Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
20/21.19EFAR.E1
Relator: ANA BACELAR
Descritores: REQUERIMENTO
ASSINATURA
IRREGULARIDADE
PRINCÍPIO DO FAVORECIMENTO DO PROCESSO
Data do Acordão: 06/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - A falta de assinatura da sentença – da peça mais importante de um processo criminal – constitui mera irregularidade, a arguir no prazo estatuído no n.º 1 do artigo 123.º do Código de Processo Penal, sob pena de se considerar sanada. E porque assim é, não vemos como defender consequência mais grave para a falta de assinatura do requerimento para a abertura da instrução.
II - Ao que acresce que, como expressão do princípio do máximo aproveitamento dos autos, entende-se que um requerimento não deve ser logo indeferido por lhe faltar a assinatura, devendo o requerente ser primeiramente convidado a suprir tal deficiência.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora

I. RELATÓRIO
No processo de inquérito que, com o n.º 20/21.1PEFAR, correu termos pela 1.ª Secção de Faro do Departamento de Investigação e Ação Penal dos Serviços do Ministério Público de Faro, o Ministério Público acusou AA pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro.

O Arguido requereu a abertura da instrução, com vista à prolação de decisão instrutória de não pronúncia.

E distribuído que foi o processo – ao Juízo de Instrução Criminal de Faro [Juiz 1] da Comarca de Faro –, por decisão judicial datada de 4 de março de 2022, foi rejeitado o requerimento para abertura de instrução.

Inconformado com esta decisão, o Arguido dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:
«1. Por despacho datado de 04-03-2022 o tribunal “a quo” rejeitou o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido, por o mesmo não respeitar as exigências de forma legalmente exigidas.
2. O Arguido ora Recorrente não se conforma com o despacho de que ora se recorre porquanto o arguido ora recorrente apresentou em tempo o Requerimento de abertura de Instrução, assinado digitalmente, isto é com a assinatura digital aposta e com a inscrição de que o documento se encontrava assinado digitalmente e remeteu o RAI via correio eletrónico dirigido ao Ministério Público – DIAP de Faro.
3. O correio eletrónico foi enviado no dia 02/02/2022 pelas 19:57horas, consta da comunicação enviada o dia e hora da expedição, sendo certo que o RAI foi enviado do e-mail ..., e-mail esse pertencente à sociedade de Advogados para a qual labora a mandatária subscritora e que se encontra devidamente registado como e-mail oficial no portal da Ordem dos Advogados.
4. Ao que acresce que o próprio e-mail contém o timbre da sociedade de Advogados, encontra-se devidamente identificado e assinado pelo mandatário subscritor e está ele próprio autenticado digitalmente.
5. Por outro lado, o despacho recorrido falsamente faz referência a que não foi carreado para os autos o original no prazo legalmente concedido de 10 dias, o que não corresponde à verdade dado que no dia seguinte 03-03-2022 foi endereçado ao Tribunal o original do Requerimento de Abertura de Instrução, o qual foi subscrito e remetido pela mandatária subscritora.

6. Andou mal o tribunal “a quo” ao considerar que o envio do original do RAI remetido por correio eletrónico trata-se de uma repetição do ato sem as garantias devidas pois sempre se dirá que o RAI foi legítima e tempestivamente apresentado, tendo sido respeitado todo o procedimento e bem assim todos os requisitos legais.
7. O requerimento de abertura de instrução foi remetido pelo endereço oficial, o qual inclusive está registado na plataforma da Ordem dos Advogados (OA) e por estes certificado, a mandatária subscritora usou a assinatura digital facultada pela Ordem dos Advogados – certificado multicert, a qual encontra-se instalada no seu computador e que lhe permite a utilização para assinatura de documentos digitais.
8. Inclusive é o Requerimento consta de papel timbrado de Advogado, com toda a identificação, os contactos e o número de cédula profissional.
9. Não existindo qualquer fundamento para que o tribunal “a quo” tenha decidido que o RAI não respeita as exigências de forma legalmente exigidas, não carecendo o requerimento apresentado de assinatura digital ou qualquer outra.
10. A Assinatura digital é utilizada meramente para substituir a Assinatura autografa do Advogado subscritor.
11. Não existe qualquer preterição de regras processuais, nem existe qualquer irregularidade.
12. Assim como não foi violado o disposto na Portaria 624/2004 de 16 de junho, nem a ratio da criação do mesmo, dúvidas não existindo acerca da genuinidade do RAI, da autenticidade e da tempestividade do mesmo.
13. O tribunal “a quo” ao entender que a assinatura digital e o envio de peças processuais de e-mail certificado pela Ordem dos Advogados não respeitam as exigências de forma legalmente exigidas viola o disposto no artigo 3.º da Portaria 642/2004 de 16 de junho.
14. Estabelece o artigo 3.º da Portaria 642/2004 de 16 de junho que o envio de peças processuais por correio eletrónico equivale à remessa por via postal registada, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de agosto, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de abril, bastando para tal a aposição de assinatura eletrónica avançada.
15. Ao que acresce que os originais do RAI enviado por correio eletrónico foram remetidos para o tribunal por correio registado, motivo pelo qual somos do entendimento que pelo mandatário judicial foi garantida a integralidade, autenticidade e inviolabilidade a que obriga o n.º 2 do artigo 132.º do CPC.
16. O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2014 veio admitir a remessa a juízo de peças processuais através de correio eletrónico.
17. O artigo 144.º do Código de Processo Civil elenca os casos em que devem ser apresentados a juízo os respetivos originais dos documentos submetidos via eletrónica.
18. Não ocorreu in casu, pela fundamentação do despacho, nenhum destes pressupostos.
19. E mesmo que se entenda que a assinatura eletrónica aposta no RAI não é válida sempre se dirá que se trata de uma irregularidade, facilmente sanável, tendo inclusive o mandatário posteriormente remetido o RAI assinado manualmente.
20. Cabendo ao tribunal “a quo” ao abrigo do princípio da adequação formal ter endereçado esse mesmo convite ao mandatário, o que não ocorreu, não podendo colher o argumento de que tal convite iria contornar o prazo legalmente concedido para requerer a abertura de instrução uma vez que esse prazo já se encontrava integralmente cumprido.
21. O despacho de que ora se recorre para além de violar a ratio da Portaria 642/2004 de 16 de junho e o artigo 3.º, viola o princípio da adequação formal e o princípio de colaboração a que está adstrito pelo disposto no artigo 7.º do CPC.
22. E o disposto no artigo 287.º, n.º 3 do CPP que consagra que o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do Juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução, não tendo ocorrido nenhum destes motivos.
23. Nem constitui uma causa de rejeição do Requerimento de Abertura de Instrução a não verificação do disposto na Portaria n.º 642/2004, de 16 de junho, referente aos atos processuais e notificações enviados por correio eletrónico.
24. O tribunal “a quo” fez uma errada aplicação do artigo 287.º, n.º 3 do CPP, do artigo 7.º do CPC e da Portaria 624/2004 de 16 de junho.
25. O despacho de que ora se recorre é uma evidente expressão de discricionariedade e uma evidente prevalência da forma em detrimento da verdade material pela qual o Processo Penal, para não dizer toda a Justiça, sempre deverá ser norteado.
26. O fundamento apresentado pelo tribunal “a quo” não configura inadmissibilidade legal da instrução, pelo que o requerimento para abertura de instrução não pode ser rejeitado.
27. Uma vez que é perfeitamente admissível o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo ora Recorrente.
28. Nem tão pouco configura qualquer um dos outros dois fundamentos de rejeição que a lei prevê no n.º 3 do artigo 287.º (extemporaneidade e incompetência do juiz).
29. Posto isto, o despacho que rejeitou a abertura de instrução apresentado pelo ora Recorrente viola o disposto no artigo 287.º, n.º 3 do CPP, bem como todos os direitos constitucionais e garantias do processo criminal previstos na nossa Constituição, uma vez que in casu não estamos perante nenhuma situação que configure uma situação de inadmissibilidade legal da instrução.
30. Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso e em consequência ser revogado o despacho ora recorrido e proferido outro que admita o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo ora Recorrente.

Nestes termos e nos melhores de direito deverá V. Exa. dar provimento ao presente recurso e revogar o douto despacho recorrido por violação dos artigos 286.º e 287.º do Código de Processo Penal e bem assim artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, proferindo outro que admita o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo ora recorrente, assim se fazendo justiça! »

O recurso foi admitido.

Respondeu o Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
«1. O douto despacho recorrido não padece de quaisquer vícios ou nulidades e não foram violadas quaisquer normas substantivas ou adjetivas aplicáveis ao caso sub judice, bem pelo contrário, o douto despacho recorrido fez correta interpretação dos factos e aplicação das normas que se impunham.
2. Por despacho que faz fls. 106, o Tribunal a quo determinou que se oficiasse “à secção central para que informe se o email de fls. 68 contém assinatura eletrónica, porquanto tal não resulta da observação do email junto aos autos” tendo-se obtido, em resposta, a informação lavrada na cota que faz fls. 109, no sentido de que o correio eletrónico através do qual se recebeu o Requerimento de Abertura de Instrução “não continha assinatura eletrónica”.
3. O Recorrente não entregou o original do Requerimento de Abertura de Instrução no prazo legalmente concedido de dez dias, “subscrito e remetido pela mandatária subscritora” pois, ao contrário do requerimento de Recurso interposto e que faz fls. 92 a 103, o Requerimento de Abertura de Instrução junto fisicamente aos autos nem está assinado, manual e/ou eletronicamente, nem possuí aposto os carimbos em uso no escritório dos mandatários subscritores do Recurso.
4. Assim, forçoso é de concluir que nenhuma das peças processuais entregues, eletrónica e fisicamente, a fim de requerer a abertura de instrução, se encontrava assinada.
5. A assinatura, eletrónica ou manual, de uma peça processual, constitui um pressuposto "ad substantiam" do documento em si, sendo que a sua falta implica a inexistência jurídica.
6. Ao contrário do clamado pelo Recorrente, uma decisão que desse acolhimento à total ausência de um elemento conformador da autoria do ato, admitindo peças nos autos sem sequer exigir a respetiva assinatura para que produzissem efeitos jurídicos é que traduziria “uma evidente expressão de discricionariedade”.
7. Não se alcança uma exigência legal onerando o Tribunal a formular convites à assinatura do suporte físico de articulados.
8. A decisão posta em crise não violou “o princípio da oficialidade da investigação e do dever de descoberta da verdade material e as garantias de defesa do arguido, consagradas no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa”. Pelo contrário, ao não proceder ao convite do Recorrente a enviar os originais do Requerimento de Abertura de Instrução devidamente assinados, o Tribunal a quo cumpriu as exigências de um processo justo e equitativo.
9. Caso enveredasse por tal convite o Tribunal a quo defraudaria o dever legalmente imposto pelo n.º 3 do artigo 4.º do DL 28/92, de 27 de fevereiro, bem como o prazo perentório de 20 dias para requerer a abertura da instrução previsto no artigo 287.º n.º 1 do Código de Processo Penal, assumindo uma posição parcial e arbitrária para com as demais partes processuais, incompatível com as garantias do Estado de Direito Democrático e de um processo justo e equitativo (cfr., no mesmo sentido, o mais recente Acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 30.11.2021 no âmbito do proc. n.º 261/20.9T9EVR-A.E1, relatora: Maria Margarida Bacelar, disponível no sítio http://www.dgsi.pt/jtre.
10. Deste modo não deve o Tribunal expedir convites à assinatura do suporte físico de articulados preteritamente enviados por telecópia ou correio eletrónico sem o preenchimento de todos os requisitos de validade de tais meios desmaterializados.

Nos demais termos que Vª. Exas. Venerandos Desembargadores se dignarão suprir, deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida.
Vossas excelências, porém, decidindo farão, como sempre,
JUSTIÇA»
û
Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer [transcrição]:
«Acompanhamos a completa e bem elaborada resposta apresentada pelo Ministério Público em 1.ª Instância (Ref.ª ...76).
Porque a mesma nos parece fundamentada, qualquer adenda de substância seria despiciente, restando-nos acompanhá-la, na íntegra.

Pelo exposto, entendemos que o recurso interposto deve ser julgado improcedente

Observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, nada mais se acrescentou.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[1]], o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Posto isto, e vistas as conclusões do recurso, a esta Instância é colocada, tão-só, a questão da regularidade da apresentação do requerimento para a abertura da instrução.
û
Com interesse para a decisão, o processo fornece os seguintes elementos:
(i) A fls. 43 do processo consta cópia de procuração forense, datada de 2 de novembro de 2019, mediante a qual AA constituiu sua Mandatária a Sr.ª Dr.ª BB.

(ii) No dia 3 de fevereiro de 2022 – dentro do prazo previsto no artigo 287.º, n.º 1 Código de Processo Penal – o Arguido AA remeteu, para um endereço eletrónico dos serviços do Ministério Público de Faro, requerimento para abertura de instrução.
Desse requerimento consta como sua subscritora a Sr.ª Dr.ª BB, Mandatária do Arguido.
Nesse requerimento não consta a aposição de assinatura eletrónica, nem validação cronológica do respetivo ato de expedição, com aposição de selo temporal por entidade terceira idónea.

(iii) No dia 4 de fevereiro de 2022, foi apresentado o original do requerimento acabado de referir.
Dele não consta assinatura manual da sua subscritora.

(iv) A decisão recorrida tem o seguinte teor [transcrição]:
«O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2014 pronunciou-se no sentido de que “em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio eletrónico, nos termos do disposto no art. 150 n.º 1 al. d) e n.º 2 do CPC e na Portaria n.º 624/2004, de 16/6, aplicáveis por força do disposto no art. 4.º do CPP.”.
Por sua vez, o art. 3.º, n.º 4 da Portaria n.º 624/2004, de 16 de junho, dispõe que “O envio de peças processuais por correio eletrónico equivale à remessa por via postal registada, nos termos do n.º 3 do art. 6.º do DL n.º 290-D/99, de 2/8, bastando para tal a aposição de assinatura eletrónica avançada.” e o n.º 6 do mesmo normativo assinala que “A expedição da mensagem de correio eletrónico deve ser cronologicamente validada, nos termos da al. u) do art. 2.º do DL n.º 290-D/99, de 2/8, com a redação que lhe foi dada pelo DL n.º 62/2003, de 3 de Abril, mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea.”.
Em complemento, o art. 10.º da aludida portaria sustenta que à apresentação de peças processuais através de correio eletrónico simples ou sem validação cronológica é aplicável, para todos os efeitos legais, o regime estabelecido para o envio através de telecópia.
Nos termos de tudo o exposto devidamente concatenado, firma-se que o envio de peças processuais via correio eletrónico só pode suceder em conformidade com o legalmente definido, ou seja, com aposição de assinatura eletrónica do subscritor, para que se possa garantir que a mesma foi elaborada pelo próprio e que se junta por mandatário judicial seja uma garantia ao mandante, arguido em processo penal.
O art. 4.º, do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27-02, delineia que “1 - As telecópias dos articulados, alegações, requerimentos e respostas, assinados pelo advogado ou solicitador, os respetivos duplicados e os demais documentos que os acompanhem, quando provenientes do aparelho com o número constante da lista oficial, presumem-se verdadeiros e exatos, salvo prova em contrário. 2 - Tratando-se de atos praticados através do serviço público de telecópia, aplica-se o disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 54/90, de 13 de fevereiro. 3 - Os originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou autenticados apresentados pela parte, devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial no prazo de sete dias contado do envio por telecópia, incorporando-se nos próprios autos.» - sublinhado nosso. Em decorrência do plasmado no art. 6.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12-12, o prazo para entrega dos originais deve ser de 10 dias e não de 7 dias.
Sucede que o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo foi enviado por correio eletrónico, sem assinatura manual ou digital e sem validação cronológica, gozando do valor da telecópia, sem que tenha carreado o original aos autos no prazo legalmente concedido, de 10 dias. Por outro lado, foi enviado por correio registado o requerimento, mais uma vez sem qualquer assinatura, manual ou digital, dizendo, apenas “assinado eletronicamente”, mas sem o ser efetivamente, sendo, portanto, uma repetição do ato e sem as garantias devidas.
Aliás, todos os requerimentos apresentados em juízo devem ser assinados e o enviado por correio eletrónico e por correio registado de um requerimento de abertura de instrução desprovido de qualquer assinatura consubstancia uma inexistência jurídica que implica a inadmissibilidade legal da instrução. O art. 98.º, n.ºs 1 e 2, do CPP, é claro que o arguido é o único que pode enviar requerimentos sem estarem assinados pelo defensor, enquanto garantia dos seus direitos fundamentais, no entanto, tal não pode suceder se o ato é praticado pelo próprio defensor, como parece suceder no caso em análise. Nesta senda, se o defensor apresentar um requerimento é pressuposto de existência jurídica que o mesmo seja assinado.
Este Tribunal segue o entendimento de que em tais situações não pode ser formulado um convite para juntar os originais e/ou para vir assinar os requerimentos já apresentados sob pena de se desvirtuar um dever imposto por lei e contornar o prazo legalmente concedido para requerer a abertura de instrução.
Salvo melhor entendimento, é de considerar que este tipo de convites não se compadece com o processo penal, com a celeridade processual que se impõe e não existe qualquer razão que os sustente, gerando um desequilíbrio injustificado entre os interesses em conflito.
Neste sentido veja-se Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13-04-2021, relatora Maria Fernanda Palma, disponível em www.dgsi.pt.
Perante o esquadrinhado, ao abrigo do disposto no art. 287.º, n.º 3 do CPP, enquanto legalmente inadmissível, mais não resta do que rejeitar o requerimento de abertura de instrução de fls. 71 e 72, por não respeitar as exigências de forma legalmente exigidas.
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Tendo o requerimento de abertura de instrução sido apresentado pelo arguido, as custas serão fixadas a final, sendo considerada, em caso de condenação, a presente rejeição, nos termos do disposto no artigo 513.º do Código de Processo Penal e artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais, por referência à correspondente tabela III.
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Notifique.
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Após trânsito, remeta os autos ao Tribunal Judicial da Comarca de Faro - Juízo Local Criminal de Faro, para julgamento em processo comum, com intervenção de Tribunal de Singular.»
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Conhecendo.

Cumpre-nos apreciar, como acima já se deixou dito, a regularidade da apresentação do requerimento para a abertura da instrução.
Da tramitação do processo, que se descreveu, decorre não estar em causa a falta de apresentação do original do requerimento enviado por correio eletrónico, sem aposição de assinatura eletrónica e sem validação cronológica do respetivo ato de expedição, através de aposição de selo temporal por entidade terceira idónea.
E porque assim é, a decisão recorrida incorre em lapso quando – no primeiro parágrafo de fls. 81 – refere, relativamente ao requerimento para a abertura da instrução, que «não foi carreado o original aos autos no prazo legalmente concedido, de 10 dias.»

A questão que nos ocupa circunscreve-se, pois, ao valor de um requerimento para a abertura da instrução que não se mostra assinado pela sua presumível subscritora – a Sr.ª Dr.ª BB, Mandatária que o Arguido AA constituiu no processo.
Neste contexto, a jurisprudência convocada na decisão recorrida [Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 13 de abril de 2021, proferido no processo n.º 914/18.1T9ABF-B.E1 e acessível em www.dgsi.pt], no recurso [Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28 de novembro de 2019, proferido no processo n.º 2292/19.2T9OER.L1-9] e na resposta do Ministério Público [acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 9 de março de 2021, de 13 de abril de 2021 e de 13 de julho de 2021, respetivamente proferidos nos processos n.ºs 1670/18.9T9FAR.E1, 914/18.1T9ABF-B.E1 e 914/18.1T9ABF-A.E1] não se reveste de qualquer interesse.

Isto posto,
A lei processual penal não fornece a definição de requerimento.
Requerer é pedir mediante requerimento.
Num processo judicial, requerimento há-de entender-se como exposição escrita em que se solicita ao Tribunal o deferimento de uma pretensão.
E como documento escrito, o requerimento formulado por advogado que represente interveniente processual há-de ser por este assinado – é o que se consagra no n.º 2 do artigo 98.º do Código de Processo Penal.

Não nos indica a lei processual penal, expressamente, a consequências para a falta de assinatura do requerimento para a abertura da instrução elaborado por advogado.
Mas também não nos indica as consequências para a falta de assinatura da sentença, cuja obrigatoriedade resulta do disposto na alínea e) do n.º 3 do artigo 374.º do Código de Processo Penal – dado não se encontrar contemplada como nulidade da sentença, no artigo 379.º, nem no artigo 119.º, como nulidade insanável, ou no artigo 120.º, como nulidade dependente de arguição.

A falta de assinatura da sentença – da peça mais importante de um processo criminal – constitui mera irregularidade, a arguir no prazo estatuído no n.º 1 do artigo 123.º do Código de Processo Penal, sob pena de se considerar sanada.
E porque assim é, não vemos como defender consequência mais grave para a falta de assinatura do requerimento para a abertura da instrução.
Ao que acresce que, como expressão do princípio do máximo aproveitamento dos autos, entende-se que um requerimento não deve ser logo indeferido por lhe faltar a assinatura, devendo o requerente ser primeiramente convidado a suprir tal deficiência.
No sentido acabado de apontar, podem consultar-se os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 3 de março de 1998, proferido no processo n.º 9811048, e do Tribunal da Relação de Guimarães, de 4 de dezembro de 2006, proferido no processo n.º 1928/06-2, ambos acessíveis em www.dgsi.pt
Isto posto, o recurso revela-se parcialmente procedente.

III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, decide-se, concedendo parcial provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que convide o Recorrente a suprir a deficiência da falta de assinatura do requerimento para a abertura da instrução que apresentou.

Sem tributação.
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Évora, 2022 junho 21
Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz
Renato Amorim Damas Barroso
Gilberto da Cunha – Presidente da Secção

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[1] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.