Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2999/16.6T8STR.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: DESPEDIMENTO SEM JUSTA CAUSA
RETRIBUIÇÕES INTERCALARES
REINTEGRAÇÃO DE TRABALHADOR
PRESTAÇÕES DEVIDAS
Data do Acordão: 02/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
i) a partir da data em que o trabalhador despedido ilicitamente é reintegrado pela empregadora, cessa a situação antijurídica geradora de danos provocados por aquele e a relação laboral retoma a sua normalidade, ficando as partes a partir daí sujeitas aos direitos e deveres decorrentes do contrato de trabalho.
ii) provando-se que a empregadora reintegrou o trabalhador a partir de certa data, que este aceitou, mas que não se apresentou ao serviço conforme havia prometido, cessa a partir desta data a conduta ilícita da empregadora e a causa dos danos decorrentes do despedimento ilícito.
iii) as prestações devidas após a reintegração serão as que decorrerem das obrigações assumidas por ambas as partes através do contrato de trabalho e não já as derivadas do despedimento ilícito (sumário elaborado pelo relator).
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Apelante: Segurança, SA (ré).
Apelado: PP..., (autor).

Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo do Trabalho de Santarém, J2.

1. O A. veio intentar ação declarativa emergente de contrato de trabalho, com processo comum contra a ré pedindo (i) seja declarado ilícito o despedimento do autor e seja a ré condenada a reintegrar o autor e a pagar as retribuições vencidas, no valor de € 641,93 (seiscentos e quarenta e um euros e noventa e três cêntimos) e vincendas até trânsito em julgado da decisão; (ii) a pagar a quantia de € 1 925,79 (mil novecentos e vinte e cinco euros e setenta e nove cêntimos) referente a proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal vencidos e os que se vencerem; (iii) a pagar a quantia de € 1 121,61 (mil, cento e vinte e um euros e sessenta e um cêntimos) referente ao salário e trabalho noturno do mês de dezembro de 2015 e subsídio de Natal do ano de 2015; (iv) a pagar a quantia de € 1 595,80 (mil quinhentos e noventa e cinco euros e oitenta cêntimos) a título de trabalho suplementar, trabalho noturno, descanso compensatório, trabalho realizado em dias de folga e feriados e subsídio de alimentação; (v) juros de mora sobre os valores supramencionados, à taxa legal em vigor, desde a data do vencimento de cada uma das prestações até efetivo e integral pagamento.
Alega, em síntese, que foi admitido ao serviço da ré mediante contrato de trabalho a termo certo com início em 26 de novembro de 2014 e término em 30 de novembro de 2016, para desempenhar as funções de vigilante, mediante o salário base mensal de € 641,93 e subsídio de refeição e que em 23 de novembro de 2015 a ré deixou de atribuir colocação ao autor, pelo que comunicou à ré a suspensão do contrato de trabalho em 18 de janeiro de 2016 por falta de pagamento da retribuição do mês de dezembro de 2015.
Mais alega que a ré comunicou ao autor o termo do contrato em 21 de dezembro de 2015, pelo que se impõe concluir que o contrato se renovou, passando a sem termo, tanto mais que o motivo invocado para aposição do termo não existia, configurando o despedimento do autor um verdadeiro despedimento ilícito.
Alega, ainda, que a ré declarou à Segurança Social o salário e trabalho noturno do mês de dezembro de 2015 e subsídio de Natal do ano de 2015, mas não pagou as referidas quantias ao autor e que o autor prestou, no cumprimento de ordens, instruções e prévia determinação da ré trabalho noturno, trabalho suplementar diurno e noturno, trabalho em dia feriado e de descanso semanal, quer no período normal diurno quer no período normal noturno e trabalho suplementar diurno em dia feriado e de descanso semanal, conforme as escalas que a ré lhe fixava, mas que a ré não pagou o acréscimo devido.
Realizou-se audiência de partes, não tendo sido possível obter a respetiva conciliação.
Notificada, a ré aceitou o pedido de reintegração do autor, reconhecendo que o despedimento do autor foi ilícito.
Excecionou a ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir, porquanto o autor não alega quais os factos concretos em que baseia o pedido de pagamento do trabalho suplementar, nomeadamente, o valor hora, o dia, o respetivo horário de trabalho e as horas efetivamente realizadas a esse título.
Mais impugnou parte da factualidade alegada, esclarecendo que o horário de trabalho do autor era flexível, distribuído pelos dias da semana de acordo com o mapa de horário de trabalho a definir pela ré, podendo, assim, o trabalhador ultrapassar os limites convencionais, desde que seja cumprida a média num período de referência, sendo que, nos termos do IRCT aplicável, no período de referência aplicável de 6 meses, o autor não prestou trabalho suplementar nos termos alegados na petição inicial, sendo que todo o trabalho suplementar prestado pelo autor na vigência do contrato foi pago ao autor no mês seguinte à efetiva prestação de trabalho.
No que concerne ao pagamento do trabalho em dia feriado a ré alegou que sempre pagou todo trabalho prestado a esse título, conforme expresso nos recibos de vencimento, sendo que esse trabalho acarreta um acréscimo de 50% em substituição do descanso compensatório, porquanto dia feriado não é dia de descanso semanal obrigatório.
Mais alega que o autor duplica o pedido de subsídio de Natal do ano de 2015 e que o pedido de condenação dos proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal não é admissível, uma vez que o autor alega que o contrato não cessou, a que acresce o facto de a ré ter disponibilizado os referidos proporcionais, que o autor não levantou por que não se deslocou à sede para acerto final de contas, pelo que a ré não se encontra em mora.
Por último, alega que o autor intentou a presente ação mais de 30 dias após o invocado despedimento e que é beneficiário do subsídio de desemprego.
Conclui pela absolvição da instância em face da ineptidão da petição inicial e, se assim não se entender, pela improcedência parcial do pedido.
O autor respondeu às exceções invocadas pela ré, pugnando pela sua improcedência e esclarecendo que não peticiona o pagamento dos proporcionais devidos pela cessação do contrato, mas os salários que a ré não pagou a autor, cabendo à ré entregar à Segurança Social os valores que o autor está a auferir por via da suspensão do contrato de trabalho.
Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial, e despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, o qual não mereceu reclamações.
Realizou-se audiência de julgamento como consta da ata.
De seguida, foi proferida sentença que proferiu a seguinte decisão:
Pelo exposto, decide-se julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:
a) Declara-se a ilicitude do despedimento do A. e consequentemente decide-se:
b) Condenar a entidade empregadora a reintegrar o trabalhador PP..., no seu posto de trabalho;
c) Condenar a ré a pagar ao autor:
c.1. - As retribuições devidas desde 21/10/2016 até trânsito em julgado da presente sentença, e que até 21/02/2018, se contabiliza em € 10 270,88 (dez mil, duzentos e setenta euros e oitenta e oito cêntimos), incluindo subsídio de férias e de Natal vencidos desde 21/10/2016 e vincendos até trânsito em julgado da presente sentença, que até esta data se contabilizam no valor de € 1 283,86, devendo ser deduzidas as quantias que o autor tenha recebido a título de subsídio de desemprego, que a ré deverá entregar à segurança social;
c.2. - A quantia de € 1 121,61 (mil, cento e vinte e um euros e sessenta e um cêntimos) referente à retribuição e subsídio de refeição do mês de dezembro de 2015, trabalho noturno e subsídio de Natal do ano de 2015;
c.3. - Os juros de mora à taxa legal de 4% desde a data do vencimento de cada uma das parcelas até integral pagamento.
d) Absolver a ré do demais peticionado pelo autor.
Condena-se a ré no pagamento das custas da ação, na proporção do respetivo decaimento, sendo que o autor está isento do respetivo pagamento.

2. Inconformada, veio a ré interpor recurso de apelação que motivou, com as conclusões que se transcrevem:
a. O presente recurso e o seu tema têm, como objeto parte da matéria de facto e uma questão de direito da sentença proferida nos presentes autos, mais precisamente a aplicação da norma jurídica que consagra a compensação ao trabalhador quando declara a ilicitude do despedimento promovido pela entidade empregadora;
b. Da prova produzida e valorada no geral não resultam como provados factos que o tribunal deveria ter dado como provados, uma vez que decorrem inequivocamente da prestação da prova testemunhal e sobretudo indiciária;
c. No essencial os factos dados como provados tiveram como fundamento a prova documental junta aos autos com os articulados e ainda os depoimentos das testemunhas arroladas pelo autor e pela ré;
d. No que respeita à prova testemunhal arrolada pela recorrente na sua contestação o douto Tribunal fez tábua rasa A expressão “tábua rasa”, vai, desnecessariamente, para além da divergência salutar e viola o dever de urbanidade consagrado na lei, nomeadamente no Estatuto da Ordem dos Advogados. Discordar, mas dentro dos limites da humildade democrática., desconsiderando por completo o depoimento da testemunha RR..., ;
e. O Tribunal ad quo apenas considerou como provado:
Por carta datada de 14 de fevereiro de 2017 a ré comunicou ao autor que deveria apresentar na sua sede para formalizar o respetivo processo de reintegração – art.º 35.º da matéria dada como provada;
f. Tal convicção assentou apenas na prova documental sem valoração à prova testemunhal arrolada pela ré, ora apelante;
g. Acontece que o Tribunal recorrido entendeu, erroneamente, dar unicamente como provado este facto, com fundamento apenas na prova documental apesar da diferente posição e declaração assumida pela testemunha RR....
h. O depoimento, em especial a parte com relevância ficou gravado, com o nome “20171016114418_2685206_2871710”, minuto 03m50, com início Gravação 16-10-2017 10:56;
i. Afirmou a aludida testemunha que de facto esteve presente numa reunião com o autor, acompanhado pelo Sr. RT..., [representante sindical STAD] e ilustre mandatária VS..., advogada do autor, no período da manhã e na sede da empresa, ora apelante [Largo do Movimento das Forças Armadas, Alfragide];
j. Esclareceu ainda a testemunha que no âmbito dessa reunião foi dado fardamento ao autor, que no próprio dia foi trocado – foi dado fardamento novo;
k. Disse por fim a testemunha que desde a data da reunião que o A. nunca se apresentou ao serviço da recorrente, ora apelante., não obstante o A. ter assumido que se iria apresentar no cliente/local de trabalho: IBEROL Alhandra;
“não houve manifestação nenhuma [de oposição], quis saber os pormenores todos: nome morada, essas coisas todas, (…) IBEROL Alhandra.”;
“nesse em que tiveram presentes as pessoas referidas, o sr. PP... transmitiu-lhe que se iria apresentar. “exatamente.”
“E apresentou-se?” -> mandatário apelante
“não.”;
l. Deste modo, e salvo melhor opinião, o que deveria ter resultado provado, era que o facto 35.a) “No seguimento da aceitação da reintegração o A. e a R. reuniram-se na sede desta, em data posterior a 14.02.2017, tendo a R. atribuído local de trabalho ao A.”
O facto 35.b) “O A. não se apresentou ao serviço da R. no Cliente IBEROL Alhandra, após a aceitação de reintegração [data posterior a 14.02.2017], após ter sido acordado.”;
m. A ré ...SA nunca recusou receber e integrar o autor para prestar funções;
n. Dispõe o art.º 607.º n.º 4 do CPC que na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provado, analisando criticamente as provas, (…) especificando os demais fundamentos que foram decisivos para sua convicção;
o. O que efetivamente não foi realizado pelo douto Tribunal quanto a estes factos em apreço, pelo que padece de nulidade a decisão judicial neste segmento, nos termos do artigo 615.º n.º 1, al. b), do CPC;
p. De acordo com o exposto e levando em conta a alteração da matéria factual ou, pelo menos, a precisão da mesma, a decisão jurídica sobre a condenação da recorrente no pagamento das retribuições intercalares desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão deverá ser alterada, para uma melhor aplicação da norma jurídica;
q. O Tribunal ad quo considerou que a em função da declaração da ilicitude assumida pela ré deve esta ser condenada no pagamento das retribuições vencidas e vincendas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença;
r. O Tribunal ad quo fez uma interpretação literal do preceito normativo presente no art.º 390.º do Código do Trabalho;
s. Não valorando que a ilicitude foi reconhecida em momento anterior à prolação da sentença agora objeto de recurso nem tampouco a aceitação da reintegração do autor pela recorrente;
t. Deveria o Tribunal ad quo ter considerado que às retribuições vencidas e vincendas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado, devem ser descontadas as que se venceram desde fevereiro de 2017, período em que o posto de trabalho ficou inteiramente à disposição do autor, que o recusou, não se apresentando ao trabalho, contrariamente aquilo que declarou junto do representante da recorrente, do representante sindical e da sua mandatária;
u. De facto, o pagamento das retribuições que o autor não auferiu desde fevereiro de 2017 até à presente data não pode ser imputado à recorrente, na medida em que a causa efetiva advém da conduta do recorrido, que recusou perentoriamente o exercício das funções que lhe estão contratualmente atribuídas e, consequentemente, não está a recorrente contratualmente obrigada a assegurar a respetiva contraprestação;
v. À semelhança da declaração de dedução nas retribuições intercalares – retribuições que se venceram desde a data do despedimento até aos trinta dias anteriores à propositura da presente ação – também as retribuições por ausência de prestação de trabalho, por sua vontade exclusiva recorrente, que aceitou a reintegração e não se apresentou ao trabalho, devem, igualmente, ser deduzidas nas retribuições intercalares;
w. A ilicitude foi reconhecida pela apelante em fevereiro de 2017, e a reintegração do apelado foi aceite nessa mesma data;
x. O autor, ora apelado, não se apresentou ao trabalho, assumindo de forma inequívoca e perentória que não tinha vontade de ser reintegrado e ainda assim o Tribunal ad quo considerou que a recorrente é responsável pelo pagamento das retribuições intercalares desde o despedimento até à presente data.
y. A recorrente só é responsável pelo pagamento das retribuições vencidas até fevereiro de 2017.

3. Não foi apresentada resposta.

4. O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, pelo que deve ser mantida a sentença recorrida.
O parecer foi notificado às partes, que nada disseram.

5. Em conferência, cumpre apreciar e decidir.

6. Objeto do recurso

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
As questões a decidir são as seguintes:
1.ª – A nulidade da sentença
2.ª – Reapreciação da prova
3.ª – A retribuição após fevereiro de 2017

II - FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida considerou provada a matéria de facto seguinte:
1. A ré é uma empresa que se dedica à prestação de serviços de vigilância.
2. O autor é associado do STAD – Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades diversas.
3. Mediante escrito particular datado de 25 de novembro de 2014 ao qual designaram “contrato de trabalho a termo certo”, autor, na qualidade de Segundo Outorgante, e ré, na qualidade de Primeira Outorgante, acordaram que o autor era admitido ao serviço da ré para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de vigilante, com início no dia 26 de novembro de 2014 e cessação automática no dia 30 de novembro de 2015, não sendo renovado.
4. O autor e a ré acordaram que o salário base mensal do autor era de € 641,93, acrescido de subsídio de refeição pago através de Ticket Restaurante.
5. O motivo justificativo consignado no escrito referido em 3 para a contratação do autor foi “(…) O contrato é celebrado pelo prazo estabelecido na cláusula 2.ª, ao abrigo da alínea f) do art.º 140.º do Código do Trabalho, e justifica-se devido ao acréscimo excecional da atividade da empresa, para fazer face ao contrato de prestação de serviços celebrado entre a M..., SIL..., SUG..., DGL..., ASSOCIAÇÃO ..., SANTA CASA..., RAD..., cujo prazo de duração é até 30 de novembro de 2015.”.
6. Na cláusula quarta do escrito referido ficou acordado que a remuneração mensal base era de € 641,93 e o subsídio de refeição, quando devido, será pago através de Ticket Restaurant.
7. Na cláusula quinta do escrito ficou consignado que “O período normal de trabalho semanal é de 40 horas, de acordo com o mapa de horário a estabelecer. O período normal de trabalho diário poderá sofrer um aumento até quatro horas por dia, no máximo de quatro dias de trabalho por semana, distribuído pelos dias da semana de acordo com o mapa de horário de trabalho a definir pelo 1.º Outorgante. A distribuição diária do período normal de trabalho poderá ser livremente alterada pelo 1.º Outorgante”.
8. E na cláusula Sexta do escrito referido em 3 ficou consignado que “O local de trabalho será M..., SIL..., SUG..., DHL..., ASSOCIAÇÃO ..., HIP..., SANTA CASA ..., RAD..., ”.
9. No cumprimento de ordens e instruções da ré, o autor trabalhou nos clientes daquela, R...Pegões, Sug..., LS..., e CCoat.., no Carregado.
10. Por carta datada de 11 de novembro de 2015, rececionada pelo autor em 19 de novembro de 2015 a ré solicitou ao autor a entrega do Certificado de Registo Criminal para “(…) atualização anual dos elementos e ficheiro individual, (…)”.
11. O autor enviou à ré, em 23 de novembro de 2015, o Certificado de Registo Criminal referido em 10.
12. A ré enviou, ao autor, em 16 de dezembro de 2015, modelo 5044 – Declaração de situação de desemprego alegando “Fim do contrato a termo” em “30/11/2015”.
13. Por carta datada de 17 de dezembro de 2015, a ré comunicou a autor a “Retificação do último dia de contrato”.
14. Na carta referida em 13 a ré informa autor que “(…) Queira considerar a carta de 25.11.2015 sem efeito e considerar a nova data.
Como é do seu conhecimento, o Contrato mantido com esta Empresa termina a 21.12.2015 (…)”.
15. O autor não recebeu a carta de 25 de novembro de 2015 referida em 14.
16. A ré processava as variáveis retributivas respeitantes ao trabalho suplementar, trabalho em dia feriado e trabalho noturno, no mês seguinte à sua efetivação.
17. No mês de dezembro de 2014, a ré pagou ao autor, relativamente ao trabalho prestado no mês de novembro de 2014, o montante € 96,29 de salário base e € 17,07 de subsídio de alimentação e, relativamente ao trabalho prestado no mês de dezembro de 2014, o montante € 641,93 de salário base, € 53,49 de subsídio de Natal, e € 142,25 de subsídio de alimentação.
18. No mês de janeiro de 2015 a ré pagou ao autor:
- € 641,93 de salário base do mês de janeiro/2015;
- € 106,02 referente a 114 horas noturnas a 25% do mês de dezembro/2014;
- € 176,39 de subsídio de alimentação de janeiro/2015;
- € 29,60 de 16 horas de trabalho prestado em dia feriado em dezembro/2014;
- € 499,96 de trabalho suplementar de dezembro/2014;
19. No mês de fevereiro de 2015 a ré pagou ao autor:
- € 641,93 de salário base do mês de fevereiro/2015;
- € 54,87 referente a 59 horas de trabalho noturno a 25% do mês de janeiro/2015;
- € 113,80 de subsídio de alimentação de fevereiro/2015;
- € 14,80 de 8 horas de trabalho prestado em dia feriado em janeiro/2015;
- € 29,14 de trabalho suplementar de janeiro/2015;
- descontou € 45,52 de subsídio de alimentação de janeiro/2015.
20. No mês de março de 2015 a ré pagou ao autor:
- € 641,93 de salário base do mês de março/2015;
- 57,66 referente a 62 horas de trabalho noturno a 25% do mês de fevereiro/2015;
- € 5,69 de subsídio de alimentação de fevereiro/2015;
- € 130,87 de subsídio de alimentação de março/2015;
- € 82,33 de trabalho suplementar de fevereiro/2015.
21. No mês de abril de 2015, a ré pagou ao autor.
- € 641,93 de salário base do mês de abril/2015;
- € 9,63 de salário base do mês de março/2015;
- € 74,26 referente a 79 horas de trabalho noturno a 25% de março/2015;
- € 651,56 de subsídio de férias;
- € 26,25 de trabalho suplementar a 40% referente a março/2015.
22. No mês de maio de 2015, a ré pagou ao autor:
- € 651,56 de salário base do mês de maio/2015;
- € 30,08 referente a 32 horas de trabalho noturno a 25% de abril/2015;
- € 138,48 de subsídio de alimentação do mês de maio/2015;
- € 26,25 de trabalho suplementar a 40% do mês de abril/2015.
- Descontou a quantia de € 75,01 de subsídio de alimentação do mês de abril/2015.
23. No mês de junho de 2015 a ré pagou ao autor:
- € 651,56 de salário base do mês de junho/2015;
- € 126,94 de subsídio de alimentação do mês de junho/2015;
- € 15,04 de 8,00 horas de trabalho prestado em dia feriado em abril/2015;
- € 89,25 referente a trabalho suplementar de maio/2015;
- Descontou a quantia de € 57,70 de subsídio de alimentação do mês de maio/2015.
24. No mês de julho de 2015 a ré pagou ao autor:
- € 651,56 de salário base do mês de julho/2015;
- € 65,80 referente a 70 horas de trabalho noturno a 25% do mês junho/2015;
- € 132,71 de subsídio de alimentação do mês de julho/2015;
- € 15,04 de 8,00 horas de trabalho prestado em dia feriado em junho/2015.
25. No mês de agosto de 2015 a ré pagou ao autor
- € 651,56 de salário base do mês de agosto/2015;
- € 121,26 referente a 129 horas de trabalho noturno a 25% do mês julho/2015;
- € 126,94 de subsídio de alimentação do mês de agosto/2015;
- Descontou a quantia de € 5,77 de subsídio de alimentação do mês de julho/2015.
26. No mês de setembro de 2015 a ré pagou ao autor:
- € 651,56 de salário base de setembro/2015;
- € 118,44 referente a 126 horas de trabalho noturno do mês de agosto;
- € 64,97 de trabalho suplementar do mês de agosto/2015;
- € 126,94 de subsídio de alimentação do mês de setembro/2015;
- € 5,77 de subsídio de alimentação do mês de agosto/2015.
27. No mês de outubro de 2015, a ré pagou ao autor o montante de € 651,56 de salário base, € 61,10 de trabalho noturno.
28. No mês de novembro de 2015 a ré pagou ao autor o montante de € 649,68 de salário base.
29. O pagamento dos salários era efetuado por transferência bancária.
30. A ré emitiu recibo referente a € 424,93 a título de vencimento do mês de dezembro de 2015, € 651,56 a título de subsídio de Natal e € 45,12 de trabalho noturno prestado.
31. A ré declarou à Segurança Social as quantias referidas em 30.
32. A ré não efetuou a transferência bancária das quantias referidas em 30 para a conta do autor.
33. O autor intentou a presente ação em 20 de novembro de 2016.
34. O autor beneficiou do subsídio de desemprego de 22 de março de 2016 a 13 de fevereiro de 2017.
35. Por carta datada de 14 de fevereiro de 2017 a ré comunicou ao autor que deveria apresentar-se na sua sede para formalizar o respetivo processo de reintegração.
36. A partir de 14 de fevereiro de 2017 o autor encontra-se a descontar para a Segurança Social através da ré.

B) APRECIAÇÃO

As questões a decidir neste recurso são as que já elencamos.

B1) A nulidade da sentença

Prescreve ao art.º 77.º n.º 1 do CPT que a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.
No caso dos autos, a apelante veio arguir a nulidade da sentença decorrente de não ter conhecido de determinados factos que pretende agora que sejam reapreciados.
Invoca a nulidade apenas nas alegações e não em separado no requerimento de interposição de recurso.
Assim, face ao disposto no artigo 77.º n.º 1 do CPT, não tendo a apelante ré cumprido com o aí prescrito, não pode este tribunal de recurso conhecer da nulidade da sentença arguida pela apelante, pelo que não é apreciada enquanto tal, sem prejuízo da reapreciação da prova.

B2) Reapreciação da prova

A apelante pretende que se deem como provados os factos seguintes:
35.a) “No seguimento da aceitação da reintegração o A. e a R. reuniram-se na sede desta, em data posterior a 14.02.2017, tendo a R. atribuído local de trabalho ao A.”
O facto 35.b) “O A. não se apresentou ao serviço da R. no Cliente IBEROL Alhandra, após a aceitação de reintegração [data posterior a 14.02.2017], após ter sido acordado.”.
Na sentença foi dado como provado no ponto 35 que: “Por carta datada de 14 de fevereiro de 2017 a ré comunicou ao autor que deveria apresentar-se na sua sede para formalizar o respetivo processo de reintegração”.
A apelante invoca o depoimento da testemunha RB... em sintonia com o documento que esteve na base da prova do facto dado como provado em 35.
A testemunha é gestor operacional da ré e conhece o autor por ser funcionário desta. A testemunha como gestor operacional, gere equipas, os vigilantes, os clientes, em termos de validar os horários e os termos dos contratos que têm com os clientes, a fim de serem cumpridos.
Conhecia os locais onde o autor trabalhou.
Esteve presente na reunião para a qual o autor foi convocado. Recebeu pessoalmente o A. e os outros dois elementos, na sala de reuniões da ré, não se lembrando bem do dia, mas foi de manhã. Foi dado a conhecer ao A. o local onde devia ir trabalhar e foi-lhe dado o fardamento para o trabalho e tratados todos os pormenores para se apresentar na Iberol em Alhandra, tendo o A. dito que aceitava e que se apresentava no dia seguinte ao trabalho, mas não se apresentou nem justificou a razão pela qual não o fez.
O A. nunca mais se apresentou para trabalhar.
Durante a instância da mandatária do A. ficou a perceber-se que o A. não se apresentaria ao serviço até que a ré fizesse acerto de contas com a segurança social por causa dos descontos.
Resulta inequivocamente do depoimento da testemunha e da forma como a instância foi conduzida pela mandatária do A., que este efetivamente não se apresentou ao serviço, apesar da ré ter aceite a sua reintegração e indicado um posto de trabalho.
Assim, é evidente que devem ser dados como provados os factos tal como é requerido pela apelante. São não só o corolário lógico do facto dado como provado no ponto 35, como resultam do depoimento da testemunha referida, a qual depôs de forma tão simples, espontânea e clara, que não temos dúvidas quanto à sua realidade.
Nestes termos, acrescentam-se aos factos provados, os seguintes:
35.a) “No seguimento da aceitação da reintegração o A. e a R. reuniram-se na sede desta, em data posterior a 14.02.2017, tendo a R. atribuído local de trabalho ao A.”
O facto 35.b) “O A. não se apresentou ao serviço da R. no Cliente IBEROL Alhandra, após a aceitação de reintegração [data posterior a 14.02.2017], após ter sido acordado.”.
Desta forma, fica definitivamente fixada a matéria de facto assente.

B3) A retribuição após fevereiro de 2017

Está provado que o autor foi reintegrado na ré, a qual lhe comunicou dia e hora para se apresentar a fim de lhe ser distribuído serviço, tendo este comparecido e aceite ser colocado em determinado cliente, mas não só não se apresentou no local onde deveria comparecer para exercer as suas funções de vigilante, como não mais se apresentou na ré, sem qualquer causa justificativa.
O art.º 390.º do CT prescreve que:
1. Sem prejuízo da indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.
2. Às retribuições referidas no número anterior deduzem-se:
a) As importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento;
b) A retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da
propositura da ação, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento;
c) O subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no n.º 1, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social.
Em face dos factos provados, tendo o autor sido reintegrado na empregadora em fevereiro de 2017, é evidente que a partir desta data cessou a crise contratual, uma vez que a relação de trabalho continuou a vigorar em pleno, com deveres e direitos para ambas as partes.
Por causa do despedimento ilícito a ré só tem que pagar as retribuições até ao dia de fevereiro de 2017 em que readmitiu o trabalhador. Os danos a reparar são os que tiverem sido provocados até à data da reintegração, como decorre do art.º 389.º n.º 1 do CT.
A partir da data da reintegração do trabalhador a relação laboral retoma o seu curso normal com as obrigações e direitos inerentes para ambas as partes. Entre esses deveres está a prestação da atividade pelo trabalhador ou a sua disponibilização para o efeito e o pagamento dessa prestação pela empregadora.
Em consequência da ilicitude do despedimento, a empregadora está obrigada a ressarcir o trabalhador dos danos causados pelo mesmo. Cessada a ilicitude decorrente da reintegração do trabalhador, cessam os danos provocados pela ilicitude do despedimento. A partir deste momento a relação laboral fica sujeita às vicissitudes normais, como se não tivesse ocorrido o despedimento e a obrigação de prestar e de pagar está sujeita aos deveres e direitos de cada um.
Em conclusão: até à data da reintegração o empregador está numa situação antijurídica pela qual é responsável e por isso tem de reparar os danos daí advenientes. A partir da reintegração a relação de trabalho retoma a sua normalidade e as vicissitudes que ocorrerem já não são consequência do despedimento ilícito, mas sim do eventual não cumprimento do contrato por ambas ou por uma das partes.
Nesta conformidade, decidimos julgar a apelação procedente, alterar a sentença recorrida na parte impugnada e o ponto c.1 da decisão e, em sua substituição, condenar a ré a pagar ao autor: c.1 - As retribuições devidas desde 21/10/2016 até fevereiro de 2017, incluindo subsídio de férias e de Natal vencidos desde 21/10/2016 até à mesma data, devendo ser deduzidas as quantias que o autor tenha recebido a título de subsídio de desemprego, que a ré deverá entregar à segurança social, bem como as importâncias que o trabalhador tiver auferido no mesmo período com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, tudo a liquidar no incidente da liquidação prévio à execução de sentença.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação procedente, alterar a sentença recorrida na parte impugnada e o ponto c.1 da decisão e, em sua substituição, condenar a ré a pagar ao autor “c.1 - As retribuições devidas desde 21/10/2016 até fevereiro de 2017, incluindo subsídio de férias e de Natal vencidos desde 21/10/2016 até à mesma data, devendo ser deduzidas as quantias que o autor tenha recebido a título de subsídio de desemprego, que a ré deverá entregar à segurança social, bem como as importâncias que o trabalhador tiver auferido no mesmo período com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, tudo a liquidar no incidente da liquidação prévio à execução de sentença”.
Custas pelo autor, sem prejuízo da isenção de que beneficia.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Évora, 14 de fevereiro de 2019.
Relator: Moisés Silva
Mário Branco Coelho
Paula do Paço