Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
232/07-3
Relator: MATA RIBEIRO
Descritores: PODER PATERNAL
GUARDA DOS MENORES
Data do Acordão: 05/24/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA
Sumário:
I – Tendo objectivamente ambos os progenitores condições económicas e de habitabilidade para poderem criar os filhos e disputando ambos a sua custódia, deve dar-se preferência àquele que, ponderadas todas as circunstâncias, dê maiores garantias de poder proporcionar às crianças um desenvolvimento global (psíquico e físico) equilibrado.
II - Um pai que sem fundamento, denotando egoísmo e interesse pessoal, faz crer aos filhos que a mãe destes não é uma boa mãe e que os incentiva a não terem contactos com ela, não pode ser considerado um progenitor que assegure o ideal desenvolvimento da personalidade dos filhos a nível afectivo, psicológico e moral.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM 0S JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA



Ana Teresa………….., presentemente, residente Santo António dos Cavaleiros, demanda pela presente acção instaurada no Tribunal Judicial da Comarca de Santiago do Cacém, Rui Jorge…………., residente em Vila Nova de Santo André, tendo em vista a regulação do exercício do poder paternal dos filhos, menores, de ambos, Rui ……………… e Rafa……………., nascidos, respectivamente, em 06/10/1997 e 26/06/1999, solicitando que os menores lhe sejam confiados.
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Tramitado e julgado o processo em sede de 1ª instância foi proferida decisão que, no essencial, atribuiu a guarda dos menores ao progenitor, concedeu o regime de visitas à progenitora e fixou a prestação alimentária, a pagar por esta, em € 75,00, por cada menor, a actualizar anualmente, a que acrescem os montantes referentes a despesas escolares, médicas e medicamentosas a suportar na proporção de metade.
Desta decisão foi interposto, pela requerente, o presente recurso de apelação com vista à revogação da decisão, terminando por formular as seguintes conclusões, cujo teor se passa a transcrever:
1.º A atribuição da guarda dos menores ao pai, no caso dos Autos, desrespeitou o valor supremo a salvaguardar em sede de regulação do poder paternal: o interesse dos menores.
2.° Os factos assentes que fundamentaram a sentença recorrida abonam no sentido de que é a recorrente quem possui melhores condições para cuidar dos menores e lhe proporcionar um desenvolvimento integral, em termos físicos, psicológicos e morais, de acordo com o pugnado na Convenção dos Direitos da Criança.
3.° Com efeito, desde que os menores foram retirados à mãe, sem o consentimento desta, os menores por largo período (até à primeira conferência) foram proibidos de contactar com esta e com a família materna (factos provados F, O, P, Q R, S, T, U, mencionados na sentença recorrida).
4.º As crianças assistiram a ameaças, injúrias e agressões físicas à recorrente (alínea Y dos factos provados, mencionados na sentença recorrida).
5.° Os menores são vítimas do “Síndrome de Alienação parental”, sofrendo manipulações e pressões psicológicas que denigrem a imagem da mãe, fazendo-lhes crer que não gosta deles (alíneas Z e AA dos factos provados, que serviram de base à sentença recorrida e Relatório Social, junto aos Autos).
6.° Em consequência de tais comportamentos os menores tomaram-se violentos e agressivos para com a mãe e família materna.
7.° Nestas circunstâncias, bem se vê que o ambiente no seio da família paterna está longe de ser harmonioso e sereno e potenciador da relação de grande proximidade com o progenitor a quem não for atribuída a guarda.
8.° Ao invés, a atribuição da guarda ao pai veio diminuir de forma drástica o contacto da apelante com os filhos e cortou com o acompanhamento e decisão dos assuntos da vida dos filhos.
9.°Situação que tende a agravar-se, pois a família paterna, designadamente a avó, declara não ver com bons olhos a continuação das visitas à mãe.
10.° Além de que o pai já desrespeitou o regime provisório instituído, proibindo os menores de passarem o Natal com a mãe, o que leva a recear novas infracções e progressivo afastamento desta da vida dos menores.
11.º Por outro lado, o pai revelou ignorar as necessidades de desenvolvimento educacional, moral e social dos menores, porquanto desde estes ficaram à sua guarda de imediato os retirou das actividades extracurriculares e das consultas da psicóloga (alíneas V e W, mencionadas na sentença recorrida).
12.° A mãe possui ainda melhores condições de habitabilidade, com uma casa com quartos só para os menores e casa de férias, igualmente com uma cama para cada um, brinquedos e computador (factos GG,HH,II dos factos provados, referidos na sentença recorrida).
13.° Ao contrario da família paterna, onde os dois menores, de 7 e 9 anos partilham uma cama de casal com uma tia! (alíneas SS, EE e FF mencionadas na sentença recorrida).
14.° Desde que vivem com o pai, quem desempenha as funções inerentes à parentalidade são os avós paternos e a tia (alíneas NN e 00 mencionadas na sentença recorrida e relatório social, a fis 198 dos Autos), uma vez que o recorrido trabalha por turnos.
15.° O papel dos avós é salutar, mas não se pode substituir ao do progenitor.
16.° A recorrente tem um horário de trabalho das 09 horas às 18 horas, tendo plenas condições de acompanhar os filhos, diariamente, por si só, apesar de também poder contar com a ajuda de familiares, sem substituições de papéis.
17.° Os rendimentos da recorrente, se bem que menores que os do pai, não a impedem de desempenhar cabalmente as funções inerentes ao poder paternal e de lhes proporcionar plenas condições de desenvolvimento, até porque conta com ajuda familiar em termos económicos, caso necessite.
18.° A entrega dos menores ao pai não se pode fundamentar na ruptura
com o meio ambiente ou na continuidade das relações.
19.° De facto, os menores, sempre tiveram laços afectivos muito estreitos com a mãe e com a família materna, ao contrário da família paterna, com quem antes da guarda ser exercida pelo pai, não mantinham quaisquer contactos (alínea CC, mencionada na sentença e relatório social junto aos Autos).
20.° Sob este ponto de vista, também a vinda dos menores para o seio da família paterna representou uma mudança para o meio de estranhos, com quem os menores não tinham qualquer contacto, referência ou afinidade emocional.
21.° Além do mais, atentas as manipulações e pressões psicológicas de que os menores são vítimas por parte do recorrido e família será até saudável uma mudança para um meio ambiente novo, descomprometido e fora do local onde ocorreu a separação, mas junto da mãe e família materna, desde sempre sólido pilar emocional.
22.° Acresce que a mobilidade geográfica que a sociedade actual exige às famílias toma a mudança de meio ambiente uma contingência que até pode reforçar a capacidade de adaptação das crianças às mudanças da vida.
23.° Igualmente não se pode fundamentar a entrega dos menores ao pai na sua vontade, porquanto está sobejamente provada a manipulação e instrução, no sentido de destruir a imagem materna.
24.° Tal facto, aliado à tenra idade dos menores (7 e 9 anos de idade) leva necessariamente à conclusão de que a sua vontade não é livre e consciente, pelo que não deverá ser valorada.
25.° A mãe sempre foi uma mãe preocupada e presente, sendo consabido que, especialmente em menores de tenra idade, nada substitui o colo materno.
26.° A sentença recorrida veio tornar mais ténues os laços afectivos com a mãe, perigando mesmo a sua perda irreparável, com prejuízo dos menores.
27.° Assim corresponde aos interesses dos menores ser atribuída a sua guarda à requerente, por ser esta quem reúne as melhores condições de potenciar o desenvolvimento dos menores num ambiente saudável, com vista à sua evolução física, intelectual e moral, atendendo às suas necessidades e a um desenvolvimento integrado entre todos os elementos da família, fomentando uma relação de grande proximidade com o outro progenitor, no sentido pugnado pela melhor doutrina e jurisprudência (Vide Maria Clara de Sotto Maior, in “regulação do poder paternal nos casos de divórcio”, Almedina, 2000 e ainda Ac.s da RC de 12/10/2004 e de 31/11/2004, Ac. da RL de 14/04/2004, a título meramente exemplificativo).
28.° Ao não decidir de acordo com os interesses dos menores, a sentença recorrida violou o disposto no n.° 2 do artigo 1905.° e o artigo 1906.° do CC, assim como o artigo 3.° da Declaração dos Direitos da Criança, pelo que deverão os menores serem entregues à Recorrente.
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O recorrido e o MP contra alegaram concluindo pela manutenção do decidido.
Mostram-se apostos os vistos legais.
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Apreciando e decidindo

Na sentença recorrida foi considerado como provado o seguinte quadro factual:
A) Ana Teresa……………… e Rui Jorge ………….. contraíram casamento civil, sem convenção antenupcial, no dia ………… de 1997.
B) Rui ……………. no dia 6 de Outubro de 1997 e encontra-se registado como filho de Rui Jorge…………. e de Ana Teresa……...
C) Rafa…………. nasceu no dia 26 de Junho de 1999 e encontra-se registada como filha de Rui Jorge …………… e de Ana Teresa………………….
D) Em 15 de Setembro de 2004 Rui Jorge ………….. abandonou a casa de morada de família.
E) Desde então e até à data, Ana Teresa……………. e Rui Jorge…………… estão separados de facto.
F) Ana Teresa ……………. e Rui Jorge…………. acordaram verbalmente que os menores ficariam à guarda e cuidados da mãe, podendo o pai visitar os filhos quando quisesse.
G) No ano lectivo de 2004/2005 o menor Rui ……….. o 1º Ciclo na Escola Básica do 1º Ciclo de Santo André.
H) No ano lectivo de 2004/2005 a menor Rafa……….. frequentou o pré-escolar no Jardim-de-infância n.º 3 de Santo André.
I) Por carta datada de 6 de Junho de 2005 a Coordenadora da Escola Básica do 1º Ciclo e Jardim-de-infância n.º 3 de Santo André solicitou ao Requerido que procedesse à justificação das faltas dadas pelos educandos desde o dia 30 de Maio até à presente data.
J) De 28 de Maio a 7 de Junho de 2005 os menores estiveram na casa dos avós maternos, em Torres Vedras.
K) Nos dias 2 e 3 de Junho e 20 e 21 de Junho de 2005 os menores faltaram à escola, por doença.
L) Tais faltas foram comunicadas verbalmente à escola.
M) As faltas não interferiram no percurso escolar dos menores.
N) No dia 24 de Junho de 2005, os avós maternos levaram o menor Rui Alexandre à escola, para o último dia de aulas, e deixaram-no a brincar no recreio com os colegas.
O) Enquanto os avós maternos estavam a conversar com a professora da Rafa………, o menor Rui foi levado pelo pai e pala avó paterna, sem avisar quem quer que fosse.
P) Desde essa data, os dois menores passaram a viver com o pai e os avós paternos.
Q) Até à conferência de pais realizada no âmbito destes autos, e que teve lugar em 18 de Outubro de 2005, a requerente não voltou a estar com os menores.
R) De Junho de 2005 a Outubro de 2005 a Requerente limitava-se a ver os filhos de soslaio.
S) O Requerido não deixou que a Requerente visitasse os filhos.
T) A Requerente também não conseguiu contactar telefonicamente com os filhos, apesar de inúmeras tentativas.
U) Os avós maternos não puderam conviver com os menores.
V) A Rafa…………. deixou de frequentar o ATL e a pré-primária, bem como as consultas na psicóloga.
W) O Rui …………… deixou de frequentar os escuteiros.
X) Os menores mudaram de comportamento para com a mãe e familiares maternos, tornando-se agressivos e receosos.
Y) Os menores assistiram a cenas que denigrem a imagem da mãe (agressões físicas, ameaças, injúrias).
Z) O Requerido e os avós paternos encetaram pressões psicológicas junto dos menores no sentido de denegrir a imagem da mãe.
AA) Designadamente, fazem crer aos menores que a mãe não gosta dos filhos e que não os quer ver.
BB) A Requerente foi sempre uma mãe presente.
CC) Até os menores passarem a viver com o pai, os laços afectivos e familiares dos menores eram, quase exclusivamente, com a família materna, sendo a família paterna ausente na vida das crianças.
DD) O Requerido reside com os menores em casa dos seus progenitores, em Vila Nova de Santo André.
EE) A residência tem boas condições de habitabilidade, e é composta por sala, cozinha, duas casas de banho e três quartos.
FF) Os menores dormem no mesmo quarto, com uma cama de casal, o qual é também partilhado pela tia paterna (Vera Freire).
GG) Actualmente, a Requerente reside em Santo António dos Cavaleiros, numa casa que pertence aos seus progenitores.
HH) A Requerente partilha a casa com a irmã.
II) A residência dispõe de boas condições de habitabilidade, e é composta por três quartos, mobilados de modo adequado.
JJ) Os avós maternos têm também uma casa em Brescos, onde os menores dispõem de uma cama para cada um, com brinquedos e computador.
KK) O Requerido trabalha por turnos na empresa ………….., que presta serviços à EDP, situada em Sines, e, por mês, aufere € 1.150.
LL) O pai do Requerido encontra-se na pré-reforma e aufere mensalmente a quantia de € 900.
MM) A mãe do Requerido desempenha funções na secretaria de uma Escola em Sines e aufere mensalmente € 1.100.
NN) Nas ausências do pai, que trabalha por turnos, os menores ficam entregues aos cuidados dos avós paternos.
OO) Normalmente, é o avô paterno quem vai levar e buscar os menores à escola.
PP) A Requerente é funcionária da empresa “………..”, com sede em Lisboa.
QQ) De rendimentos do trabalho, a Requerente aufere € 650 por mês.
RR) A Requerente trabalha até às 18 horas.
SS) Ambos os menores transitaram de ano escolar, com bom aproveitamento.
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Tudo visto e analisado, tendo por base as provas existentes e em atenção o direito aplicável, cumpre decidir, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso, tendo por base as disposições combinadas dos artºs 660º n.º 2, 661º, 664º, 684º n.º 3 e 690º todos do Cód. Proc. Civil e circunscreve-se no essencial à apreciação da seguinte questão:
- se face às circunstâncias factuais alegadas e provadas deverá, no âmbito do regime de regulação do poder paternal, a confiança e guarda dos menores caber à mãe, questão esta, que arrasta consigo, caso haja modificação da decisão da 1ª instância, também, as realidades inerentes ao regime de visitas e à contribuição a título de prestação alimentícia.
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Vejamos então!
A regulação do poder paternal, na vertente da guarda do menor e exercício do poder paternal, deve ser vista na perspectiva, não de um bem dos pais, mas, essencialmente, como um direito do menor consubstanciado no interesse deste na valorização da sua personalidade a todos os níveis, determinante para um crescimento harmonioso e equilibrado, conforme decorre da Convenção sobre os Direitos da Criança de 26/01/1990 e do artº 1905 n.º 2 do Cód Civil.
Tendo por referência tal realidade caberá, perante o caso concreto, saber qual dos progenitores, estará em melhores condições de alcançar tal objectivo.
Na sentença recorrida entendeu-se que “objectivamente ambos os progenitores reúnem condições económicas e de habitabilidade para poderem criar os filhos. O pai obtém melhores rendimentos de trabalho, mas a mãe, em virtude de ter um horário de trabalho fixo, reúne melhores condições para poder acompanhar e estar com os filhos. O facto de o pai trabalhar por turnos é, contudo, colmatado pela presença e acompanhamento dos avós paternos. Em suma, ambos os progenitores reúnem, quanto aos aspectos referidos, condições semelhantes”.
Tendo, o Mmo. Juiz a quo, concluído que a guarda dos menores devia caber ao pai pelo facto de terem nascido e sempre residirem na localidade de Santo André, onde também continua a viver o pai e os avós paternos e, por terem os próprios menores, manifestado desejo de continuar a viver com o pai.
A recorrente defende que estes dois últimos critérios não apresentam extrema relevância para se poder concluir, por si só, que os menores devem ser entregues à guarda do progenitor. Por um lado, porque “os menores são manipulados pelo pai e pela família paterna, denigrem a imagem da mãe e são evasivos quanto ao pai” o que resulta dos factos provados referenciados em Z e AA (O Requerido e os avós paternos encetaram pressões psicológicas junto dos menores no sentido de denegrir a imagem da mãe, designadamente, fazem crer aos menores que a mãe não gosta dos filhos e que não os quer ver), a que acresce todo o circunstancialismo factual vertido nos pontos S,T, X e Y. Por outro lado, o factor do meio ambiente não se pode apresentar como preponderante, já que a constante mutação relativa aos graus de ensino, leva sempre à frequência de vários estabelecimentos de ensino, em que os colegas não serão os mesmos, sendo que a ambientação dos menores, às novas realidades e aos novos colegas, se fará naturalmente desde que tenham na retaguarda, um ambiente familiar acolhedor e que lhes propicie o são desenvolvimento.
De facto, temos de reconhecer que perante a matéria factual dada como assente o progenitor que oferece em concreto melhores condições de assegurar aos menores um melhor desenvolvimento da sua personalidade designadamente a nível psicológico, afectivo, moral e social é a mãe, pois, nada se provou em seu desabono, quer no relacionamento com os menores, quer com o pai dos seus filhos, no âmbito da relação matrimonial ou mesmo após a separação. O mesmo já não se pode dizer da conduta do apelado, quer relativamente aos menores, quer à mãe destes.
Foi o apelado que abandonou o lar conjugal em 15/09/2004 e deixou os menores entregues à mãe. Foi o apelado que no dia 24/07/2005, quando o menor Rui brincava no recreio da escola, o veio buscar, sem avisar quem quer que fosse, levando-o para passar a viver consigo e com os seus pais, impedindo a apelante, bem como os avós maternos, de ver ou contactar com os menores, mesmo telefonicamente, só o vindo a aceitar em virtude da instauração da presente acção, após a realização da conferência de pais. Isto, para além dos factos supra invocados relativos a manipulações e pressões psicológicas no sentido de fazer crer aos menores que a mãe não gosta, nem quer saber, deles.
Um pai que sem fundamento, denotando egoísmo e interesse pessoal, faz crer aos filhos que a mãe destes não é uma boa mãe e que os incentiva a não terem contactos com ela, não pode ser considerado um progenitor que assegure o ideal desenvolvimento da personalidade dos filhos a nível afectivo, psicológico e moral. [1]
As figuras parentais assumem de igual modo, de per si e conjuntamente, uma relevância extrema no crescimento e desenvolvimento dos menores, pelo que, a nenhuma delas é lícito impor aos menores, muito menos sem qualquer fundamento, que estes vejam a outra como má e a reconheçam a si como boa, distorcendo toda a realidade, como no caso em apreço decorre dos factos assentes, já que a apelante sempre foi uma mãe presente, nada constando, a qualquer título, em seu desabono.
Não obstante a separação dos pais, “o essencial seria que aquele que nasceu da união dos dois se sinta com o direito de dar a cada um e de receber de cada um, tanto amor quanto antes, sem que isso constitua um problema para qualquer dos progenitores” [2] e por qualquer modo não seja obrigado a renunciar os seus vínculos privilegiados.
Perante este quadro, agora visto na perspectiva dos “candidatos” à guarda e à confiança das crianças, não se pode, invocando que não é pedagógico retirar os menores do meio onde residem, favorecer, ou premiar aquele que por meio da força levou à consumação do facto, desse “actual meio de vivência”, sem se importar com os acordos estabelecidos [3] que, a manterem-se, naturalmente, impunham que a circunstância do meio não fosse tomada como uma realidade a favor do pai, mas sim da mãe, com a qual os menores sempre, até tal atitude, mantiveram laços afectivos estreitos, extensivos à família materna, ao contrário do que até aí vinha sucedendo relativamente à família paterna – (Até os menores passarem a viver com o pai, os laços afectivos e familiares dos menores eram, quase exclusivamente, com a família materna, sendo a família paterna ausente na vida das crianças – ponto TT dos factos provados). [4]
Acresce que o pai retirou os menores das actividades extracurriculares que até aí vinham mantendo (frequência do ATL e pré-primária no que se refere à Rafaela e frequência dos escuteiros no que respeita ao Rui) para além de deixar de recorrer às consultas da psicóloga que vinha seguindo a Rafaela, na sequência desta, no Jardim de Infância que frequentava, ter manifestado ”comportamentos que evidenciavam de alguma forma o facto de estar a ser eventualmente molestada sexualmente” e ter problemas de incontinência urinária, [5] coarctando, assim, sem justificação plausível, necessidades de desenvolvimento educacional dos menores, que até então se mostravam essenciais.
Também, na perspectiva do espaço físico próprio para os menores e da disponibilidade temporal para cuidar dos mesmos, resulta do circunstancialismo factual que a mãe se apresenta em melhores condições.
Os menores na casa que esta habita, em Santo António dos Cavaleiros, poderão dispõe de um quarto só para si, enquanto na casa dos avós paternos, onde habitam com o pai, têm de partilhar o quarto com uma tia paterna, de trinta e tal anos, dormindo numa cama de casal.
A mãe trabalha até às 18 horas, enquanto o pai trabalha num sistema laboral, por turnos, o que implica que nem sempre tenha disponibilidades para acompanhar o dia a dia e as actividades dos menores, tendo até, por tal facto, os menores, de ficarem entregues aos cuidados dos avós paternos, sendo normalmente o avô paterno que os vai buscar à escola, o que ressalta que as funções inerentes à parentalidade estão diluídas nos familiares paternos.
No que se refere à “vontade dos menores” em continuar a viver na companhia do pai diremos, que na falta de outros elementos (na acta de julgamento da sessão de 27/06/2006, o Mmo. Juiz a quo não consignou qualquer factualidade que tivesse como relevante nas conversas que teve com ambos os menores no seu gabinete), as suas declarações, atendendo à idade dos mesmos e a todo o circunstancialismo apurado, não são de relevar, tendo, até o próprio julgador à quo, consciência da pouca credibilidade a dar a tais declarações, quando no âmbito de outra matéria, no despacho proferido sobre a fundamentação da matéria de facto, perante a existência de alegada manipulação dos menores por parte do pai e avós paternos, refere “pôde, em conversa informal mantida com os menores, aperceber-se que o discurso destes, e não obstante terem demonstrado estar à vontade, é todo “contra” a mãe, salientando apenas os aspectos negativos desta. Porém, quando lhe era perguntado sobre o pai, os menores ou não sabiam dizer, ou calavam-se, tendo sido completamente omissos relativamente á figura do pai”.
Nestes termos entendemos ser de revogar a decisão impugnada no que concerne à guarda dos menores que deverá passar a ser da mãe.
Tal modificação, implica, consequentemente, também, a alteração, do regime de visitas e da fixação dos alimentos e da forma de os prestar.
No que se refere ao regime de visitas, fixado pelo tribunal recorrido entendemos que o mesmo se acha adequado, havendo apenas um pequeno reparo a salientar relativo ao último item (devido à distância entre Santo André e Santo António dos Cavaleiros, será difícil conciliar a tomada de refeições no mesmo dia, com o pai e com a mãe), mas, como qualquer das partes não se insurgiu contra o mesmo, ele será de manter, mas, agora, com referência ao pai, sem prejuízo de qualquer modificação a realizar por acordo dos progenitores que não ponham em causa o interesse dos menores.
No que concerne aos alimentos, há a referir os rendimentos da progenitora são inferiores ao do progenitor. Enquanto aquela aufere mensalmente € 650,00 como rendimento do seu trabalho, este aufere € 1 150,00 pelo que poderá e deverá contribuir em quantia superior à que foi fixada à mãe dos menores, em 1ª instância tendo em conta que na prestação alimentícia deve ponderar-se quer as necessidades dos menores quer as possibilidades dos pais.
Também como nenhum dos progenitores se insurgiu relativamente à prestação alimentar fixada pelo tribunal a quo, que se acha adequada de acordo com as premissas factuais relevantes, entendemos dever, tão só adequá-la à realidade económica do pai, agora, sobre quem cai o dever contributivo, sendo certo que as necessidades dos menores se mantêm sensivelmente idênticas, não obstante passarem viver na companhia da mãe.
Assim, temos por adequado fixar a prestação de alimentos em € 130,00 para cada um dos menores, mantendo-se no mais, quer relativamente ao modo de pagamento, ao modo de actualização e à proporção referente a despesas médicas, medicamentosas e escolares, o decidido em 1º instância.
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DECISÂO
Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, consequentemente, alterar a decisão recorrida nos termos supra referidos, decretando-se:
a) Os menores ficam entregues à mãe que exercerá o respectivo poder paternal,
b) O pai contribuirá com uma pensão mensal de € 130,00 para cada um dos menores, quantia que será paga por ele à mãe pela forma constante na decisão impugnada e será actualizada, também, nos termos nela constantes, sendo devida a partir do momento que os menores passem a ficar a cargo da progenitora.
c) O regime de visitas, constante na sentença recorrida, mantêm-se, sendo que a referência feita à mãe, passa, agora, a ser feita ao pai.
Custas pelo apelado.
Cumpra-se, oportunamente, o disposto no artº 78º n.º 2 do Cód. Registo Civil.

Évora, 24/05/2007

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Mata Ribeiro

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Sílvio Teixeira de Sousa

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Mário Serrano




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[1] - “A verdadeira liberdade de uma criança consiste no seu desenvolvimento orientado por um educador interiormente livre também, e portanto educado e cuja totalidade do ser será um exemplo.” – Heinrich Meng in Coacção e Liberdade na Educação, Morais Editores, 2ª edição, 169.
[2] - André Berge in A Criança de Hoje, Morais Editores, 1ª edição, 51.
[3] - Os menores, após a separação dos progenitores, ocorrida em 15/09/2004, passaram, com acordo de ambos os progenitores, a viver com a mãe, e foi o pai que em 24/06/2005, unilateralmente e sem qualquer aviso, que levou os menores para a sua companhia.
[4] - O meio familiar onde presentemente os menores se encontram inseridos é que representou para eles uma mudança, uma vez que, à excepção do pai, todos os outros componentes da família paterna se apresentavam como estranhos dado a ausência de contactos que impediu a afinidade emocional.
[5] - v. Relatório Social constante a fls. 104 dos autos.