prorrogável nos casos nela previstos.
2 - Havendo acordo das partes, o prazo é prorrogável por uma vez e por igual período».
Tal como referem os Srs. Conselheiro Abrantes Geraldes, Professor Paulo Pimenta e Desembargador Luís Filipe Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2019 – Reimpressão, página 167), «[é] prazo processual tanto o marcado pela lei como o fixado pelo juiz. O prazo fixado pelo juiz pode ser prorrogado quando tal se justifique, ao passo que o fixado na lei apenas pode sê-lo quando esta o permita, como sucede nos casos previstos nos artigos 569.º, nºs 4 e 5, 586.º e 942.º, n.º 2».
No mesmo sentido se pronuncia o Sr. Professor Marco Carvalho Gonçalves (Prazos Processuais, 2.ª edição, Almedina, 2020, pp. 47 e 194-195), pondo em evidência que, contrariamente ao que sucede com os prazos processuais marcados por lei, no que concerne aos prazos judiciais e aos prazos convencionais, não existe qualquer impedimento quanto à sua prorrogação.
Ainda no mesmo sentido, e ainda que a propósito do similar artigo 147.º do Código de Processo Civil na redação imediatamente anterior à Lei n.º 41/2013, de 26/06, já se havia pronunciado o Sr. Professor Lebre de Freitas ao esclarecer que se manteve «a livre prorrogabilidade, pelo juiz, dos prazos por ele próprio fixados» (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 278).
Como assim, e salvaguardando o devido respeito, não se vislumbra qualquer ilegalidade no despacho prolatado sob a ref.ª 87692162 de 13-09-2021, por intermédio do qual foi «[d]eferida a requerida prorrogação de prazo por 10 (dez) dias».
Assinalaram ainda os executados/embargantes que tal despacho foi proferido sem contraditório prévio.
É verdade, mas uma tal alegação é também, do nosso ponto de vista, incompatível com a subsequente argumentação no sentido de, «sendo deferido o pedido de prorrogação, o prazo primitivo e o prazo adicionado devem contar-se a partir do primitivo prazo e de forma contínua».
Com efeito, a ser assim, caso o tribunal aguardasse o decurso do prazo geral de 10 dias (cfr. artigo 149.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) para exercício do contraditório, correria o risco de apenas se poder pronunciar quanto à requerida prorrogação num momento temporal em que, mesmo a ser deferida, já o prazo adicional acrescido da prorrogação havia decorrido, o que conduziria a um resultado inaceitável do ponto de vista processual.
Ademais, estando em causa, como vimos, uma livre prorrogabilidade pelo juiz de prazo por si mesmo fixado, pode ainda invocar-se a manifesta desnecessidade de fazer operar o contraditório (cfr. artigo 3.º, n.º 3, também do Código de Processo Civil).
Aqui chegados, a questão que em seguida importa enfrentar é a de saber se, como defendem os executados/embargantes, o prazo primitivo e o prazo adicionado devem ser contados de forma contínua.
Antecipando-nos à conclusão, a resposta é positiva.
Na verdade, à luz do já antes mencionado artigo 138.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, «[o] prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes» (sublinhado nosso).
Nesta medida, e acompanhando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-11-2017 (disponível em www.dgsi.pt sob Processo n.º 1050/09.7TBBGC-G1.S1), diríamos que «tendo em conta a apontada natureza contínua da contagem dos prazos, a exigência de a prorrogação ter de ser comunicada dentro do decurso do prazo inicial – pois de outro modo já não haveria prorrogação do prazo, que estaria extinto, nos termos do artigo 139.º, n.º 3, mas apenas poderia haver uma atribuição de novo prazo –, a contagem do prazo terá de ser contínua».
Efetivamente, valem aqui os mesmos argumentos utilizados no que diz respeito à prorrogação voluntária do prazo, a respeito da qual, voltando à lição do Sr. Professor Marco Carvalho Gonçalves (ob. cit., pp. 196-197), também citada pelos executados/embargantes, deve entender-se que, «se o tribunal deferir o pedido de prorrogação do prazo, é irrelevante, para efeitos de contagem do prazo, a data da notificação do despacho que defira tal pedido, apenas se verificando um prolongamento do prazo para a parte praticar o ato em falta. Vale isto por dizer que, sendo deferido o pedido de prorrogação voluntária do prazo, “o prazo primitivo e o prazo adicionado […] devem contar-se a partir do primitivo prazo e por forma contínua”, ou seja, o novo período de prazo começa a correr desde o termo do prazo objeto de prorrogação e não desde a dedução do pedido ou da notificação do despacho judicial que tenha deferido esse pedido».
Revertendo à situação dos autos, já constatámos que o prazo de 10 dias conferido no sobredito despacho a que se reporta a ref.ª 87308052 de 08-07-2021 terminava no dia 10-09-2021, razão por que o prazo adicional de 10 dias decorrente do subsequente despacho prolatado sob a ref.ª 87692162 de 13-09-2021 terminou em 20-09-2021.
Ora, só em 28-09-2021, sob a ref.ª 8055253 e sem alegar qualquer motivo de justo impedimento, veio a exequente/embargada evidenciar os cálculos que teve em conta para liquidação da obrigação exequenda.
Fê-lo, portanto, em momento processual em que já havia precludido essa possibilidade, assistindo, por isso, inteira razão aos executados/embargantes, com o que, para além de não se justificar, como é evidente, a condenação destes em qualquer multa processual, fica prejudicado o conhecimento do demais invocado, sendo certo que relativamente à arguida prescrição ela é totalmente intempestiva, pois a sede própria para o efeito era a petição inicial de oposição à execução.
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Na defluência de todo o conspecto fáctico-jurídico vindo de enunciar, decido julgar intempestivo o requerimento junto pela exequente/embargada “Caixa Geral de Depósitos, S.A.” sob a ref.ª 8055253 de 28-09-2021 e, em consequência, precludida a possibilidade, que lhe havia sido conferida em obediência ao decidido nos dois doutos Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora e do Supremo Tribunal e Justiça proferidos nos autos, de os embargos prosseguirem para liquidação da obrigação de juros depois de convidada a «indicar todos os pressupostos que, de acordo com o título, concorreram para o seu cálculo (taxas de juro aplicáveis, períodos sobre que incide a contagem dos juros capitalizados e respetiva base de incidência demonstrada com as taxas que justificam o cálculo e outros elementos considerados necessários)».
Notifique.
Entroncamento, 25-11-2021
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Não se conformando com o decidido, Caixa Geral de Depósitos, S.A. recorreu da decisão, formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608.º/2, 609.º, 635.º/4, 639.º e 663.º/2, do Código de Processo Civil:
A) Considerando os fundamentos invocados no despacho recorrido, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação do direito aplicável em relação à matéria controvertida.
B) O Tribunal a quo atua em clara contradição na sua argumentação impedindo a Recorrente de justificar os valores colocados em sede de liquidação da obrigação exequenda, mas aceitando a argumentação invocada pelos Recorridos, mesmo após se ter esgotado o prazo legal para o exercício do direito ao contraditório.
C) Igualmente, o Tribunal a quo foi mais além do que se lhe pedia, prejudicando efetivamente a Recorrente, à qual não permitiu a resposta do requerimento apresentado, mas acaba por admitir a argumentação dos Recorrentes, os quais se pronunciaram extemporaneamente.
D) O teor do despacho recorrido mostra-se, ainda, completamente contrário às recentes decisões do Tribunal da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça, o qual se limita a negar a exequibilidade do título junto pela Recorrente no que respeita aos juros vencidos, facto já assente pelas decisões em como a Recorrente teria legitimidade em prosseguir a execução pelos juros peticionados.
E) Acresce que o acórdão anterior do Tribunal da Relação de Évora sustentou que “Mostrando-se líquida a obrigação exequenda, na parte em que se reporta ao capital, pode ser executada imediatamente, prosseguindo os embargos para liquidação dos juros”.
F) Pelo que o Tribunal de 1.ª instância estava vedado a indeferir a pretensão da Recorrente quanto aos juros, de acordo com a vertente positiva do caso julgado (cfr. artigos 580.º e 581.º do CPC).
G) O despacho recorrido pretendeu apenas legitimar a argumentação e a tese sustentadaaquandodasentençaproferidapela1.ªinstância,emvezdeprocurar alcançar a justa composição do litígio, através da admissão de requerimento a explicar os cálculos efetuados.
H) Neste sentido, o Tribunal a quo, em obediência ao princípio de boa gestão processual e cooperação (cfr. artigos 6.º e 7.º do CPC), deveria ter admitido a junção do requerimento da Recorrente a justificar a liquidação da obrigação em sede de ação executiva, condenando a mesma em multa.
I) Por outro lado, considerando a superveniência do documento junto com o requerimento de resposta, e tendo em conta que o mesmo é essencial à descoberta da verdade material e à justa composição do litígio, deveria o Tribunal de 1.ª instância ter admitido a junção do documento aos autos, nos termos dos artigos 6.º, 7.º e 424.º do CPC.
J) Ao invés, o Tribunal a quo, à revelia do que já tinha sido decidido pelos Tribunais superiores, pretendeu justificar a sentença de 1.ª instância anteriormente proferida e absteve-se de apreciar a nova prova com relevância direta na questão, bem como o requerimento a enquadrar os cálculos traduzidos na ação executiva.
K) Ora, salvo o devido respeito, não poderá a Apelante conformar-se com o despacho proferido, uma vez que não comina na correta apreciação dos factos já dados como provados e na valoração da prova junta aos autos, verificando-se uma violação do princípio da boa gestão processual e cooperação, traduzidos, igualmente, no excesso de pronúncia pelo tribunal de 1.º instância quanto a fatos dados como assentes pelos Tribunais superiores.
L) Deve, em consequência, o despacho proferido pelo Tribunal de 1.ª instância ser considerado nulo, porquanto foi proferido em clara violação dos já citados preceitos legais, devendo ser admitido o requerimento enviado no dia 28-09-2021, bem como a junção do documento de suporte aos cálculos efetuados por ser essencial à descoberta da verdade material e justa composição do litígio.
Nestes termos e nos demais de direito vem a Apelante requerer a V. Exas. se dignem dar provimento ao presente recurso e, consequentemente, seja revogado o despacho recorrido.
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Os recorridos contra-alegaram, concluindo:
1. A Recorrente havia, até 20/09/2021, que dar cumprimento ao que fora determinado pelas instâncias de recurso e, assim, executado pelo Tribunal a quo.
2. Não o tendo feito num dos três dias úteis seguintes ou posteriormente, mediante a invocação e comprovação de justo impedimento, constata-se que o requerimento entrado nos autos em 28/09/2021 é manifestamente intempestivo.
3. Não valendo qualquer dos fundamentos recursivos invocados pela Recorrente.
4. Ignorando, desde logo, os princípios da legalidade, de igualdade de armas, dispositivo e de autorresponsabilidade das Partes.
5. Tentando contornar ou retirar interpretação desajustada do que dispõem os artigos 138.º e seguintes, 149.º, 255.º, ambos do CPC e artigo 279.º do CC e demais preceitos por si invocados.
6. O despacho que conheceu da intempestividade do seu requerimento e decretou a preclusão da possibilidade que lhe havia sido conferida, não merece, por essa via, qualquer censura.
7. Sob pena de subversão completa dos direitos, deveres e trâmites processuais.
8. Conforme nota o último aresto referenciado supra, do Supremo Tribunal de Justiça, no caso de a exequente não aceder a tal convite e não suprir o vício (é que) deverá ser decretada a extinção da execução.
9. Devendo, com efeito, improceder o recurso, com legais consequências.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o recurso ser julgado totalmente improcedente, com legais consequências.
Realizando assim Justiça.
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Foram dispensados os vistos.
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As questões que importa decidir são as de saber:
1.- Se a prorrogação do prazo, que havia sido concedido pelo tribunal, tem como efeito suspender ou interromper o prazo inicial ou se deve considerar-se contínuo ao prazo fixado.
2.- Se o despacho recorrido é nulo por violação do princípio da boa gestão processual e cooperação, bem como por excesso de pronúncia.
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A matéria de facto a considerar é a que resulta do relatório inicial.
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Conhecendo.
1.- Se a prorrogação do prazo, que havia sido concedido pelo tribunal, tem como efeito suspender ou interromper o prazo inicial ou se deve considerar-se contínuo ao prazo fixado.
Prazo é o lapso de tempo dentro do qual deve ser praticado um ato, exercido um direito, produzido um efeito jurídico ou cumprida uma obrigação e pode ser estabelecido pelas partes, fixado pela lei ou pelo juiz.
Como ensina Anselmo de Castro, DPC Declaratório, Vol. III, 1982, página 48, “os prazos funcionam como garantia do interesse público, na medida em que servem a celeridade da decisão dos litígios, e do interesse particular, assegurando às partes o tempo necessário para a afirmação e defesa dos seus direitos.”
Podem ainda ser dilatórios ou perentórios, se diferem para um momento futuro a possibilidade da prática do ato ou o início da contagem de um outro prazo (artigo 139.º/1 e 2, do CPC) ou se o seu decurso extingue o direito de praticar o ato (artigo 139.º/1 e 3, do Código de Processo Civil).
Os atos podem ser praticados fora do prazo se for alegado e verificado justo impedimento, ou se, nos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, for paga uma multa (artigo 139.º/4 e 5, do Código de Processo Civil).
Por outro lado, estabelece o artigo 138.º/1, do CPC que o prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes.
A regra da continuidade dos prazos encontra também acolhimento no que dispõe o artigo 142.º do CPC, ao estipular que, quando um prazo perentório se seguir a um prazo dilatório, os dois prazos contam-se como um só.
No caso dos autos, o tribunal a quo fixou dois prazos processuais de 10 dias.
Um primeiro para a prática de um ato (aperfeiçoamento do requerimento executivo como ordenado pelo STJ) e o segundo, a requerimento da parte, como prorrogação do primeiro.
O ato veio a ser praticado, mas, no entendimento das contrapartes, fora do período de 20 dias concedido e sem que tenha sido alegado justo impedimento; e também fora dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, pelo que também não poderia ser praticado mesmo com o pagamento de multa.
As contrapartes, ora recorridas, requereram, por isso, o desentranhamento do documento junto fora de prazo, por preclusão do direito, tese que teve acolhimento pelo tribunal a quo.
Quid iuris?
O despacho que convidou a recorrente a aperfeiçoar o requerimento executivo foi notificado em 15-07-2021, tendo sido concedido o prazo de 10 dias para a prática do ato, pelo que se iniciou em 01-09-2021, em face do período de férias judiciais.
No último dia do prazo, 10-09-2021, a recorrente veio pedir a sua prorrogação, o que foi concedido por mais 10 dias.
Tendo em conta que o prazo é contínuo, como acima referido, o ato poderia ser praticado até ao dia 20-09-2021.
Ora, o ato veio a ser praticado apenas em 28-09-2021, o que significa já terem decorridos os três dias em que o poderia ser mediante o pagamento de multa e não foi alegado justo impedimento, como acima referido.
O que vale por dizer que, tratando-se sem margem para dúvidas de um prazo perentório – final, extintivo ou resolutivo –, o direito a praticar o ato precludiu por aplicação do regime legal acima descrito.
No entendimento do referido mestre, ob. cit. pág. 50, “A fixação (legal ou judicial) dos prazos peremptórios funciona como instrumento de que a lei se serve em ordem a levar as partes a exercer os poderes-ónus de que são titulares segundo um determinado ritmo. De facto, tais prazos, na medida em que o seu transcurso implica a impossibilidade de praticar o acto, exercem uma acentuada pressão psicológica sobre o sujeito, titular do poder-ónus, uma vez que este, para evitar a caducidade de tal poder, terá de adoptar um determinado comportamento processual e, consequentemente, praticar o acto dentro dos limites de tempo que lhe são assinalados”.
A diferença fundamental ente a prorrogação do prazo processual marcado pela lei (artigo 141.º/1 e 2, do CPC) e o fixado pelo juiz é a de que, neste último, não se exige a concordância da parte contrária na sua fixação nem na sua prorrogação.
Mas a equidistância e a igualdade substancial das partes, a que alude o artigo 4.º do CPC, não podem ser olvidadas pelo juiz em todos os atos que pratica no processo, cabendo-lhe aplicar as cominações ou sanções processuais que a lei determina, como aconteceu no caso presente.
Com efeito, o tribunal dispõe do poder discricionário (aqui entendido como a escolha da melhor solução entre as várias possíveis e não um exercício meramente arbitrário, este ilegal), de decidir em cumprimento do princípio da adequação formal, (artigo 547.º CPC) da cooperação com as partes (artigo 7.º), da gestão, economia e celeridade processual (artigo 6.º) que visam proteger os interesses da partes em igualdade (artigo 4.º) e também fins públicos, constituindo, tais princípios processuais, manifestações na lei ordinária do princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, ínsitos no artigo 20.º/4 e 5, da CRP – Quanto ao recorte destes princípios, cfr. J. Pereira Batista, Reforma do Processo Civil, Princípios Fundamentais, Lex, 1997, páginas 65, 70, 77 e 82.
É aqui que se inscreve a atuação do tribunal a quo ao fixar um prazo, aliás o legal (artigo 149.º), para a prática do ato e concedeu a prorrogação desse prazo por igual período.
A conclusão a que chegámos torna inútil a apreciação das restantes questões, uma vez que o decidido demonstra, ao invés do alegado pela recorrente, que foram observados os princípios da boa gestão processual e cooperação (artigos 6.º e 7.º do CPC), e não sofre de nulidade por excesso de pronúncia (artigo 615.º/1, d), segunda parte, do CPC).
A nulidade por excesso de pronúncia pode verificar-se por duas vias:
- Decisão para além do pedido e
- Decisão sem que os autos contenham todos os elementos para uma decisão conscienciosa.
Ora, no caso dos autos, nenhuma destas circunstâncias se verifica, uma vez que a matéria do recurso não se prende com o fundo da causa, mas sim com uma questão processual.
Assim sendo, o despacho recorrido não merece censura, devendo manter-se.
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No mesmo sentido, Acórdão do TRE de 06-05-2020, Vítor Sequinho, Processo n.º 1884/19.4T8EVR-A.E1, coletivo onde interveio o ora relator:
Ainda que o prazo para o réu contestar seja prorrogado nos termos dos artigos 141.º, n.º 1 e 569.º, n.º 5, do CPC, continua a existir um único prazo, que deve ser contado nos termos estabelecidos no artigo 138.º, n.º 1, do mesmo Código.
Acórdão do TRG de 07-02-2019, José Manuel Flores, Processo n.º 7153/15.1T8GMR-C.G1:
- Prorrogado o prazo legal, fica a haver um único prazo, com a duração da soma desses dois períodos, que corre nos termos de acordo com a regra da continuidade, prevista no artigo 138.º, n.º 1, do Código de Processo Civil;
- A prorrogação inicia-se desde o termo daquele prazo original e não do despacho que a venha a considerar verificada;
- Essa interpretação das normas citadas, em que assenta a decisão que rejeita a prorrogação, probatoriamente insustentada e extemporânea, de prazo formulado pela Recorrente, não consubstancia violação do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Acórdão do TRE de 25-01-2007, Processo n.º 2651/06-2:
I – Constatado que o Advogado subscritor do articulado não tem procuração nos autos e notificada a parte identificada e o Advogado para a juntar e ratificar o processado, fixando prazo para o efeito, não tendo sido dado cumprimento ao ordenado, é dado sem efeito todo o processado praticado pelo Advogado e este condenado nas custas.
II – Prazo dilatório é o que difere para certo momento a possibilidade da realização de um acto ou o início da contagem de um outro prazo.
III – Prazo peremptório é aquele de cujo decurso resulta a extinção do direito de praticar o acto.
E o Acórdão do TRP de 15-03-2010, Processo n.º 1368/08.6TBMCN-A.P1:
I- Os novos períodos de tempo resultantes de prorrogações de prazos fixados pelo juiz, correm seguidamente ao período anterior, a partir do termo inicialmente fixado, não dependendo, por isso, o seu início da notificação do despacho prorrogativo.
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Sumário:
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DECISÃO.
Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga a apelação improcedente e confirma a decisão recorrida.
Custas pela recorrente – artigo 527.º do CPC.
Notifique.
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Évora, 10-03-2022
José Manuel Lopes Barata (relator)
Conceição Ferreira
Emília Ramos Costa