Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
173/14.5T8ABF.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS
Data do Acordão: 06/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A Portaria nº 377/2008, de 26/5, alterada pela Portaria 679/2009, de 25/6, veio fixar critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação pelas seguradoras aos lesados por acidente automóveis de propostas razoáveis para indemnização dos danos destes decorrentes, mas não serve de critério de orientação para os tribunais, uma vez que os critérios para a atribuição das respectivas indemnizações são os que decorrem do Código Civil.
Decisão Texto Integral: Proc. nº 173/14.5T8ABF.E1

Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório.
1. (…), casado, residente na Rua (…), Alto dos (…), Albufeira, instaurou contra Seguros (…), S.A., com sede na Rua D. (…), nº (…), (…), Porto, ação declarativa com processo comum.
Alegou, em resumo, que no dia 27 de Março de 2013, o veículo com a matrícula 32-07-(…) entrou em despiste e embateu no veículo com a matrícula 50-15-(…) conduzido pelo A.
Em consequência do embate sofreu uma fratura da rótula do joelho direito, foi transportado ao hospital, foi operado ao joelho, sofreu e sofre dores, tem dificuldade em permanecer de pé mais de uma hora seguida e em levantar cargas e pesos o que o limita no exercício da sua atividade de vendedor de peças de automóveis e durante quatro meses viu-se impossibilitado de trabalhar.
À data do acidente a responsabilidade civil decorrente de danos ocasionados pela circulação do (…) encontrava-se transferida para a Ré e esta pagou-lhe já a quantia de € 4.392,00 a título de indemnização pela perda parcial do veículo (…).
Concluiu pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 29.967,24 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais e nas quantias que se venham a apurar a título de danos patrimoniais futuros ou, em alternativa, na quantia de € 15.000,00, bem como no pagamento dos danos não patrimoniais futuros que fixa em € 10.000,00.
Contestou a Ré por forma a impugnar os danos patrimoniais alegados pelo A. e a considerar excessivos os montantes peticionados a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Concluiu pela improcedência da ação.
O Instituto da Segurança Social, IP-Centro Distrital de Faro, deduziu contra a Ré, pedido de reembolso da quantia de € 913,66 e juros, alegadamente proveniente de prestações de subsídio de doença pagos ao A..

2. Foi proferido despacho que identificou o objeto de litígio e enunciou os temas da prova.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença em cujo dispositivo designadamente se consignou:
“(…) julgo a ação parcialmente procedente, e, em consequência, decido:

a) Condenar a ré SEGUROS (…), S.A., a pagar ao autor (…) a quantia de € 22.435,68 (vinte e dois mil, quatrocentos e trinta e cinco euros e sessenta e oito cêntimos), assim discriminada:

i) € 3.313,98 (três mil e trezentos e treze euros e noventa e oito cêntimos), acrescidos de juros legais contados desde 28 de outubro de 2014 até integral cumprimento;

ii) € 621,70 (seiscentos e vinte um euros e setenta cêntimos) a satisfazer no momento próprio, isto é, no período em que o autor venha a ser sujeito à cirurgia de remoção do material de osteossíntese;

iii) € 5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros), acrescidos de juros legais contados desde o dia seguinte ao da notificação da presente sentença, até integral pagamento;

iv) € 13.000,00 (treze mil euros), acrescidos de juros legais contados desde o dia seguinte ao da notificação da presente sentença, até integral pagamento;

b) Condenar a mesma ré a pagar ao autor as despesas com tratamentos futuros a que há necessidade de recorrer em consequência do acidente descrito nos autos, a saber: cirurgia de remoção do material de osteossíntese e fisioterapia, esta a liquidar.

c) Condenar a ré SEGUROS (…), S.A., a pagar ao INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP – CENTRO DISTRITAL DE FARO a quantia de € 913,56 (novecentos euros e cinquenta e seis euros), acrescida de juros desde 2 de julho de 2015 até integral cumprimento.

No mais, absolvo a ré do pedido.”

3. O recurso.
A Ré recorre da sentença e formula as seguintes conclusões:
“a) Na esteira do sufragado nos pontos 3 a 12 das presentes Alegações, deverá considerar-se, para efeitos de fixação do quantum indemnizatório, a título de dano biológico, a factualidade dada como não provada na Sentença Recorrida, não se extraindo do teor desta, que tal ponderação tenha sido feita pelo Tribunal a quo, nomeadamente, ao não ter considerado que não se provou que as lesões provocadas pelo acidente resultaram na perda do rendimento declarado pelo Recorrido e que da sua atividade pessoal e profissional faz parte a condução de veículos durante várias horas seguidas ou em fila de trânsito, bem como que o Recorrido deixou de praticar desporto, factualidade essa que terá de ser ponderada enquanto atenuante das consequências resultantes do dano biológico ao nível da atividade laboral do lesado/Recorrido

b) Na fixação do mesmo quantum indemnizatório, em cumprimento do disposto no art. 8.º, n.º 3, do Código Civil, o julgador deverá utilizar, como termo de comparação, os valores pecuniários encontrados para o mesmo efeito noutras decisões judicias relativas a casos semelhantes, transitadas em julgado, sem prejuízo das especificidades e particularidades do caso que, concretamente, é submetido à apreciação do tribunal.

c) Efetuada tal comparação, em consonância com o invocado nos pontos 15 a 20 das Alegações, facilmente se constata que o montante da indemnização terá de ser inferior a € 2.857,14.

d) A este propósito, dever-se-á ainda ter em conta o disposto na Portaria 377/2008, de 26 de Maio, parcialmente alterada pela Portaria 679/2009, de 25 de Junho, resultando da aplicação conjugada do disposto no art. 3.º, al. b), da Portaria 377/2008, de 26 de Maio, e do respetivo Anexo I3, que o Recorrido terá direito a uma compensação de montante compreendido entre € 395,01 e € 559,17, como se pugnou nos pontos 21 a 26 das Alegações.

e) Através da conjugação dos argumentos aduzidos nos pontos 27 e 28 das Alegações, somos do entender que será justo e equitativo, a atribuição de uma indemnização ao Recorrido, a título do dano biológico por si sofrido, em quantia superior a € 395,01 e inferior a € 2.587,14, ao invés dos € 5.500,00 em que o Tribunal a quo condenou a Recorrente, devendo, assim, ser a decisão recorrida ser substituída por uma outra que condene a Recorrente em montante correspondente a quantia superior a € 395,01 e inferior a € 2.587,14.

f) A Sentença Recorrida violou o disposto nos art.os 8.º, n.º 3 e 562.º e seguintes, todos do Código Civil.

Termos em que,

Deve a decisão atinente à Matéria de Direito, no que respeita à fixação do quantum indemnizatório no âmbito do dano biológico sofrido pelo Recorrido, ser substituída por uma outra que condene a Recorrente no pagamento de uma indemnização, a esse título, em montante correspondente a quantia superior a € 395,01 e inferior a € 2.587,14”.

Não houve lugar a resposta.

Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II. Objeto do recurso.
Considerando as conclusões da motivação do recurso e sendo estas que delimitam o seu objeto, importa decidir se a componente indemnizatória referente ao dano biológico deve ser fixada entre € 395,01 e € 2.587,00.

III. Fundamentação.
1. Factos.

A decisão recorrida julgou assim os factos:
Factos Provados:
1. Em 27 de Março de 2013, pelas 20H00, (…), aqui autor, foi interveniente num acidente de viação no qual se verificou o embate entre a sua viatura, de matrícula 50-15-(…), e a de matrícula 32-07-(…), conduzido por (…), relativamente à qual a ré “(…)” assumira a responsabilidade de indemnizar terceiros pelos danos que viesse a causar – fls. 20 e 300 (arts. 1.º e 5.º da petição inicial)

2. O “…” ia pela Rua (…), em Albufeira, na direção Pão de (…), derrapou, invadiu a hemifaixa contrária e foi embater no “…” que seguia na respetiva hemifaixa – fls. 20 (art. 2.º da petição inicial)

3. A Ré assumiu a responsabilidade pelas consequências do acidente e, após acordo, pagou ao Autor a quantia global de € 4.392,00, a título de indemnização pela perda parcial do seu veículo 50-15-… – fls. 24 (art. 9.º da petição inicial)

4. Do acidente resultaram ferimentos no Autor, em virtude dos quais foi transportado para o Hospital de Faro, e danos nos veículos intervenientes – fls. 20 (arts. 3.º e 4.º da petição inicial)

5. Após a colisão o Autor foi de imediato transportado e admitido no Serviço de Ortopedia 2 do Hospital de Faro – onde fez Raio X e lhe foi diagnosticado uma fratura cominutiva fechada da patela à direita – fls. 25 (art. 10.º da petição inicial)

6. Em 08 Abril de 2013 foi operado tendo sido submetido a redução aberta e osteossíntese da patela direita com colocação de 2 fios de Kirshner e cerclage em banda de tensão e ainda 1 fio de Kirshner aos fragmentos do polo inferior. Ao autor foi feita a sutura com agrafes e feito um cilindro gessado com abertura de janela para realização de pensos simples. Foi aconselhado a fazer pensos em dias alternados no Centro Saúde da área de residência até retirar os pontos. Retirou pontos no dia 23 de abril – fls. 26 e relatório pericial de fls. 314 (arts. 11.º a 14.º da petição inicial)

7. Ficou internado entre os dias 27 Março e 12 de Abril de 2013 – data em que teve alta hospitalar-, devendo contudo efetuar a marcha com auxílio de canadianas com carga nos membros Inferiores direitos (art. 15.º da petição inicial)

8. Em 7 de Maio de 2013 teve nova consulta na qual lhe foi retirado a tala. O médico notou um empastamento do joelho e atrofia do quadricípite aconselhando-lhe a marcha com carga e fisioterapia para reabilitação da mobilidade, musculação do quadricípite femoral e massagens locais, assim como lhe foi recomendado gelo local duas vezes ao dia e ainda anti- inflamatórios em caso de urgência SOS – fls. 28 (art. 16.º da petição inicial)

9. Após a alta hospitalar, dada em 12 de Abril de 2013, o A. permaneceu no domicílio em repouso e passou a tratamentos e consultas ambulatórios e externos até à data da alta médica em agosto de 2013 locomovendo-se com o auxílio de canadianas e fazendo tratamentos de fisioterapia (art. 30.º da petição inicial)

10. O autor necessitou da ajuda da mulher e de amigos durante os dois primeiros meses após a operação (art. 39.º da petição inicial)

11. O Autor reside em Albufeira, na Urbanização Alto dos (…), e deslocou-se, após o acidente, diversas vezes a Faro, acompanhado, para ser observado pelo seu ortopedista, médico que o operou, ou para realização de exames, nos seguintes dias:

- 7 de Maio de 2013 – fls. 28

- 11 de Junho de 2013 – fls. 30

- 25 de Setembro de 2013 – fls. 33 (arts. 32.º e 37.º da petição inicial) 12. Em 2013, o autor declarou ter tido de rendimentos no ano anterior a quantia de € 15.127,96 – fls. 40 – e quanto ao ano de 2014 consta da nota de liquidação do autor e mulher o rendimento global de € 26.565,93 e o rendimento coletável de € 22.461,93 – fls. 291; o autor declarou ter auferido no ano de 2014 a quantia de € 7.118,18 e no ano de 2013, mais € 18.010,27 – fls. 296 (art. 35.º da petição inicial)

13. Em virtude das lesões sofridas em consequência do embate, de 27 de março a 7 de Maio de 2013, o autor esteve 42 dias incapaz de realizar com autonomia os atos correntes da vida diária, familiar e social, em internamento ou repouso absoluto. Irá necessitar de mais 5 dias de internamento futuro para extração de material de osteossíntese – fls. 316 (art. 41.º da petição inicial)

14. Em virtude das lesões sofridas em consequência do embate, de 8 de Maio a 6 de Julho de 2013, o autor esteve 60 dias sem poder realizar com total autonomia os atos correntes da vida diária, familiar e social. Irá necessitar de mais 10 dias nessas condições após extração de material de osteossíntese – fls. 316 (art. 41.º da petição inicial)

15. No período de 27 de Março a 6 de Julho de 2013, em virtude das lesões sofridas em consequência do embate, o autor sofreu de incapacidade total para a realização de aos da sua atividade profissional supra prevê-se que venha a sofrer de mais 15 dias de incapacidade para o trabalho – fls. 316 (art. 41.º da petição inicial)

16. O Autor é empresário em nome individual no ramo de venda de peças para automóveis novos e usados e comercializa diversos tipos de peças, sendo que algumas das peças pesam mais de 50 kg (arts. 19.º, 20.º e 50.º da petição inicial)

17. Após ter voltado ao trabalho o autor sentiu muitas dificuldades, e ainda hoje sente-se inseguro em manter-se de pé mais de duas horas, em ajoelhar-se, agachar-se e levantar-se, subir e descer escadas sem apoio e no levantamento de cargas e pesos, designadamente com as peças que comercializa, o que deixou de fazer sem o auxílio de outrem (arts. 18.º, 21.º, 22.º, 51.º, 52.º e 66.º da petição inicial)

18. À data do sinistro, com 58 anos, o autor era um homem forte e vigoroso (art. 24.º da petição inicial)

19. As sequelas permitem a realização da atividade profissional pelo autor mas com esforços acrescidos: foi fixada uma incapacidade de 3,96 pontos tendo em conta a Tabela Nacional de Incapacidades e o código Mc0632 Síndromes fémuro-patelares – fls. 318 (arts. 41.º e 42.º da petição inicial)

20. O autor queixa-se de dificuldade moderada na marcha acelerada ou prolongada, dificuldade em pegar peso e dificuldade na mobilização do joelho direito e “inchaço” do mesmo após esforço – cfr. relatório pericial, fls. 315/316. Em consequência das lesões sofridas com o acidente e cuja consolidação médico-legal ocorreu em 6 de Julho de 2013, o autor apresenta marcha claudicante que lhe limita a realização de atividades desportivas e de lazer no grau 2 em 7, cicatriz operatória mediana e vertical com 12 cm sem amiotrofia cujo dano estético foi fixado no grau 2 em 7; dor da face anterior do joelho com sinais rotulianos positivos e sinais de sinovite residual. Existe limitação da flexão nos últimos 130 graus e extensão completa, o que é considerado normal – fls. 316/319 (arts. 26.º, 27.º, 43.º, 48.º, 54.º, 62.º e 63.º da petição inicial)

21. O autor sofreu dores no dia do acidente, no pós-operatório e durante o período de recuperação, continuando a sentir dores que foram situadas no grau 4 em 7 – fls. 319 (arts. 37.º, 45.º a 47.º da petição inicial)

22. No que respeita às dores, o autor pode beneficiar se vier a realizar tratamentos de fisioterapia (art.49.º da petição inicial)

23. Dada a sua idade, o autor terá dificuldade em mudar de profissão (art. 56.º da petição inicial)

24. O autor tem um jardim de que costumava cuidar e após o acidente deixou de o fazer (art. 58.º da petição inicial), o mesmo sucedendo com a horta, devido à dificuldade de movimentação (art. 59.º da petição inicial), necessitando dos serviços de um jardineiro e de amigos que o auxiliam nas tarefas referidas (arts. 59.º e 60.º da petição inicial)

25. Antes do acidente o autor era saudável, alegre, comunicativo, dinâmico e gostava de trabalhar, tratar do jardim e da horta (art. 65.º da petição inicial)

26. O Autor (…) é beneficiário do Centro Distrital de Faro com o n.º … (art. 1.º da petição do “ISS”)

27. Em consequência do acidente o Autor ficou temporariamente incapacitado para o exercício da sua atividade profissional o que determinou que o “ISS” tivesse concedido subsídio de doença ao Autor no montante de € 913,56, respeitante ao período compreendido entre 27/03/2013 a 6/7/2013 – certidão de fls. 140 (arts. 33.º a 36.º da petição inicial e 2.º e 3.º da petição do “ISS”).


2. Direito.
2.1. Se a componente indemnizatória referente ao dano biológico deve ser fixada entre € 395,01 e € 2.587,00.
Para cômputo da indemnização global arbitrada ao A., a decisão recorrida considerou a indemnização parcial de € 5.500,00 para ressarcimento do dano biológico.
O R. defende que esta componente indemnizatória deverá ser fixada entre € 395,01 e € 2.587,00, argumentando que (i) a sentença recorrida deveria ter ponderado e não ponderou a factualidade dada como não provada, (ii) a decisão recorrida não observou o tratamento dado por outras decisões judiciais a casos análogos, (iii) nem observou os critérios valorativos que, para cálculo da indemnização, resultam da Portaria nº 377/2008, de 26/5, parcialmente alterada pela Portaria 679/2009, de 25/6.
Apreciando.
Os factos relevantes para a decisão final da sentença, ou seja, os factos a cumpre aplicar o direito depois da sua identificação e interpretação, são os factos nela discriminados como provados, os factos admitidos por acordo e os factos provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito (artº 607º, nºs 3 e 4, do CPC).
Os factos julgados não provados não se incluem no elenco de factos normativamente relevantes para a decisão final e compreende-se que assim deva ser; esta relevância, a existir, passaria necessariamente por admitir que o juízo não provado corresponde à prova do facto pela negativa (ou pela positiva sendo o facto negativo), assim se explicando, aliás, que o R. defenda que a factualidade não provada – v.g. que as lesões provocadas pelo acidente tenham sido causa da perda de rendimento declarado pelo A. deva “ser ponderada enquanto atenuante das consequências resultantes do dano biológico”, ou seja, dê por admitida a ideia que a falta de prova, pelo A., da perda de rendimento emergente das lesões significa que esta não ocorreu – prova do facto negativo portanto – única via da sua preconizada relevância enquanto atenuante.
Ideia que não sufragamos com apoio, aliás, em jurisprudência uniforme: “(d)a resposta negativa a dado facto apenas se pode concluir que esse facto não se provou e não que fique demonstrado o contrário, tudo se passando como se aquele facto não tivesse sido alegado ou trazido aos autos” [1] ou “a resposta “não provado” dada relativamente a um facto controvertido não permite afirmar a prova do facto contrário[2].
Dizer isto não significa, no caso, afirmar a irrelevância da ausência de prova de perda de rendimento consequente às lesões para efeitos de cálculo de indemnização, pois tal destrinça, a que infra tornaremos, releva para efeitos da eleição dos critérios deste cálculo ou, a jusante, para determinar se o dano a indemnizar tem natureza patrimonial (perda efetiva ou redução permanente da capacidade de trabalho ou de ganho) ou natureza não patrimonial (afetação da potencialidade física, psíquica ou intelectual do lesado, sem envolvência previsível de perda ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho), mas tão só evidenciar que, encontrado o critério de cálculo da indemnização, o facto não provado é, por imperativo da lei, inócuo para o cômputo desta.
Prosseguindo, a Portaria nº 377/2008, de 26/5, alterada pela Portaria 679/2009, de 25/6), veio fixar critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóveis de propostas razoáveis para indemnização dos danos destes decorrentes, não impedindo a fixação de valores superiores (artº 1º, nºs 1 e 2); numa palavra, a Portaria é aplicável às propostas das seguradoras, mas não serve de critério de orientação para os tribunais, uma vez que os critérios para a atribuição das respetivas indemnizações são os que decorrem do Código Civil.
Nas autorizadas palavras de Menezes Cordeiro: «O ensejo de tais diplomas é o seguinte: o artigo 38/3 do Decreto-Lei 291/2007, de 21 de Agosto, (…) penaliza, a nível de juros, as companhias seguradoras que, chamadas a cobrir os danos de um acidente, não apresentem uma “proposta razoável” ou indiquem um montante “manifestamente insuficiente”. Perante isso, o Governo, visando respaldar as companhias de seguros, preparou e publicou, sob a forma de portaria, tabelas com os tais valores razoáveis. Teve o cuidado (…) de dizer que a tabela não impede a fixação de valores superiores: óbvio, pois doutra forma seria gravemente contrária à Constituição. (…) as tabelas (…) não se aplicam aos tribunais nem limitam minimamente, os direitos das pessoas.”.[3]
Também por aqui, a argumentação do R. se mostra, a nosso ver, inábil para alterar a componente da indemnização que questiona, restando apreciar se o decidido se afasta da solução encontrada por outras decisões judiciais em casos análogos e, assim, se afronta o princípio da igualdade.
Importa antes tomar posição quanto à natureza do dano a indemnizar e isto porque, como se ajuizou, designadamente no Ac. do STJ de 12-12-2017, “o dano biológico, tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado, a título de dano moral, devendo a situação ser apreciada, casuisticamente, verificando-se se a lesão originará, no futuro, durante o período ativo do lesado ou da sua vida, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, uma afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade.” [4]
Dos factos provados não resulta que as sequelas apresentadas pelo A., envolvam na atualidade ou venham previsivelmente a envolver no futuro, uma perda da sua capacidade de trabalho ou de ganho, sem embargo de implicarem um esforço acrescido no desempenho da sua atividade laboral (ponto 19 dos factos provados), razão pela qual a afetação da sua potencialidade física, traduzida num défice funcional permanente da integridade físico-psiquica fixável em 5 pontos (relatório junto aos autos de fls. 313 a 319), deverá ser ressarcida a título de dano não patrimonial. “(…) não parece oferecer grandes dúvidas que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial.”[5]

O montante da indemnização por danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito é fixado equitativamente pelo tribunal e deve encontrar-se com recurso ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (artºs 496º, nº 1 e 4 e 494º, ambos do Cód. Civil).
A equidade, “divindade muda, que não pode ser ouvida”[6], não dispensa, porém, “a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso (…)”[7], tal como o R. defende.
Os traços fundamentais que caracterizam, neste particular, o caso dos autos mostram-se discriminados nos pontos 17 a 20 e 23 a 24 dos factos provados e no Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal, junto aos autos de fls. 313 a 319, e deles decorrem designadamente, na parte em que não foram ainda tidos em consideração pela decisão recorrida para cálculo de outras componentes da indemnização, que o A., com 58 anos à data do acidente, mostra-se afetado por um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 5 pontos.
Comparando este quadro factual com recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, designadamente a resultante do acórdão de 12/1/2017 que fixou em € 20.000,00 a indemnização devida sinistrada com 60 anos à data do acidente, afetada de uma incapacidade permanente na sua integridade física de 10 pontos, sem que daqui lhe haja resultado perda da diminuição da capacidade de trabalho ou de ganho repristinando, aliás, a indemnização fixada em 1ª instância por contraponto à indemnização de € 12.500,00 fixada pela Relação e não olvidando que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor de veículo seguro na R., o montante encontrado pela decisão recorrida, afiguram-se-nos justo e equitativo, soçobrando assim razões para se alterar o ajuizado.
Em conclusão, a afetação da integridade físico-psíquica que previsivelmente não envolva a perda de capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, deverá ser ressarcida, equitativamente, enquanto dano não patrimonial; têm-se por equitativa a indemnização de € 5.500,00 fixada pela 1ª instância a sinistrado com 58 anos à data do acidente, afetado por um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 5 pontos.
Improcede o recurso.

2.2. Custas.
Porque vencida no recurso, incumbe à R. o pagamento das custas (artº 527º, nºs 1 e 2, do CPC).

IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, na improcedência do recurso, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Évora, 7/6/2018
Francisco Matos
José Tomé Carvalho
Mário Branco Coelho__________________________________________________
[1] Ac. STJ 17-04-1997, com sumário disponível em www.dgsi.pt
[2] Ac. STJ de 28-04-2016, disponível em www.dgsi.pt
[3] Tratado de Direito Civil Português, II, tomo III, 2010, págs. 752,753
[4] Processo 1292/15.6T8GMR.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[5] Ac. STJ de 27-10-2009 (processo 560/09.0YFLSB), in www.dgsi.pt
[6] Immanuel Kant, A Metafísica dos Costumes, tradução de José Lamego, Fundação Calouste Gulbenkian, pág. 49.
[7] Ac. STJ de 31/5/2012, disponível em www.dgsi.pt