Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
45/16.9PEEVR.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
ESCUTAS TELEFÓNICAS
VALIDADE DA PROVA
MARCAÇÃO DE DATA PARA CONTINUAÇÃO DO JULGAMENTO
NULIDADES
VÍCIOS DO ART. 410.º DO CPP
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 03/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSOS PENAIS
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
INão é exigível, face à lei processual penal em vigor, que o Juiz de Instrução proceda à “validação” das interceções telefónicas ou das suas transcrições que lhe sejam apresentadas pelo Ministério Público.

II – A fidedignidade das transcrições realizadas é controlável pelos intervenientes processuais, através do acesso que lhes é facultado aos próprios suportes técnicos.

III – Os artigos 151.º do C. P. Civil e 312.°, nº 4, do C. P. Penal, não obrigam o juiz a alterar a data designada para a audiência, caso seja pedida, pelos defensores, a designação de nova data, mas, isso sim, a ponderar as razões aduzidas pelo peticionante e a decidir em conformidade.

IV – A circunstância de a Ilustre mandatária de dois dos arguidos ter agendado, para o mesmo dia, o início de um outro julgamento, com arguidos presos (e relativamente aos quais não se nos afigura existir premência igual à dos presentes autos), não constitui motivo razoável e suficiente para que o tribunal recorrido designasse nova data para a continuação da audiência, com leitura do acórdão.

V - O recurso em matéria de facto não é uma indiscriminada expedição destinada a reapreciar toda a prova, constituindo, isso sim, um “remédio” para suprir e corrigir deficiências factuais circunscritas, confinadas a pontos específicos e individualizados, e a partir da indicação, pelo recorrente, de elementos probatórios que, fora de uma simples leitura pessoal e interessada (do próprio recorrente), “imponham” decisão diversa.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - RELATÓRIO

Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, com o nº 45/16.9PEEVR, do Juízo Central Cível e Criminal de Évora (Juiz 2), mediante pertinente acórdão, o tribunal decidiu nos seguintes termos (no que ora releva):

“Com base na fundamentação exposta e no âmbito do quadro legal traçado, acordam as juízas que constituem este tribunal coletivo em julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o despacho de pronúncia e consequentemente decidem:

1. Absolver os arguidos IC, JS, AV, SF, NC, CR e LMS, da prática - como autores materiais, sob a forma consumada -, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, e 24º, alínea j), do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro.

2. Condenar o arguido IC pela prática de um crime de detenção de arma ilegal, p. e p. pelos artigos 3º, nº 2, alínea l), 4º e 86, nº 1, alínea c), todos da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à razão diária de € 5, no valor de € 1.000,00.

3. Condenar o arguido GV pela prática - como autor material, sob a forma consumada -, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de sete (7) anos de prisão.

4. Condenar o arguido RC pela prática - como autor material, sob a forma consumada -, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de seis (6) anos de prisão.

5. Condenar o arguido LC pela prática - como autor material, sob a forma consumada -, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de seis (6) anos e seis (6) meses de prisão.

6. Condenar o arguido LS pela prática - como autor material, sob a forma consumada -, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de seis (6) anos de prisão.

7. Condenar o arguido AP pela prática - como autor material, sob a forma consumada -, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de seis (6) anos de prisão.

8. Determinar o perdimento a favor do Estado dos objetos acima referidos.

9. Condenar os arguidos IC, GV, LC, RC, LS e AP, no pagamento das custas do processo”.
*
Inconformados com o acórdão condenatório, dele interpuseram recursos os arguidos GV, LS, AP, LC e RC.

Os arguidos RC e AV interpuseram ainda dois recursos relativos a dois despachos interlocutórios (recursos cuja subida foi determinada com os recursos do acórdão condenatório): um datado de 18-04-2018 (que se pronunciou sobre interceções telefónicas) e outro proferido em 09-10-2018 (que decidiu diversas nulidades/irregularidades invocadas pelos referidos dois arguidos).

Os arguidos, nos respetivos recursos, apresentaram as seguintes (transcritas) conclusões:

A) Recursos dos despachos interlocutórios (arguidos RC e AV).

I - Recurso do despacho de 18-04-2018.
“1. Vieram os arguidos ora Recorrentes RC e AV, em sede de Contestação, em suma invocar as seguintes nulidades: - A nulidade do despacho de fls. 25 a 27 o primeiro que autorizou as interceções telefónicas, bem como os demais constantes de fls. 88, 292, 478, 728, 1028 e 1407, por violação dos princípios da proporcionalidade, adequação e necessidade. - A nulidade das interceções telefónicas efetuadas no período entre 09/11/2016 a 17/12/2016, no que diz respeito ao arguido RC, por ausência de despacho de validação. –

A nulidade das interceções telefónicas efetuadas nos períodos de 09/11/2016 a 15/11/2016, 16/11/2016 a 26/11/2016 e 07/12/2016 a 17/12/2016 no que tange aos demais arguidos, por ausência de despacho de validação.

2. O Ministério Público, no exercício do seu direito ao contraditório, veio invocar que estão verificados os pressupostos subjacentes ao n.º1 do artigo 187.º do Código de Processo Penal, na medida em que a autorização teve como fundamento factos concretos apurados nos autos que indiciavam a prática de factos ilícitos pelos arguidos e que justificavam a necessidade desse meio de prova, verificando-se ainda a exigida proporcionalidade.

Ouvidos os demais arguidos, veio o Arguido JM subscrever as nulidades invocadas.

3. Os Arguidos Recorrentes RC e AV, não se conformam de modo algum, nem se poderiam conformar com o entendimento perfilhado pelo Tribunal a Quo.

4. De facto, quanto às interceções telefónicas efetuadas no período compreendido entre 9/11/2016 a 15/11/2016, entendem os ora Recorrentes que não foi proferido qualquer despacho que tenha validado as mesmas;

5. Quanto às interceções telefónicas efetuadas no período entre 16 a 26 de novembro de 2016, foi proferido Despacho a fls. 252, porém este Despacho não validou as referidas interceções telefónicas. Na verdade, este Despacho nada diz quanto à validação ou não de tais interceções telefónicas.

6. Relativamente às interceções telefónicas efetuadas no período 27 de novembro de 2016 a 6 de dezembro de 2016 foi proferido Despacho a fls. 292, porém este Despacho não validou as referidas interceções telefónicas. Na verdade, este Despacho também, nada diz quanto à validação ou não de tais interceções telefónicas.

7. Relativamente às interceções telefónicas efetuadas no período 7 de Dezembro de 2016 a 17 de dezembro de 2016 foi proferido Despacho a fls. 374, porém este Despacho não validou as referidas interceções telefónicas. Na verdade, este Despacho nada diz quanto à validação ou não de tais interceções telefónicas.

8. Efetivamente, e agora em matéria de Direito, enquanto meio excecional de obtenção de prova em processo penal (excecionalidade essa reconhecida pelo nº 3 do artigo 126º do CPP), a interceção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser efetuadas nos quadros estreitos dos procedimentos fixados pelos artigos 187º e 188º do Código de Processo Penal.

9. Os citados normativos estabelecem um regime de autorização e de controlo judicial e o “sistema de catálogo”, em consonância com o disposto nos nº 1 e 4 do artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa. Enquanto o artigo 187.º do Código de Processo Penal consagra a admissibilidade da interceção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas para valerem como meio de prova, o artigo 188.º do mesmo diploma legal estabelece as formalidades a que estão sujeitos os atos de interceção e gravação.

10. Daí que se considere que os requisitos das escutas telefónicas assumem uma natureza material ou substancial no artigo 187º do CPP, e uma natureza formal ou procedimental no artigo 188º do CPP.

11. A natureza material advém da exigência legal que este meio de obtenção de prova só pode ser utilizado em determinadas situações, melhor, quando existam indícios da prática de certos tipos de crime (crimes do catálogo) e terá de ser sempre autorizada por despacho de um juiz; são, portanto, as condições de admissibilidade das escutas telefónicas.

12. Concomitantemente a estas condições de admissibilidade das escutas telefónicas, o legislador ordinário estabeleceu determinados formalismos inerentes à realização das mesmas, a forma como se processarão as escutas, com o fim de efetivar o papel do Juiz no controlo e fiscalização deste meio de obtenção de prova, por si previamente autorizado, os requisitos formais. As escutas telefónicas restringem, primordialmente, o direito fundamental de inviolabilidade nas telecomunicações, o qual tem a sua consagração constitucional no citado artigo 34º, nº 4, da CRP. Com efeito, e conforme se alude no Acórdão do TC nº 407/97 (DR, II série, nº 164, 18/7/97, p. 8604), a existência, no Código de Processo Penal, de um regime sobre «escutas telefónicas» deve-se a uma autorização expressa da Constituição.

13. Tal regime só existe porque a Constituição expressamente autoriza a sua existência: é o que decorre do nº 1 do artigo 34º, dos nºs 1 e 2 do artigo 18º, e do nº 4 do artigo 34º da CRP. Sendo o direito ao sigilo dos meios de comunicação privada (dito inviolável pelo nº 1 do artigo 34º) um direito fundamental diretamente aplicável (artigo 18º, nº 1), a sua restrição terá que ser autorizada pela própria Constituição (artigo 18º nº 2); a previsão, por lei ordinária, de um regime que permita às autoridades públicas a interceção e gravação de conversações telefónicas sem o consentimento dos intervenientes é, evidentemente, uma restrição; tal restrição legal só existe porque a Constituição, no nº 4 do artigo 34º, expressamente a autoriza. Por outro lado, o artigo 32º, nº 8, da Constituição da República dispõe ainda que: “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”.

14. De forma a consagrar as referidas disposições normativas constitucionais, no direito ordinário adjetivo, o legislador estabelece, no seu artigo 126º do CPP, os métodos proibidos de prova.

15. Verificamos, assim, que ao nível da inviolabilidade das telecomunicações estabelece-se uma ressalva, ou seja, serão válidas as provas obtidas mediante a violação do referido direito fundamental, nos casos previstos na lei penal adjetiva ou desde que haja consentimento do seu titular. Este regime jurídico, diferente dos nºs 1 e 2 do mesmo artigo, deve-se ao facto de que, aqui, os direitos fundamentais em questão não se prendem diretamente com a dignidade da pessoa humana, trata-se de direitos disponíveis, e portanto, restringíveis.

16. Independentemente da aludida diferença, certo é que a não observância dos pressupostos materiais de realização de uma interceção telefónica gera uma proibição de prova, por violação dos artigos 32º, nº 8 da CRP e 126º, nº 3 do CPP, uma vez que 9/27 8 tais pressupostos são aqueles de que a lei faz depender a adoção do método de obtenção de prova.

17. Mais concretamente, estamos perante uma proibição de produção de prova (por utilização de um método de produção de prova proibido), por violação de determinados direitos liberdades e garantias, que vai redundar numa proibição de valoração das gravações assim obtidas, como estatuído expressamente no art. 126.º, n.º 3 do CPP.

18. Por conseguinte, atestada a violação dos artigos 187.º e ou 188.º do CPP, estabelece o art. 190.º do CPP a nulidade desses atos. Com efeito, estabelece o citado artigo 190º do CPP, que: “os requisitos e condições referidos nos artigos 187.º, 188.º e 189.º são estabelecidos sob pena de nulidade”.

19. Nos termos do art.º 188º, nº 3, do C.P.P., na redação anterior à Lei n.º 48/2007, de 29/08, depois de ordenada a transcrição compete ainda ao juiz de instrução criminal titular ordenar que a mesma seja junta ao processo, por considerar relevante para a prova dos factos em investigação, e que a junção aos autos das transcrições precede de despacho de validação das mesmas, garantindo que as mesmas estão em conformidade com as interceções telefónicas efetuadas aos alvos a que respeitam.

20. Mais refere que a alteração legislativa pela entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29/08, não derrogou o princípio instituído pelo anterior nº 3 do art. 188º, consagrando-o agora no nº 7 daquele mesmo art. 188º, ambos do C.P.P., pelo que só as transcrições previamente validadas por despacho do Juiz de Instrução Criminal podem ser incorporadas e juntas ao processo, caso contrário estão feridas de nulidade.

21. Ora, no caso em concreto e quanto às interceções telefónicas supra indicadas não houve qualquer despacho a validar a transcrição e não existindo qualquer outro despacho judicial teremos de considerar que as mesmas são nulas, não podendo ser valoradas, e isto independentemente do referido juiz de Instrução Criminal ter ordenado a transcrição das referidas sessões.

22. Pelo exposto e por violação do disposto no art. 188º, nº 7 do CPP, uma vez que inexiste Despacho Judicial a validar as referidas interceções telefónicas, as mesmas devem ser declaradas nulas – o que se requer para todos os efeitos legais – pelo que se deve declarar verificada, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 32º, nº 8 da CRP, 126º, nº 3, 187º e 190.º do CPP, tal nulidade - que entendemos ser absoluta ou insanável - das escutas telefónicas supramencionadas.

23. A nulidade das interceções telefónicas supra indicadas e no que ao arguido RC diz respeito acarreta necessariamente a nulidade de todas as interceções telefónicas que foram efetuadas posteriormente e que tiveram como objeto de interceção o nº 9339----, Alvo 87228040, na medida em que as interceções telefónicas efetuadas posteriormente limitam-se a ser uma prorrogação do Despacho que autorizou aquelas.

24. O artigo 187º do CPP consagra a admissibilidade da interceção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas, como meio de prova, desde que ordenadas ou autorizadas, por despacho judicial, relativamente aos crimes enumerados nas alíneas a) a e), do nº1, do citado normativo. Se houver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.

25. Por seu turno o art.º 188º do CPP determina as formalidades a que estão sujeitas as interceções e gravações como meio de recolha de prova.

26. Os citados normativos estabelecem um regime de autorização e controlo judicial, e «sistema de catálogo», em que a escuta telefónica é reservada exclusivamente a tipos criminais que pelas suas características tornam tal meio de recolha de prova particularmente apto à investigação ou que, pela gravidade dos interesses em jogo (expressa numa moldura penal abstrata qualificada), podem justificar a adoção de uma medida consensualmente vista como portadora de um elevado potencial de «danosidade social». (vide Manuel da Costa Andrade, in “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra, 1992, págs. 272, 275, 281, 283 e 285).

27. Do referido normativo da lei fundamental resulta que só em matéria de processo penal é admissível a limitação do direito fundamental do sigilo da correspondência e nas telecomunicações pelas autoridades públicas, corporizando os artigos 187º a 190º, do CPP precisamente tal exceção indicada no segmento final do comando constitucional.

28. O legislador português procurou, assim, “inscrever o regime de escutas telefónicas sobre a exigente ponderação de bens entre: por um lado, os sacrifícios ou perigos que a escuta telefónica traz consigo, e, por outro lado, os interesses mais relevantes da perseguição penal.

29. Descendo ao caso concreto dos presentes autos, verificamos que os presentes autos tiveram o seu início com o auto de notícia de fls. 2 que mais não é do que a notícia de ter sido efetuadas denúncias anónimas por telefone contra alguns dos aqui arguidos, nomeadamente, contra os arguidos RC e AV.

30. Depois temos duas vigilâncias externas de fls. 6 e 8 das quais resulta tão só e apenas que os arguidos RC e AV e os arguidos GV e SF vivem em determinada morada, utilizam o veículo Ford Fiesta cinzento com a matrícula ---LG, para que o OPC peça – de imediato – interceções telefónicas (veja-se fls. 2); o MP promova tais interceções (fls. 19) e, nesse seguimento, e sem mais, o JIC autorize as referidas interceções telefónicas (fls. 25).

31. Ora, este meio de obtenção de prova só pode ser autorizado pelo JIC “se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade” ou se a prova for de outro modo “impossível ou muito difícil de obter”, conforme resulta do art.º 187º nº 1 do CPP.

32. É importante destacar que não é suficiente o mero interesse para a descoberta da verdade ou da prova, exige-se que a diligência seja indispensável para a descoberta da verdade ou da prova.

33. A anterior redação deste preceito apenas exigia que a diligência tivesse “grande interesse para a descoberta da verdade ou da prova” e não indicava os critérios da indispensabilidade para a descoberta da verdade e da impossibilidade ou elevada dificuldade de obter a prova de outro modo.

34. Tínhamos, quando as mesmas foram autorizadas um auto de notícia que dava conta de denúncias telefónicas anónimas e duas vigilâncias externas que nos davam conta da residência dos arguidos RC AV, GV e SF e a identificação dos veículos usados por estes arguidos. Nada mais!

35. E, portanto, dos elementos de prova existentes nos presentes autos e que supra indicamos aquando da prolação da decisão de fls. 25 sobre o requerimento do Ministério Público de fls. 19 não resulta, de forma alguma, a indispensabilidade das interceções telefónicas autorizadas para a descoberta da verdade ou na impossibilidade ou grande dificuldade em obter a prova de outra forma.

36. Desta forma o Despacho de fls. 25 e todos os restantes Despachos que autorizaram interceções telefónicas, mais concretamente, o Despacho de fls. 88 e todos os restantes despachos que prorrogam a autorização destes dois Despachos iniciais violaram os princípios da proporcionalidade, da adequação e da necessidade referidos no nº 2 do art. 18º da CRP.

37. Os Arguidos sabem que o crime em investigação, o de tráfico de estupefacientes, é um dos chamados crime de “catálogo”, (al. b) do nº 1 do art. 187º), porém, convirá recordar que de acordo com o “corpo” desta disposição legal, a operação de interceção e gravação de comunicações telefónicas só pode ser autorizada durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter – como já dissemos supra!

38. Ora, o que existe nos autos é que o órgão de polícia criminal adquiriu a notícia da atividade criminosa através de informações transmitidas por telefone e por alguém que quis manter-se anónimo, subscrevendo o auto de notícia e afirmando que as informações transmitidas tinham fundamento.

39. Só que aquilo que se diz ser a atividade do suspeito é objeto de exposição e síntese pelo órgão de polícia criminal no que se designa como “auto de notícia” elaborado, como se diz de acordo com o art. 243º.

40. O nº 1 desse artigo determina que sempre que uma autoridade judiciária ou um órgão de polícia criminal presenciarem qualquer crime de denúncia obrigatória levantam ou mandam levantar auto de notícia. Na realidade, porém, o órgão de polícia criminal não presenciou qualquer crime. Apenas supõe que haja crime.

41. Dos autos de vigilância externa de fls. 6 e 8 o órgão de polícia criminal também não presenciou qualquer crime. Apenas supõe que haja crime.

42. Não existe, deste modo, qualquer evidência por um lado sobre a existência de uma suspeita fundada ou patente ou mesmo indícios suficientes, pois em nome do dever de estrita objetividade a que o magistrado do MP está obrigado, não é possível, nem razoável afirmar que pelo facto de alguém ter antecedentes criminais por determinado crime e de haver uma denúncia anónima contra o mesmo, o torna suspeito de estar de novo a cometer o mesmo ilícito.

43. E, por outro lado, resulta da leitura dos autos que não se verifica ter sido feita qualquer diligência ou que dê corpo à suspeita do cometimento de qualquer crime e que levasse à autorização judicial solicitada.

44. Com efeito, restam ainda sérias dúvidas sobre qual o fundamento que permite concluir que as informações transmitidas foram confirmadas. Como acabámos de concluir não existem indícios suficientes ou patentes suspeitas de que os arguidos em causa se dedicassem ao tráfico de estupefacientes.

45. No entanto, queremos ainda esclarecer que nada impede que o processo criminal em que se autoriza o recurso às escutas tenha por base denúncias anónimas – que, como denúncia anónima, não está sujeita a formalidades especiais, conforme dispõe o art. 246º, n.º 1 –, desde que, como é óbvio, elas contenham factos determinados que conduzam à formação da convicção judicativa exigida pelo art. 187º, n.º 1.

46. Refira-se ainda que tratando-se as interceções telefónicas um regime de obtenção de prova, não são exigidos indícios fortes nem tal poderia ser legalmente exigido, sob pena de contrariar, ou submeter a uma inversão intolerável, a lógica da reconstrução material da verdade factual levada a cabo pela investigação criminal; mas, para que se defira a realização de escutas telefónicas, basta que haja suspeitas da prática do crime (de catálogo) e de quem é ou são os seus agentes, o que não acontece no caso sub judicio.

47. Assim, e na boa verdade, quando foram autorizadas as interceções telefónicas nos presentes autos e que constam de fls. 25 e 88 temos apenas denúncias anónimas, a residência dos arguidos e os veículos por si usados e a convicção policial.

48. Assim, sem que previamente se confirme tais elementos (os que resultam do auto de notícia de fls. 2 que mais não é do que o resumo das denúncias anónimas), não é possível afirmar que estão preenchidos os requisitos legais para o deferimento do requerido pelo MP a fls. 19 e 84, pelo que o JIC deveria ter indeferido nas concretas circunstâncias de tempo e de oportunidade que lhe foram colocadas o pedido de interceção telefónica, desrespeitando, desta forma, os princípios da proporcionalidade, da adequação e da necessidade referidos no nº 2 do art.18º,da CRP.

49. Por todo o exposto, face aos elementos de que se dispunha, entendemos pelas razões supra expendidas, não se mostrarem reunidos os requisitos mínimos legalmente exigíveis para ser autorizada a escuta telefónica solicitada a fls. 19 e 84, apesar de estarmos perante a denúncia de um crime de tráfico de estupefacientes, que requer cuidados especiais sob pena de se perturbar a investigação.

50. Pelo JIC deveria ter indeferido nas concretas circunstâncias de tempo e de oportunidade que lhe foram colocadas o pedido de interceção telefónica, não o tendo feito, desrespeitou, desta forma, os princípios da proporcionalidade, da adequação e da necessidade referidos no nº 2 do art. 18º da CRP, pelo que tais despachos – os de fls. 25 e 88, bem como todos os Despachos proferidos posteriormente de prorrogação das interceções autorizadas nestes dois Despachos são nulos – nulidade que se requer para todos os efeitos legais.

51. Face ao supra exposto, e sem necessidade de mais considerandos deveria a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo ter julgado procedentes as nulidades arguidas pelos ora Recorrentes RC e AV em sede de Contestação.

52. E consequentemente, julgar nulos os Despachos proferidos a fls. 25, 88, 292, 478, 728, 1028 e 1407. Mais Deveria a Meritíssima Juiz a quo ter julgado procedentes as nulidades das interceções telefónicas efetuadas no período compreendido entre 09/11/2016 a 17/12/2016 relativamente ao Arguido RC, e nos períodos compreendidos entre 9/11/2016 a 15/11/2016, 16/11/2016 a 26/11/2016 e 07/12/2016 no que tange aos demais arguidos, por ausência de Despacho de validação.

DAS NORMAS VIOLADAS
1. Artigo 126º do Código de Processo Penal
2. Artigo 187.º do Código de Processo Penal
3. Artigo 188º do Código de Processo Penal
4. Artigo 189º do Código de Processo Penal
5. Artigo 190º do Código de Processo Penal
6. Artigo 18º do da Constituição da República Portuguesa
7. Artigo 32º do da Constituição da República Portuguesa
8. Artigo 34º da Constituição da República Portuguesa”.

II - Recurso do despacho de 09-10-2018.
“1. RC e AV Arguidos no processo à margem melhor identificado, NÃO SE CONFORMANDO DE TODO, com o teor do Despacho proferido no passado dia 09/10/2018, com a referência 28032909 por parte do Tribunal recorrido, vêm dele INTERPOR RECURSO perante V. Exas.

2. Nos presentes autos os ora recorrentes vinham pronunciados pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos arts. 21º, nº 1 e 24º, alínea j), ambos do Dec.-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, sendo que o recorrente RC encontra-se em prisão preventiva desde 23/09/2016.

3. Na sessão de julgamento do dia 5/07/2018, porque a Sra. Dra. Juiz Presidente iria-se ausentar de férias, a leitura do respetivo Acórdão foi agendada apenas para o dia 5 de setembro de 2018, com a concordância de todos os sujeitos processuais.

4. Isto apesar de, já nessa data, o prazo máximo da prisão preventiva do Arguido RC terminar a 23/09/2018.

5. Ou seja, os arguidos estiveram a aguardar dois meses certinhos pela leitura do acórdão.

6. Chegada a data designada para a leitura do acórdão, o tão esperado dia 5/09/2018, o Tribunal recorrido procedeu à alteração substancial e não substancial de factos, nos termos resultantes da respetiva ata de julgamento, inclusivamente e principalmente, quanto aos aqui recorrentes.

7. Os recorrentes não prescindiram do prazo de defesa e requereram o prazo de 10 dias para o efeito.

8. O Tribunal recorrido, a muito custo, deferiu a pretensão dos recorrentes e designou o dia 17-09-2018 às 14:00 horas, data esta obtida em concordância com os ilustres mandatários presentes.

9. Acontece que no prazo que o Tribunal concedeu aos recorrentes, para apresentarem a sua defesa, a sua mandatária esteve 3 dias seguidos em interrogatório judicial de arguidos detidos num outro processo-crime e, por esse motivo, não conseguiu apresentar a defesa dos arguidos dentro do prazo estipulado sem que para o efeito tenha usado dos 3 dias de multa que a lei lhe confere, tendo nesse sentido e à cautela apresentado o requerimento com a ref. 30097700) e que aqui damos por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

10. Através desse requerimento a defesa dos recorrentes informaram, justificaram e provaram o porquê de não ter conseguido apresentar a defesa no prazo de 10 dias sem recorrer à utilização dos 3 dias de multa e indicou logo nesse mesmo requerimento que apenas teria disponibilidade de agenda para continuação de julgamento nos dias 27 de setembro de 2018; 3, 9, 10, 12, 19 e 26 de outubro de 2018.

11. O Tribunal recorrido proferiu, então, o Despacho de 17/09/2018, com a ref. 27970437 o qual damos aqui por integralmente reproduzido e através o qual agenda a continuação para julgamento para uma das datas não disponíveis pela ora subscritora e requer que a mesma prove documentalmente tal impedimento;

12. Veio mandatária dos recorrentes, então, comprovar nos autos, com junção da convocatória, o facto de ter já agendado para o dia em causa – para o dia 21/09/2018 - um outro julgamento em processo de natureza igual (julgamento em processo crime em que a ora subscritora representava arguidos que se encontravam igualmente acusados da prática de um crime de tráfico de estupefacientes e no qual um deles se encontrava preso) - requerimento de 20/09/2018, com a ref. 30101347 o qual damos aqui por integralmente reproduzido;

13. Os Recorrentes, entretanto, e também no dia 20/09/2018 apresentam a sua defesa, onde requereram produção de prova, nomeadamente, prova testemunhal e prova por reconhecimento ao abrigo do disposto no art. 147º do CPP (requerimento com a ref. 30151067, datado do dia 20/09/2018 e que aqui damos por integralmente reproduzido)

14. Porém, e para total surpresa de todos, o Tribunal recorrido apesar do que consignou no Despacho de 17/09/2018, com a ref. 27970437, veio, então, proferir – desta vez o seguinte Despacho (despacho com a ref. 27986399 datado de 21-09-2018) o qual damos aqui por totalmente reproduzido e através do qual vem dar o dito por não dito e não altera a anterior data agendada.

15. E assim, foi realizado o julgamento que se encontrava designado, sem a concordância da ora subscritora e contra a sua agenda, para o dia 21/09/2018.

16. E este (despacho com a ref. 27986399 datado de 21-09-2018) é o primeiro Despacho em causa no presente recurso e que os arguidos pretendem colocar à consideração e análise de V. Exas., tendo em conta a lei e tudo quanto supra se expos em matéria de facto.

17. Efetivamente, no requerimento apresentado pelos recorrentes a 25/09/2018 com a ref. 30194734 o primeiro Despacho cuja nulidade requereram é precisamente a nulidade deste despacho do dia 21/09/2018 e que tem a ref. 27970437.

18. E a grande questão que se coloca quanto ao mesmo é a de saber se o Tribunal tinha ou não que ter procedido ao adiamento da sessão de julgamento agendado para o dia 21/09/2018, tendo em conta toda a matéria factual que supra se expôs e tendo em conta a própria lei, e em caso afirmativo e não o tendo feito, se tal Despacho sofre de algum vicio nomeadamente, os vícios que foram alegados no requerimento de 25/09/2018 com a ref. 30194734 e quais as consequências da verificação desses vícios.

19. Os recorrentes entendem que o Tribunal não poderia nunca deixar de proceder ao adiamento do julgamento designado para o dia 21/09/2018, por variadíssimas ordens de razão:

a. A primeira é de que o julgamento designado para o dia 21/09/2018, foi designado sem a prévia concordância dos mandatários dos arguidos, nomeadamente e para o que aqui importa, sem a concordância da ora subscritora – foi agendado por despacho do dia 17/09/2018 com a ref. 27970437, sem qualquer contacto prévio com os advogados – em clara violação do disposto no art. 312º, nº 4 do CPP e, ainda, do art. 151º, nº 1 do CPC.

b. A segunda é que mesmo antes de ter sido proferido aquele Despacho, ie, mesmo antes de ter sido designada aquela data para a continuação do julgamento já a ora subscritora, na qualidade de mandatária do dois arguidos ora requerentes, tinha alertado o Tribunal Recorrido que apenas teria como datas disponíveis as datas de 27 de Setembro, 3, 9, 10, 12, 19 e 26 de Outubro de 2018, por ter já diligências processuais agendadas nos dias não indicados e que iam até ao dia 26 de Outubro de 2018 – veja-se requerimento do dia 16/09/2018 com a ref. 30097700 – em cumprimento do disposto no art. 151º, nº 5 do CPC.

c. A terceira e a mais grave de todas (a nosso ver) é que tendo em conta precisamente o impedimento de comparência da ora subscritora em outras datas que não as por si indicadas como disponíveis no requerimento de 16/09/2018 foi proferido o tal Despacho (Despacho de 17/09/2018 com a ref. 27970437), que diz expressamente o eventual impedimento da ora subscritora para qualquer data que não as indicadas por si “apenas poderá ser atendido após sua comprovação neste autos, designadamente com junção da convocatória/ata, sendo que a continuação de julgamento de arguido preso em princípio se sobreporá sobre qualquer outro serviço judicial que não seja de idêntica natureza.”, sendo que em cumprimento deste mesmo Despacho, a ora subscritora – como vimos supra – veio juntar prova documental do seu impedimento em serviço judicial de igual natureza - veja-se requerimento de 20 de Setembro de 2018 ref. 30151027. Este requerimento foi apresentado não só em cumprimento do Despacho 27970437, mas também em cumprimento do disposto no art. 151º, nº 2 do CPC. E depois, sem qual lógica, é proferido o despacho de 21/09/2018 com a ref. 27988932.

20. Isto tudo sem falar de que havia já sido apresentado um requerimento de prova suplementar por parte dos recorrentes, apresentado na sequência da alteração não substancial dos factos imputados aos aqui Recorrentes, e sobre qual ainda não havia sido proferida qualquer decisão.

21. o Despacho agora em causa é ILEGAL, por ser contrário à lei, e o entendimento nele expresso é, a nosso ver, inconstitucional porque contrário à nossa Constituição.

22. Isto porque, antes de mais, o despacho agora em causa vem contrair o decidido no Despacho proferido a 17/09/2018 com a ref. 27970437 violando as expectativas de todos os sujeitos processuais – Violação do princípio da segurança jurídica – e como sabemos, o princípio do Estado de Direito concretiza-se através de elementos retirados de outros princípios, designadamente, o da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos. Tal princípio encontra-se expressamente consagrado no artigo 2º da CRP.

23. Ora, tendo em conta o teor do Despacho com a ref. 27970437 de 17/09/2018 e o teor do despacho que agora requeremos a V/análise com o presente recurso, não temos dúvidas em afirmar que o Tribunal recorrido violou de forma clara o princípio da segurança jurídica previsto no art. 2º da CRP, pois criou a confiança na ora subscritora, e nos recorrentes, que a data designada para o dia 21/09/2018 iria ser adiada desde que comprovado documentalmente o impedimento para aquele dia da ora subscritora por se encontrar em julgamento de arguidos presos no âmbito de um outro processo judicial. Era isso que resultava, sem dúvidas, do Despacho com a Ref. 27970437.

24. Depois, este despacho é ILEGAL por falta de fundamentação. De facto, este Tribunal limita-se a dizer “que a diligência invocada pela Ilustre Mandatária não apresenta prevalência sobre aquela agendada nos presentes autos”, sem - em momento algum - referir ou justificar o porquê de tal entendimento.

25. Não corresponde à verdade que “a diligência invocada pela Ilustre Mandatária não apresentasse prevalência sobre aquela agendada nos presentes autos”: em ambas as situações estamos a falar da mesma diligência judicial (julgamento), estamos a falar do mesmo crime (tráfico de estupefacientes) e em ambos os processos existem arguidos presos. Acresce que o julgamento agendado no âmbito do outro processo estava agendado já há bastante tempo (3 meses) pelo que a ora subscritora não podia já lançar mão do art. 155º do CPC, sendo certo, ainda, que a ora subscritora foi notificada a 20 de setembro que tinha julgamento no âmbito dos presentes autos, logo no dia seguinte, dia 21 de setembro…

26. Por isso, não tem qualquer razão este Tribunal quando diz que “a diligência invocada pela Ilustre Mandatária não apresenta prevalência sobre aquela agendada nos presentes autos”.

27. O Tribunal recorrido, por sua vez, é que entendeu – sem avançar com qualquer justificação - que os presentes autos tinham prevalência sobre o outro processo.

28. Este Despacho é ainda ILEGAL antes de mais por falta de fundamentação porque refere que tal entendimento por parte do Tribunal não prejudica os arguidos em causa quando na verdade o tribunal em momento algum explicita por que razão entende que tal entendimento não prejudica os arguidos – nulidade por falta de fundamentação.

29. Por outro lado, tal facto não corresponde sequer à verdade, por duas ordens de razão:

a. Primeiro, porque na sessão de julgamento cujo adiamento foi indeferido, a tal que acabou por se realizar a 21/09/2018, o Tribunal não admitiu as provas suplementares requeridas pelos arguidos, ora recorrentes, e estes nada puderam fazer naquele momento, pois o tribunal recorrido para além de violar o direito de os arguidos serem representados pelo advogado que escolheram para o efeito não concedeu o prazo de 5 dias que foram efetivamente requeridos pela Defensora oficiosa nomeada para ato à arguida/Recorrente AV em grosseira violação da Lei – violação do disposto no art. 330º, nº 1 parte final do CPP;

b. Segundo, porque o prazo máximo da prisão preventiva de todos os arguidos sujeitos àquela Medida de Coação no âmbito dos presentes autos, incluindo o arguido RC, terminaria no dia 23/09/2018 (domingo), o que significa que caso tivesse havido o adiamento (dia 21/09/2018 era sexta feira), logo nesse dia (dia 21/09/2018) o arguido, bem como os restantes que se encontravam em PP, teria que ser, necessariamente, colocado em liberdade e não foi.

30. Ao não adiar o julgamento que foi agendado contra a agenda da ora subscritora e sem a sua concordância prejudicou efetiva e em concreto todos os arguidos que nos presentes autos, à data se encontravam, em prisão preventiva, nomeadamente, o aqui recorrente RC.

31. Por outro lado, ao não adiar o julgamento que foi agendado contra a agenda da ora subscritora e sem a sua concordância prejudicou efetiva e em concreto os recorrentes porque os impossibilitou, contra a sua vontade, de serem representados pelo advogado que escolheram para o efeito e que os acompanhou ao longo de todo o processo o que, só por si, é uma prejuízo inestimável sendo-o ainda, em concreto e de forma objetiva, se atendermos a que havia prova suplementar requerida que foi indeferida naquela mesma audiência e que quem a requereu em nome dos recorrentes não se encontrava presente para agir em conformidade.

32. Mesmo aqui, e porque atendendo àquele indeferimento, a defensora nomeada para o ato para a arguida recorrente AV requereu prazo para preparar a defesa da arguida que representava e até isso foi negado pelo tribunal recorrido.

33. Assim, e por todo o exposto, o Despacho agora em causa, é, ainda, ILEGAL, porque VIOLOU VÁRIAS NORMAS LEGAIS, violou de forma grosseira e intolerável várias disposições legais, nomeadamente, princípios constitucionais coartando, assim, a boa defesa dos arguidos, ora recorrentes, a saber:

a. Antes de mais violou o disposto no art. 312º, nº 4 do CPP e do art. 155º do CPC, pois agendou a data de 21/09/2018 sem a concordância dos defensores dos arguidos que tinham a obrigação de comparecer àquele julgamento, nomeadamente, sem a concordância da ora subscritora enquanto Advogada de dois arguidos. Mais grave, ainda: agendou tal data quando sabia por já ter sido informado anteriormente que a ora subscritora estaria impedida de comparecer nessa data, decidindo, contudo, que a ora subscritora juntasse comprovativo de tal impedimento. Gravíssimo: manteve o Tribunal recorrido tal agendamento mesmo depois de ter sido proferido o despacho com a ref. 27970926 e depois da ora subscritora ter junto prova documental que atestava o seu impedimento de comparência por se encontrar noutro julgamento também de tráfico de droga e também com arguidos presos.

b. Depois, este despacho Violou a Constituição da República Portuguesa: É inconstitucional a interpretação que este tribunal fez no Despacho que agora se impugna quando interpretou o art. 312º, nº 4 do CPP e o art. 155º do CPC no sentido de que o Tribunal não tem o dever legal de marcar as datas de audiência de modo a evitar a sobreposição de outros atos judiciais em que a presença dos advogados é obrigatória, porque não pode permitir que as agendas dos advogados se sobreponham ao normal andamento de um processo urgente, mesmo nos casos em que o mandatário comunica tal impedimento em data anterior ao despacho de agendamento, em que tal impedimento resulta do mandatário ter já anteriormente agendada uma diligência do mesmo tipo (julgamento), em processo onde há igualmente arguidos presos e nos casos em que o mandatário atesta tudo isso com a junção de prova documental.

c. É, ainda, inconstitucional a interpretação da norma prevista no artº 330º nº 1 do C.P.P, quando interpretada no sentido de que a falta justificada do mandatário, por este se encontrar impedido – impedimento atestado por prova documental nos autos - não são motivos de adiamento da sessão de julgamento.

d. Tais interpretações são inconstitucionais por violação aos artigos 20º nº 2 e 4, 32º nº 1 e 5, 202º, nº 2, e 208º todos da C.R.P - Inconstitucionalidade que se arguiu, desde já, para todos os efeitos legais.

34. O Tribunal recorrido no Despacho recorrido entendeu não haver qualquer inconstitucionalidade, mas não explica o porquê.

35. Os ora recorrentes entendem que sim, entendem que a interpretação que o Tribunal recorrido fez das normas contidas no art. 312º, nº 4 do CPP e no art. 155º do CPC no sentido em que as interpretou e que supra referimos e que aqui damos por integralmente reproduzidos violam de forma clara e ostensiva artigos 20º nº 2 e 4, 32º nº 1 e 5, 202º, nº 2, e 208º todos da C.R.P., também pelos motivos que supra expusemos e mantemos.

36. Ora, proferido o despacho com a ref. 27986399 datado de 21-09-2018 o qual não alterou a data de 21/09/2018 – data designada para a realização de mais uma sessão de julgamento seguiu-se a própria sessão de julgamento do dia 21-09-2018.

37. Na sessão de julgamento do dia 21/09/2018 a ora subscritora não compareceu, pois estava efetiva e realmente impedida no tal outro julgamento de arguidos presos em Santarém, e o Tribunal recorrido – sem mais – proferiu uma série de despachos todos eles contrários à lei e, portanto, todos eles impugnados no requerimento apresentado a 25/09/2018 com a ref. 30194734.

38. Através deste requerimento (o apresentado a 25/09/2018 com a ref. 30194734) os ora Recorrentes vieram requerer a Nulidade/Irregularidade de todos dos despachos proferidos na sessão de julgamento do dia 21/09/2018 e que constam da respetiva ata através dos quais foram nomeados defensores oficiosos aos ora recorrentes, por não se verificarem no caso os respetivos pressupostos; o Despacho através do qual foi indeferido o prazo de 5 dias requerido pela defensora oficiosa da recorrente AV para preparação da sua defesa quando na verdade por lei o Tribunal recorrido tinha o dever legal de o conceder; e, ainda, Nulidade do Despacho que indeferiu a produção de prova suplementar apresentada pelos arguidos nos termos do art. 120º alínea d) do CPP.

39. Sobre tal requerimento recaiu, então e também, o Despacho agora recorrido.

40. Vejamos, então, o que se passou em concreto na sessão de julgamento do dia 21/09/2018…

41. Começou por o tribunal recorrido ordenar a nomeação de defensor oficioso aos recorrentes.

42. E, portanto, este Despacho que determinou a nomeação de defensores oficiosos aos recorrentes é o segundo despacho que pretendemos colocar à consideração de V. Exas. e que foi impugnado pelos recorrentes no requerimento apresentado a 25/09/2018 e cuja nulidade se requereu e que o despacho recorrido não atendeu.

43. Defendem os recorrentes que este primeiro despacho da sessão do dia 21/09/2018 é NULO por tudo quanto supra se expôs quanto ao não adiamento desta sessão de julgamento e, ainda, porque constitui uma grave violação das normas mais elementares do nosso CPP e da nossa Constituição e que já supra afloramos quando falamos da impugnação daquele outro primeiro despacho (despacho de 21/09/2018 com a ref. 27986399), mas que iremos aqui desenvolver.

44. Tal violação é ainda mais grave se atendermos ao facto do recorrente RC em plena sessão de julgamento ter manifestado expressamente a sua oposição em ser representado por qualquer advogado que não a ora subscritora, por ser ela a sua advogada constituída.

45. De facto, na sessão de julgamento do dia 21/09/2018 o arguido RC de forma expressa opôs-se a ser representado por qualquer advogado que não a sua Advogada, a ora subscritora – veja-se a gravação daquela sessão de julgamento – o que deveria constar da respetiva ata e não consta.

46. A nomeação de defensores oficiosos aos ora recorrentes na sessão de julgamento do dia 21/09/2018 é ILEGAL!!!!

47. Tal nomeação é ilegal, antes de mais, porque o arguido RC a isso se opôs, depois porque não se encontravam reunidas as exigências legais para que este Tribunal o pudesse fazer, violando o Tribunal recorrido a boa defesa previsto nomeadamente nos artºs 20º nº 2 e 4, 32º nº 1 e 5, 202º, nº 2, e 208º todos da C.R.P, assim, bem como artigo 6º nº 3 al. c) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e artºs 62º, nº 2 do estatuto da Ordem dos Advogados.

48. O Tribunal recorrido tinha que ter adiado necessariamente a sessão de julgamento que agendou para o dia 21/09/2018 por todos os motivos que supra expusemos quanto à ilegalidade do despacho proferido a 21/09/2018 com a ref. 27986399 e cujos fundamentos damos aqui por integralmente reproduzidos.

49. Não o tendo feito, sem dúvida alguma, o Tribunal recorrido violou o direito da livre escolha do advogado pelos arguidos RC e AV, aqui recorrentes, ainda, por cima porque em plena audiência o recorrente RC informou aquele Tribunal que não aceitava ser representado por nenhum outro advogado que não a sua advogada, a ora subscritora, a qual estava comprovada e absolutamente impedida de estar presente numa audiência de julgamento que foi agendada sem a sua concordância e agendada após a ora subscritora ter informado do seu impedimento e mesmo depois de tal impedimento ser comprovado documentalmente a ordens do próprio tribunal!

Violou o direito que os recorrentes têm, na qualidade de arguidos, de serem representados em julgamento pelo advogado que escolheram e no qual têm confiança, razão pela qual a constituíram como sua mandatária e motivo pelo qual o Arguido RC referiu em julgamento só a ela reconhecer como sua advogada!

50. Este Direito por parte dos arguidos é um corolário do princípio constitucional para a boa defesa previsto nomeadamente nos artºs 20º nº 2 e 4, 32º nº 1 e 5, 202º, nº 2, e 208º todos da C.R.P, assim, bem como artigo 6º nº 3 al. c) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e artºs 62º, nº 2 do estatuto da Ordem dos Advogados.

51. Tendo sido realizada a audiência de discussão de julgamento do 21/09/2018 a mesma é nula, porque a realização de audiência sem o defensor gera nulidade insanável do julgamento e da sentença artº 119 al. c).

52. Mais: a interpretação que o Tribunal a quo fez no Despacho que decidiu nomear defensor oficioso aos arguidos RC e AV por ausência da sua mandatária – tendo em conta tudo o que se tinha alegado anteriormente quanto ao impedimento e comprovação de tal impedimento por parte da mandatária destes arguidos – é uma interpretação inconstitucional do art. 312º, nº 4 do CPP e do art. 155º do CPC e, ainda, do art. 330º do CPP, nº 1 do CPP quando interpretada no sentido de que o Tribunal poderia ter realizado aquela sessão de julgamento e nomeado defensor oficioso quando o mandatário comunica atempadamente o seu impedimento em estar presente em data anterior ao próprio despacho de agendamento, em que tal impedimento resulta do mandatário ter já anteriormente agendada uma diligência do mesmo tipo (julgamento), em processo onde há igualmente arguidos presos e nos casos em que o mandatário atesta tudo isso com a junção de prova documental.

53. É, ainda, inconstitucional a interpretação da norma prevista no artº 330º nº 1 do C.P.P, quando interpretada no sentido de que a falta justificada do mandatário, por este se encontrar impedido - impedimento atestado por prova documental nos autos - não são motivos de adiamento da sessão de julgamento.

54. Tais interpretações feitas pelo Tribunal recorrido são inconstitucionais por violação aos artigos 20º nº 2 e 4, 32º nº 1 e 5, 202º, nº 2, e 208º todos da C.R.P - Inconstitucionalidade que se arguiram e se arguem novamente perante V. Exas.

55. Mais: no caso concreto mostra-se patente nos autos a efetiva inconveniência da nomeação oficiosa para a defesa dos arguidos, porque havia um requerimento de prova suplementar sobre o qual apenas ia ser proferida decisão naquela mesma sessão de julgamento.

56. O Tribunal recorrido ao agir como agiu, fê-lo num total desprezo pela pretensão dos arguidos em serem representados apenas pelo defensor constituído, mesmo que tal implicasse o adiamento, pois, essa pretensão foi transmitida expressamente pelo arguido RC em plena sessão de julgamento do dia 21/09/2018!

57. Assim, nas concretas circunstâncias do caso e se o Tribunal recorrido tivesse efetivamente ponderado sobre a situação em concreto, teria concluído que era absolutamente necessário proceder ao adiamento da audiência agendada “no último minuto” para o dia 21/09/2018 em primeiro lugar sem a concordância dos defensores dos arguidos e cuja presença era obrigatória e depois até contra a agenda daqueles, posto que a Mandatária, ora subscritora, encontrava-se absoluta e justificadamente impedida de comparecer tendo comunicado tal impedimento até em data anterior ao seu agendamento.

58. Por outro, lado não havia qualquer possibilidade de nomeação de defensor oficioso para aquele ato pelo menos no que ao arguido RC dizia respeito, por oposição expressa do mesmo.

59. Assim, devem V. Exas. Revogarem o despacho recorrido e declararem, a nulidade do primeiro despacho proferido na sessão de julgamento do dia 21/09/2018 e através do qual o tribunal a quo ordenou que fossem nomeados defensores oficiosos aos ora recorrentes – o que se requer.

60. Depois de serem, ilegalmente, nomeados defensores oficiosos aos recorrentes, a sessão de julgamento do dia 21/09/2018 continuou com a análise do requerimento de prova suplementar apresentada pelos arguidos, ora recorrentes – tendo sido proferido quanto a essa matéria Despacho de indeferimento.

61. Logo após a defensora oficiosa da Recorrente RC pediu escusa o que lhe foi deferido, tendo-lhe sido nomeado nova defensora e a Defensora da Recorrente AV requereu prazo nos termos do art. 330º, nº 1 do CPP.

62. O que foi, de imediato, indeferido pelo Tribunal recorrido e este despacho de indeferimento e este é o terceiro Despacho que requeremos a Vós Venerandos Juízes a vossa cuidadosa análise e decisão.

63. Defendem os recorrentes que o Tribunal recorrido jamais poderia indeferir tão só e apenas o requerido pela defensora oficiosa da recorrente AV!

64. O Tribunal teria que ter suspendido a audiência naquele momento e teria que ter fixado um prazo para que a defensora oficiosa da Arguida AV pudesse preparar a sua intervenção de acordo com uma boa defesa dos direitos e interesses da recorrente AV.

65. Assim, o adiamento impunha-se, ainda, porque uma das defensoras oficiosas dos Recorrentes (a defensora da aqui recorrente AV) e após ter sido comunicada a decisão de indeferimento do requerimento de prova suplementar por parte dos arguidos aqui recorrentes, requereu ao abrigo da lei, ao abrigo do art. 330º do CPP, o prazo de 5 dias para consultar os autos e preparar a defesa da arguida no caso entender, após a consulta dos autos, ser necessário aquela intervir tendo em conta tal decisão, o que lhe foi – sem mais – indeferido pelo Tribunal recorrido em violação insuportável do disposto no art. 330º, nº 1 do CPP.

66. Pelo que o Despacho que indeferiu à defensora oficiosa prazo para preparar a defesa da arguida AV, após lhe ter sido comunicado o indeferimento do seu requerimento de prova suplementar é ILEGAL por violação do disposto no art. 330º, nº 1 do CPP e, ainda, das garantias de defesa a que todos os arguidos a nossa Constituição garante!

67. O Tribunal tem que dar sempre prazo ao defensor quando este o requerer ao abrigo do disposto no art. 330º, nº 1 do CPP.

68. Coisa diferente é quanto ao prazo. A defensora requereu o prazo de 5 dias, o tribunal entendia que era excessivo, teria que lhe ter fixado um prazo que entendesse adequado e que a advogada aceitasse. Não podia era não dar nenhum.

69. Assim, os despachos que foram proferidos na sessão de julgamento do dia 21/09/2018, mais concretamente os despachos que nomearam defensores oficiosos aos recorrentes RC e AV e, ainda, o Despacho que não concedeu à defensora oficiosa nomeada à recorrente AV o prazo por si requerido de 5 dias para poder consultar o processo e poder pronunciar-se quanto ao despacho de indeferimento que o Tribunal tinha acabado de proferir quanto ao requerimento de prova suplementar apresentado pelos arguidos RC e AV, ESTÃO FERIDOS DE ILEGALIDADE por contrários à lei, tendo o Tribunal recorrido violado, com os mesmos, as normas legais que supra indicamos, nomeadamente, as normas constitucionais já supra elencadas.

70. E assim e todo o exposto deve o Despacho que não concedeu o prazo à defensora oficiosa da ora recorrente ser declarado nulo, com todas as consequências legais.

71. Por último, vêm os recorrentes requererem a V. análise e decisão sobre o decidido pelo Tribunal a quo no Despacho proferido também na sessão de julgamento do dia 21/09/2018 e através do qual aquele Tribunal indefere o requerimento de prova suplementar apresentado pelos arguidos no dia 20/09/2018 com a ref. 30151067.

72. Entendem os recorrentes que tais provas eram essenciais para a descoberta da verdade material, mais concretamente para a descoberta da verdade quanto aos factos elencados nos pontos indicados nesse requerimento e que resultaram da alteração não substancial dos factos comunicada anteriormente aos arguidos.

73. Por sua vez o Tribunal recorrido entendeu que não. Entendeu que tais provas suplementares não passavam de uma manobra dilatória da defesa que pretendia alcançar não o esclarecimento da verdade, mas a extinção do prazo da prisão preventiva - tal como assume de forma expressa no requerimento que agora apresenta - ao total arrepio dos princípios que regem o processo penal e a Constituição.

74. Os arguidos requereram a produção de prova que indicaram porque entenderam e entendem que a mesma era essencial á descoberta da verdade material. Nenhuma das comunicações telefónicas que constam nos factos comunicados aos arguidos aquando da alteração não substancial dos factos fora, efetivamente efetuadas ou rececionadas pelo arguido RC e/ou AV, que nada têm a haver com os factos em discussão nos presentes autos.

75. Por último, e na verdade dos factos, se analisarmos as várias atas das várias sessões de julgamento verificamos que se o Julgamento nos presentes autos durou até setembro de 2018 e se houve a prática de atos dilatórios esses não se deveram à defesa dos arguidos.

76. Tudo isto para dizer que tendo o Tribunal recorrido indeferido a produção de prova indicada pelos arguidos, aqui recorrentes, e que são essenciais para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa tal despacho é nulo nos termos do disposto no art. 120º, nº 2, alínea d), do CPP – o que deverá ser declarado também por Vós venerandos Juízes!

NORMAS VIOLADAS:
Art. 151º, nº 1, nº 2 e nº 5 do CPC
Art. 155º do CPC
Art. 312º, nº 4 do CPP;
Art. 330º, nº 1 do CPP
Art. 120º, alínea d) do CPP
Art. 2 da CRP;
Art. 20º, nº 2 e 4 da CRP;
Art. 32º, nº 1 e 5 da CRP;
Art. 202º, nº 2 e art. 208º da CRP;
Art. 6º, nº 3, alínea c) do CEDH;
Art. 62º, nº 2 do EOA.

Nestes termos e nos melhores de Direito deve o presente recurso ser julgado procedente nos exatos termos que supra defendemos, com o que se fará a tão acostumada Justiça”.

B) Recursos do acórdão condenatório.

I - Recurso do arguido GV.
“1.ª - O tribunal recorrido fez uma errada subsunção dos factos dados como provados, tendo condenando o arguido/recorrente pelo art.º 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro.

2.ª - Da matéria de facto dada como provada pelo Douto Tribunal recorrido, conclui-se pela verificação das circunstâncias suscetíveis de integrarem o tipo de crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art.º 25.º do referido diploma legal, nos termos em que se pronunciou o Ac. do STJ de 23 de Novembro de 2011 (processo n.º 127/09.3PEFUN.S1, relator: Santos Carvalho, www.dgsi.pt).

Veja-se,

3.ª - É dado como provado que a atividade de tráfico decorreu num período de 6 meses – Outubro de 2016 a Março de 2017.

4.ª - É dado como provado que a atividade de tráfico foi exercida em área geográfica restrita a Évora.

5.ª - Foi dado com provado que a venda de produtos estupefacientes era precedida de contactos telefónicos diretos entre os consumidores e o recorrente.

6.ª - Que o meio de transporte utilizado era o mesmo que era utilizado na sua vida diária e de baixo valor de mercado.

7.ª - Não foi apreendida qualquer quantidade de estupefaciente ao recorrente.

8.ª - O recorrente tinha um nível de vida bastante modesto, em nada diferente do da comunidade em que se inseria, tendo inclusive um dos consumidores referido que lhe comprou uma vez estupefaciente em troca de pão.

9.ª - Foram apenas dadas como provadas pelo douto Tribunal recorrido 14 vendas a apenas 5 consumidores.

10.ª - Foi dado como provado que o recorrente está inserido familiar e socialmente.

11.ª - A ausência de antecedentes criminais de natureza idêntica ao crime em causa nestes autos.

12.ª - O tribunal recorrido considerou que as necessidades de prevenção especial, que se revelam medianas em face da ausência de antecedentes criminais de natureza idêntica.

13.ª - O Tribunal recorrido refere que o modo de execução do crime praticado que não revela grande preparação técnica, sendo que recorreu a intermediários, embora com a utilização de logística relativamente rudimentar.

14.ª - O tribunal recorrido admite que a gravidade do ilícito praticado que, no caso concreto, é de grau mediano, considerando a quantidade de situações concretamente apuradas.

15.ª - Conclui também o douto tribunal recorrido que a intensidade do dolo do arguido, que no caso em apreço é mediano.

16.ª - Como é possível Venerandos Juízes Desembargadores, que tendo o tribunal apurado em relação ao arguido as circunstâncias acima descritas tenha optado por lhe aplicar uma pena de 7 anos de prisão.

17.ª - Estão assim preenchidos os requisitos que integram o tipo do crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro.

18.ª - Deve o recorrente ser absolvido da prática de um crime de tráfico, p. e p. pelo art.º 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, condenando-se o mesmo pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º do mesmo diploma legal, em pena que V.Ex.ªs Meritíssimos Juízes Desembargadores entenderem como justa, adequada e proporcional à gravidade dos factos praticados pelo recorrente.

Caso assim não o entendam V.Ex.ªs,

19.ª - A pena aplicada ao recorrente de 7 (sete) anos de prisão é excessiva, não tendo tido devidamente em conta todas as atenuantes que militam a favor do arguido ora recorrente.

20.ª - O art.º 71.º do Código Penal estabelece as razões legais da aplicação da pena: a culpa – ponto e referência que o julgador não pode ultrapassar – e a prevenção, geral e especial ou de ressocialização.

21.ª - Só finalidades de prevenção – nunca finalidades absolutas de retribuição e expiação – podem justificar e legitimar a pena.

22.ª - Tal interpretação decorre do chamado princípio da referência Constitucional ou princípio da congruência ou da analogia substancial entre a ordem axiológica Constitucional e a ordem dos bens jurídicos (Prof. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 72-73).

23.ª - Ao depararmo-nos com o disposto no art.º 71.º, n.º 2 do Código Penal, percebemos facilmente que era intenção do legislador que ao determinar-se a pena, deveria o julgador em primeiro lugar escolher os fins das penas, pois só a partir deles se podem ajuizar os factos do caso concreto relevantes para a determinação da pena e a valoração que lhes deve ser dada.

24.ª - Atenta os factos dados como provados, que se reproduzem na íntegra, no entender do ora recorrente poderiam e deveriam ter conduzido o Coletivo aplicação de uma pena mais branda.

25.ª - Não ficam assim grandes dúvidas, que apreciada na sua globalidade e em atinência ao arguido ora recorrente, o probatório oferece alguma reserva.

25.ª - À presente data o arguido encontra-se preso preventivamente no E. P. de Beja, onde mantém comportamento adequado e é visitado por familiares.

26.ª - Quando estamos perante uma pena excessiva, ainda que tenha sido considerada necessária, que ultrapasse o juízo de censura que o agente causador do crime mereça, essa pena é injusta.

27.ª - No entender do arguido a pena que lhe foi aplicada peca por excessiva, pelo que é grande o inconformismo do mesmo, na medida em que não tem qualquer antecedente criminal, e, pese embora estejamos perante uma atuação censurável, o recorrente entende que esta não é passível de uma pena tão severa quanto a aplicada.

29.ª - Valorando corretamente as atenuantes de que ao arguido beneficia, e caso V. Ex.ªs Venerandos juízes Desembargadores entendam que não é de aplicar o art. 25.º do Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro, mas sim o art.º 21.º do mesmo diploma, deverá conduzir à aplicação ao recorrente de pena fixada entre os 4 (quatro) e os 5 (cinco) anos de prisão, pela qual ora se pugna.

30.ª - Pena esta, adequada e proporcional à culpa do recorrente e que satisfaz com equilíbrio as finalidades das penas, de prevenção geral e de prevenção especial ou de ressocialização.

31.ª - Houve por parte do Tribunal recorrido errada aplicação dos art.s 40.º, n.ºs 1 e 2, e 71.º, todos do Código Penal.

32.ª - Preceitua ao artigo 50.º n.º 1 do Código Penal que a pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos deve ser suspensa se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

33.ª - Dispõe o artigo 53.º do CP que o tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade, o que se requer.

34.ª - É possível fazer um juízo de prognose positiva sobre a ressocialização do arguido, sendo que, a simples censura do facto e a ameaça da prisão serão determinantes para o mesmo determinar a sua vida em sociedade de acordo com a lei.

35.ª - Com efeito, o princípio que a doutrina tem denominado da necessidade das penas, afirma que a legitimidade das penas criminais dependa da sua necessidade, adequação e proporcionalidade, em sentido estrito, para a proteção de bens ou interesses constitucionalmente tutelados, salientando que o espaço prisional é estigmatizante e alavanca de mais criminalidade.

36.ª - O facto de o arguido ser jovem.

37.ª - O arguido tem companheira que trabalha com empregada de limpeza e está inscrita num curso de formação profissional de operadora de informática, que lhe dá e tem dado todo o suporte.

38.ª - O arguido tem duas filhas com 7 e 2 anos de idade, sendo esta doente - sofre de infeções respiratórias frequentes - que têm sofrido com a ausência do pai.

39.ª - Caso o arguido seja libertado tem já garantido trabalho.

40.ª - Deverá ser aplicada ao arguido ora recorrente pena que possa ser suspensa na sua execução sujeita a regime de prova.

Termos em que,
Deve o presente recurso merecer provimento e em consequência:

a) Ser o arguido ora recorrente condenado pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art.º 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, na medida da pena de prisão que V.Ex.ªs entenderem como adequada e justa, devendo a mesma ser suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova.

Ou, caso assim V. Ex.ªs não o entendem,
b) Deverá a pena aplicada ao arguido/recorrente ser reduzida para pena que não exceda os 5 (cinco) anos de prisão.

c) Deverá a pena ser suspensa na sua execução sujeita a regime de prova.

NORMAS VIOLADAS:
- Art.º 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
- Art.º 40.º, n.ºs 1 e 2, art.º 71.º e art.º 50.º, todos do Código Penal”.

II - Recurso do arguido LS.
“I) O presente recurso tem por objeto a correta subsunção dos factos ao Direito (entende-se que o arguido devia ter sido condenado apenas pelo crime de tráfico de menor gravidade previsto no artigo 25.º do Decreto-Lei 15/93 e não pelo crime nuclear de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 2l.º n.º 1 do mesmo diploma), tendo ainda por objeto a medida da pena aplicada, nomeadamente por se entender que a mesma é excessiva e por ter sido determinado o seu cumprimento efetivo em estabelecimento prisional, relativamente à condenação pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 2l.º n.º 1 do Decreto-Lei 15/93 de 22/0l.

II) Nos presentes autos estão em causa quantidades pequenas de produto estupefaciente, tendo sido apreendidas ao arguido LS 10,111 gramas de heroína, e 3,780 gramas de cocaína, que permitiam a concretização de 12 doses cada qual, e foi apreendida à testemunha JL 0,131 gramas de heroína após se ter encontrado com o arguido e que permitia a concretização de uma dose;

III) Apenas se encontra entre os factos provados a cedência pelo arguido LS de produto estupefaciente a um consumidor em concreto, nomeadamente a JL;

IV) Não se olvida a confissão do arguido em sede de primeiro interrogatório judicial, no entanto, em face dos factos provados trata-se de pequeno tráfico, sem ligação a quaisquer redes, desprovido de organizações de meios logísticos e sem ter acesso a grandes quantidades de droga, tendo os factos dos autos decorrido durante um período curto, entre Outubro 2016 e Março de 2017;

V) Quanto aos meios utilizados pelo arguido LS estes eram escassos, pois as entregas eram feitas a pé junto à sua residência ou no lago da Malagueira, próximo da mesma, em Évora;

VI) O arguido não evidencia, nem nunca evidenciou quaisquer sinais exteriores de riqueza e pretendia essencialmente fumar de borla por não ter posses para adquirir produto estupefaciente de outra forma;

VII) O artigo 25.º do Decreto-Lei 15/93 aplica-se às situações em que "a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade" das drogas;

VIII) Deve-se considerar preenchido o crime de tráfico de menor gravidade sempre que se constate a verificação de uma ou mais circunstâncias que diminuam a ilicitude, como é o caso da pequena quantidade de droga;

IX) Assim, e por se entender que foram violados pelo Tribunal "a quo" os artigos 25.º do Decreto-Lei 15/93 de 22/01 e os artigos 40.º e 71.º do Código Penal, deve ser considerado que o arguido LS cometeu um crime de tráfico de menor gravidade previsto no artigo 25.º do DL 15/93 e não o crime nuclear de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21 n.º 1 do mesmo diploma, sendo naturalmente a pena aplicada reduzida e suspensa na sua execução nos termos do artigo 50.º do Código Penal;

X) Caso assim não se entenda, e se considere que os factos dos presentes autos constituem um crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21.º n.º 1 do DL 15/93, sempre se dirá que a pena, ainda que tenha se ser um sacrifício imposto ao condenado, tem que ter em conta também a situação social do arguido, no momento da condenação, para que não se torne de difícil compreensão;

XI) O arguido mostra-se inserido em termos sociais e familiares e não tem antecedentes criminais, nem processos pendentes;

XII) Colaborou com o tribunal quando prestou declarações em sede de 1º interrogatório judicial, demonstrando consciência da ilicitude e arrependimento;

XIII) Tem um percurso de trabalho desde os 14 anos, apresenta competências pessoais e sociais, com trato fácil e relacionando-se de forma afável;

XIV) Tem mantido um percurso normativo no estabelecimento prisional e apresenta um núcleo familiar muito forte, tendo apoio da filha, da mãe e da irmã;

XV) Nos presentes autos há que ter em atenção as quantidades cedidas que são diminutas, o modus operandi que é básico e as quantidades apreendidas que são reduzidas, bem como o curto período de tempo em que decorreram os factos;

XVI) O arguido deve ter um futuro, porquanto deve a sociedade em geral e o Tribunal igualmente pode dar um precioso contributo à ressocialização e integração daqueles que percorrem caminhos censuráveis, determinar-se de forma a que seja uma solução e não o agravar do problema;

XVII) O arguido compreende a condenação, mas entende que estão reunidas as condições, tendo em atenção o que se refere no presente recurso, para que a pena seja reduzida para 4 ou 5 anos e suspensa na sua execução, ainda que acompanhada de regime de prova, nos termos do artigo 50.º do Código Penal;

XVIII) Atento o exposto, por se entender que foram violados os artigos 40.º e 71.º do Código Penal, deve ser determinada a redução da pena de prisão imposta ao arguido pela prática do crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01, para 4 ou 5 anos, devendo a mesma ser suspensa na sua execução.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, sendo considerado que o arguido LS cometeu um crime de tráfico de menor gravidade, previsto no artigo 25º do Decreto-Lei 15/93, de 22/01, e não o crime nuclear de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21º, nº 1, do mesmo diploma, sendo naturalmente a pena aplicada reduzida e suspensa na sua execução nos termos do artigo 50º do Código Penal.

Caso assim não se entenda, e se considere que o arguido deve ser condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, deve ser determinada a redução da pena de prisão para 4 ou 5 anos, sendo a mesma suspensa na sua execução”.

III - Recurso do arguido LC.
“1- A matéria de facto dada como provada não nos oferece qualquer juízo de censura de relevo, porque reproduz os factos provados em audiência e recolhida nos autos.

11- Mas a prova realizada impunha inevitavelmente uma decisão diversa da ora Recorrida, termos em que o douto acórdão violou, por erro de interpretação os artigos 75° e 71 ° do Código Penal e os artigos 21° e 25° do Decreto-lei 15/93.

111- Tendo em conta as circunstâncias em que os factos ocorreram, é de entender que diminuem consideravelmente a ilicitude do arguido.

IV- A referência objetiva (sublinhado nosso) contida no tipo para aferir da menor gravidade situa-se nos meios: Nas circunstâncias da ação e na qualidade ou quantidade das plantas.

V- A quantidade de droga é um dos fatores determinantes de aferição da diminuição da ilicitude prevista no artigo 25° do D/L citado.

VI- Como consta da matéria de facto dada como provada, o Recorrente negociou com 2 (dois) consumidores.

VII- Apenas se deu como provado e no âmbito de 2 interceções pelos militares da G.N.R., que o Recorrente transportava 7 saquetas contendo 1,051g de heroína, droga essa que dava para a preparação de 1 dose (sublinhado nosso) e com a quantia de €9,40; noutro momento em que foi intercetado, transportava 21 pacotes de pó de cor castanha, com o peso de 3, 163g, que apenas dava para a preparação de 5 doses (sublinhado nosso), dada a impureza do produto.

VIII- Assim concluímos facilmente que o arguido neste lapso temporal, sobre o qual nos debruçaremos, entregou somente 3 (três) doses de heroína.

IX- Ainda que aí se junte o produto que transportava nos dias das interceções, apenas resultou provado a existência de 9 (nove) doses de heroína.

X- A atividade de venda fixou-se entre 6 de Outubro de 2015 e 20 de Março de 2017.

XI- O que desde já contradiz os factos provados (.....) - apenas se refere o período entre 21/07/2016 até 20/03/2017.

XII- Quer isto dizer que no período de 8 (oito) meses, o ora Recorrente vendeu uma dose por mês!!!!!!!!!!!!!! (sublinhado nosso).

XIII- Ora, tendo em conta que ficou provado que cada dose era vendida pelo Recorrente a €10,00, em 8 (oito) meses o valor das vendas totaliza €90,00!!!!!!!!!

XIV- A diminuição da ilicitude que o tráfico de menor gravidade pressupõe resulta de uma avaliação global da situação de facto, atenta a qualidade ou a quantidade do produto, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação - Ac. S. T.J. de 23/11/2011, proc. 127/09.3PEFUN.S1, in www.dgsi.pte Ac. S. T.J.-CJ-111-96, pag. 163.

XV- o que verdadeiramente conta é a situação concreta individualizada, com todas as suas particularidades que variam de caso para caso.

XVI- o Recorrente é toxicodependente e não resta qualquer sinal exterior de riqueza, que possa deduzir que o mesmo retirava grande proveito ilícito da venda da droga.

XVII- no que respeita aos meios utilizados eram escassos, o Recorrente utilizava o seu telemóvel para marcar encontros, e deslocava-se a pé ou no automóvel de CR, já que não é titular de nenhum veículo.

XVIII- As quantidades transmitidas, como já referido, eram as necessárias para o consumo diário dos consumidores.

XIX- O Recorrente não cultivava nem procedia ao corte ou embalagem do produto estupefaciente.

XX- Os proventos obtidos, tendo em conta os factos provados, não chegariam para o sustendo do Recorrente, mas tão-somente para o seu consumo próprio, como aliás foi confirmado por diversas testemunhas.

XXI- A atividade circunscreveu-se à cidade de Montemor-o-Novo e sempre nas mesmas zonas.

XXII- O art. 25° do DL 15/93, para o qual o Recorrente apela, refere-se ao tráfico de menor gravidade, fundamentado na diminuição considerável da ilicitude do facto, revelada pela valoração em conjunto dos diversos fatores já enunciados.

XXIII- Assim, a atividade praticada pelo Recorrente enquadra-se no vulgarmente designado como "tráfico de Rua".

XXIV- A jurisprudência do STJ tem vindo, nos últimos anos, a alargar o campo de aplicação do aludido artigo 25° a tudo o quanto seja pequeno tráfico, aos "dealers" ou "retalhistas" de rua, sem ligações a quaisquer redes e quase sempre desprovidos de quaisquer organizações ou de meios logísticos, e sem acesso a grandes ou avultadas quantidades de droga.

XXV- O Recorrente não tem antecedentes criminais.

XXVI- Reconhece a ilicitude da sua prática.

XXVII- Em face do acima exposto e à matéria de facto dada como provada, o ora Recorrente deveria ser antes condenado pela prática em autoria material de um crime de tráfico previsto e punido no art. 25° do DL 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 4 (quatro) anos na sua forma suspensa.

Nestes termos, e nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de vªs. Exªs., deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida”.

IV - Recurso do arguido AP.
“1. O presente recurso fundamenta-se no facto de haver uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, uma contradição insanável entre a fundamentação e entre esta e a decisão, e erro notório na apreciação da prova - art.°s 410°, nºs 1 e 2, alíneas a) b) e c), e 412.°, nº 3, todos do CPP.

2. É manifesta, face às razões supra aduzidas e à prova produzida em audiência de discussão e julgamento, a insuficiência da matéria de facto dado como provada para se tomar a decisão que se tomou.

3. E manifesto, face aos raciocínios expendidos e à prova produzida em audiência de discussão e julgamento, a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.

4. Da globalidade da prova produzida em audiência de discussão e julgamento não pode resultar a convicção do tribunal, expressa na douta sentença, em virtude de a análise crítica de toda a prova produzida não se poder tirar a conclusão ali vertida.

5. O presente recurso tem por objeto a correta subsunção dos factos ao Direito (entende-se que o arguido devia de ter sido condenado apenas pelo crime de tráfico de menor gravidade previsto no artigo 25º do Decreto-Lei 15/93 e não pelo crime nuclear de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21º, nº 1, do mesmo diploma), tendo ainda por objeto a medida da pena aplicada, nomeadamente por se entender que a mesma é excessiva e por ter sido determinado o seu cumprimento efetivo em estabelecimento prisional, relativamente à condenação pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei 15/93, de 22/01.

6. Nos presentes autos estão em causa quantidades pequenas de produto estupefaciente, tendo sido apreendidas ao arguido AP 0,28 gramas de heroína.

7. Em face dos factos provados trata-se de pequeno tráfico, sem ligação a quaisquer redes, desprovido de organizações de meios logísticos e sem ter acesso a grandes quantidades de droga, tendo os factos dos autos decorrido durante um período curto, entre outubro 2016 e março de 2017.

8. Quanto aos meios utilizados pelo arguido estes eram escassos, pois as entregas eram feitas a pé, junto às bombas da gasolina da BP ou no café da Cil, próximo das mesmas, em Évora - aliás nunca o arguido saiu de Évora, no âmbito do presente processo -.

9. O arguido não evidencia, nem nunca evidenciou quaisquer sinais exteriores de riqueza e pretendia essencialmente fumar de borla por não ter posses para adquirir produto estupefaciente de outra forma.

10. O artigo 25º do Decreto-Lei 15/93 aplica-se às situações em que "a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída" tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade" das drogas.

11. Deve-se considerar preenchido o crime de tráfico de menor gravidade sempre que se constate a verificação de uma ou mais circunstâncias que diminuam a ilicitude, como é o caso da pequena quantidade de droga.

12. Assim, e por se entender que foram violados pelo Tribunal "a quo" os artigos 25º do Decreto-Lei 15/93, de 22/01, e os artigos 40º e 71º do Código Penal, deve ser considerado que o arguido AP, cometeu um crime de tráfico de menor gravidade previsto no artigo 25º do DL 15/93 e não o crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21º, nº 1, do mesmo diploma, sendo naturalmente a pena aplicada reduzida e suspensa na sua execução nos termos do artigo 50º do Código Penal.

13. Caso assim não se entenda e se considere que os factos dos presentes autos constituem um crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21º, nº 1, do DL 15/93, sempre se dirá que a pena, ainda que tenha se ser um sacrifício imposto ao condenado, tem que ter em conta também a situação social do arguido, a idade do mesmo no momento da condenação, para que não se torne de difícil compreensão.

14. O arguido não tem antecedentes criminais, no âmbito deste tipo de crimes.

15. Colaborou com o tribunal quando prestou declarações em sede de 1º interrogatório judicial, demonstrando consciência da ilicitude e arrependimento.

16. Tem um percurso de trabalho desde cedo - embora com alguma irregularidade - na construção civil, apresenta competências pessoais e sociais - sendo que tem uma filha, atualmente com 31 anos de idade -.

17. Tem mantido um percurso normativo no estabelecimento prisional e apresenta um núcleo familiar forte, tendo apoio da sua irmã, da filha desta e da sua filha - que o visita sempre que possível, uma vez que reside no Algarve -.

18. Nos presentes autos há que ter em atenção as quantidades cedidas que são diminutas, o modus operandi que é básico e as quantidades apreendidas que são reduzidas, bem como o curto período de tempo em que decorreram os factos.

19- O arguido deve ter um futuro - tem atualmente 52 anos de idade - porquanto deve a sociedade em geral e o Tribunal igualmente pode dar um precioso contributo à ressocialização e integração daqueles que percorrem caminhos censuráveis, determinar-se de forma a que seja uma solução e não o agravar do problema - "peticionando assim uma derradeira oportunidade" -.

20. O arguido compreende e aceita a sua condenação - tendo interiorizado e consciencializado os atos praticados - mas entende que estão reunidas as condições, tendo em atenção o que se refere no presente recurso, para que a pena seja reduzida a um período "máximo" de 5 anos e suspensa na sua execução, ainda que acompanhada de regime de prova, nos termos do artigo 50º do Código Penal.

21. Atento o exposto, por se entender que foram violados os artigos 40º e 71º do Código Penal, deve ser determinada a redução da pena de prisão imposta ao arguido pela prática do crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21º, nº 1, do DL 15/93, de 22/01, para um período no máximo de 5 anos, devendo a mesma ser suspensa na sua execução.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, sendo considerado que o arguido AP cometeu um crime de tráfico de menor gravidade, previsto no artigo 25º do Decreto-Lei 15/93, de 22/01, e não o crime nuclear de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21º, nº 1, do mesmo diploma, sendo objetivamente a pena aplicada reduzida e suspensa na sua execução nos termos do artigo 50º do Código Penal.

Caso assim não se entenda e se considere que o arguido deve ser condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, deve ser determinada a redução da pena de prisão para um período, no máximo de 5 anos, sendo a mesma suspensa na sua execução”.

V - Recurso do arguido RC.
“1. O Arguido ora Recorrente, foi acusado, em consequência dos factos descritos na acusação pública e na pronúncia, no âmbito dos presentes autos.

2. Tendo sido proferida Decisão que a condenou pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º nº1 do Decreto-lei 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de seis anos de prisão.
3. Decisão com a qual o Arguido ora Recorrente, não se conforma.

4. Salvo o devido respeito, O Tribunal a Quo fez uma errónea interpretação da prova que foi produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento.

5. O Recorrente, não se conforma com a matéria de facto provada, no que tange, à valoração da prova produzida no que toca à autoria do Recorrente de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21º nº 1 do Decreto-lei 15/93 de 22 de Janeiro.

6. No modesto entendimento da Recorrente, não foi produzida prova suficiente e bastante, de que este, tenha sido autor da prática de qualquer crime, mormente do crime de tráfico de estupefacientes pelo qual foi condenada em pena de prisão efetiva de 06 anos de prisão.

7. Pugnando o Recorrente, na presente peça Recursória pela Absolvição da prática do crime de tráfico de estupefacientes pelo qual foi condenado.

8. Mesmo que assim não se entenda, o Recorrente pugna que não foram provados factos suficientes que permitam qualificar os factos na previsão constante do art.º 21º nº 1, mas ao invés na previsão do art.º 25º do Decreto-lei 15/93 de 22 de Janeiro.

9. Por último entende que a pena aplicada é excessiva devendo ser aplicada pena inferior ou quanto muito igual a cinco anos de prisão, a qual deverá ser suspensa na sua execução.

10. No modesto entendimento da ora Recorrente, nos presentes autos, foram incorretamente julgados os factos constantes dos Pontos 20, 37 a 47, 100 a 105, 108 da matéria de facto provada.

11. Ora, no entender do Recorrente RC, estes factos deviam constar dos “Factos não provados”, pelo menos, no que tange à autoria/prática pela ora Recorrente.

12. Contudo, entende a Recorrente que a prova produzida deveria ter sido valorada de maneira diversa da plasmada na Sentença ora em crise.

13. Pugnando a Recorrente no presente Recurso, pela sua Absolvição.

14. Pois, no entendimento do ora Recorrente, a prova produzida em sede de Julgamento, é manifestamente insuficiente para condenar o ora Recorrente, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21º nº 1 do Decreto-lei 15/93 de 22 de Janeiro em seis anos de prisão efetiva.

15. O Arguido ora Recorrente, não pode de modo algum conformar-se com tal entendimento, desde logo face aos depoimentos prestados em sede de julgamento pelas testemunhas.

16. De facto, o Arguido ora Recorrente não se conforma com os factos provados, no que há venda de produtos estupefacientes tange, bem como relativamente a qualquer facto que consubstancie a prática do crime pelo qual foi condenado.

17. Entende o ora Recorrente que nenhuma prova foi produzida de que o Arguido vendesse produtos estupefacientes a terceiros.

18. No modesto entendimento do ora Recorrente nenhuma prova foi produzida, que permitisse julgar como provados os pontos de facto ora impugnados.

19. A testemunha RP no que ao Arguido Recorrente tange, nada veio acrescentar, não recordando quaisquer nomes ou caras.

20. A testemunha MR, Agente da PSP, trouxe quanto a nós factos importantes ao Processo. Desde logo atestou que o Arguido se encontrava há pouco tempo na cidade de Évora.

21. Atestou ainda que se encontravam de lutos vários familiares do Arguido. Que este era cunhado do Arguido GV.

22. Mais atestou que o via várias vezes na Cidade mas não no âmbito das vigilâncias realizadas, e que nesse âmbito apenas viu uma vez o Arguido.

23. A testemunha também não viu qualquer ato de troca por parte do Arguido.

24. Mais afirmou não conhecer os números de telemóvel, não podendo afirmar que os números associados ao Arguido, foram os que vieram a ser apreendidos.

25. A testemunha NM afirmou não conhecer o Arguido ora Recorrente, também não conhecer qualquer pessoa com alcunha de Steel. Quanto aos números nada soube afirmar.

26. Afirmou que por vezes contactava o Arguido GV, e depois apareceriam outras pessoas, contudo não as reconheceu.

27. A Testemunha JC, afirmou ter feito uma vigilância.

28. Afirmou, que o Arguido RC à data se encontrava de luto e tinha as barbas compridas.

29. Crendo a testemunha que este já detido lhe confidenciou que estava de luto por ter morrido um filho. Nada mais acrescentou.

30. A testemunha RF, não reconheceu antes de mais com certezas a pessoa que conhecia como Júlio.

31. Esta testemunha referiu ter já decorrido um grande hiato temporal.

32. Contudo, afirmou com certeza conhecer o Arguido GV.

33. A Testemunha referiu ter adquirido cocaína ao tal Júlio, contudo não reconheceu com certezas nenhum dos Arguidos como sendo a pessoa que conhecia como Júlio.

34. A Testemunha TM à semelhança das restantes não reconheceu o Arguido RC, como sendo a pessoa que lhe vendeu produtos estupefacientes.

35. Mais acresce que a Testemunha afirmou ter dito ter comprado a um tal RC, porque foi a PSP que lhe disse ser esse o nome.

36. Assim, esta testemunha à semelhança das anteriores também não reconheceu cabalmente o Recorrente como sendo a Pessoa que lhe vendia produtos estupefacientes.

37. A Testemunha CM, afirmou desde logo, que apenas conheceu o Arguido Recorrente quando do cumprimento de um mandado.

38. Que o mesmo inicialmente viveu na casa do Arguido GV, contudo não sabendo dar explicação para além de ver o carro lá estacionado.

39. Mais acresce que, a Testemunha relativamente às escutas telefónicas afirmou que o Arguido era tratado por RC.

40. Contudo, não conseguiu cabalmente afirmar que o Arguido teve um único contacto que seja que o identificasse cabalmente.

41. Afirmou ainda, nunca ter visto o Arguido, vender, transportar, trocar, comprar, ceder produtos estupefacientes.

42. A Testemunha CD, tal como as anteriores pouco acrescentou à parca prova produzida contra o Recorrente.

43. Começou por afirmar, que aquando da investigação o Arguido se encontrava de luto, vestido de preto, com um chapéu típico e barbas longas.

44. Não afirmou nem poderia afirmar, ter visto o arguido, ceder, vender transportar, dissimular, comprar produto estupefaciente.

45. A testemunha afirmou ainda, que as escutas não eram seguidas em tempo real.

46. Esta Testemunha afirmou que o Arguido RC, à data dos factos, se encontrava vestido de luto.

47. Que não o havia visto antes da realização da vigilância, e que no dia da vigilância associou o individuo ao Arguido RC por descrições que lhe haviam sido feitas por Colegas.

48. Não conseguiu ver sequer se o individuo que se encontrava dentro do carro era homem ou mulher e não assistiu a qualquer troca.

49. Esta testemunha RE, nada conseguiu afirmar para além de que efetuou as buscas e nenhum produto estupefaciente, material de corte, balanças, facas foi apreendido.

50. Foram apreendidas apenas duas viaturas e dinheiro, nada mais.

51. A testemunha não pode afirmar que era o Arguido RC que acompanhava o Arguido GV em 19 de Setembro de 2016.

52. Analisada a prova testemunhal produzida em sede de Julgamento, facilmente se alcança que a mesma não permitiria a condenação do Arguido ora Recorrente.

53. Ora, o salto lógico, que o Tribunal a quo deu não era de todo permitido.

54. Tendo sido produzida prova não tendo sido produzida qualquer prova que a Arguido ora Recorrente desenvolvesse qualquer atividade de tráfico.

55. Jamais poderia o Tribunal a quo considerar que a Arguido se dedicou à venda de produto estupefaciente.

56. Face ao exposto, até aqui pelo ora Recorrente, e entendendo a mesmo que foi condenado pelo Tribunal de 1ª Instância pela prática do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º nº 1 do Decreto-lei 15/93 de 22 de Janeiro, por vender produto estupefaciente, sem prova suficiente e cabal para o efeito.

57. Entende o mesmo que, pelos motivos já acima expostos aquando da análise da prova produzida, foram violadas várias normas, mormente o artigo 127º do CPP e ainda, os artigos 32° n° 1 e 205º nº 1 da Constituição da Republica Portuguesa.

58. De facto, uma decisão condenatória - deve sustentar-se na necessária e indispensável concretização dos factos capazes de suportar um juízo seguro sobre a responsabilidade jurídico-penal do agente, sendo, por isso, de realçar, para esse efeito, a irrelevância jurídico-penal das imputações genéricas, que não encontram no texto da decisão aquele limiar indispensável de concretização.

59. Ora, salvo melhor entendimento, a decisão recorrida não se sustenta na tal necessária e indispensável concretização dos factos concretos capazes de suportar o referido e exigido juízo seguro sobre a responsabilidade jurídico-penal da Recorrente quanto à prática do crime pelo qual foi condenada, na medida em que como se já referiu supra, o Tribunal a quo, em momento algum, indica um única prova concreta válida e admissível, da prática dos factos por parte do Recorrente.

60. O que o Tribunal a quo fez, com todo o respeito que é sempre muitíssimo, foi ajuizar primeiro pela condenação do Recorrente e depois tentar a todo custo dar um salto lógico que permitisse tal condenação.

61. No caso em apreço o Tribunal a quo investigou o que podia e devia investigar, sem que, contudo, haja logrado alcançar aquele limiar de concretização necessário, quanto à responsabilidade do Recorrente, face a todos os elementos de prova constantes dos autos e que deveriam ter sido devidamente conjugados entre si.

62. É, pois, de concluir no sentido de se verificar, no que ao recorrente respeita, uma ausência de provas válidas e admissíveis – ausência essa impeditiva do exercício dos direitos constitucionais previstos no artigo 32º da CRP, desde logo do seu direito de defesa.

63. Por outro lado, verificando-se a ausência de tal concretização e, mesmo assim, havendo condenação do Recorrente, entende-se, com todo o respeito por melhor opinião, que o Tribunal recorrido, violou, ainda, o principio constitucional de presunção de inocência previsto no art.º 32º, nº 2 da CRP.

64. Por último, diga-se, ainda, que com a violação de tais normativos constitucionais, o Tribunal a quo, e quanto à ora Recorrente, fez uma interpretação inconstitucional do princípio consagrado no art.º 127º do CPP (livre apreciação da prova).

65. Interpretou-o no sentido de que apesar de não ter conseguido reunir prova suficiente, válida e admissível, de suportar um juízo seguro sobre a responsabilidade jurídico-penal do Recorrente, mesmo assim, e porque o Julgador aprecia livremente a prova segundo a sua convicção e as regras da experiência, e tudo é justificado com base neste principio aparentemente inatacável, o Tribunal condenou o Recorrente.

66. A livre convicção não significa, no entanto, apreciação segundo as impressões, nem inexistência de pressupostos valorativos, ou a desconsideração do valor de critérios, ainda objetivos ou objetiváveis, determinados pela experiência comum das coisas e da vida e pelas inferências lógicas do homem comum suposto pela ordem jurídica.

67. Não se analisando em liberdade não motivada de valoração, a livre convicção constitui antes um modo não estritamente vinculado de valoração da prova e de descoberta da verdade processualmente relevante, isto é, uma conclusão subordinada à lógica e à razão e não limitada por prescrições formais exteriores (Cf. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, II, pág. 27).

68. O princípio, tal como está inscrito no artigo 127.º, significa, no rigor das coisas, que o valor dos meios de prova não está legalmente pré-estabelecido, devendo o tribunal apreciá-los de acordo com a experiência comum, com o distanciamento, a ponderação e a capacidade crítica, na «liberdade para a objetividade» (Cf. Teresa Beleza, Revista do Ministério Público, Ano 19º, pág. 40).

69. A matéria constante dos pontos de facto provados nº 20, 39, 41º a 46º, corresponde não propriamente a factos, mas antes a uma imputação genérica, com utilização de fórmulas vagas, imprecisas, nebulosas, difusas, obscuras, que é de evitar de todo em sede de fundamentação de facto, como vem sendo acentuado pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.

70. Como vem sendo afirmado pela jurisprudência dominante do STJ, as imputações genéricas, designadamente no domínio do tráfico de estupefacientes, sem qualquer especificação das condutas em que se concretizou o aludido comércio e do tempo e lugar em que tal aconteceu, por não serem passíveis de um efetivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado, não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente».

71. Nos acórdãos de 21-02-2007, processos 4341/06 e 3932/06, ambos da 3ª secção, esclarece-se que a individualização e clareza dos factos objeto do processo são indispensáveis para que o arguido possa válida e eficazmente contraditar a acusação, única forma de se poder defender; com factos genéricos, não individualizados, fica ou pode ficar prejudicada a possibilidade de o arguido se defender.

72. De facto, no Acórdão Recorrido, apenas se afirma que o Recorrente vinha vendendo, sem se especificar desde quando, qual o modus operandi, a quem em concreto eram feitas as vendas, se a um número restrito ou elevado de pessoas, que quantidades eram transacionadas, que tipos, qualidades de substância eram vendidas e se era em “pontos certos e determinados”, como refere o acórdão, porque não concretizar?

73. O que consta da motivação nada adianta relativamente a meios de prova com base nos quais se pudesse chegar a tal conclusão.

74. Pelo que fica dito será de ter por não escritas aquelas imputações genéricas.

75. Imputações, essas, que consubstanciam os factos que originaram a condenação do Arguido.

76. Face ao supra exposto e sem necessidade de mais considerandos, deverá ser a final proferida DECISÃO QUE ABSOLVA O ARGUIDO DA PRÁTICA DO CRIME PELO QUAL FOI CONDENADO, DEVENDO OS FACTOS CONSTANTES NOS PONTOS AGORA IMPUGNADOS, PASSAREM A CONSTAR COMO NÃO PROVADOS, no que ao ora Recorrente tange.

77. Do Acórdão recorrido, e de “uma assentada só” sem qualquer fundamentação, o Tribunal a quo determina que todas as quantias monetárias, viaturas e telemóveis resultaram da prática desses mesmos ilícitos e, como, tal declara-os perdidos a favor do Estado.

78. Ora, não podemos, de todo concordar com tal decisão que é proferida sem qualquer fundamentação como vimos.

79. Nos termos do art.º 109º, nº 1 do Código Penal «são declarados perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem risco sério de ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos típicos».

80. E o n.º 2 desse artigo acrescenta que «o disposto no número anterior tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto».

81. Também concordamos que deveriam ser declarados perdido a favor do Estado os telemóveis e cartões telefónicos que foram apreendidos, na medida em que foi dado como provado que os mesmos foram utilizados para a prática do crime de tráfico de estupefacientes.

82. Mas o mesmo já não se verifica quanto aos restantes bens apreendidos… não se provou que os restantes bens (dinheiro) tenham sido usados na prática dos crimes ou que sejam produto dos mesmos.

83. É verdade que o Tribunal dá como provado que tais bens (dinheiro) resultaram da prática dos crimes pelos quais os arguidos foram condenados… mas isso não basta… o Tribunal a quo tem que fundamentar porque é que entende que o dinheiro apreendido resultou da prática do crime de tráfico de estupefacientes.

84. De facto, se o objeto tem, em si, natureza lícita (rectius, se em abstrato a sua detenção por particulares é permitida por lei), então a sentença é o único momento em que pode ser declarado o seu perdimento a favor do Estado, verificados os pressupostos de que depende essa decisão e desde que devidamente fundamentada.

85. Ora, o Tribunal a quo não fundamenta, nem muito nem pouco. Não fundamenta de todo.

86. Dá como provado, mas não fundamenta, porque, na verdade, nenhuma prova se fez, de que as quantias monetárias apreendidas foram produto de qualquer crime.

87. O que não se provou, é que qualquer quantia monetária foi produto do crime de tráfico de estupefacientes.

88. É necessário haver alguma razoabilidade e não cair no histericismo tão comum por vezes de considerar que, uma vez perante um crime de tráfico de estupefacientes tudo foi utilizado ou é proveniente do tráfico…

89. Como já supra se disse, não se fez qualquer prova da proveniência dos objetos apreendidos e dinheiro apreendido nos presentes autos, pelo que os mesmos jamais poderiam ser declarados perdidos a favor do estado.

90. Ainda mais, quando nos autos se deu como provado que o Agregado do Arguido era beneficiário do RSI, e a quantia apreendida é compatível com tal prestação social.

91. Ora, tendo o Tribunal a quo declarado perdido a favor do estado os objetos supra referidos e relativamente aos quais nenhuma prova foi produzida nem indicada pelo Tribunal recorrido que justificasse tal decisão o Tribunal a quo não só violou o disposto no art.º 35º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01 e art.º 9 º do CP, como violou o disposto no art.º 62º da CRP.

92. A propriedade privada é um direito constitucional (art.º 62.º da Constituição).

93. Por isso, "se a Constituição da República, através do seu art.º 62.º confere o direito de aquisição de propriedade, bem como da atribuição de uma justa indemnização em caso de restrição ou ablação desse mesmo direito, não pode deixar de se inferir, desse mesmo normativo, que tais injunções constitucionais concedem igualmente segurança ao cidadão contra qualquer privação arbitrária do seu direito de propriedade" (sic), em rigorosa consonância com o disposto no art.º 17.º, n.º 2 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, mediante o qual qualquer pessoa tem o direito de não ser arbitrariamente privada da sua propriedade ou de um direito patrimonial de que seja titular.

94. Assim, e por todo o exposto deve o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que ordene a restituição ao arguido de todas as quantias monetárias apreendidas, com todas as consequências legais.

95. Foi o ora Recorrente condenados por Acórdão Proferido pelo Coletivo de Juízes do Juízo Central Criminal de Évora, pela prática em coautoria material de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º nº 1 do Dl 15/93 de 22 de Janeiro, respetivamente na pena de seis anos de prisão.

96. Além de não se conformar com a matéria de facto provada, não se conforma ainda o Recorrente, nem se poderia de modo algum, conformar, com a Douta Decisão proferida, no que tange à qualificação jurídica dos factos, e à pena concretamente aplicada

97. Uma vez que, no entendimento do ora Recorrente, os factos provados integram a prática de um crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25º do Decreto-lei 15/93 de 22 de Janeiro, e não, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º nº 1 do DL 15/93 de 22 Janeiro.

98. Por outro lado, e ainda que, assim não se entenda, questão que apenas por mera hipótese académica se coloca, entendem os Arguidos ora Recorrentes, que as penas aplicada é manifestamente excessiva, tendo em conta os concretos factos valorados como provados, e o grau de culpa do Arguido ora Recorrente.

99. O Arguido ora Recorrente, não se conforma, nem se poderiam de modo algum conformar com a Decisão proferida pelo Tribunal a quo, no que à qualificação jurídica dos factos tange. Entendendo o Arguido, que não nos encontramos perante um crime de tráfico p. e p. pelo artigo 21º do Decreto-lei 15/93 de 22 de Janeiro, mas ao invés, perante um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25º do DL 15/93 de 22 de Janeiro.

100. Pugnando a final, pela absolvição do crime de tráfico do art.º 21º nº 1 DL 15/93 de 22 de Janeiro, devendo a final os Arguidos ora Recorrentes serem condenados pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade.

101. A Meritíssima Juiz Presidente do Coletivo do Tribunal a quo considerou no Douto Acórdão do qual se recorre nesta sede, que a factualidade provada é subsumível à prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21º do DL 15/93 de 22 de Janeiro.

102. Da factualidade provada dada a conhecer ao Arguido ora Recorrente, entende o Recorrente que a mesma apenas se poderá subsumir ao tipo legal p. e p. pelo art.º 25º do Dl. 15/93 de 22 de Janeiro – TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE.

103. Para verificação do tipo atenuado exige a lei que a ilicitude do facto se mostre consideravelmente diminuída, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações.

104. Desde há vários anos o Supremo Tribunal de Justiça vem repetindo que, “(...) o advérbio “CONSIDERAVELMENTE”, da cláusula geral, não está lá por acaso.

105. Descendo à factualidade provada nos presentes autos verificamos, que se verificam cumulativamente, todas as circunstâncias atrás enunciadas.

106. Da factualidade provada resulta que o Arguido ora Recorrente vendeu produtos estupefacientes a quatro consumidores.

107. No período compreendido entre Outubro de 2016 e Março de 2017, ou seja, durante cerca de cinco meses.

108. Não foi apreendido qualquer produto estupefaciente, e relativamente, às quantidades transacionadas, as mesmas são compatíveis com a pequena venda. Não foi verificada qualquer sofisticação na atividade de tráfico desenvolvida pelos Arguidos.

109. Não lhes é conhecido, qualquer meio de transporte para além das viaturas apreendidas de gama baixa e já antigas com cerca de 20 anos, nem foram apreendidos quaisquer bens ou valores que indiciem quer a sofisticação, quer os elevados proventos, tendo sido apreendidos cerca de 600,00 € (seiscentos euros).

110. A atividade de tráfico provada, cingiu-se à Cidade de Évora, ou seja, a área geográfica onde alegadamente é levada a cabo a atividade de tráfico é absolutamente restrita/ circunscrita.

111. Por último não são conhecidas quaisquer circunstâncias mencionadas no art.º 24º do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro.

112. Do que supra se deixou transcrito resulta, pois, claro ter sido decisivo para o enquadramento jurídico – penal a circunstância de a quantidade do estupefacientes em questão, assim como a sua natureza, assumir uma relevância especialmente significativa.

113. Acresce que não resulta apurado qualquer modus operandi, muito menos um modus operandi sofisticado, com recurso a meios complexos, nem se provou uma estrutura organizativa, antes resulta uma atuação desacompanhada dos arguidos ora Recorrentes – pelo menos não decorre da exígua matéria de facto provada.

114. Neste quadro, sopesando a ausência das circunstâncias referidas, a ilicitude global do facto aponta, quanto a nós sem dúvida de maior, para o tipo privilegiado do artigo 25º, punível nos termos da al. a).

115. Efetivamente, nada aponta para que estejamos em face de um caso de grande tráfico.

116. No caso em apreço a atuação do Arguido, simples de “vendedor de rua” sem qualquer sofisticação, reduzindo a sua atuação a um pequeno grupo de consumidores que se situam no seu espaço limitado de ação pessoal e geográfico.

117. Estamos perante uma atuação sem recurso a qualquer a qualquer técnica ou meio especial, dando uma matriz de simplicidade que, de forma decisiva, influi na visão global do facto.

118. Como elementos coadjuvantes relevantes e decisivos surgem ainda as reduzidas quantidades transacionadas de cada vez e o curto período de atuação destes arguidos.

119. Neste particular, as várias transações ocorreram num espaço geográfico limitado e num curto espaço de tempo.

120. Todavia, não é possível concretizar o número de transações efetuadas, pelo que não poderá este ser um facto decisivo para enquadrar a sua conduta no disposto no art.º 21.º, tanto mais que os demais elementos evocam uma factualidade abrangida pela incriminação do art.º 25.º.

121. Todos estes elementos remetem-nos para uma considerável diminuição da ilicitude da conduta destes arguidos, compaginável com o disposto no citado art.º 25.º, al. a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.1.

122. Esta conclusão não é afastada pelo facto de estarmos perante o tráfico de heroína e cocaína, uma vez que, não estamos perante a venda de grandes quantidades, nem a mesma apresenta uma expressão geográfica significativa, antes pelo contrário estamos perante vendas de pequenas quantidades, num curto espaço de tempo de cerca de três meses, e a um grupo limitado de seis c consumidores.

123. Neste sentido, foi proferido recentemente Acórdão pelo Coletivo de Juízes do Juízo Central Criminal de Coimbra, no âmbito do Processo nº 234/15.3 JACBR, relativamente ao Arguido EE.

124. Da conjugação destes fatores conclui-se, pela verificação do tipo privilegiado do art.º 25.º, al. a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.1.

125. Face ao exposto entende a Recorrente que, O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO DEVE SER REVOGADO, DEVENDO SER SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE ABSOLVA O ARGUIDO ORA RECORRENTE DA PRÁTICA DO CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES P. E P. PELO ARTIGO 21º Nº 1 DO DL 15/93 DE 22 DE JANEIRO, E CONDENE O ARGUIDO RECORRENTE PELA PRÁTICA DO CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES P. E P. PELO ARTIGO 25º DO DECRETO-LEI 15/93 DE 22 DE JANEIRO.

126. O Recorrente não se conforma com a pena que lhes foi aplicada, considerando que as penas de prisão de 6 anos já com a, é manifestamente excessiva tendo em conta o seu grau de culpa.

127. Ainda que, a presente peça recursória não proceda no que à qualificação jurídica dos factos tange, ainda assim, deverá proceder relativamente à medida concreta da pena, uma vez que, as penas aplicadas são manifestamente excessivas e desproporcionais, tendo em conta, a matéria de facto provada.

128. A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – art.º 40º nº 1 do Código Penal.

129. A medida da pena, não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa.

130. A verdadeira função desta última, na doutrina da medida da pena, reside, efetivamente, numa incondicional proibição de excesso.

131. A culpa constitui um limite inultrapassável, de todas e quaisquer considerações preventivas, sejam elas de prevenção geral positiva ou antes negativa, de integração ou antes de intimidação, sejam de prevenção especial positiva ou negativa, de socialização, de segurança ou de neutralização.

132. Com o que se torna indiferente saber se a medida da culpa é dada num ponto fixo da escala penal ou antes como uma moldura de culpa.

133. De qualquer modo, e qualquer que seja a solução encontrada, de uma ou de outra forma, a culpa é o limite máximo da pena adequado à culpa que não pode ser ultrapassado.

134. Uma tal ultrapassagem, mesmo em nome das mais instantes exigências preventivas, poria em causa a dignitas humana do delinquente e seria assim, como é nos presentes autos, por razões Jurídico constitucionais, inadmissível.

135. Com efeito, resultou provado que o Arguido começou a consumir estupefacientes após a morte do seu filho que motivou a sua mudança para Évora.

136. Por outro lado, estamos perante pessoas que fazem do pequeno tráfico, em zona geográfica circunscrita o seu modo de sustento.

137. Não obstante os seus antecedentes criminais os mesmos não se coibiram de reiterar os comportamentos ilícitos do passado o que, relevando no plano das exigências de prevenção especial, não pode deixar de ser atendível em sede da culpa e ilicitude da sua conduta.

138. Estamos perante uma culpa e ilicitude média alta no contexto do crime previsto e punido no art.º 25.º, al. a) do D.L. 15/93, de 22 Janeiro, cuja alteração da qualificação o Recorrente pugna no presente Recurso.

139. Face ao supra exposto, o Arguido ora Recorrente, entende que para que lhe seja aplicada uma pena justa, adequada e proporcional, a qual não exceda o seu grau de culpa e participação nos factos ora em apreço, esta não poderá ser em caso algum superior a 2 anos e seis meses de prisão, caso o recurso proceda relativamente à qualificação jurídica dos factos, caso não proceda a pena não deverá ser superior a 4 anos e 9 meses.

140. Esta medida concreta das penas que os ora Recorrentes pretendem que agora lhes seja aplicada por este Alto Tribunal é aquela que lhes parece mais adequada, justa e proporcional tendo em conta os factos provados.

141. Pelo que se entende que o Douto Acórdão recorrido deve ser revogado, devendo ser substituído por outro que condene os ora Recorrentes nas penas acima expostas, o qual irá realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição caso a qualificação jurídica dos factos se mantenha, ou caso, a mesma venha a ser alterada.

142. Assim, e por todo o exposto, e independentemente da pena de prisão que for concretamente aplicada por vós, Venerandos Juízes, a verdade é que a mesma deverá ser, sempre, inferior à pena aplicada de 6 anos de prisão, não ultrapassando assim a medida da culpa do Recorrente.

143. Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá ser, sempre, APLICADA PENAS INFERIOR À PENA APLICADA DE 6 ANOS DE PRISÃO, não ultrapassando assim a medida da culpa do Recorrente, e caso o recurso proceda relativamente à qualificação jurídica dos factos, NÃO DEVERÁ ULTRAPASSAR OS 2 ANOS E 6 MESES DE PRISÃO.

144. O Arguido, ora Recorrente, rejeita, de facto, que a pena de prisão efetiva seja a única espécie de pena que realize, no caso concreto, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

145. Uma vez que, não se encontram esgotadas todas as virtualidades pedagógicas e ressocializadoras que uma pena não detentiva poderá ainda ter sobre o Arguido/ora Recorrente, não obstante a gravidade do caso em apreço e de já ter no seu registo criminal a verdade é que não tem condenações por crime de idêntica natureza.

146. Sendo que a maioria dos crimes que constam do seu CRC, são crimes estradais, acrescendo que os factos mais recentes remontam ao ano de 2011.

147. O recorrente considera que o Tribunal a quo deveria ter partido de uma premissa que não partiu - da premissa de que as penas devem ter sempre um carácter ressocializador. O recorrente encontra-se social e familiarmente inserido.

148. Pelo que se entende que o Douto Acórdão recorrido deve ser revogado, devendo ser substituído por outro que condene o ora Recorrente numa pena de prisão inferior a 5 anos, ou no máximo igual a 5 anos, a qual deverá ser suspensa na sua execução por igual período, por esta, ainda, realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

149. E não se diga, a este propósito, que com a pena ora pretendida e respetiva suspensão, não se estará a dar um sinal às comunidades da residência do arguido de que a sua conduta não se pode repetir.

150. Por todo o exposto, entende a Recorrente que, no seu caso ainda é possível fazer um juízo de prognose social favorável, devendo a pena aplicada, ser substituída por outra igual ou inferior a 5 anos, suspensa na sua execução por igual período, sendo-lhe impostas todas as regras de conduta e injunções que se julgarem adequadas às necessidades do caso em apreço.

151. Ora, in casu, entendemos que o desvalor da conduta, não se coloca num plano em que a confiança da sociedade na eficácia da norma e no sistema de justiça reclama pena privativa da liberdade.

152. Salienta-se ainda, que dos factos erroneamente dados como provados estes encontram-se diluídos no tempo Novembro de 2014, Maio de 2016 e Janeiro de 2017.

153. Não se tratando de atividade continua e diária, nem semanal, nem mensal. Gozando como qualquer Cidadão de presunção de inocência até ao trânsito em julgado de uma qualquer decisão.

154. Assim, julgamos que deverá permitir-se ao Arguido Recorrente uma derradeira oportunidade para atuar conforme ao direito.

155. Acresce que a Arguido encontra-se social e familiarmente inserido.

156. Quando se fala de prevenção como princípio regulativo da atividade judicial de medida da pena, não pode ter-se em vista o conceito de prevenção em sentido amplo, como finalidade global de toda a política criminal, ou seja, como conjunto dos meios e estratégias preventivos de luta contra o crime.

157. O que está aqui em causa, é na verdade, a aplicação de uma concreta consequência jurídico-penal, num momento em que o crime já foi cometido e não pode por isso, e não pode por isso, falar-se com sentido de prevenção na aceção referida.

158. Assim, julgamos que deverá permitir-se ao Arguido uma derradeira oportunidade, a qual a Arguido certamente não desperdiçará.

159. Assim, julgamos que deverá permitir-se ao Arguido, uma derradeira oportunidade para mudar de vida e atuar conforme ao direito, APLICANDO-SE UMA PENA IGUAL OU INFERIOR A CINCO ANOS DE PRISÃO SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO.

160. Com o presente Recurso, DEVERÃO AINDA SUBIR, TODOS OS RECURSOS INTERLOCUTÓRIOS INTERPOSTOS ATÉ À PRESENTE DATA PELO RECORRENTE (ART.º 412º, nº 5, do CPP) no âmbito dos presentes autos.

161. Devendo, ainda, serem julgados procedentes os Recurso Interlocutórios interpostos pelo Arguido ao longo do presente processo e que apenas sobem com o presente recurso que é interposto da decisão final.

DAS NORMAS VIOLADAS:
- Artigo 21º e 25 º do Decreto-lei 15/93 de 22 de Janeiro;
- Artigo 127º do Código de Processo Penal;
- Artigo 125º do Código de Processo Penal;
- Artigo 18º da Constituição da República Portuguesa;
- Artigo 32º da Constituição da República Portuguesa;
- Artigo 29º da Constituição da República Portuguesa;
- Artigo 62º da Constituição da República Portuguesa;
- Artigo 205º da Constituição da República Portuguesa;
- Artigo 40º do Código Penal;
- Artigo 50º do Código Penal;
- Artigo 58º do Código Penal;
- Artigo 70º do Código Penal;
- Artigo 71º do Código Penal.

Nestes termos, e nos mais em Direito consentidos que vós, Venerandos Juízes Desembargadores, muito doutamente suprireis, se requer seja o presente RECURSO JULGADO PROCEDENTE, nos exatos termos supra expostos, com todas as legais consequências que daí advenham.

Devendo, ainda, serem julgados procedentes os Recurso Interlocutórios interpostos pelo Arguido ao longo do presente processo e que apenas sobem com o presente recurso que é interposto da decisão final.

Para que, pela vossa douta palavra, se cumpra a consueta Justiça”.
*
O Ministério Público junto da primeira instância apresentou respostas aos recursos, entendendo que os mesmos não merecem provimento.

Neste Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer.

Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada qualquer resposta.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1 - Delimitação do objeto dos recursos.

Em muito breve síntese, as questões suscitadas nos recursos interpostos, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, que delimitam o objecto dos recursos e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, são as seguintes:

1ª - Apreciação do mérito do despacho de 18-04-2018 (recurso interlocutório dos arguidos RC e AV).

2ª - Apreciação do mérito do despacho de 09-10-2018 (recurso interlocutório dos arguidos RC e AV).

3ª - Verificação dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, da contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, e do erro notório na apreciação da prova (recurso do arguido AP).

4ª - Impugnação alargada da matéria de facto (recurso do arguido RC) – com invocação, além do mais, da violação do princípio da livre apreciação da prova e do princípio da presunção de inocência.

5ª - Qualificação jurídica dos factos (recursos de todos os arguidos).

6ª - Determinação da medida concreta das penas (recursos de todos os arguidos).

7ª - Suspensão da execução das penas (recursos de todos os arguidos).

8ª - A declaração de perda a favor do Estado do dinheiro e dos objetos apreendidos (recurso do arguido RC).

A- As decisões recorridas.

A) Os despachos interlocutórios:

1º - Despacho datado de 18-04-2018:

“Requerimento de 02/04/2018 e 13/04/2018:

Vieram os arguidos RC e AV invocar:
- A nulidade do despacho de fls. 25 a 27, o primeiro que autorizou as interceções telefónicas, bem como os demais constantes de fls. 88, 292, 478, 728, 1028 e 1407, por violação dos princípios da proporcionalidade, adequação e necessidade.

- A nulidade das interceções telefónicas efetuadas no período entre 09/11/2016 a 17/12/2016, no que diz respeito ao arguido RC, por ausência de despacho de validação.

- A nulidade das interceções telefónicas efetuadas nos períodos de 09/11/2016 a 15/11/2016, 16/11/2016 a 26/11/2016 e 07/12/2016 a 17/12/2016 no que tange aos demais arguidos, por ausência de despacho de validação.

Por seu turno, o Ministério Público invoca que estão verificados os pressupostos subjacentes ao nº 1 do artigo 187º do Código de Processo Penal, na medida em que a autorização teve como fundamento factos concretos apurados nos autos que indiciavam a prática de factos ilícitos pelos arguidos e que justificavam a necessidade desse meio de prova, verificando-se ainda a exigida proporcionalidade.

Ouvidos os demais arguidos, veio JM subscrever as nulidades invocadas.

Cumpre apreciar e decidir.

Estabelece o artigo 187º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal, que «a interceção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público, quanto a crimes relativos ao tráfico de estupefacientes».

Conforme se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 22/05/2013, Relator Calvário Antunes, disponível em www.dgsi.pt, «para serem admissíveis as escutas telefónicas, têm de estar preordenadas à perseguição dos chamados crimes do catálogo, tem de existir uma suspeita da prática do crime, têm de estar subordinadas ao princípio de subsidiariedade, no sentido de, em princípio não haver outro meio eficaz, menos gravoso, para alcançar o resultado probatório em vista, devendo ficar demonstrado que a escuta «reveste grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova», ou seja, a escuta telefónica tem de revelar-se «como um meio em concreto adequado a mediatizar aquele resultado e ainda que as escutas telefónicas sejam limitadas a um universo determinado de pessoas ou ligações telefónicas».

Exige-se uma forma relativamente qualificada da suspeita da prática do crime.

Não se exigindo os fortes indícios, não se basta o ordenamento jurídico com meras suposições ou boatos não confirmados. «A suspeita terá de atingir um determinado nível de concretização, a partir de dados do exterior ou da vida psíquica» (Dr. Costa Andrade, in «Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal», página 290).

Vejamos o caso destes autos.

O despacho de 11/11/2016 (cuja nulidade se invoca) tem o seguinte teor: «Existem nos autos indícios da prática de crime de tráfico de estupefacientes p. p. pelo art. 21º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22/01, por parte dos suspeitos GV e RC, que resultam das diligências de inquérito, nomeadamente das informações veiculadas por pessoas que residem nas imediações dos suspeitos mas receiam identificar-se, das vigilâncias encetadas pelos agentes policiais, que detetaram encontros com terceiros onde se processa a troca de objeto/produto que, pelas dimensões e cuidados colocados na entrega, se suspeita tratar de substância de natureza estupefaciente, bem como da apreensão de produto de natureza estupefaciente a consumidor imediatamente após o contacto do mesmo com GV.

Os suspeitos evidenciam estar alerta, conhecendo as práticas investigatórias neste tipo de criminalidade, sendo que temos conhecimento funcional de familiares que já cumpriram pena pela prática deste crime (como é o caso da mãe do suspeito GV, PMS).

A investigação surge também dificultada pelas características dos locais onde a atividade delituosa se desenrola, nomeadamente em bairros residenciais de pequenas dimensões e nas imediações de escola primária e parque infantil, onde facilmente se controla a permanência de terceiros, sendo, por isso, difícil o acesso e ocultação para vigilância. Revela-se, assim, problemático o conhecimento do "modus operandi" e de todo os sujeitos envolvidos.

Neste tipo de atividade delituosa, com grande frequência os suspeitos combinam previamente os contactos com vista às transações, privilegiando as comunicações telefónicas, tendo já sido avistados a falar ao telefone imediatamente antes dos encontros observados com consumidores.

As comunicações já autorizadas e em curso confirmam esta circunstância, indiciando que a mulher de GV também colabora na atividade e que os suspeitos estabelecerão contactos por intermédio de outros aparelhos/ cartões.

A interceção das comunicações efetuadas por todos os suspeitos afigura-se-nos, por isso, essencial para a obtenção de provas no âmbito do inquérito, não se descortinando meio alternativo e igualmente eficaz, idóneo a alcançar resultados úteis».

Ora, salvo melhor opinião, o mencionado despacho fundamenta com recurso a factos concretos a necessidade da utilização do indicado meio de prova, porquanto por via das vigilâncias encetadas pelos agentes policiais detetaram-se encontros com terceiros onde se processa a troca de objeto/produto que, pelas dimensões e cuidados colocados na entrega, se suspeitava tratar-se de substância de natureza estupefaciente. Também se fundamenta a sua indispensabilidade, na medida em que era difícil o acesso e ocultação para vigilância nos bairros residenciais em causa.

Desta forma, facilmente se compreende que a Mmª Juíza de Instrução tenha concluído pelo interesse da diligência probatória para a descoberta da verdade, na medida em que, em face dos indícios existentes nos autos, decorrentes maioritariamente das vigilâncias, era patente o desenrolar de uma atividade criminosa, cujas dificuldades de investigação apenas podiam ser ultrapassadas com as interceções telefónicas.

Ao contrário do mencionado pelos arguidos, não fundamentaram as interceções unicamente as denúncias anónimas e as vigilâncias de fls. 6 e 8, constavam ainda dos autos as vigilâncias de fls. 9 e 10, bem como os autos de aditamento de fls. 13, de apreensão de fls. 14 e os autos de ocorrência de fls. 16 e 17 e auto de teste rápido de fls.18, sendo patente de tais elementos a movimentação suspeita de alguns dos arguidos nos bairros em causa.

Assim sendo, fácil é concluir que o despacho de fls. 25 a 27, bem como aqueles que o sucederam, cumpriu o estipulado no artigo 187º, nº 1, do Código de Processo Penal.

Em face do exposto, julgo improcedente a nulidade dos despachos de fls. 25, 88, 292, 478, 728, 1028 e 1407.

No que diz respeito à nulidade das interceções telefónicas efetuadas no período entre 09/11/2016 a 17/12/2016, no que diz respeito ao arguido RC, e à nulidade das interceções telefónicas efetuadas nos períodos de 09/11/2016 a 15/11/2016, 16/11/2016 a 26/11/2016 e 07/12/2016 a 17/12/2016 no que tange aos demais arguidos, por ausência de despacho de validação (estão em causa, designadamente, os despachos proferidos em 30/11/2016, 09/12/2016 e 21/12/2016, dos quais não consta referência à validação), cumpre atender ao disposto no artigo 188º do Código de Processo Penal, que estabelece que:

«(...) 4 - O Ministério Público leva ao conhecimento do juiz os elementos referidos no número anterior no prazo máximo de quarenta e oito horas.

5 - Para se inteirar do conteúdo das conversações ou comunicações, o juiz é coadjuvado, quando entender conveniente, por órgão de polícia criminal e nomeia, se necessário, intérprete.

6 - Sem prejuízo do disposto no n.º 7 do artigo anterior, o juiz determina a destruição imediata dos suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao processo:

a) Que disserem respeito a conversações em que não intervenham pessoas referidas no nº 4 do artigo anterior;

b) Que abranjam matérias cobertas pelo segredo profissional, de funcionário ou de Estado; ou

c) Cuja divulgação possa afetar gravemente direitos, liberdades e garantias; ficando todos os intervenientes vinculados ao dever de segredo relativamente às conversações de que tenham tomado conhecimento.

7 - Durante o inquérito, o juiz determina, a requerimento do Ministério Público, a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis para fundamentar a aplicação de medidas de coação ou de garantia patrimonial, à exceção do termo de identidade e residência.
(...)
10 - O tribunal pode proceder à audição das gravações para determinar a correção das transcrições já efetuadas ou a junção aos autos de novas transcrições, sempre que o entender necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa».

Analisada a citada disposição legal afere-se que o Ministério Público tem de levar ao conhecimento do juiz, no prazo de 48 horas, os suportes técnicos e respetivos autos e relatórios. Ainda que, é o juiz que determina a destruição de interceções estranhas ao processo e, a requerimento do Ministério Publico, a transcrição e junção aos autos das conversações relevantes.

Ora, do exposto, forçoso é concluir que não cumpre ao JUIZ validar as interceções telefónicas, a apresentação dos autos tem unicamente as finalidades supra expostas, sendo que na norma legal em causa em nenhum momento é referida a necessidade de validação prévia, ao contrário do que vem alegado pelos arguidos.

Assim sendo, forçoso é concluir que se cumpriram todos os requisitos subjacentes ao artigo 188º do Código de Processo Penal.

Por fim refira-se que, no que diz respeito ao período decorrido entre 09/11/2016 a 15/11/2016, foi cumprido o disposto no artigo 188º, nº 4, do Código de Processo Penal, conforme se atesta no despacho de 22/11/2016, sendo que, à semelhança do que já mencionámos quanto aos demais períodos, entendemos que nada havia a validar pelo juiz.

Acresce que, no que diz respeito ao arguido RC, no mencionado período não decorriam ainda as interceções telefónicas.

Em face do exposto, julgo improcedente a nulidade das interceções telefónicas efetuadas no período entre 09/11/2016 a 17/12/2016, no que diz respeito ao arguido RC, e nos períodos de 09/11/2016 a 15/11/2016, 16/11/2016 a 26/11/2016 e 07/12/2016 a 17/12/2016 no que tange aos demais arguidos, por ausência de despacho de validação.

Notifique”.

2º - Despacho datado de 09-10-2018:

“Vieram os arguidos RC e AV arguir:

- A nulidade/irregularidade do despacho de 21/09/2018;

- A nulidade/irregularidade dos despachos que nomearam defensores oficiosos aos arguidos e que indeferiu o prazo de cinco dias requerido pela defensora oficiosa da arguida; e,

- A nulidade/irregularidade do despacho que indeferiu a prova suplementar requerida pelos arguidos por requerimento datado de 20/09/2018.

O Ministério Público pronunciou-se no sentido de serem julgadas improcedentes a invocadas nulidades / irregularidades.

Cumpre apreciar e decidir.
No que diz respeito ao despacho proferido no dia 21/09/2018 - ref.ª 27986399 -, que indeferiu o adiamento da audiência de discussão e julgamento, cumpre desde logo mencionar que não padece o mesmo de nulidade/irregularidade.

Ao contrário do mencionado pela Ilustre Advogada, inexistiu a violação do nº 4 do artigo 312.º do Código de Processo Penal, na medida em que deverá atentar-se igualmente ao nº 3 da mesma disposição legal.

Assim, salvo melhor opinião, caberá ao tribunal efetuar a ponderação, caso a caso, da aplicação da referida disposição legal, porquanto, salvo melhor opinião, deverá sempre prevalecer a norma do nº 3, na medida em que, estando em causa julgamento de arguidos presos, em que intervêm cerca de dez advogados, não poderão as agendas dos mesmos sobrepor-se consecutivamente aos direitos dos arguidos de verem a sua situação jurídico-penal definitivamente decidida.

Desta forma, entendeu o tribunal, conforme se refere no referido despacho, perante a situação concreta, e em particular do tipo de diligência invocada pela Ilustre Advogada, que esta não teria prevalência sobre aquela agendada nestes autos (tratam-se de processos de idêntica natureza), na medida em que o julgamento se arrastava há inúmeros meses.

Desta forma, facilmente se conclui que a decisão tomada, para além de ter sido devidamente ponderada, fundamentou-se essencialmente na natureza urgente do presente processo, inexistindo portanto a violação da citada norma legal.

Acrescente-se que, tendo a Ilustre Advogada sobreposição de diligências em processos de idêntica natureza, não pode vir afirmar, sem mais, que o julgamento agendado noutro processo tem prevalência sobre a diligência que foi agendada neste processo, sabendo a mesma que estávamos perante uma continuação de um julgamento que se encontrava a decorrer desde Maio de 2018, havendo de assegurar os prazos legalmente estabelecidos.

Saliente-se, ainda, que a Ilustre Advogada tomou conhecimento do despacho proferido em 17/09/2018 no dia 18/09/2018, pelas 13h10, sendo que no mesmo apenas foi mencionado que, caso a mesma tivesse indisponibilidade para a data designada, deveria comprová-lo.

Não se quis com aquilo dizer que basta vir juntar uma notificação do agendamento de outro julgamento em processo de arguido preso, para que o tribunal conclua, sem mais, que essa diligência tem prevalência sobre aquela agendada nestes autos.

Como acima mencionámos, inexistem razões objetivas para que, no caso concreto, se concluísse daquela forma.

Desta forma, facilmente se conclui que o despacho de 21/09/2018 não contraria o despacho de 17/09/2018, bem como inexiste a violação de qualquer princípio constitucional e/ou expectativa jurídica.

Por fim, sempre se dirá que não pode o tribunal aceitar as tentativas da Ilustre Advogada em impor a “sua” agenda, com desrespeito pela agenda deste tribunal, como pelos demais intervenientes processuais, em particular os arguidos, que naturalmente têm direito a ter a sua situação jurídico-penal definida no mais curto prazo temporal.

Em face do exposto, e sem necessidade de mais extensas considerações, julga-se improcedente a nulidade/ilegalidade do despacho proferido em 21/09/2018, por ausência de violação quer do artigo 312º, nº 4, do Código de Processo Penal, quer da Constituição.

No que diz respeito à nulidade/irregularidade dos despachos proferidos na audiência de discussão e julgamento do dia 21/09/2018, cumpre mencionar, desde logo, que não assiste razão aos arguidos.

No que tange à nomeação de defensora oficiosa ao arguido RC, não é verdade que o mesmo se tenha oposto, porquanto apenas declarou que não a reconhecia como sua “advogada”, o que aliás se afere por normal na medida em que efetivamente não é sua mandatária.

O tribunal concluiu naquele sentido após questionar o arguido sobre as razões de tal afirmação, designadamente se existia algum motivo para não aceitar aquela defensora oficiosa em concreto, tendo o mesmo concluído que nada tinha a apontar à mesma.

Desta forma, ao contrário do que vem invocado, não ignorou o tribunal a vontade do arguido, na medida em que procurou apurar se existiam razões objetivas para aquela declaração, por forma a decidir pela manutenção ou não da nomeação, tendo efetivamente concluído que a referida afirmação não tinha fundamento.

Inexistiu igualmente a violação do direito de defesa do arguido, na medida em que ao mesmo não foi vedada a assistência por advogado, tendo, aliás, agido o tribunal em respeito pelo referido direito, ao nomear defensora oficiosa, quando a mandatária do arguido faltou à diligência.

Mais uma vez, cumpriu ao tribunal efetuar a ponderação, no caso concreto, dos diversos direitos em litigio, in casu o direito do arguido RC em se fazer acompanhar pela sua mandatária, o direito do mesmo em ser assistido por defensor e o direito de todos os arguidos terem um julgamento justo no mais curto período de tempo, em face do facto de se encontrarem detidos, tendo optado pela prevalência do dois últimos, pelas razões já acima expostas.

Reitera-se que inexiste a alegada inconstitucionalidade, na medida em que a boa defesa do arguido ficou integralmente assegurada pela nomeação da defensora oficiosa.

Em face do exposto, julgo improcedente a ilegalidade/inconstitucionalidade do despacho que nomeou defensores oficiosos aos arguidos RC e AV.

No que diz respeito à falsidade da ata da sessão de julgamento de 21/09/2018, não assiste razão aos arguidos.

Conforme resulta do disposto no artigo 364º do Código de Processo Penal, a documentação das declarações prestadas oralmente são documentadas em regra através do registo áudio, devendo ser transcritos os requerimentos e respetivas respostas, despachos e decisões que o juiz, oficiosamente ou a requerimento, determine.

Ora, a declaração do arguido encontra-se deviamente documentada, tal como resulta da gravação do julgamento, não se tendo procedido à sua transcrição por não revestir a natureza de requerimento, na medida em que nada foi pedido concretamente ao tribunal.

Nessa sequência, julga-se improcedente a invocada falsidade da ata, na medida em que inexiste desconformidade entre o seu conteúdo e aquilo que efetivamente ocorreu na sessão de julgamento.

No que diz respeito ao despacho que indeferiu o prazo de cinco dias para a defensora oficiosa preparar a defesa da arguida AV, cumpre mencionar que o mesmo não viola o artigo 330º, nº 1, do Código de Processo Penal.

Resulta da referida disposição legal que o tribunal «pode» conceder ao defensor, se este assim o requerer, algum tempo para examinar o processo e preparar a sua intervenção.

Assim, facilmente se conclui que: em primeiro lugar não se trata de uma obrigatoriedade, o tribunal pode e deve ponderar se tal “tempo” se mostra efetivamente necessário e em que termos; em segundo lugar, a referida disposição legal refere “algum tempo”, sendo de salientar que pela Ilustre Defensora foi requerido o prazo de cinco dias, o que, na ótica do tribunal e tal como foi devidamente fundamentado, se mostrava excessivo; em terceiro lugar, e por último, a Ilustre Defensora foi nomeada no início do julgamento, sendo que até ao momento em que apresentou o requerimento decorreu certamente mais de uma hora, tendo existido pelo menos uma interrupção de cerca de 20 minutos, razão pela qual, salvo melhor opinião, teve a mesma oportunidade de preparar a sua intervenção pelo tempo que se considera estritamente necessário.

Ainda refira-se que, ao contrário do aduzido no requerimento em análise, nada foi referido pela Ilustre Defensora quanto à necessidade de se preparar para pronunciar-se sobre o despacho de indeferimento da prova suplementar.

Desta forma, facilmente se conclui que o referido despacho não violou o preceituado no artigo 330º, nº 1, do Código de Processo Penal, nem qualquer outra norma legal e/ou constitucional, mantendo-se integralmente o mesmo.

Por fim, no que diz respeito ao despacho que indeferiu a prova suplementar requerida pelos arguidos, não padece o mesmo de qualquer nulidade, mormente aquela constante no artigo 120º, nº 2, alínea d), do Código do Processo Penal, na medida em que não foi omitida qualquer diligência que se repute essencial à boa descoberta da verdade.

Para que se conclua naquele sentido basta que se atente ao conteúdo do despacho, na medida em que no mesmo se expõe de forma clara e concisa o motivo pelo qual considerou o tribunal que cada uma das diligências probatórias requeridas se reputa por inútil e dilatória em face dos factos que constituem alteração não substancial de factos.

Mantém-se que as diligências probatórias não se mostram essenciais à boa decisão da causa, entendimento que ganha força pela fundamentação de facto que consta do acórdão proferido, na medida em que não resulta da mesma que para o tribunal resultasse qualquer dúvida que através daquelas pudesse ser sanada.

Conforme resulta do despacho em análise, cumpriu dar integral cumprimento ao disposto no artigo 340º, nº 4, alíneas b), d) e d), do Código de Processo Penal, na medida em que resulta à saciedade do requerimento apresentado, quer pelo tipo de diligências probatórias requeridas - algumas constituem unicamente uma repetição e outras são inócuas a fazer contraprova -, quer pelos factos que pretende demonstrar, que se trata claramente de uma manobra dilatória da defesa que pretendia alcançar não o esclarecimento da verdade, mas a extinção do prazo da prisão preventiva - tal como se assume de forma expressa no requerimento que agora apresenta -, ao total arrepio dos princípios que regem o processo penal e a Constituição.

Em face do exposto, julga-se improcedente a nulidade do despacho que indeferiu a prova suplementar requerida pelos arguidos por requerimento apresentado em 20/09/2018, mantendo-se integralmente o mesmo.

Notifique”.

B) O acórdão revidendo (quanto aos factos provados, factos não provados e motivação da decisão fáctica):

Factos Provados:

Realizado o julgamento, provaram-se os seguintes factos:

1. Entre 6 de Outubro de 2015 e o dia 20 de Março de 2017, em diversas ocasiões, o arguido LC, na sequência de um plano previamente traçado, abasteceu de produto estupefaciente, nomeadamente heroína, alguns consumidores indiferenciados residentes em Montemor-o-Novo.

2. Para o efeito, o arguido LC era contactado para os telemóveis com os números 9695---, 9610--, 93433--- e o IMEI 356479077----, a qualquer hora do dia.

3. Nesses contactos combinavam a natureza, quantidade de produto e local da entrega na localidade de Montemor-o-Novo.

4. O arguido LC contava com a colaboração do arguido CR, que costumava acompanhá-lo e transportá-lo no seu veículo.

5. Assim, no dia 21/07/2016, o arguido LC encontrou-se com o arguido CR junto ao Cineteatro Curvo Semedo, em Montemor-o-Novo, tendo ambos abandonado o local na viatura deste último, com matrícula "---LP", da marca "Opel", modelo "Vectra Caravan", dirigindo-se aos "Contentores" sitos na Rua Manuel da Fonseca, em Montemor-o-Novo, onde reside a comunidade de etnia cigana.

6. No dia 16/11/2016, cerca das 18h50m, o arguido LC encontrou-se com o arguido CR e dirigiram-se na viatura deste último, com matrícula "---LP", ao edifício abandonado junto do "Intermarché" de Montemor-o-Novo, onde se encontraram com o arguido JM.

7. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido LC entregou a JM uma quantia em dinheiro não concretamente apurada.

8. No dia 29/11/2016, o arguido LC combinou encontrar-se com JM na Rua Dr. Adriano Vaz Velho, em Montemor-o-Novo, sita entre a Escola Secundária de Montemor-o-Novo e a Escola C+S.

9. Nessa ocasião, cerca das 20h28m, LC fazia-se transportar na viatura com a matrícula "---LP", conduzida pelo arguido CR.

10. Desde pelo menos o mês de Outubro de 2015, os indivíduos que queriam adquirir produto estupefaciente contactavam com o arguido LC, nomeadamente:

11. No dia 02/06/2016, cerca pelas 08h14, JCG, com o telemóvel 9600----, contactou o arguido LC para o número 9658---, normalmente utilizado por este, combinando a entrega de três doses de heroína.

12. No dia 21/08/2016, cerca das 20h30, na Rua do Matadouro em Montemor-o-Novo, o arguido LC vendeu a SS quantidade concretamente não apurada de heroína, a troco de quantia monetária que este pagou pela mesma.

13. No dia 04/09/2016, cerca das 18h30, na Rua do Matadouro em Montemor-o-Novo, o arguido LC vendeu a SS quantidade concretamente não apurada de heroína, a troco de quantia monetária que este pagou pela mesma.

14. No dia 04/01/2017, cerca das 12h00, no Largo do Rossio, junto à Praça de Touros, em Montemor-o-Novo, o arguido LC foi intercetado por militares da Guarda Nacional Republicana, transportando consigo, no bolso traseiro esquerdo das calças que trazia vestidas, 7 (sete) saquetas contendo 1,051g (uma vírgula zero cinquenta e uma grama) de heroína, droga essa que permitia a concretização de pelo menos 1 (uma) dose de heroína, e ainda € 9,40 (nove euros e quarenta cêntimos) provenientes da venda de produtos estupefacientes e 1 (um) canivete.

15. O arguido LC vendia a dose de heroína pelo valor de € 10 (dez euros) cada.

18. O arguido IC, para efetuar contactos telefónicos, utilizava os telemóveis com os números 9364--- (código/alvo 88431040) e 9390---- (código/ alvo 89360040).

19. No dia 15/03/2017, entre outros não apurados, ML contactou telefonicamente do seu telemóvel com o número 9145--- para o telemóvel do arguido JS com o número 9672--- e combinou encontros.

20. Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde Outubro de 2016, que os arguidos GV e RC se abasteciam de produtos estupefacientes, nomeadamente heroína e cocaína, em conjugação de esforços e na sequência de um plano previamente traçado e vendiam tais produtos a alguns consumidores residentes em Évora.

21. Nessa atividade o arguido GV era auxiliado pelos arguidos LS e AP, que efetuavam a venda direta aos consumidores.

22. Em datas que em concreto não foi possível apurar, os arguidos GV e LS deslocaram-se a um bairro social junto de São João da Talha no veículo de matrícula "---LJ", de marca "Ford", modelo "Fiesta", conduzido por JCS.

23. No dia 22 de Fevereiro de 2017, os arguidos GV e IC encontraram-se junto ao estabelecimento comercial «Seaside», na zona industrial, em Évora.

24. O arguido GV residia com a arguida SF, sua companheira, na Avenida Heróis do Ultramar, …, em Évora, tendo posteriormente arrendado uma outra habitação sita na Rua Sacadura Cabral,…, em Évora.

25. No decurso dos meses de Outubro e Novembro de 2016, o arguido GV foi contactado telefonicamente por indivíduos identificados como consumidores de produto estupefaciente, combinando encontros atrás da sua residência ou junto a um parque infantil que se situa próximo.

26. Nesse período, os indivíduos que queriam adquirir produto estupefaciente contactavam com o arguido GV, nomeadamente:

27. Nos dias 25/10/2016, 30/10/2016, 04/11/2016 e 08/11/2016, entre outros não apurados, JL contactou telefonicamente dos seus números de telemóvel 9618--- e 9683--- para o telemóvel do arguido GV com o número 9391--- e combinou encontros nos quais o arguido lhe entregou quantidades não apuradas de heroína.

28. Nos dias 06/11/2016, 08/11/2016 e 09/11/2016, entre outros não apurados, CAS, com a alcunha "Sardas", contactou telefonicamente do número da residência da sua mãe 2660--- ou dos seus números de telemóvel 9354--- ou 9200---para o telemóvel do arguido GV com o número 9391--- e combinou encontros nos quais o arguido lhe entregou quantidades não apuradas de heroína.

29. Acresce que no dia 13/11/2016 CAS, com a alcunha "Sardas", contactou telefonicamente do número da residência da sua mãe 2660---- para o telemóvel do arguido GV com o número 9391---, combinando um encontro no qual o arguido lhe entregou dois pacotes.

30. Nos dias 25/10/2016, 30/10/2016, 04/11/2016 e 08/11/2016, entre outros não apurados, HL contactou telefonicamente dos números de telemóvel 9618--- e 9683--- para o telemóvel do arguido GV com o número 9391---- e combinou encontros nos quais o arguido lhe entregou quantidades não apuradas de heroína.

31. Nos dias 21/10/2016 e 28/10/2016, MPP contactou telefonicamente do número do seu telemóvel 9603---- para o telemóvel do arguido GV com o número 9391--- e combinou encontros nos quais o arguido lhe entregou quantidades não apuradas de heroína, pelas quais pagou € 25 (vinte cinco euros) por três pacotes.

32. No dia 04/11/2016, entre outros não apurados, JFS contactou telefonicamente do número do seu telemóvel 9611---- para o telemóvel do arguido GV com o número 9391---- e combinou encontros nos quais o arguido lhe entregou quantidades não apuradas de heroína;

33. Após a intercetação de CAS, com a alcunha "Sardas", pela Polícia de Segurança Pública, o arguido GV começou a evitar efetuar contactos diretos com os consumidores, sendo que logo que se abastecia de estupefaciente entregava o referido produto aos arguidos AP e LS para estes distribuírem pelos consumidores.

34. Assim, sempre que o arguido GV era contactado pelos consumidores, encaminhava-os para os referidos arguidos, referindo-se aos mesmos como "amigo velho", "outro" e "amigo que mora ao pé do Pingo Doce da Malagueira".

35. Nomeadamente, nos dias 28/10/2016 e 21/11/2016, entre outros não apurados, NM contactou telefonicamente do seu número de telemóvel 9324--- para os números de telemóvel do arguido GV, sendo que este o encaminhou para os arguidos AP, RC e LS para combinar encontros nos quais estes arguidos lhe entregaram quantidades não apuradas de heroína e cocaína.

36. Para se referir ao produto estupefaciente, o arguido GV usava habitualmente expressões como "café", "cafezinho", "vens tu e quem", "quantos lugares é o carro", referindo-se aos locais de entrega como "jardim zoológico" (jardim de infância junto sua casa), "parque" (parque infantil junto à sua casa), "onde se trata dos papéis" (Junta de Freguesia da Senhora da Saúde), "mortos" (capela nas traseiras do supermercado "Pingo Doce"), entre outros.

37. O arguido RC residia com a sua companheira, a arguida AV, na Quinta de São João, Bairro do Degebe,…, em Évora.

38. O casal utilizava habitualmente um veículo de marca "Ford", modelo "Fiesta", com a matrícula "-LG", ou um veículo de marca "Mercedes", modelo "190", de cor verde, com a matrícula" -QL".

39. O arguido RC, com as alcunhas "Júlio" ou "Still", desde pelo menos Outubro de 2016 dedicava-se também à venda de produto estupefaciente.

40. Inicialmente auxiliava o arguido GV na venda de produto estupefaciente, sendo que quando não tinha produto estupefaciente contactava com o arguido GV para se abastecer do referido produto.

41. RC encontrava-se com os indivíduos consumidores a seguir à ponte do Degebe, a seguir ao depósito de gás, ia ao domicílio dos consumidores e junto às bombas de gasolina da "BP", na Rotunda do Bombeiro, em Évora, sendo que no dia 13/01/2017, após se ter encontrado com o arguido RC, TM foi intercetado pela Policia de Segurança Pública na posse de 0,323 gramas, de cocaína, droga essa que permitia a concretização de pelo menos uma dose.

42. Os indivíduos que queriam adquirir produto estupefaciente contactavam o arguido RC, nomeadamente:

43. Nos dias 17/11/2016, 18/11/2016, 30/12/2017 e 01/01/2017, entres outras datas que não foi possível apurar, TM contactou do seu telemóvel com número 9698-- para o telemóvel do arguido com o número 9339-- e combinou encontros nos quais o arguido lhe entregou quantidades não apuradas de cocaína, mediante o pagamento de € 20 (vinte euros) por dose.

44. Nos dias 03/12/2016, 04/12/2016 e 06/12/2017, entre outras datas que não foi possível apurar, NB contactou do seu telemóvel com o número 9685--- para o telemóvel do arguido com o número 9339--- e combinou encontros nos quais o arguido lhe entregou quantidades não apuradas de cocaína, mediante o pagamento de € 20 (vinte euros) por dose.

45. Nos dias 04/12/2016, 28/12/2016 e 30/12/2016, entres outras datas que não foi possível apurar, SPS contactou do seu telemóvel com o número 9326--- para o telemóvel do arguido com o número 9339--- e combinou encontros nos quais o arguido lhe entregou quantidades não apuradas de cocaína, mediante o pagamento de € 20 (vinte euros) por pacote.

46. Nos dias 17/11/2016, 18/11/2016, 24/11/2016, 02/12/2016, 09/12/2016, 16/12/2016, 23/12/2016, 24/12/2016, 27/12/2016 e 23/01/2017, entre outros não apurados, RF contactou telefonicamente dos seus números de telemóvel 9675--- e de telefone 2667---- para o telemóvel do arguido RC com o número 9339---, e em algumas dessas ocasiões combinou encontros nos quais o arguido lhe entregou quantidades não apuradas de heroína.

47. RC deslocava-se habitualmente a Montemor-o-Novo.

48. A arguida AV nos dias 18/11/2016, 19/11/2016 e 01/12/2016 atendeu telefonemas feitos pelo Miguel, sendo que na segunda ocasião combinou encontrar-se com o mesmo.

49. A arguida AV em diversas ocasiões atendeu as chamadas recebidas no telemóvel do arguido RC, foi contactada e utilizou o mesmo para contactar, nomeadamente:

50. No dia 24/11/2016 a arguida atendeu um telefonema feito pela consumidora RF, e aquela diz-lhe que já foram ao seu encontro.

51. No dia 24/11/2016 a arguida atendeu um telefonema feito pelo arguido GV, em que este lhe diz para a mesma ir ao seu encontro.

52. No dia 26/11/2016 a arguida foi contactada por "Zezinha".

53. No dia 12/12/2016 a arguida a arguida atendeu um telefonema feito por "Mané".

54. No dia 28/12/2016 a arguida contactou um número de Espanha.

55. No dia 28/12/2016 a arguida contactou SPS e diz-lhe que vai demorar um bocado.

56. No dia 05/01/2017 a arguida atendeu um telefonema feito pelo arguido GV que a informa que o "Mau" quer encontrar-se com o RC e aquela diz que já vão ter com eles.

57. No dia 13.01.2017 a arguida foi contactada pelo arguido IC a quem informa que a viagem a Montemor-o-Novo correu bem.

58. A arguida SF é companheira do arguido GV.

59. A arguida SF em diversas ocasiões atendeu as chamadas recebidas no telemóvel do arguido GV, foi contactada e utilizou o mesmo para contactar, nomeadamente:

60. No dia 08/11/2016 atendeu uma chamada feita por JL, irmão de HL, que pretende comprar produto estupefaciente e a arguida e diz-lhe que o companheiro (GV) já vai ter com ele.

61. No dia 14/11/2016 atendeu uma chamada feita por GJ e informa-o que terá de esperar, pois o arguido GV tinha ido buscar as filhas à escola.

62. No dia 19/11/2016 atendeu uma chamada feita por pessoa desconhecida.

63. No dia 20/11/2016 atendeu uma chamada feita por JC e informa-o que o arguido GV já teria ido ao seu encontro.

64. No dia 20/11/2016 atendeu uma chamada feita por um indivíduo e informa-o que o arguido GV já se deslocava ao seu encontro.

65. Nos dias 22/02/2017, 01/03/2017 e 05/03/2017 foi contactada e contacta com o arguido AP ("Djavan").

66. No dia 22/02/2017 a arguida contactou um individuo identificado como Delfino, com quem combina encontrar-se mais tarde.

67. No dia 23/02/2017 a arguida foi contactada por um individuo identificado como "Timtim" Veiga.

68. No dia 23/02/2017 a arguida foi contactada pelo arguido LS, conhecido por "Lico".

69. No dia 05/03/2017 a arguida contactou HC.

70. Os arguidos AP e LS colaboravam com o arguido GV na venda de produto estupefaciente, efetuando o contacto direto com os consumidores e encontrando-se com os mesmos para entregar produto estupefaciente.

71. AP, com a alcunha de "Djavan", utilizador habitual do número de telemóvel nº 9603--- e residente na Rua de Valverde…, em Évora, era encontrado junto às bombas de gasolina da "BP" ou no café da "Cila", situado nas proximidades das referidas bombas, em Évora.

72. Desde pelo menos Outubro de 2016, os indivíduos que queriam adquirir produto estupefaciente contactavam o arguido AP, nomeadamente:

73. No dia 07/01/2017, entre outros não apurados, MRD contactou com o arguido AP junto às Bombas da "BP", após o que foi intercetado pela Polícia de Segurança Pública na posse de 0,092 gramas de heroína, droga essa que permitia a concretização de pelo menos duas doses.

74. Nos dias 06/01/2017, 09/01/2017 e 25/01/2017, entre outros não apurados, MNP contactou telefonicamente do seu telemóvel número 9603--- para o telemóvel do arguido AP com o número 9603--- e combinou encontros nos quais o arguido lhe entregou quantidades não apuradas de heroína, pelas quais pagava € 25 (vinte cinco euros) por três pacotes, por indicação do arguido GV.

75. Por sua vez, o arguido LS utilizava o telemóvel nº 9643-- e residia habitualmente num imóvel situado na Rua Mário Sá Carneiro.

76. Normalmente fazia as entregas do estupefaciente junto à sua residência ou no Lago da Malagueira.

77. Os indivíduos que queriam adquirir produto estupefaciente contactavam o arguido LS, nomeadamente nos dias 13/12/2016 e 25/12/2016, entre outros não apurados, JL contactou telefonicamente do seu telemóvel número 9683--- para o telemóvel do arguido LS com o número 9643--- e combinou encontros nos quais o arguido lhe entregou quantidades não apuradas de heroína, sendo que no dia 13/12/2016, após se ter encontrado com o arguido LS, JL, que vinha acompanhado do seu irmão HL, foi intercetado pela Polícia de Segurança Pública na posse de 0,131 gramas de heroína, droga essa que permitia a concretização de pelo menos uma dose.

78. O arguido GV costumava recorrer a consumidores de produto estupefaciente, que a troco do referido produto, se deslocavam nas suas viaturas a Montemor-o-Novo.

79. O arguido LS costumava angariar estes consumidores para conduzirem GV a Montemor-o-Novo e era também habitual acompanhá-lo.

80. Designadamente, em data que não foi possível apurar, JMC deslocou-se a Montemor-o-Novo, mais concretamente à "Rata", transportando o arguido GV, permanecendo o referido JMC no veículo enquanto o arguido GV se deslocava ao interior do bloco, entrando na segunda porta do mesmo.

81. No dia 20 de Março de 2017 o arguido LS efetuou contacto telefónico com o arguido IC, informando que se encontrava junto à sua residência sita na Courela da Ponte, em Montemor-o-Novo, para onde se deslocou no veículo ligeiro de passageiros com a matrícula "--RB", de marca "Volkswagen", modelo "Palo", de cor cinzenta, tendo o arguido IC solicitado que aí aguardasse a sua chegada.

82. Cerca das 19h00m, o arguido IC chegou à sua residência, fez sinal ao arguido LS para que este saísse do veículo e ambos entraram para a referida residência.

83. Passados alguns minutos, o arguido LS voltou ao veículo onde se fazia transportar e dirigiu-se à Estrada Nacional nº 114, em direção a Montemor-o-Novo, circulando na rotunda de forma a retomar a EN 114 em direção a Évora.

84. Já em Évora cortou à esquerda na rotunda em direção à Avenida do Dique e de seguida para a Avenida dos Salesianos, entrando no parque de terra em frente à sua residência, local onde foi intercetado pela Polícia de Segurança Pública, cerca das 19h40m.

85. Nessa altura, o arguido LS deixou cair para junto do banco do condutor:

86. Dois pacotes acondicionados em plástico transparente, contendo no seu interior um pó de cor castanha, com o peso total de 10,11 gramas de heroína, droga essa que permitia a concretização de pelo menos 12 (doze) doses;

87. Dois pacotes acondicionados em plástico transparente, contendo no seu interior um pó de cor branca, com o peso total de 3,780 gramas de cocaína, droga essa que permitia a concretização de pelo menos 12 (doze) doses.

88. Na sua residência, sita na segunda porta verde a contar da Rua Mário Sá Carneiro, em Évora, o arguido LS tinha no interior da casa de banho um plástico cortado com formato para acondicionar produto estupefaciente.

89. Nesse mesmo dia, o arguido IC, residente no Bloco….,na Courela da Ponte de Évora, em Montemor-o-Novo, tinha:

90. No interior do guarda-roupa do quarto do casal € 2130 (dois mil cento e trinta euros) em notas do Banco Central Europeu;

91. No interior do armário da cozinha uma arma de fogo curta, pistola semiautomática, da classe A, de marca "Star", modelo "Starlet", com o número rasurado, calibre 6,35 mm;

92. No saco do lixo da residência estavam vários plásticos recortados.

93. O arguido IC tinha ainda no bolso das calças € 115 (cento e quinze euros) em notas do Banco Central Europeu.

94. Nesse mesmo dia o arguido GV esteve ausente da cidade de Évora desde as 15h50m até cerca das 21h00m.

95. Cerca das 22h00m, o referido arguido deslocou-se no veículo ligeiro de marca" Hyundai", de cor verde, matrícula "--- FM", à Rua de Valverde, em Évora, onde parou.

96. Logo surgiu na sua direção o arguido AP, de alcunha "Djavan".

97. Apercebendo-se dos elementos da Polícia de Segurança Pública que aí se encontravam, o arguido GV, de forma repentina, efetuou marcha atrás a grande velocidade e encetou fuga a alta velocidade, desobedecendo ao sinal de sentido proibido, parando junto à sua residência, onde saiu do veículo e veio a ser intercetado.

98. Enquanto fugia, o arguido atirou o seu telemóvel de marca "Mobiwire", modelo "FI", com o IMEI 35560607---, que veio a ser recuperado.

99. Nesse mesmo dia o arguido LC foi intercetado pela Guarda Nacional Republicana, tendo consigo 21 (vinte um) pacotes contendo no seu interior um pó de cor castanha, com o peso total de 3,163g (três virgula cento e sessenta e três gramas) de heroína, droga essa que permitia, dado a pouca pureza do produto, a concretização de cinco doses.

100. Os arguidos GV, RC, LC, LS e AP faziam da atividade de tráfico de produtos estupefacientes o seu único meio de subsistência, uma vez que não lhes era conhecida qualquer outra fonte de rendimento.

101. Venderam o produto estupefaciente por preço superior ao da sua aquisição, revertendo para eles o lucro da venda, sendo a dose da cocaína vendida a € 20 (vinte euros) e a dose de heroína a € 10 (dez euros).

102. Agiram dedicando-se à venda de produto estupefaciente ao longo de um período de tempo a vários consumidores de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a detenção, compra, venda ou cedência a qualquer título dos referidos produtos eram condutas proibidas e punidas por lei.

103. Todos os objetos descritos e quantias monetárias que se encontravam na posse dos referidos arguidos eram utilizados e foram obtidos na atividade de tráfico de droga que desenvolviam.

104. Nenhum dos arguidos referidos, no espaço temporal suprareferido, exerceu qualquer tipo de atividade lícita remunerada, sendo a comercialização de estupefaciente o seu único meio de subsistência e meio de fazer face às suas despesas diárias.

105. Agiram os arguidos GV, RC, LS e AP, em conjugação de esforços e vontades, mediante um plano previamente definido e por todos aceite.

106. Acresce que o arguido IC não é titular de qualquer licença de uso e porte de arma.

107. O arguido conhecia as características da arma supra descrita, bem sabendo que não podia ter na sua posse, deter, utilizar ou guardar arma com o número de série rasurado, por se tratar de arma modificada, ainda que fosse titular de licença de uso e porte de arma emitida pelo organismo competente, licença que sabia não deter, mas mesmo assim não se absteve de agir do modo descrito, o que quis.

108. Todos os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram censuráveis e punidas por lei como crime.

Mais se provou sobre o arguido JS

109. O arguido não tem antecedentes criminais.

110. À data dos factos que deram azo ao processo, JS vivia com a companheira e dois filhos menores, num bairro improvisado de contentores, facultados pela Câmara Municipal.

111. JS é o mais novo de cinco filhos, de um casal de baixo estrato socioeconómico, com atividade na venda ambulante e negócio de equinos, recorrendo aos apoios sociais em períodos de precariedade.

112. Completou o 4° ano de escolaridade, dada a mobilidade familiar e o desinvestimento pela aprendizagem. A partir de então, passou a acompanhar os familiares na sua atividade.

113. Há cerca de 13 anos iniciou união marital com a atual companheira. À data dos factos o sustento do agregado seria assegurado pelo rendimento social de inserção e por montantes variáveis que o arguido e companheira, referem auferir em atividade sazonal no sector agrícola.

Mais se provou sobre o arguido IC

114. IC de 45 anos de idade, em período anterior à prisão, residia com a companheira e os dois filhos (de 13 e 17 anos de idade), no "bairro dos contentores" no parque de exposições de feiras em Montemor-o-Novo.

115. A subsistência do agregado familiar é assegurada através de Rendimento Social de Inserção, bem como dos abonos dos filhos.

116. Ao nível escolar, não possui nenhum grau escolar.

117. Iniciou a atividade profissional como vendedor ambulante após o início da relação marital com a companheira.

118. O processo de socialização do arguido decorreu no seio da sua família de origem, em Montemor-o-Novo, constituída pelos pais e quatro irmãos, segundo os costumes próprios da sua etnia.

119. No ano de 1999 refere que alterou a residência para a Cruz de Pau, onde permaneceu até ao ano de 2014, altura em que decidiu regressar para junto dos familiares em Montemor-o-Novo.

120. Em meio prisional mantém um comportamento assertivo, cumpre as regras e normas institucionais, e está integrado ao nível escolar, frequentando o ensino, um curso EFA B1.

Mais se provou sobre o arguido GV

121. O arguido foi condenado:
- No proc. abreviado nº --/06.7GTPTG, do Tribunal Judicial do Elvas, por decisão proferida em 15/01/2007, pela prática de crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.°, nº 1, alínea b), do Código Penal, e de crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.°, n.02, do D.L. nº 2/98, de 03/01, na pena única de 115 dias de multa; a decisão transitou em julgado em 15/11/2013 e os factos subjacentes foram praticados em 16/05/2006.

- No proc. singular nº --/08.3GTEVR, do Tribunal Judicial de Montemor-o-Novo, por decisão proferida em 01/06/2010, pela prática de crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.° do D.L. nº 2/98, de 03/01, na pena de 50 dias de multa; a decisão transitou em julgado em 08/09/2017 e os factos subjacentes foram praticados em 23/03/2008.

- No proc. singular nº ---/09.0PQLSB, do Tribunal de Pequena Instancia Criminal de Lisboa, por decisão proferida em 13/03/2012, pela prática de crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.°do D.L. nº 2/98, de 03/01, na pena de 50 dias de multa; a decisão transitou em julgado em 02/07/2013 e os factos subjacentes foram praticados em 02/08/2009.

- No proc. comum nº ---/11.3PBSNT, do Tribunal Judicial de Loures, por decisão proferida em 25/07/2013, pela prática de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.° do Código Penal, na pena de 120 dias de multa; a decisão transitou em julgado em 19/06/2014 e os factos subjacentes foram praticados em 09/02/2011.

- No proc. sumário nº ---/16.3PHLRS, do Tribunal Judicial de Loures, por decisão proferida em 18/05/2016, pela prática de crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.° do D.L. nº 2/98, de 03/01, na pena de 6 meses de prisão substituída por 180 dias de multa; a decisão transitou em julgado em 22/06/2016 e os factos subjacentes foram praticados em 17/05/2016.

122. - No proc. sumário nº --/14.8PFEVR, do Tribunal Judicial de Évora, por decisão proferida em 24/10/2014, pela prática de crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.° do D.L. nº 2/98, de 03/01, na pena de 5 meses de prisão suspensa; a decisão transitou em julgado em 24/11/2014 e os factos subjacentes foram praticados em 16/03/2016.

123. GV em período anterior à prisão, integrava o agregado constituído pela companheira e duas filhas de 2 e 7 anos de idade.

124. Integrou um agregado familiar humilde, composto pelos pais, feirantes e por dez irmãos, sendo que é o segundo mais novo. O progenitor faleceu há cerca de 12 anos.

125. Frequentou o ensino regular, concluindo o 4º ano de escolaridade aos 17 anos de idade.

Mais se provou sobre a arguida SF

126. A arguida não tem antecedentes criminais.

127. À data dos factos que deram azo ao processo, SF vivia com o companheiro GV e duas filhas menores.

128. SF é a primogénita de três filhas de um casal, de baixo estrato socioeconómico, agravado pelo falecimento do pai da arguida, há cerca de 20 anos.

129. Neste enquadramento familiar, a arguida frequentou a escola em idade própria, não chegando a completar o 6° ano de escolaridade. Entretanto, com 15 anos de idade iniciou união marital, com o atual companheiro. Desta união nasceram as duas filhas, no presente, com 7 e 2 anos de idade.

130. À data dos factos o sustento do agregado seria assegurado pelo rendimento social de inserção.

131. SF tem mantido atividade laboral como empregada de limpeza, através de empresas de trabalho temporário, embora sem vínculo efetivo.

132. Visando uma maior qualificação académica e profissional iniciou, a 21 de maio, um curso de formação profissional de operador de informática com duração de 815 horas que lhe permitirá completar o 6° ano de escolaridade.

Mais se provou sobre o arguido RC

133. O arguido foi condenado:
- No proc. sumário nº ---/99.0PZLSB, do Tribunal de Pequena Instancia de Lisboa, por decisão proferida em 17/05/1999, pela prática de crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.°, nº 2, do D.L. nº 2/98, de 03/01, na pena única de 120 dias de multa; os factos subjacentes foram praticados em 15/05/1999.

- No proc. sumário nº ---/00.1PRLSB, do Tribunal de Pequena Instancia de Lisboa, por decisão proferida em 19/09/2000, pela prática de crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.°, nº 2, do D.L. nº 2/98, de 03/01, na pena única de 5 meses de prisão suspensa; a decisão transitou em julgado em 04/10/2000 e os factos subjacentes foram praticados em 19/09/2000.

- No proc. singular nº ---/99.8PKLSB, do Tribunal Judicial de Lisboa, por decisão proferida em 02/09/2001, pela prática de crime de furto qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 203.°, 204.°, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão; a decisão transitou em julgado em 08/09/2017 e os factos subjacentes foram praticados em 11/07/1999.

- No proc. singular nº --/01.1PANI, do Tribunal Judicial de Peniche, por decisão proferida em 18/04/2002, pela prática de crime de furto qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 203.°, 204.°, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; a decisão transitou em julgado em 03/05/2002 e os factos subjacentes foram praticados em 17/01/2001.

- No proc. coletivo nº ---/01.8POLSB, do Tribunal Judicial de Lisboa, por decisão proferida em 22/04/2003, pela prática de crimes de furto de uso de veículo, furto qualificado, condução perigosa de veículo e condução sem habilitação legal; a decisão transitou em julgado em 23/06/2003 e os factos subjacentes foram praticados em 25/05/2003.

- No proc. singular nº ---/00.8GBMTJ, do Tribunal Judicial do Montijo, por decisão proferida em 27/05/2005, pela prática de crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.° do D.L. nº 2/98, de 03/01, na pena de 7 meses de prisão; a decisão transitou em julgado em 13/06/2005 e os factos subjacentes foram praticados em 09/09/2000.

- No proc. singular nº --/01.1PRLSB, do Tribunal Judicial do Lisboa, por decisão proferida em 05/02/2007, pela prática de crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.° do D.L. nº 2/98, de 03/01, na pena de 120 dias de multa; a decisão transitou em julgado em 06/02/2007 e os factos subjacentes foram praticados em 17/01/2001.

- No proc. sumário nº ---/09.0SILSB, do Tribunal Judicial do Lisboa, por decisão proferida em 09/03/2009, pela prática de crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.° do D.L. nº 2/98, de 03/01, na pena de 12 meses de prisão; a decisão transitou em julgado em 14/12/2009 e os factos subjacentes foram praticados em 06/03/2009.

- No proc. sumário nº ---/09.0PQLSB, do Tribunal Judicial do Lisboa, por decisão proferida em 17/11/2009, pela prática de crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.° do D.L. nº 2/98, de 03/01, na pena de 9 meses de prisão; a decisão transitou em julgado em 07/12/2009 e os factos subjacentes foram praticados em 16/11/2009.

- No proc. singular nº ---/09.8GCSTR, do Tribunal Judicial da Golegã, por decisão proferida em 18/10/2011, pela prática de crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, nº 1, alínea c), da Lei nº 5/2006, de 23/02, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; a decisão transitou em julgado em 18/11/2011 e os factos subjacentes foram praticados em 28/09/2010.

134. Em período anterior à reclusão, RC residia em Évora, há cerca de 5 meses, com a companheira e uma das quatro filhas (16 anos de idade), estando as restantes autonomizadas do agregado.

135. A família sempre residiu em Lisboa, contudo, na sequência de acontecimento traumático (falecimento do filho mais velho), o agregado decidiu alterar de residência para Évora.

136. Oriundo de uma família de etnia cigana, RC é o mais novo de oito filhos do casal, detentores de uma condição económica modesta.

137. O processo de socialização do arguido decorreu no seio da família alargada, de acordo com as tradições e normas culturais da etnia. A dinâmica familiar ter-se-á caracterizado por laços de coesão e entreajuda, porém, num ambiente marcado por excessiva tolerância e permissividade, o que mais tarde viria a ter repercussões na sua vida futura, quer em termos pessoais quer profissionais.

138. Ao nível da sua formação escolar, esta teve início aos 11 anos de idade e não chegou a concluir o ensino primário.

139. Aos 18 anos casou com AV, e desta união resultou cinco filhos.

140. O início da atividade profissional ocorreu na adolescência em trabalhos sazonais na área agrícola.

141. Com cerca de 19 anos juntou-se aos irmãos na atividade de vendedor ambulante. Terá sido nesta altura que iniciou os consumos de estupefacientes, o que desencadeou a adoção de condutas delituosas, que culminaram em contactos com o sistema judicial.

142. Em meio prisional, não tem mantido um comportamento assertivo, existindo registos de desajustes às regras institucionais. Está integrado no ensino, frequentado um curso EF A B2.

Mais se provou sobre a arguida AV

143. A arguida não tem antecedentes criminais.

144. À data da prisão, a arguida vivia com o companheiro, o coarguido RC, e a filha mais nova do casal, EC, na altura com 16 anos de idade.

145. Residiam em habitação arrendada (renda no valor de 200€ mensais) de tipologia T2.

146. Tanto AV como o companheiro eram vendedores ambulantes de calçado e loiça.

147. Recebiam rendimento social de inserção no valor de 445€ mensais.

148. A arguida tem dez irmãos; os pais eram trabalhadores rurais.

149. AV não frequentou a escola em idade própria, tendo começado a trabalhar com 10 anos, em atividades agrícolas, situação profissional que manteve até ter iniciado união de facto com o atual companheiro, altura em que passou a trabalhar na venda ambulante.

150. No contexto na referida união de facto nasceram cinco filhos, um dos quais falecido há cerca de três anos, acontecimento vivenciado com grande sofrimento, situação que associa ao facto de ter iniciado o consumo de cocaína.

151. As filhas têm atualmente 23, 21, 19 e 17 anos de idade, sendo as três mais velhas já autónomas.

Mais se provou sobre o arguido LC

152. O arguido não tem antecedentes criminais.

153. LC é o do meio de 3 irmãos. O progenitor era guarda da GNR e a progenitora trabalhou na restauração, encontram-se ambos reformados.

154. O processo de socialização de LC decorreu num ambiente dito normativo, onde existiam regras e limites e que o arguido refere respeitar.

155. Iniciou a escolaridade em idade adequada, tendo concluído o 6° ano, com 13 anos. Inscreveu-se no 7° ano, porém acabou por não concluir o ano, tendo ficado retido por faltas, abandonou a escola para trabalhar.

156. Iniciou atividade laboral com 14 anos como empregado fabril, que desenvolveu durante cerca de 7 anos, até à falência da fábrica. Com 21 anos passou a trabalhar na área da construção civil, como porta-minas, em topografia; passando posteriormente por outro tipo de trabalhos e em várias entidades patronais, em busca de melhores condições económicas.

157. Manteve atividade laboral até aos 42 anos, essencialmente na área da construção civil. Desde 2014, que apenas tem vindo a desenvolver alguns biscates na mesma área, de forma esporádica.

158. LC iniciou o consumo de estupefacientes (heroína e cocaína), com cerca de 25/26 anos, os quais se foram intensificando. Sujeitou -se a vários tratamentos, que incluíram internamentos, acabando por recair nos consumos.

159. LC encontra-se preso preventivamente, no Estabelecimento Prisional de Elvas (EPE), à ordem do presente processo, desde 23 de Março de 2017.

160. Residia com a avó materna e os progenitores, em casa destes.

161. LC apresenta algumas competências pessoais e sociais, nomeadamente de comunicação interpessoal, aparentando ser um indivíduo flexível e modesto.

162. Encontra-se em acompanhamento pelo Centro de Respostas Integradas (CRI) de Elvas.

163. No Estabelecimento Prisional, tem vindo a manter um percurso normativo, sem registo disciplinar. Integra o grupo de dinamização da biblioteca "ler p'ra ser", realiza tarefas de faxina e frequenta o RVCC a fim de obter equivalência ao 9° ano de escolaridade. Participou no projeto grupo de teatro, denotando sempre bastante empenho e dedicação. Frequentou, ainda, a formação de curta duração "Formar para Reintegrar", "estrada segura" e "Programa Motivacional para o Tratamento de Comportamentos Aditivos".

164. Recebe visitas da irmã e dos pais.

Mais se provou sobre o arguido LS

165. O arguido não tem antecedentes criminais.

166. O arguido LS é o mais novo de 2 irmãos, oriundo de um agregado normativo de condição sociofamiliar razoável.

167. Iniciou atividade laboral aos 14 anos, como paquete, que exerceu até aos 21 anos; passando a trabalhar na área da restauração e bar, desempenhando várias valências. Trabalhou ainda, na área da publicidade e foi empregado fabril na Hutchison, onde laborou por cerca de 8 anos, após os quais negociou a sua saída.

168. A partir desta data, deixou de trabalhar regularmente, passando apenas a desenvolver algum trabalho, por conta própria, na área da eletricidade e canalização.

169. LS iniciou o consumo de estupefacientes aos 15 anos de idade, os quais se foram intensificando, e passando do haxixe para a heroína e cocaína. Ao longo da vida fez vários tratamentos, com internamento, sem que tenha conseguindo manter-se abstinente.

170. Constituiu família aos 25 anos, tendo deste relacionamento uma filha com 26 anos. Esta relação veio a terminar, passados cerca de 14 anos.

171. LS encontra-se preso preventivamente, no Estabelecimento Prisional de Elvas (EPE), à ordem do presente processo, desde 23 de Março de 2017.

172. À data da prisão, residia com mãe e a irmã, em casa desta.

173. Apresenta algumas competências pessoais e sociais, com trato fácil, relacionando-se de forma afável.

174. No Estabelecimento Prisional, tem vindo a manter um percurso normativo, sem registo disciplinar, investindo na sua formação académica. Frequenta, assim, o EF A B3, a fim de obter equivalência ao 9° ano de escolaridade. Participa ainda, em todas as atividades lúdicas do EPE. Recebe visitas da filha, mãe e irmã.

Mais se provou sobre o arguido AP

175. O arguido foi condenado:
- No proc. comum nº ---/14.5PBEVR, do Tribunal Judicial de Évora, por decisão proferida em 19/05/2016, pela prática de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 204.°, nº 1 , alínea f), do Código Penal, na pena de 180 dias de multa; a decisão transitou em julgado em 20/06/2016 e os factos subjacentes foram praticados em 12/04/2014.

176. AP encontra-se preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de Beja, apresentando um comportamento adequado às regras institucionais.

177. À data da prisão mantinha situação de sem-abrigo, permanecendo em imóveis devolutos, situação que reconduz a 2012, na sequência de recaída nos consumos aditivos, ocorrida após período, de 27 meses, de internamento em Comunidade Terapêutica.

178. Auferia subsídio de desemprego havia mais de um ano e ocupava-se a "arrumar carros" na via pública.

179. AP constitui-se o quarto elemento de uma fratria composta de sete. Os dois irmãos mais velhos são consanguíneos, de primeira união do progenitor. Os progenitores faleceram há alguns anos.

180. Frequentou o ensino em criança e completou o 4º ano de escolaridade. Iniciou a frequência do ensino preparatório e, paralelamente, o consumo de substâncias estupefacientes - heroína, de que se tornou adito e cujos consumos mantinha à data da prisão.

181. Sem submissão às diretivas dos pais, AP abandonou a escola e começou a trabalhar como servente da construção civil, situação que lhe permitia manter os consumos.

182. Ao longo dos anos foi mantendo com alguma irregularidade, ocupação laboral na área da construção civil. Por volta do ano de 2002 fez Curso de Formação Profissional de Empregado de Mesa e Bar, tendo mantido por cerca de dois anos ocupação nessa área.

183. A interligação dos desempenhos laborais e as necessidades de consumos de substâncias estupefacientes contribuiu espaçamento daqueles e grande precariedade económica, vivenciada pelo arguido.

184. AP contraiu casamento em 1987, tendo nascido dessa união uma filha, atualmente com 30 anos de idade.

185. Esta é a terceira vez que se encontra preso. AP cumpriu dois períodos de prisão, que situa em 1982 e 1994, no então Estabelecimento Prisional Regional de Évora, pela prática de crimes de furto.

186. AP encontrava-se a cumprir, à data da prisão, medida de trabalho a favor da comunidade, de 180 horas, em substituição da pena de multa a que havia sido condenado nos autos ---/14.5PBEVR, pela prática de um crime de furto qualificado. A parte da medida cumprida, cerca de 62 horas, decorreu adequadamente, com realce positivo feito pela União de Freguesias do Bacelo e Senhora da Saúde, onde decorria a medida, relativo à pontualidade, responsabilidade e relações interpessoais do arguido.

Mais se provou sobre o arguido LS

187. O arguido foi condenado:
- No proc. comum nº ---/07.4PBEVR, do Tribunal Judicial de Évora, por decisão proferida em 15/10/2009, pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 204.°, nº 1, alínea f), do Código Penal, na pena de 190 dias de multa; a decisão transitou em julgado em 21/01/2010 e os factos subjacentes foram praticados em 24/05/2011.

- No proc. comum nº ---/10.0GAELV, do Tribunal Judicial de Elvas, por decisão proferida em 11/05/2012, pela prática de um crime de tráfico para consumo, previsto e punido pelo artigo 21.°, nº 1, e 25.°, alínea a), do Código Penal, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão suspensa; a decisão transitou em julgado em 11/06/2012 e os factos subjacentes foram praticados em 17/02/2015.

- No proc. comum nº ----/10.0PBEVR, do Tribunal Judicial de Montemor-o-Novo, por decisão proferida em 28/11/2013, pela prática de um crime de ofensa simples, previsto e punido pelo artigo 143.° do Código Penal, na pena de 180 dias de multa; a decisão transitou em julgado em 10/01/2014 e os factos subjacentes foram praticados em 23/05/2011.

- No proc. comum nº ---/13.7TDEVR, do Tribunal Judicial de Évora, por decisão proferida em 01/07/2014, pela prática de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.°, nº 1, do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão suspensa; a decisão transitou em julgado em 30/09/2014 e os factos subjacentes foram praticados em 05/08/2011.

188. LS encontra-se a cumprir no Estabelecimento Prisional de Beja, desde o dia 09 do passado mês de Março, a pena de 12 meses de prisão que lhe foi aplicada nos autos ---/15.0PBEVR, Juiz 1, do Juízo Local Criminal de Évora, resultante da revogação por via de incumprimento, da pena de 360 horas de trabalho a favor da comunidade em que inicialmente aquela pena havia sido substituída.

189. Deu entrada no referido Estabelecimento Prisional no dia 17 de Novembro de 2017, em situação de prisão preventiva à ordem do proc. ---/16.6PBEVR, vindo esta medida de coação a ser revogada por decisão de 28 de Fevereiro.

190. Entre o dia 12 do passado mês de Fevereiro e o dia 09 de Março esteve ligado ao proc. ---/10.0PBEVR para cumprimento da pena de 120 dias, resultante de pena de multa convertida em dias de prisão subsidiária, a que colocou termo pelo pagamento.

191. À data dos factos que constam da acusação dos presentes autos residia em conjunto com a companheira, SG, na morada constante do processo, a qual não detinha condições básicas de habitabilidade, compartilhando com a companheira uma vivência aditiva, de substâncias estupefacientes, centrando-se o quotidiano do casal na procura da satisfação das necessidades aditivas, chegando a recorrer à mendicidade.

192. O relacionamento entre o casal, é pelos mesmos considerado emocionalmente gratificante e decorre desde há cerca de 4 anos, altura em que se situa a sua última recaída nos consumos de drogas, nos quais se iniciou durante a adolescência.

193. LS cresceu num agregado familiar constituído pela mãe, irmã mais velha e pelos avós maternos, por via da rutura conjugal dos progenitores. Pese embora tenha mantido contacto com o pai e em fase adiantada da adolescência permanecido por alguns meses no agregado reconstituído do mesmo, nunca desenvolveu vinculação afetiva com aquele.

194. Frequentou o ensino até ao 8º ano, altura em que abandonou a escola.

195. Iniciou desde então um processo de adição a substâncias estupefacientes de que nunca se desvinculou, entrecortado por alguns períodos caracterizados por um maior controle.

196. Manteve durante curto período e desde 2010, relação afetiva de que resultou o nascimento do filho LA, atualmente com seis anos de idade e que se encontra entregue aos cuidados da avó paterna.

197. Laboralmente, LS não conta com experiências significativas. No início da vida adulta, esteve cerca de dois anos na Holanda tendo aí trabalhado num matadouro. Posteriormente, trabalhou em pintura da construção civil e num café explorado pela progenitora. Com períodos alargados de inatividade, o arguido chegou a ser beneficiário de RSI - Rendimento Social de Inserção, para além do apoio, nomeadamente alimentar, proporcionado pela progenitora.

198. O seu comportamento institucional tem-se revelado adaptado às normas que enformam o sistema.

Mais se provou sobre o arguido CR

199. O arguido não tem antecedentes criminais.

200. À data dos factos, CR residia, tal como na atualidade, na morada que consta dos autos. Essa residência faz parte da herança dos pais, comum ao arguido e outros herdeiros, embora seja ele quem ali reside permanentemente.

201. A título de rendimentos, subsiste com uma prestação de Rendimento Social de Inserção, no valor de € 183,00.

202. Concluiu o 9° ano de escolaridade, ainda que tenha frequentado o 11° ano, sem o concluir.

203. Após terminar a escolaridade, começou a trabalhar, com intenção de concluir o 12° ano, através de ensino noturno, o que não sucedeu.

204. Posteriormente foi trabalhar para oficina auto, em Lisboa, onde ficou cerca de quatro anos, acolhido em casa de familiares, onde permaneceu até ao falecimento de um deles.

205. Regressou a Montemor-o-Novo, onde trabalhou com o pai na extração de cortiça e compra e venda de imóveis, num registo de empresa familiar.

206. Cerca dos trinta anos foi trabalhar para Cascais, época em que iniciou o consumo de heroína, embora em fase anterior consumisse de forma, que diz ser ocasional, outros estupefacientes.

207. Desde então CR fez diversos tratamentos, com o apoio dos pais, alguns em associações terapêuticas, com um sucesso relativo, dadas as recidivas.

208. Devido, às mencionadas recidivas, o arguido integra o programa de metadona, acompanhado pelo CRI de Évora, que segundo a informação apurada, tem sido regular desde 2015.

209. Em 2013 regressou novamente a Montemor-o-Novo, período em que iniciou uma relação afetiva da qual nasceu uma filha, atualmente com cinco anos, que reside com a mãe, desde a separação do casal.

210. Nessa época desenvolveu diversas atividades laborais e mais recentemente fez formação profissional na área de cerâmica.

Mais se provou sobre o arguido NC

211. O arguido é consumidor de estupefacientes.

212. O arguido frequenta o Centro de Recursos Local da Cercimor, na medida de Apoio à colocação desde 22/09/2017, auferindo o subsídio de refeição no valor de € 4,77/diário.

Da contestação do arguido IC

213. Na data dos factos, o arguido IC vivia numa barraca inacabada que apresentava humidade e infiltrações.

214. O arguido tinha várias dívidas, nomeadamente de renda de casa, telefone e água.

215. (...) Por forma a garantir um empréstimo penhorou uma pulseira de ouro amarelo barbela.

Factos não provados:

Discutida a causa, com relevo para a decisão a proferir, ficaram por apurar com relevância os seguintes factos:

a) Em data não concretamente apurada, mas pelo menos desde Setembro de 2015, o arguido IC concebeu um plano com vista à venda, a troco de dinheiro e com fins lucrativos, de heroína e cocaína, pelo menos em Montemor-o-Novo e Évora.

b) Para a execução de tal plano criminoso, o arguido IC organizou uma estrutura humana e logística com vista à guarda dos produtos estupefacientes, ao transporte de tais produtos e das pessoas que viessem a fazer parte da referida estrutura, à seleção dos locais de venda, à celeridade nos contactos e entregas de heroína e cocaína à clientela, à supervisão das referidas pessoas que viessem a fazer parte da estrutura, nomeadamente distribuidores/vendedores e, por fim, a fiscalização e centralização do grosso das receitas em si.

c) Pelo menos desde Outubro de 2015, os arguidos JS, LC, NC e CR e, desde Dezembro de 2016, os arguidos GV, SF, RC, AV, LS, AP e LS, integraram a referida estrutura, com distinção de tarefas, de responsabilidades e de ganhos, desenvolveram atividades ligadas à venda lucrativa de heroína e cocaína, desenvolvendo aquelas atividades de forma intensa, fazendo esta estrutura vendas diárias de heroína e cocaína, em quantidades que não foi possível apurar.

d) O arguido IC, desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde Outubro de 2015, dedicava-se à atividade de aquisição e posterior distribuição para venda de produtos estupefacientes, designadamente cocaína e heroína, vivendo dos rendimentos que obtinha com essa atividade;

e) Os arguidos IC, JS, LC, NC e CR, bem como a falecida MFS, em conjugação de esforços e na sequência de um plano previamente traçado por todos e por todos aceite e de acordo com a estrutura montada e dirigida pelo arguido IC, forneciam produto estupefaciente, nomeadamente cocaína e heroína, a alguns consumidores residentes em Montemor-o-Novo.

f) Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde o final do ano de 2016, os arguidos IC, GV, SF, RC, AV, LS, AP e LS em conjugação de esforços e na sequência de um plano previamente traçado por todos e por todos aceite e de acordo com a estrutura montada e dirigida pelo arguido IC, forneciam produto estupefaciente, nomeadamente cocaína e heroína, a alguns consumidores residentes em Évora.

g) Na execução desse plano, o arguido IC adquiria heroína e cocaína a indivíduos não identificados, em local que não foi possível identificar perto de Lisboa, para onde se deslocava fazendo-se transportar no veículo ligeiro de passageiros de marca "Citrõen", modelo "Xsara Picasso", de matrícula "- PR".

h) Após, entregava tais produtos à falecida MFS e ao arguido JS, incumbindo-os de proceder à divisão, preparação e acondicionamento de tais substâncias e tratar da sua venda aos consumidores, estabelecendo o respetivo preço, gerindo os proventos pecuniários obtidos, recebendo o dinheiro proveniente das vendas e determinando os investimentos a fazer na aquisição de mais produto estupefaciente.

i) Desde pelo menos Dezembro de 2016, passou também a entregar heroína e cocaína aos arguidos GV, SF, RC e AV, incumbindo estes de proceder à divisão, corte, preparação e acondicionamento de tais substâncias e tratar da sua venda aos consumidores estabelecendo o respetivo preço, gerindo os proventos pecuniários obtidos, recebendo o dinheiro proveniente das vendas e determinando os investimentos a fazer na aquisição de mais produto estupefaciente.

j) Nesta atividade, o arguido JS atuava sobretudo na área de Montemor-o-Novo, contando com a colaboração dos arguidos LC, NC e CR para efetuar a venda direta aos consumidores.

k) Entre 6 de Outubro de 2015 e o dia 20 de Março de 2017, em diversas ocasiões, os arguidos IC, JS, NC e CR, bem como a falecida MFS, em conjugação de esforços e na sequência de um plano previamente traçado por todos e por todos aceite, abastecerem de produto estupefaciente, nomeadamente heroína e cocaína, alguns consumidores residentes em Montemor-o-Novo.

l) O arguido IC funcionava como elemento dirigente, adquirindo o produto estupefaciente em local que não foi possível apurar e distribuindo-o pelos vendedores, nomeadamente pelos arguidos e por outros indivíduos que não foi possível apurar, intervindo quando havia necessidade de tomar decisões acerca de algo relacionado com a distribuição da heroína e cocaína, definindo o preço, ou com outros aspetos ligados a tal atividade, designadamente recebendo queixas da qualidade do produto estupefaciente quando este não tinha qualidade, sendo também ele quem angariava novos vendedores.

m) O arguido IC entregou diversos pacotes de cocaína ao arguido JS e à falecida MFS, seus irmãos, e pacotes de heroína ao arguido JM, seu sobrinho.

n) Os referidos pacotes eram vendidos pelos arguidos JS, LC, NC e CR, bem como pela falecida MFS, sendo entregue o dinheiro proveniente das vendas ao arguido IC.

o) A falecida MFS recebia a cocaína e procedia à venda da mesma junto aos "Contentores", sitos junto ao Parque de Exposições de Feiras, em Montemor-o-Novo.

p) Para o efeito fazia os contactos diretamente com os consumidores, procedendo à venda de uma dose de cocaína por valores que oscilavam entre os € 25 (vinte cinco euros) e os € 30 (trinta euros).

q) Quando arguido JM, seu filho, não estava disponível, era a própria quem efetuava a entrega da droga.

r) O arguido JS dedicava-se à venda de produto estupefaciente, designadamente heroína e cocaína, em Montemor-o-Novo, em conjugação de esforços com os outros membros da família, combinando telefonicamente quantidades e locais onde procedia à venda, deslocando-se após tais contactos aos locais previamente combinados e auxiliando o arguido IC quando ele necessitava.

s) Os encontros referidos no ponto 19 tinham como finalidade o arguido JS entregar quantidades não apuradas de cocaína a troco de uma quantia monetária.

t) Durante aquele período, o arguido IC cedeu e/ou entregou, também ao arguido Jordanes Maia, por diversas vezes, quantidades indeterminadas de heroína.

u) O arguido LC procedeu à venda direta de produto estupefaciente, a mando e por conta dos arguidos JS e IC, que lhe forneciam o produto estupefaciente e estabeleciam os termos do negócio, recebendo posteriormente o dinheiro da venda que lhes era entregue pelo arguido LC.

v) Quando necessário, o arguido LC recolhia também produto estupefaciente diretamente do arguido IC, entregando-lhe também diretamente as quantias provenientes da venda.

w) Quando existiam reclamações relativamente à qualidade do produto, os consumidores eram encaminhados para o arguido IC, designadamente em dia que em concreto não foi possível apurar, em que ICF se deslocou ao Lugar da Rata, em Montemor-o-Novo, acompanhada do arguido LC, para dar conhecimento de que a heroína que o arguido JM tinha entregue ao arguido LC para vender não tinha qualidade.

x) O arguido CR procedeu em conjunto com o arguido LC à venda do produto estupefaciente, dividindo o lucro do mesmo entre eles.

y) CMT adquiria ao arguido LC cerca de cinco pacotes de heroína mensalmente, pelo preço de € 10 (dez euros) cada.

z) AMM comprava ao arguido LC cerca de oito pacotes de heroína mensalmente, pelo valor de € 10 (dez euros) cada, designadamente nos dias 14/01/2017 e 10/06/2016, entre outros.

aa) Os arguidos NC e CR vendiam a dose de heroína pelo valor de € 10 (dez euros) cada.

bb) O arguido NC procedia à venda de produto estupefaciente em quantidades que não foi possível apurar que o arguido LC deixava na sua residência.

cc) Quando não tinha produto estupefaciente para venda e era contactado diretamente pelos consumidores, o arguido NC, contactava o arguido LC, para o seu telemóvel, para que este lhe cedesse o produto estupefaciente, o que aconteceu designadamente nos dias referidos no ponto 17.

dd) De acordo com um plano previamente traçado com os arguidos GV e RC, as arguidas SF e AV abasteciam-se de produtos estupefacientes e vendiam tais produtos a alguns consumidores residentes em Évora.

ee) O arguido RC era auxiliado pelos arguidos LS e AP, que efetuavam a venda direta aos consumidores.

ff) Os arguidos GV e RC eram auxiliados naquela atividade pelo arguido LS, que efetuava a venda direta aos consumidores.

gg) Na execução deste plano, inicialmente o arguido GV abastecia-se de produto estupefaciente, designadamente heroína e cocaína, junto de um indivíduo cuja identidade não foi possível apurar, com a alcunha de "Mazela", com quem se encontrava em São João da Talha, onde se deslocou em número não determinado de vezes na companhia do arguido LS e de outros indivíduos que os transportavam nos seus veículos, em troca de produto estupefaciente.

hh) As deslocações referidas no ponto 22 foram com a finalidade de aí se abastecerem de produto estupefaciente, e ocorreram no final de Novembro de 2016 e início de Dezembro de 2016.

ii) Em datas posteriores, que em concreto não foi possível apurar, os arguidos deslocaram-se ao mesmo local, em São João da Talha, para se abastecerem de produto estupefaciente, fazendo-se transportar no veículo de JR.

jj) Subsequentemente, porque o arguido GV acumulou dívidas junto do referido individuo de alcunha" Mazela", começou desde pelo menos o mês de Dezembro de 2016 a integrar a estrutura humana e logística montada pelo arguido IC, passando a recolher produto estupefaciente junto deste, efetuando posteriormente a sua distribuição ou cedência a consumidores residentes em Évora, entregando-lhe o produto da venda.

kk) Na ocasião referida no ponto 23, o arguido GV entregou ao arguido IC as quantias em dinheiro provenientes da venda do estupefaciente que lhe havia sido entregue anteriormente.

ll) O arguido RC fazia o corte do estupefaciente que lhe era entregue pelo arguido GV e empacotava o mesmo.

mm) Desde pelo menos o início do ano de 2017, o arguido RC afastou-se do negócio em parceria com o arguido GV, pelo facto deste último ter começado também a ter dívidas junto do arguido IC.

nn) O arguido RC começou então a vender estupefaciente, nomeadamente cocaína, que lhe era entregue diretamente pelo arguido IC, após o que fazia a viagem para a sua residência, onde procedia à preparação das embalagens de estupefaciente para venda direta ao consumidor.

oo) No entanto, durante o dia os arguidos RC e GV permaneciam frequentemente no nº…da Rua do Rochedo, em Évora, encaminhando depois os consumidores que os contactavam para locais próximos.

pp) Nas deslocações a Montemor-o-Novo o arguido RC fazia-se acompanhar com a arguida AV, sua companheira.

qq) A arguida AV combinava diretamente entregas de produto estupefaciente.

rr) Nas ocasiões referidas no ponto 48 foi combinado a arguida entregar-lhe estupefaciente.

ss) A arguida foi também contactada pelo "Gimmy", que pretendia adquirir produto estupefaciente, contudo aquela diz-lhe que não pode porque está sozinha.

tt) Na ocasião referida no ponto 51 o encontro tinha a finalidade do arguido GV lhe entregar estupefaciente.

uu) Na ocasião referida no ponto 52, tratava-se de uma consumidora que pretendia adquirir produto estupefaciente, mas contudo a arguida diz-lhe que não pode.

vv) Na ocasião referida no ponto 53, tratava-se de um consumidor conhecido, que pretendia adquirir produto estupefaciente, contudo esta diz-lhe que não pode.

ww) Na ocasião referida no ponto 54, a arguida combinou aí deslocar-se para se abastecer de produto estupefaciente.

xx) Na ocasião referida no ponto 55 diz que lhe fornece estupefaciente.

yy) Na falta do arguido GV era a arguida SF quem tratava das entregas ou combinava entregas de produto estupefaciente aos consumidores que ligavam com esse objetivo.

zz) No dia 26/10/2016, mediante o pagamento de valor não concretamente apurado, a arguida SF fez a entrega de quantidades não apuradas de cocaína e heroína a NM.

aaa) No dia 08/11/2016 a arguida SF fez uma entrega de estupefaciente a alguém e informou o arguido GV.

bbb) Nas ocasiões referidas nos pontos 61, 62 e 64, tratava-se de consumidores que pretendiam adquirir produto estupefaciente.

ccc) Nas ocasiões referidas nos pontos 65, 66 a 69, combinou encontrar-se para entregar/vender produto estupefaciente.

ddd) O arguido LS colaborava desde data que não foi possível apurar com o arguido GV na venda de estupefacientes, sendo que no desenvolvimento desta atividade contactava com os seus clientes diretamente ou através de contacto telefónico, combinando as horas a que os mesmos se deslocariam ao seu encontro em Évora, sendo que era nesses encontros presenciais que eram acordadas as quantidades e espécie do produto estupefaciente a entregar.

eee) Após, contactava o arguido GV quando lhe era solicitada heroína e o arguido RC quando necessitava de cocaína para satisfazer os consumidores.

fff) Para efetuar os contactos utilizava o telemóvel com o número 9276--- (código/alvo 89362040).

ggg) O arguido LS era consumidor de estupefacientes, designadamente cocaína, e não exercia qualquer atividade profissional, atuando da forma descrita motivado pelos fáceis lucros que a sua descrita atividade proporcionava.

hhh) As deslocações referidas no ponto 71 tinham como finalidade o arguido GV abastecer-se de produto estupefaciente.

iii) O arguido RC deslocava-se a Montemor-o-Novo e, inicialmente, a São João da Talha para abastecer-se de produto estupefaciente.

jjj) O arguido LS afastou-se do arguido GV, aproveitando o convite do arguido IC para se abastecer de estupefacientes para posterior venda direta aos consumidores.

kkk) Sendo que pelo menos duas vezes por semana o arguido IC lhe entregava cerca de 14 (catorze) pacotes para venda, tendo o arguido LS de lhe devolver € 100 (cem euros) após a venda dos mesmos.

lll) Nos dias 3, 4 e 8 de Março de 2017, o arguido IC entregou diversos pacotes com quantidades não determinadas de heroína e cocaína ao arguido LS, que posteriormente vendeu os mesmos, entregando o dinheiro resultante das vendas ao arguido IC.

mmm) Os plásticos referidos no ponto 85 foram utilizados para acondicionar produto estupefaciente.

nnn) Todos os objetos descritos e quantias monetárias que se encontravam na posse dos demais arguidos não referidos no ponto 100 eram utilizados e foram obtidos na atividade de tráfico de droga que desenvolviam.

ooo) ( ... ) Sendo a comercialização de estupefaciente o seu único meio de subsistência e meio de fazer face às suas despesas diárias.

Da contestação do arguido IC

ppp) Antes de se encontrar preso o arguido IC trabalhava com vendedor de roupas e calçado em diversas feiras.

qqq) O arguido vivia com dificuldades económicas.

rrr) Contraiu o referido empréstimo para fazer face às suas dificuldades económicas.

Motivação da decisão de facto:
A formação da convicção do Tribunal teve por base, quanto aos factos provados e não provados, a análise crítica da globalidade da prova, analisada à luz das regras da experiência comum e segundo juízos lógico-dedutivos.

Atenta a separação de processos relativa ao arguido JM, cumpre não apreciar os factos diretamente relativos ao mesmo, na medida em que os mesmos terão de ser apreciados noutra sede, razão pela qual não constam dos factos provados e/ou não provados.

No que diz respeito à prova documental o tribunal considerou, com relevância, dos autos nº ---/15.6GBMMN, o auto de notícia de fls. 4, o relatório fotográfico de fls. 15, o auto de apreensão de fls. 16, o auto de notícia de fls. 79, o relatório de diligência externa de fls. 83, o auto de diligência externa de fls. 85, o relato de diligência externa de fls. 87, os autos de diligência externa de fls. 98, 101, 1148, pesquisas de fls. 141 a 143, 587, fotografias de fls. 152 a 154, 586, a informação de fls. 667 e o auto de imagens captadas de fls. 1389.

Dos autos principais, (não obstante a concretização que se fará mais adiante) considerou o tribunal os seguintes documentos: o auto de noticia de fls. 3, a informação de fls. 6 e 7, o relatório de pesquisa de fls. 8, o print de fls. 12, o aditamento de fls. 13, o auto de apreensão de fls. 14, o auto de ocorrência de fls. 16, o teste rápido de fls. 18, os autos de fls. 41, 42, 54 e 55, o relatório de fls. 43, o auto de fls. 65 e 76, o relatório de fls.66, o aditamento de fls. 99, o auto de fls. 100, o auto de apreensão de fls. 101, o teste rápido de fls. 102, o auto de fls. 103, os ofícios de fls. 134, 142 e 143, o auto de fls. 144, o relatório de pesquisa de fls. 145, o auto de fls. 147, o relatório de fls. 148, os autos de fls. 154, 155, 156, 157, 158, 159 e 160, o aditamento de fls. 170, o auto de fls. 173, o relatório de fls. 174, o auto de fls. 176, o relatório de fls. 177, o auto de fls. 181, o relatório de fls. 182, os autos de fls. 192, 193 e 194, o relatório de fls. 195, os autos de fls. 197, 198 e 199, o print de fls. 221, o aditamento de fls. 267, o auto de fls. 269, o auto de fls. 270, o relatório de fls. 271, os autos de fls. 273 e 274, o relatório de fls. 275, os autos de fls. 280, 281, 282, 283, 284 e 285, os autos de ocorrência de fls. 300 e 303, o teste rápido de fls. 302, o auto de apreensão de fls. 305, autos de fls. 313,314,315,316 e 317, o relatório de fls. 318, os autos de fls. 322 e 323, o relatório de fls. 324, os autos de fls. 334, 335, 336, 337 e 338, o relatório de fls. 339, os autos de fls. 343 e 344, o relatório de fls. 345, o relatório de pesquisa de fls. 356, os autos de fls. 360, 361 e 362, os autos de fls. 382 e 383, o relatório de pesquisa de fls. 386, o auto de fls. 388, o relatório de fls. 389, os autos de fls. 391 e 392, o relatório de fls. 393, os autos de fls. 395, 396, 397, 398, 399, 400, 401, 402, o relatório de fls. 403, os autos de fls. 405 e 406, o relatório de fls. 407, os autos de fls. 412, 413 e 425, o relatório de fls. 426, os autos de fls. 428 e 429, o relatório de fls. 430, os autos de fls. 437 e 438, o relatório de fls. 438, os autos de fls. 445, 446, 447, o relatório de fls. 448, os autos de fls. 450, 451 e 452, o relatório de fls. 453, os autos de fls. 460, 461, 462 e 463, o relatório de fls. 464, os autos de fls. 468 e 469, o auto de apreensão de fls. 483, o teste rápido de fls. 484, O auto de ocorrência de fls. 486, os autos de fls. 510, 511, 512, 513 e 514, o relatório de fls. 515, os autos de fls. 520, 521, 523, 524, o relatório de fls. 525, os autos de fls. 529, 530, o relatório de fls. 531, os autos de fls. 539 e 540, o relatório de fls. 541, os autos de fls. 545, 546 e 547, os relatórios de pesquisa de fls. 548, 550, o auto de ocorrência de fls. 568, o teste rápido de fls. 571, o auto de apreensão de fls. 572, os relatórios de pesquisa de fls. 578 e 580, o oficio de fls. 590, os autos de fls. 595, 596, o relatório de fls. 597, os autos de fls. 602, 603 e 604, o relatório de fls. 605, os autos de fls. 610, 611, o relatório de fls. 612, os autos de fls. 613 e 614, o relatório de fls. 615, os autos de fls. 626, 627 e 628, o relatório de fls. 629, os autos de fls. 633,634, 635 e 636, o relatório de pesquisa de fls. 637, o auto de fls. 665, o relatório de fls. 666, os autos de fls. 672 e 673, o relatório de fls. 674, os autos de fls. 686 e 687, o relatório de fls. 688, os autos de fls. 698, 699, o relatório de fls. 700, os autos de fls. 703 e 704, o relatório de fls. 705, os autos de fls. 710 e 711, os relatórios de pesquisa de fls. 712, 714, 716, prints de fls. 790, 795, 796, 797, aditamento de fls. 811, o auto de denúncia de fls. 812, o relatório de fls. 839, os autos de fls. 844, 845, o relatório de fls. 846, os autos de fls. 854 e 855, o relatório de fls. 856, os autos de fls. 870 e 871, o relatório de fls. 872, os autos de fls. 877 e 878, o relatório de fls. 879, o auto de fls. 881, as informações do Banco de Portugal de fls. 912 a 920, o print de fls. 970 e 971, o auto de fls. 972, o relatório de fls. 973, os autos de fls. 976 e 977, o relatório de fls. 978, os autos de fls. 981 e 982, o relatório de fls. 983, os autos de fls. 990 e 991, o relatório de fls. 992, os autos de fls. 996 e 997, o relatório de fls. 998, os autos de fls. 1000 a 1006, extratos bancários de fls. 1045 a 1087, o relatório de pesquisa de fls. 1179, autos de fls. 1191 a 1193, relatório de fls. 1194, autos de fls. 1199 e 1200, o relatório de fls. 1201, o auto de fls. 1211, o relatório de fls. 1212, o auto de fls. 1215, o relatório de fls. 1216, os autos de fls. 1222 e 1223, o relatório de fls. 1224, os autos de fls. 1227 e 1228, o relatório de fls. 1229, os autos de fls. 1232 e 1233, o relatório de fls. 1234, os autos de fls. 1236 e 1237, o relatório de fls. 1238, o auto de fls. 1243, autos de fls. 1272 a 1276, o relatório de pesquisa de fls. 1284, os autos de fls. 1285 a 1287, o relatório de fls. 1288, autos de fls. 1297 a 1301, o relatório de fls. 1302, o auto de fls. 1310, o relatório de fls. 1311, os autos de fls. 1315 e 1316, o relatório de fls. 1317, os autos de fls., 1320 e 1321, o relatório de fls. 1322, os autos de fls. 1327 e 1328, o relatório de fls. 1329, o auto de fls. 1331, os prints de fls. 1332 e 1334, os autos de fls. 1335 e 1336, o relatório de fls. 1337, os autos de fls. 1340 a 1343, extrato bancário de fls. 1347, o auto de ocorrência de fls. 1386, o auto de apreensão de fls. 1389, o teste rápido de fls. 1390, os autos de busca de fls. 1439 e 1444, o auto de apreensão de fls. 1445, o relatório fotográfico de fls.1447, o auto de apreensão de fls. 1455, o teste rápido de fls. 1457, o relatório fotográfico de fls. 1458, o auto de busca de fls. 1465, o auto de apreensão de fls. 1467, o relatório fotográfico de fls. 1468, o auto de busca de fls. 1476, o formulário de fls. 1478, o auto de detenção de fls. 1493, o auto de Noticia de fls. 1521, o auto de apreensão de fls. 1534, a reportagem fotográfica de fls. 1536 e 1538, o teste rápido de fls. 153 e 1539, o auto de apreensão de fls. 1545, 1548, a reportagem fotográfica de fls. 1549, o auto de busca e apreensão de fls. 1551, o auto de apreensão de fls. 1557, a reportagem fotográfica de fls. 1561, o auto de busca e apreensão de fls. 1575, auto de exame de fls. 1578, o auto de apreensão de fls. 1582, o auto de apreensão de fls. 1585, a reportagem fotográfica de fls. 1588, o auto de apreensão de fls. 1598, o auto de apreensão de fls. 1605, o auto de apreensão de fls. 1614, o auto de apreensão de fls. 1628, o teste rápido de fls. 1629, a reportagem fotográfica de fls. 1630, o auto de busca e apreensão de fls. 1632, o auto de busca e apreensão de fls. 1636, a reportagem fotográfica de fls. 1638, o auto de apreensão de fls. 1643, o auto de apreensão de fls. 1650, a reportagem fotográfica de fls. 1652, o auto de apreensão de fls. 1656, a reportagem fotográfica de fls. 1657, o auto de apreensão de fls. 1678, a reportagem fotográfica de fls. 1681, os relatórios de pesquisa de fls. 1767, 1768 e 1769, os autos de fls. 1771 a 1775, o relatório de fls. 1776, o auto de fls. 1787, o relatório de fls. 1789, os autos de fls. 1798 e 1799, o relatório de fls. 1800, os autos de fls. 1803 e 1804, o relatório de fls. 1805, os autos de fls. 1810 e 1811, o relatório de fls. 1812, os autos de fls. 1815 e 1816, o relatório de fls. 1817, os autos de fls. 1820 e 1821, o relatório de fls. 1822, os autos de fls. 1827 a 1830, o relatório de fls. 1831, o auto de fls. 1842, o aditamento de fls. 1844, informação de fls. 1848, o print de fls. 1849, o relatório pericial de fls. 2275, a cota de fls. 2292, os relatórios periciais de fls. 2359 e 2361, a informação de fls. 2472, os autos de exame de fls. 2478 e 2484, os relatórios periciais de fls. 2550, 2661, 2683, 2740, 2950, 2953, 3085 e informação de fls. 2960.

Ainda, atendeu o tribunal às transcrições das escutas telefónicas constantes dos apensos I a XVI e ao apenso V relativo às vigilâncias.
*
Cumpre, antes do mais, debruçar-nos sobre a valoração a dar às declarações prestadas pelos coarguidos LC e LS, em sede de primeiro interrogatório judicial.

No processo penal «são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei», como dispõe o art.° 125°, e as declarações de um arguido têm valor de meio de prova contra coarguidos, desde que o declarante não se recuse a responder a perguntas nos termos do art.° 345°, nº 4.

Esta é a regra para as declarações prestadas em audiência de julgamento, tendo em conta que é aí que os coarguidos e seus defensores podem submetê-las a contraditório e se respeitam os princípios da imediação e oralidade que devem presidir à produção da prova.

A jurisprudência maioritária vai no sentido de que as declarações de um arguido podem ser livremente valoradas contra o coarguido, desde que o declarante não se remeta ao silêncio, e que o direito ao silêncio do arguido contra quem são proferidas as declarações, não impede a valoração das mesmas.

Naquele sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 28/05/2013, Relator João Gomes de Sousa, disponível em www.dgsi.pt. «As declarações de coarguido devem ser apreciadas de acordo com os critérios que presidem à livre apreciação da prova. As declarações de coarguido têm que ser (devem poder ser) contraditadas; A valoração dessas declarações deve ter em conta a sua menor credibilidade; A regra da corroboração é uma regra de boa apreciação probatória e não um critério legal; Não viola o princípio in dubio pro reo a valoração das declarações de coarguido prestadas em julgamento contra aquele que usou do direito ao silêncio; As declarações de coarguido só podem basear uma condenação de outro arguido se aquele não usar do direito ao silêncio no momento de responder às perguntas nos termos do artigo 345°, nºs 1 e 2, do C.P.P.».

Neste sentido o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 524/97, que julgou inconstitucional a norma "extraída com referência aos artigos 133.°, 343.° e 345.° do Código de Processo Penal, no sentido em que confere valor de prova às declarações proferidas por coarguido, em prejuízo de outro coarguido quando, a instância destoutro coarguido, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio", doutrina que foi reafirmada no acórdão nº 304/2004 e está agora consagrada no nº 4 do artigo 345.°, introduzido pela reforma operada pela Lei nº 48/207, de 29 de Agosto.

No que diz respeito à valoração em desfavor de coarguido das declarações prestadas por arguido em sede de primeiro interrogatório judicial, cumpre salientar que existe efetivamente jurisprudência (cfr. Acórdão do tribunal da Relação de Coimbra, de 21/06/2017, Relatara Elisa Sales, disponível em www.dgsi.pt), embora minoritária, que defende que não se mostra prejudicado o direito ao contraditório deste, na medida em que pode oferecer outros meios de prova.

No entanto, sufragamos o entendimento contrário, que vem expresso no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19/07/2016, Relator Jorge Gonçalves, disponível em www.dgsi.pt. no qual se lê: «(...) daqui se extrai que, para as declarações do arguido poderem valer contra o coarguido, este tem de ter a possibilidade efetiva de o poder contraditar ou contra-instar em audiência de julgamento. Tem de lhe ser assegurado o exercício de um contraditório pela prova.

Por imperativo legal, a ausência de resposta às perguntas do tribunal e/ou a solicitação do Ministério Público e da defesa, ao abrigo do disposto no artigo 345.°, nº 4, do C.P.P., neutraliza em absoluto quaisquer efeitos da declaração incriminatória de coarguido (cfr. o supra referido acórdão da Relação de Évora, de 17-03-2015).

A nosso ver, a situação não é diversa se estiver em causa a leitura em audiência de julgamento de declarações prestadas por um arguido em fase processual anterior, feita ao abrigo do citado artigo 357.°, nº 1, aI. a): enquanto incriminadoras de coarguido, a sua valoração dependerá da oportunidade de questionar sobre as mesmas o arguido cujo depoimento é lido/reproduzido. Tal oportunidade não se verifica quando o arguido, que prestou em fase processual anterior as declarações que foram lidas/reproduzidas em audiência de julgamento, exerce nesta o direito ao silêncio».

No mesmo sentido, pode ler-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 06/11/2017, Relator Fernando Pina, disponível em www.dgsi.pt. “(...) Face a tudo o exposto, resulta inequívoco e Jurisprudencialmente pacífico, que as declarações de coarguido, produzidas em audiência de julgamento, em prejuízo de um ou mais coarguidos, não valem como meio de prova, quando não sujeitas ao princípio constitucional do contraditório, estabelecido no artigo 32°, nº 5, da Constituição da República Portuguesa. Se para este tipo de declarações tal entendimento é inequívoco, para as declarações prestadas por coarguido em inquérito, nos termos do disposto no artigo 141°, nº 4, alínea b), do Código de Processo Penal, em caso de exercício do direito ao silêncio pelo coarguido imputador, já as mesmas serão válidas? Ou seja, se um coarguido que prestou determinadas declarações imputadoras relativamente aos demais coarguidos em sede de inquérito, nos termos do artigo 141°, nº 4, alínea b), do Código de Processo Penal, exercer o direito ao silêncio em audiência de julgamento, prejudicando assim o direito ao contraditório dos demais coarguidos, aquelas suas declarações são válidas como meio de prova relativamente a estes demais coarguidos, contudo se reproduz aquelas mesmas declarações em audiência de julgamento e, não responde às perguntas efetuadas nomeadamente pelos defensores dos imputados coarguidos, prejudicando assim o exercício do contraditório por estes, já não podem ser tidas como meio de prova. Tal não nos parece minimamente razoável ou racionalmente admissível. Por tal, temos como adaptável o entendimento doutrinariamente e jurisprudencialmente pacífico, relativamente à interpretação do disposto no artigo 345°, nº 4, do Código de Processo Penal, que declarações de coarguido em prejuízo de outro coarguido, prestadas em inquérito ou em audiência de julgamento, quando subtraídas ao exercício do direito ao contraditório, constitucionalmente estabelecido no artigo 32°, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, não podem valer como meio de prova. Nestes termos e voltando ao presente caso, as declarações prestadas pelo coarguido A. G., proferidas em inquérito perante Magistrado do Ministério Público, relativamente aos coarguidos J. M. e A. A., porque o primeiro exerceu o direito ao silêncio em audiência de julgamento, prejudicando de forma grave e absoluta o exercício do contraditório destes últimos, nos termos do disposto no artigo 345°, nº 4, do Código Penal, não poderão ser tidas como meio de prova, relativamente aos mesmos”.

Debruçando-nos sobre o caso dos nossos autos, os arguidos LC e LS prestaram declarações em sede de 1º interrogatório, cuja reprodução em julgamento foi deferida ao abrigo do disposto no artigo 357.°, nº 1 , alínea b), do Código de Processo Penal.

Em sede de julgamento os referidos arguidos remeteram-se ao silêncio.

Analisadas as mencionadas declarações, afere-se que as mesmas, para além de serem desfavoráveis para os próprios, na medida em que admitem totalmente os factos imputados, são-no igualmente para os demais coarguidos, em particular os arguidos IC, GV, SF, RC e AP.

Entende o tribunal que tendo os referidos arguidos exercido o seu direito ao silêncio, mostra-se impossibilitado o direito ao contraditório relativo às declarações por si prestadas e desfavoráveis aos demais coarguidos, direito esse que se visou acautelar com a previsão do artigo 345.°, nº 4, do Código de Processo Penal.

Em face do exposto, decide o tribunal não valorar as declarações prestadas pelos arguidos LC e LS na parte em que são desfavoráveis aos coarguidos, sob pena de violação do princípio do contraditório.

Já no que diz respeito aos próprios, atento o cumprimento do disposto no artigo 357.°, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal, as mesmas poderão e deverão ser livremente apreciadas.
*
Efetuada aquela explicação prévia, cumpre apreciar os factos relativos ao arguido IC em face da prova produzida em julgamento, bem como da prova documental que acima se explicitou.

No que diz respeito à alegada organização humana concebida pelo arguido IC com vista à venda de produtos estupefacientes nas zonas de Montemor-o-Novo e Évora, salvo melhor opinião a mesma não resultou demonstrada por total falta de prova nesse sentido - pontos a) a n).

Não ignoramos que todos os arguidos em relação aos quais resultou demonstrada a atividade de tráfico de estupefacientes - que abaixo se analisará - conhecem o arguido IC.

No entanto, no que diz respeito ao arguido GV, embora se conheça a existência de um encontro ocorrido junto da «Seaside», bem como as suas idas a Montemor-o-Novo, designadamente à zona da Rata, assim como diversos contactos telefónicos, nenhuma prova em concreto foi feita sobre a finalidade daqueles encontros e sobre com quem em concreto ia o mesmo encontrar-se naquela localidade (isto desatendendo as declarações do coarguido LS).

Embora se considere como muito provável que fosse com o arguido IC, atendendo ao depoimento de JC (que abaixo melhor se analisará) inexistiu outra prova concludente nesse sentido, razão pela qual deverá o tribunal dar tal facto como não provado.

Quanto ao arguido RC, resulta efetivamente das interceções telefónicas referentes ao apenso II a existência de diversos contactos telefónicos com o arguido IC, assim como se depreende do teor das mesmas que terão ocorrido algumas deslocações a Montemor-o-Novo (uma delas aliás é relatada num relatório de pesquisa), no entanto nada mais resultou da prova, designadamente a existência de uma qualquer troca.

No que diz respeito aos arguidos LC e LS, a prova que existiu foram as declarações dos próprios (que não podem ser atendidas) e, no caso do segundo, o relatório de fls. 1769, que atesta um encontro momentos antes de ser intercetado com estupefaciente na sua posse.

Ora, salvo melhor opinião, igualmente tal prova é insuficiente (como abaixo melhor se explicitará) para que se conclua no sentido de que foi o arguido IC que lhe fornecia a droga.

Em particular quanto ao arguido LC, não obstante as documentadas idas do mesmo à zona dos Contentores, não resultou demonstrada qualquer relação com o arguido IC, nem que aquelas tivessem a finalidade de se abastecer do estupefaciente junto do mesmo - pontos u) e v).

Relativamente ao arguido AP, não resultou demonstrada qualquer ligação entre o mesmo e o arguido IC.

Desta forma, não foi efetivamente possível concluir com segurança que a atividade levada a cabo pelos arguidos GV e RC, bem como os demais, se baseasse numa estrutura montada pelo arguido IC.

Igualmente não resultou demonstrado - por total ausência de prova nesse sentido - que o mesmo se abastecesse de droga perto de Lisboa, utilizando o seu veículo para tal - ponto g).

Assim como não resultou demonstrado que o arguido IC desenvolvia o alegado tipo de atividade conjuntamente com a sua mãe e o arguido JS, por total ausência de prova nesse sentido - ponto h).

No que diz respeito ao arguido JS em concreto, para além das interceções telefónicas do apenso XI não demonstrarem qualquer relação entre o mesmo e os demais arguidos - designadamente o arguido LC, CR e NC -, não foram ainda esclarecedoras sobre a existência de uma atividade em comum com o arguido IC - pontos j) e u).

Assim, inexistiu qualquer prova no sentido de que o arguido JS, integrando uma qualquer estrutura montada pelo arguido IC, procedia à venda de estupefaciente ou auxiliava o mesmo nas tarefas inerentes - pontos r).

Designadamente, muito embora resulte demonstrada a conversa existente entre o arguido JS e ML - cfr. sessão 1050 do alvo 89361040 no apenso XI, fls. 17 - nenhuma prova foi efetuada acerca da finalidade da mesma - ponto s).

Para além de, por total ausência de prova, não ter resultado demonstrado que o arguido IC incumbisse o arguido JS e a falecida MFS, das diversas tarefas inerentes à divisão da droga- pontos h), i), 1) - igualmente não resultou demonstrado que ele tenha entregue o estupefaciente aos familiares para posterior distribuição - ponto m), n) e t).

No que diz respeito à falecida MFS inexistiu qualquer prova no sentido do que vinha imputado - pontos c), e), h), D, o), p) e q).

No que diz respeito ao ponto mmm) - inexistiu qualquer prova nesse sentido, tendo os próprios elementos policiais relatado que não foi detetada a existência de droga.

Quanto aos pontos nnn) e ooo), entendeu o tribunal que não se demonstrando a atividade que vinha imputada aos arguidos IC e JS, necessariamente terá de se dar como não provado que os mesmo tinham a mesma como fonte de rendimento e por isso o dinheiro apreendido, referido no ponto 90, advinha da mesma.

Desta forma, forçoso foi dar como não provados a generalidade dos factos relativos aos arguidos IC e JS, com exceção daqueles mencionados nos pontos 18, 19,89 a 93 e 106 que se basearam essencialmente na prova documental existente nos autos, acima já discriminada. Por fim, relativamente ao facto 107, recorreu o tribunal às regras de experiencia comum que ditam que sabendo o arguido o tipo de arma que tinha na sua posse e não tendo licença de uso e porte de arma, necessariamente teria de ter conhecimento que a sua ação era proibida e que agiu de tal forma por vontade própria.

Quanto à busca à residência do arguido IC, atendeu o tribunal em particular ao depoimento do agente NR, que confirmou o teor do auto de busca e apreensão.

Quanto à matéria da contestação, o tribunal considerou que não obstante as comprovadas dividas, não é forçoso concluir que o arguido IC vivia com dificuldades económicas, isto até atendendo ao elevado montante em dinheiro que foi apreendido na sua posse. Quanto ao mais, baseou-se na documentação junta com aquela.
*
Relativamente ao arguido LC, resultou inequívoco da prova produzida em julgamento que no período temporal em causa se dedicou à venda de heroína a troco de dinheiro.

Para além da prova documental já acima referida, nomeadamente os autos de diligência externa, da qual resulta a atividade de venda de produto estupefaciente a diversos consumidores na zona de Montemor-o-Novo, considerou o tribunal as interceções telefónicas e as declarações do próprio arguido em sede de 1º interrogatório judicial, que confirmou no essencial os factos constantes do despacho de pronúncia - ponto 1.

No que diz respeito à data a partir da qual iniciou aquela atividade, cumpre salientar o de auto de notícia de fls. 4, que refere a apreensão de diversas doses individuais, facto que demonstra que já nessa altura o arguido procedia do modo descrito, sendo que o próprio arguido confirmou que por volta de Setembro de 2015 começou a atividade - ponto 1.

No que tange aos pontos 2, 3 e 10 atendeu o tribunal às transcrições das interceções telefónicas de que foi alvo o arguido - constantes dos apensos nºs 1, 2 e 4 -, designadamente aos relatórios de fls. 231 e ss., 274 e ss., 314 e ss., 367 e ss., 412 e ss., 454 e ss., 492 e ss., 522 e ss., 559 e ss., dos autos do processo incorporado n.º 242/15.4GBMMN.

No que diz respeito ao ponto LI, o tribunal teve em conta a sessão 3330 do alvo 83158050, o auto de transcrição de fls. 110 - referente à conversa ocorrida no dia 02/06/2016 entre o arguido e JG

No que diz respeito às vendas a SS - pontos 12 e 13 -, considerou-se especificamente os autos de diligência externa de fls. 636 e 646 e ss. daqueles autos.

E muito embora a testemunha SC tenha negado no essencial os factos, a sessão 515 do alvo 87547050 - apenso n.o4, fls. 339 - demonstra que efetivamente o mesmo tinha conhecimento da atividade desenvolvida pelo arguido LC e que inclusive lhe deveria dinheiro.

No que diz respeito à alegada colaboração de CR - providenciando transporte conforme mencionado no despacho de pronúncia - cumpre mencionar as sessões 4157 e 4167, do alvo 83928040 - fls. 319 do apenso nº 4 (continuação) - das quais resulta claramente que o arguido LC recorria àquele para se deslocar, entregando-lhe alguma quantidade de estupefaciente para seu consumo.

É, ainda, de apontar a relevância do auto de diligência externa de fls. 590 e o auto de vigilância com registo de imagem de fls. e o auto de diligência externa de fls. 689, sendo que do primeiro resulta o encontro ocorrido em 21/07/2016 e o segundo o evento ocorrido no dia 16/11/2016, ambos descritos no despacho de pronuncia no qual intervieram os arguidos LC e CR, o que demonstra mais uma vez a colaboração entre ambos. No que tange ao acontecimento ocorrido no dia 29/11/2016, considerou o tribunal o auto de diligência externa de fls. 734 - pontos 5.

Quanto àquela colaboração cumpre salientar que, salvo melhor opinião, não resulta da prova analisada, que os arguidos LC e CR dividiam lucros, mas somente que este ultimo recebia uma gratificação por cada deslocação por conta e a pedido do primeiro. Aliás como não resultou demonstrada - por total ausência de prova nesse sentido - a venda de produto estupefaciente em colaboração com aquele primeiro arguido, quer com qualquer outro - pontos c), e), n), x) e aa).

No que diz respeito à interceção ao arguido LC ocorrida no dia 04/01/2017 - ponto 14 - foi considerado o auto de notícia de fls. 911, o auto de revista de fls. 913, o auto de apreensão de fls. 919, o teste de fls. 920, e o relatório fotográfico de fls. 927.

Os depoimentos dos militares da G.N.R., HB, titular do inquérito, e JM igualmente foram relevantes para a prova dos factos que antecedem, apresentando relatos coerentes e corroborados por outros meios de prova.

No que diz respeito aos factos referentes a LC e CR aquela testemunha relatou com relevância que procedeu a diversas vigilâncias, e ter visto pelo menos numa ocasião o arguido LC a entregar embalagens e a receber alguma coisa, que nas escutas vieram a apurar ser dinheiro.

Ainda contou ao tribunal a ida, em 21/07/2016 - também vista pelo militar JM -, de LC aos contentores acompanhado por CR, à qual assistiu pessoalmente, bem como a situação ocorrida em 29/11/2016, com ambos os arguidos.

Por fim, relatou aquela testemunha que o arguido CR acompanhava LC a fim de obter estupefaciente para seu consumo, não tendo resultado das diligências que o mesmo vendesse.

No mesmo sentido foi o depoimento do militar da G.N.R. JM que relatou ter visto entregas feitas pelo arguido LC, embora nunca tenha visto a droga, referindo especificamente as situações ocorridas em 26/02/2016 e 14/04/2016 - que dizem respeito aos autos de vigilância de fls. 150 e 191 - em que viu JG e o Cereja (SS) a entregar-lhes dinheiro, sendo que nesta ocorrência viu igualmente o arguido a olhar para um saco de plástico que continha saquetas.

Ainda, no âmbito das declarações prestadas pelo arguido LC, este referiu que trabalhava para JM e apenas lidava com o arguido IC na ausência daquele. No que a este arguido importa (sendo que quanto a JM foi ordenada a separação de processos), não obstante demonstradas as idas aos contentores - apenso n.03 -, local onde o mesmo igualmente residia, nenhuma prova foi feita no sentido de que fornecia a droga que era vendida por aquele (tendo em conta que não se pode atender as declarações do mesmo) - pontos u) e v).

Aquele facto aliás é confirmado pelo depoimento dos militares da G.N.R.,HB, titular do inquérito, e JM que relataram nunca ter sido visualizado o arguido IC e JS nas diversas vigilâncias que efetuadas.

Quanto ao facto relativo a CQT, o mesmo foi dado como não provado atenta a falta de prova nesse sentido - ponto y).

Relativamente ao facto relativo à testemunha AM, o mesmo em julgamento negou perentoriamente alguma vez ter recebido heroína do arguido LC em troca de dinheiro. Relativamente às alegadas entregas, nos dias 10/06/2016 e 14/01/2017, no auto de vigilância de fls. 398 não é identificada a testemunha, e das transcrições das interceções telefónicas nada consta, razão pela qual cumpre dar como não provado tal facto - ponto z).

Por seu turno, as testemunhas HA, TJ, MR, AN, NC, AD, MB, JG, NC e IF, todos consumidores de heroína no período em causa, confirmaram - uns de forma mais espontânea do que outros - acreditamos que devido à circunstancia de não quererem prejudicar o arguido -, mas de forma que pareceu sincera - terem adquirido estupefaciente a troco de dinheiro ao arguido LC em mais do que uma ocasião. Ainda confirmaram que pagavam a quantia de € 10 por dose de heroína - ponto 15.
*
No que tange ao arguido NC, as testemunhas HB e JM afirmaram que nunca viram o mesmo a vender a terceiros, mas que os consumidores iam a sua casa para comprar a droga que o LC ia lá levar.

Efetivamente resulta da leitura das transcrições das interceções telefónicas a ida do arguido LC à residência daquele, local onde estariam diversas vezes consumidores habituais de estupefacientes - tal como aliás foi confirmado por algumas testemunhas -, no entanto não resultou que seria com o intuito de NC proceder por si à venda, mas sim dele próprio adquirir ou os demais toxicodependentes que lá se encontravam, como aliás resulta da transcrição das sessões 1105 e 3834, do alvo 83158050, de fls. 44 e 123 do apenso n." 4 - pontos aa) a cc).

A prova testemunhal - de que são exemplo os depoimentos de HA e JG - apontou efetivamente no sentido de que o arguido NC colaborava com a atividade do arguido LS no sentido em que permitia a venda na sua residência, bem como o consumo do produto que era adquirido.

Atenta a alteração substancial de factos comunicada, a que a defesa se opôs, cumpre não conhecer dos mesmos no âmbito deste processo, razão pela qual não constam dos factos provados.
*
No que tange ao arguido GV, da leitura das transcrições telefónicas constantes dos apensos I, III, IV, IX, XV, resulta a existência de diversos contactos telefónicos por via de consumidores de estupefacientes, alguns deles testemunhas neste processo, combinando encontros que teriam como finalidade a aquisição de estupefaciente.

Tal resulta claro do tipo de conversações existentes, aludindo-se muitas vezes a «café», bem como aos locais em que combinavam os encontros, por vezes atrás da sua residência ou no parque infantil, que se caracterizam por serem menos frequentados - pontos 25, 26 e 36.

No que diz respeito à data a partir da qual iniciou aquela atividade, cumpre salientar que o arguido LS referiu que desde final de Setembro, início de Outubro do ano de 2016 colaborou naquela.

No entanto, por não se poder atender a tal declaração, o tribunal considerou as informações policiais de fls. 6 e 7 e às transcrições das interceções telefónicas, que indicam claramente que pelo menos desde Outubro de 2016 o arguido GV (e como veremos mais à frente, o arguido RC) já se dedicava à referida atividade.

No que diz respeito às pessoas a quem o arguido GV recorria para se abastecer de estupefaciente, salvo melhor opinião, nenhuma prova em concreto foi conseguida.

Muito embora a testemunha JS tenha relatado de forma coerente que no período de 2016/2017 foi a S. João da Talha com os arguidos GV e LS, nada referiu sobre a finalidade dessa deslocação, nomeadamente quanto à pessoa com quem iam encontrar-se, nem quanto à quantidade de vezes que lá foram ou quando - pontos 22 e hh).

Assim muito embora o relato do arguido LS em relação às pessoas que cediam os veículos próprios, de que receberiam um pagamento em droga, tal não foi possível confirmar neste caso em concreto, assim como a finalidade de tal deslocação.

No que diz respeito ao facto de posteriormente, as deslocações a S. João da Talha terem passado a fazer-se na viatura de JR, inexistiu qualquer prova nesse sentido - ponto ii).

Assim como, entende o tribunal que não resultou de forma concludente demonstrado que o arguido GV deixou de se abastecer naquela localidade por ter contraído uma divida e, nesse momento, ter começado a trabalhar por conta do arguido IC, tal como aliás já acima referimos - ponto m.

Acresce ao que já dissemos que, muito embora a testemunha JS tenha relatado que ia com o arguido GV aos contentores, em Montemor-o-Novo, sendo que o mesmo referia que ia ter com o «tio», não soube dizer quem era, não obstante ter relatado ter visto uma carrinha cinzenta. Ora, tal não parece suficiente forte para que se conclua no sentido de que era o arguido IC que lhe fornecia a droga, tendo em conta que aquele nunca ouviu ou viu nada nesse sentido (pelo menos que tenha relatado ao tribunal).

No que tange ao encontro ocorrido entre os arguidos GV e IC, inexistem dúvidas de que o mesmo aconteceu, atento o depoimento claro e conciso do agente CM, que corroborou o teor do relatório de fls. 1179. No entanto, não resulta do relatório e/ou do depoimento a existência de entrega de dinheiro, nem tal resulta da leitura da sessão nº 42, do alvo 89360040 - fls. 10 do apenso XII - na medida em que claramente o arguido IC diz ao arguido GV para dar o dinheiro ao Júlio e depois para ir ter com ele.

No que diz respeito às residências dos arguidos GV e SF foram atendidos o auto de notícia de fls. 3 e o auto de busca e apreensão já acima referido - ponto 24.

A testemunha MB confirmou em julgamento ter sido consumidor até Março de 2017 e ter telefonado várias vezes, pelo menos uma vez por semana, ao arguido GV para adquirir heroína para o seu consumo, a quem entregava a quantia de € 10 por dose.

Igualmente a testemunha JC, embora após alguma resistência em virtude de claramente estar receoso, acabou por admitir ter adquirido ao arguido GV, pagando € 10 a dose de heroína de que era consumidor no final do ano de 2016, bem como que lhe terá emprestado o seu veículo - um Ford Fiesta - e ido com o mesmo em algumas ocasiões a Montemor aos contentores a troco de heroína.

Igualmente relatou que não se recorda de ir a Montemor com o arguido LS e não saber a finalidade de tais deslocações. No que diz respeito a este ultimo ponto, muito embora se possa suspeitar que as mesmas visavam que o arguido GV se abastecesse de droga inexiste qualquer prova suficientemente forte nesse sentido - tendo em conta que não podemos atender às declarações do coarguido LS.

Por seu turno, a testemunha NS negou em julgamento ter adquirido estupefaciente ao arguido GV, nomeadamente na ocasião que deu origem ao aditamento de fls. 13, o auto de apreensão de fls. 14, o auto de ocorrência de fls. 16 e o teste rápido de fls. 18, no entanto conforme resulta do primeiro referido documento, precedeu a apreensão um encontro entre ambos.

Ainda a testemunha RP referiu telefonar para um número de telemóvel de uma pessoa de Évora quando precisava de adquirir estupefaciente.

Confrontado com as sessões 2521, 2523 e 2529 do alvo 86613040, referente ao arguido GV - apenso I, fls. 198,200 e 201, confirmou que estavam a falar da cocaína que lhe foi entregue nesse dia, pela pessoa a quem contactou.

Ainda, confrontado com as sessões 5033, 5041, 5051 e 5052, do alvo 88030040 - apenso IX, fls. 223, 225, 228 e 229 - confirmou que se tratava de heroína.

Relativamente a esta testemunha confirma-se ainda contactos para os arguidos RC - conforme resulta da sessão 1600 do alvo 8728040 (apenso II, fls. 109) em que este identifica-se como Still - e LS - conforme resulta das sessões 26806, 8212, 8214 e 8216 do alvo 87689040 (apenso VI, fls. 488, 492, 495 e 497).

Ainda, a testemunha JS relatou de forma coerente que o arguido GV cedeu-lhe estupefaciente em troca de bolos, pão e ovos, o que aliás resulta do relatório de pesquisa de fls. 17 do apenso V e fls. 637, cujo teor foi confirmado pela testemunha JC - ponto 32.

No que tange aos contactos telefónicos mencionados no despacho de pronúncia, relativos a JL e HL - testemunhas - cumpre mencionar que estes, negaram em julgamento alguma vez ter adquirido heroína ao arguido GV, embora tenham mencionado conhecê-lo.

Embora JL tenha sido confrontado com as sessões 313, 714, 744, 753, 1128, 1134 e 1136 do alvo 88613040 - fls. 50 e ss. do apenso I - (que admitiu serem telefonemas feitos do seu contacto telefónico ou do seu irmão), referiu que os mencionados telefonemas tinham como finalidade a aquisição de droga a uma pessoa cuja identidade desconhece, cujo contacto que foi fornecido por um rapaz, mas que nunca apareceu nos encontros que foram marcados.

Ora, não convenceu o referido depoimento - na parte em que referiu que em nenhuma das ocasiões adquiriu estupefaciente por a pessoa em causa não ter aparecido -, pois não se mostra minimamente verosímil que existindo um primeiro encontro sem sucesso ainda assim continuasse a contactar de forma periódica.

Efetivamente, analisadas as transcrições telefónicas das sessões referidas, inexistem dúvidas de que se trata da testemunha - na sessão 313 identifica-se expressamente como irmão do H - e a finalidade dos contactos, sendo que o próprio a propósito da sessão 714 confirmou que a referência a «tatuagem» teve como única finalidade fazerem conversa para se encontrarem e resulta por exemplo da sessão 1128 que o mesmo se encontrava à «rasca» o que demonstra a necessidade de estupefaciente.

Ora, das referidas sessões resulta, sem margem para dúvida, encontros ocorridos em 25/10/2016, 30/10/2016 e 04/11/2016 entre o arguido GV e JL e HL em que estes terão adquirido àquele heroína para o seu consumo. Por fim, cumpre ainda mencionar a sessão 1264, que demonstra o encontro ocorrido em 08/11/2016 com idêntica finalidade - pontos 27 e 30.

Relativamente aos alegados encontros ocorridos entre o arguido GV e a testemunha MNP, cumpre referir que a mesma negou perentoriamente em julgamento ter adquirido estupefaciente àquele, mas mencionou que o mesmo dizia para comprar ao Djavan.

Em primeiro lugar, cumpre mencionar que resulta das sessões 32, 82 e 595 do alvo 86613040 - apenso I - que os contactos telefónicos ocorreram nos dias 21/10/2016 e 28/10/2016, pelo que cumpriu proceder a essa concretização nos factos provados.

Em segundo lugar, cumpre referir que não resulta infirmado que alguns desses contactos o arguido GV remetia MNP para o arguido AP, tal como decorre das sessões 32 e 595, no entanto resulta claro da sessão 82 - pela referência ao «outro nosso amigo» e «queres vir aqui beber cafezinho ... » que o encontro de 21/10/2016 teve efetivamente como finalidade a aquisição de estupefaciente, razão pela qual cumpriu dar tal facto como provado - ponto 31.

No que diz respeito aos contactos telefónicos descritos no despacho de pronúncia ocorridos entre o arguido GV e CS - conhecido como Sardas -, considerou-se as transcrições das sessões 1208, 1279 e 1342, do alvo 86613040 - fls. 118, 129 e 133 do apenso I - bem como o aludido encontro ocorrido em 13/11/2016, cumpre considerar o aditamento de fls. 99, o auto de apreensão de fls. 101, o teste rápido de fls. 102, o auto de ocorrência de fls. 103, o auto de vigilância de fls. 145, e as interceções telefónicas, sessões 1208 e 1520 do alvo 86613040 - fls. 118 e 145 do apenso I - pontos 28 e 29.

No que diz respeito aos aludidos encontros e à sua finalidade, o tribunal considerou o teor das transcrições já assinaladas, das quais resulta que ao contrário do que foi referido pela testemunha CS em julgamento, visava este a aquisição de estupefaciente. Por exemplo da sessão 1208 consta « ... 0 Djavan não tem nada .... ». resultando da demais prova produzida em julgamento - que se analisará em pormenor - que este dedicava-se à venda de estupefaciente.

No que diz respeito à alegada compra de estupefaciente ao arguido GV ocorrida em 13/11/2016, a testemunha CS negou tal facto, invocando que a droga que trazia consigo tinha sido adquirida anteriormente.

No entanto tal relato não convenceu, quer pelo teor das conversas telefónicas acima mencionadas, cujo conteúdo é idêntico às demais resultando claramente que a alusão a «café» por exemplo diz respeito a droga, quer por que embora não tenha visualizado o contacto ocorrido entre a testemunha e o arguido GV, o agente da P.S.P. MR relatou de forma calma e coerente que os mesmos deslocaram-se para o mesmo local - confirmando-se o teor do auto de fls. 145 e ss. e fls. 2 do apenso V- e o agente da P.S.P. JC contou do mesmo modo que intercetou aquele logo à saída do bairro, vindo do local onde se encontrou com o arguido GV e que o mesmo trazia na mão dois pacotes de heroína. Ora, tais relatos levam a acreditar que tal encontro ocorreu com a finalidade da testemunha adquirir o estupefaciente que tinha na sua posse, não sendo de todo credível que tendo-a adquirido anteriormente a levasse consigo na mão para aquele local, sendo que este pormenor demonstra sem margem para dúvida que a mesma lhe terá sido entregue momentos antes.

Ainda quanto a esta testemunha cumpre salientar a sessão 2370 do alvo 88051040 e o auto de ocorrência de fls. 1386, o auto de apreensão de fls. 1389, o teste rápido de fls. 1390, cujo teor foi confirmado pela testemunha NR - agente da P.S.P. - que intercetou CS e procedeu à apreensão, sendo que este momentos antes havia se encontrado com AP, tal como confirmado pelo agente da P.S.P. CM que relatou esse encontro. Nesta situação, aquele ao ser abordado deixou cair a heroína no chão, facto que demonstra, mais uma vez que ao contrário do que referiu em julgamento, havia adquirido a droga momentos antes.

Ora, tendo em conta os elementos probatórios referidos inexistiram dúvidas para o tribunal de que os arguidos GV e AP, mais conhecido por Djavan, procederam à venda de estupefaciente à testemunha CS, sendo que o último trabalharia “por conta” do primeiro, tal como se afere da já aludida transcrição telefónica - pontos 21 e 34 -.

Este último facto resulta, ainda, de diversas outras transcrições telefónicas, como por exemplo as já aludidas sessões 32 e 82 do alvo 86613040, em que foi interveniente a testemunha MNP, bem como do teor dos contactos telefónicos ocorridos entre os arguidos.

Ainda, no mesmo sentido as sessões 595 e 597 do alvo 86613040 e 107 do alvo 87230040 (apensos I e III) das quais resulta contactos telefónicos de NM para o arguido GV em que este reencaminha para outrem, designadamente o arguido AP.

No que tange ainda a este ponto em concreto, salienta-se o depoimento de NM que referiu em julgamento na sequência de contactos telefónicos feitos para o arguido GV encontrou-se com diversas pessoas, cujo nome desconhece, para adquirir cocaína ou heroína.

Ora, tal resulta igualmente das sessões 1136, 1654 e 1656 do alvo 87228040 - apenso II - atribuído ao arguido RC, das quais resultam diversos encontros, sendo claro nomeadamente do teor da segunda que se tratava da aquisição de produto estupefaciente - ponto 40.

O mesmo se refira acerca das sessões 1270 e 1437 do alvo 87689040 - apenso VI - atribuído ao arguido LS - ponto 21.

Ora, efetivamente resulta das aludidas transcrições das interceções telefónicas que NM contactou o arguido GV com a finalidade de adquirir estupefaciente, bem como AP, RC e LS, por indicação daquele, conforme mencionou a referida testemunha em julgamento, cumprindo dar tal facto como provado.

No que tange ao momento a partir do qual iniciou-se aquela colaboração, resulta claro das interceções telefónicas que é efetivamente após Novembro de 2016 - após a apreensão a CS - que existe um abrandamento dos contactos para o arguido GV, vindo a mesma a indicar outras pessoas a quem os consumidores podiam recorrer - ponto 33.

Ainda resulta das sessões 4647, 4651, 6487, 6637, 6640 e 6670 do alvo 87689040 - apenso VI, fls. 296, 298, 341, 348, 352 e 357 -, o que aliás acabou por ser confirmado pela testemunha AM, que os arguidos LS e GV utilizavam a sua casa para cozer a cocaína.
*
No que diz respeito ao arguido RC, cumpre desde logo mencionar que, ao longo do julgamento, procurou a defesa levantar dúvidas acerca da identificação do arguido por parte de algumas testemunhas, fazendo crer que o mesmo não seria o «Still» ou «Júlio» referido pelas mesmas e descrito como um cigano, com barba grande, que usava chapéu de abas e vestia de preto.

Ora, não obstante as diversas tentativas levadas a cabo pela defesa, nomeadamente pedindo a identificação por parte de algumas testemunhas dos arguidos ali presentes, facto que levava a que as mesmas identificassem de forma imediata o arguido JS (que se apresentava com barba e vestido de preto), certo é que ao tribunal não restaram dúvidas de que o arguido RC (atualmente apresentando um visual completamente diferente), nos anos de 2016 e 2017, apresentava fisicamente as características descritas por diversas testemunhas, tais como MC, que referiu ser seu amigo, apelidando-o de «Still», e da sua esposa, há cerca de 15 anos, e portanto não demonstrou hesitações em descrever o seu aspeto físico à data dos factos - ponto 39.

Igualmente a testemunha SPS referiu conhecer o arguido «Still» e relatou de forma coerente e escorreita ter-lhe vendido um mercedes verde de matrícula ---QL e ter-lhe adquirido pessoalmente em duas ou três ocasiões cocaína a € 20 a dose, sendo que noutras vezes acompanhou a namorada CG que ia ter com ele, com a mesma finalidade.

Confrontada com as sessões 2647, 2808 e 3054 do alvo 87228040 - apenso II, fls. 170, 185 e 194 - confirmou ser o seu número de telemóvel, bem como pretender adquirir estupefaciente, sendo que as datas destes contactos vão ao encontro do que a testemunha referiu no início do seu depoimento, de que terá adquirido droga ao arguido perto da passagem de ano.

Ainda apresenta relevância a sessão 1161 (fls. 83), que diz respeito ao dia 04/12/2016, sendo que os demais nos dias 28/12/2016 e 30/12/2016 - pontos 38, 39 e 45.

Igualmente esta testemunha descreveu fisicamente o arguido RC como sendo cigano, alto, usando barbas compridas e chapéu preto, o que vai ao encontro das anteriores descrições, corroborando-as, inexistindo dúvidas de que, efetivamente, essa era a compleição física do arguido no final de 2016.

Igualmente a testemunha NB confirmou ter adquirido cocaína a uma pessoa, cujo nome desconhece, mas que descreveu como sendo alto, com barba e que usava um chapéu de abas, sendo que por regra adquiria um pacote por € 20.

Confrontado com as sessões 1078, 1133 e 1313 do alvo 87228040, confirmou ser o seu contacto telefónico e as conversas terem decorrido com a pessoa a quem adquiriu a cocaína.

Muito embora tenha referido que aquela pessoa não era nenhum dos arguidos, por um lado não podemos ignorar a descrição física que fez, idêntica aquela feita por outras testemunhas, e, por outro lado, o facto do contacto telefónico ter ocorrido para o mesmo número contactado pela testemunha anterior, que não teve dúvidas em afirmar que telefonava para o «Still», alcunha que por sua vez foi atribuída por MC ao arguido RC - ponto 44.

Acresce que, conforme resulta da sessão 5319 do alvo 87228040, o contacto telefónico em causa pertencia efetivamente ao «Still» - ponto 39.

Desta forma, inexistiram dúvidas para o tribunal de que os contactos telefónicos da testemunha NB foram para o arguido RC, tendo este vendido cocaína em mais do que uma ocasião - ponto 44.

No que tange aos contactos da testemunha TM para o arguido RC, descritos no despacho de pronúncia, cumpre mencionar que o mesmo começou por confirmar o seu contacto telefónico e conhecer o arguido, referindo que o mesmo nunca lhe vendeu cocaína.

No entanto, mais à frente, acabou por admitir que há mais de ano (confirmando a data do auto - 13/01/2017), após contacto telefónico prévio, encontrou-se com o arguido RC, que estava num Mercedes verde, para comprar dois pacotes de cocaína para o seu consumo, pelos quais pagou a quantia de € 40, tendo sido abordado 2/3 metros à frente pela P.S.P., à entrada do Bairro de Almeirim.

Ainda que, antes desta situação uma ou duas idênticas haviam acontecido - pontos 41 e 43.

Ora, a situação descrita foi confirmada pelos agentes CM, NR e JG e está associada à sessão 3660 do alvo 87228040 - apenso II fls. 221 - bem como ao auto de fls. 368, o teste rápido de fls. 571 e o auto de apreensão de fls. 572.

Cumpre salientar que, para além do contacto telefónico ter sido efetuado para o número que foi atribuído por diversas testemunhas ao RC, nesse dia o agente JG, tal como descreveu em julgamento, viu o veículo do mesmo, razão pela qual não resultaram dúvidas de que a aquisição do produto estupefaciente foi feita ao arguido.

No que diz respeito às datas dos contactos telefónicos, considerou ainda o tribunal as sessões 22, 123, 2824, 2949, do alvo 87228040, sendo que a testemunha TM afirmou expressamente que todos os contactos tiveram como finalidade a aquisição de cocaína, sendo que não foi possível nestas situações apurar a quantidade adquirida.

Relativamente aos contactos descritos no despacho de pronúncia relativos a RF e o arguido RC, muito embora a testemunha tenha começado por mencionar desconhecer o nome da pessoa a quem comprava droga e por negar ter comprado à pessoa que conhecia por «Júlio» ou «Still», certo é que após ser confrontada com as sessões 282, 1447, 2011, 2012, 2286, 2287, 3313, 2541 do alvo 87228040 - apenso II -, acabou por admitir que comprava algumas vezes, pagando € 20 por dose de cocaína - ponto 46.

Cumpre referir que a descrição física da pessoa que a testemunha RF conhecia por «Júlio» ou «Still» é em tudo idêntica àquela que outras testemunhas fizeram, sendo que a mesma, conforme resulta das transcrições telefónicas contactou inúmeras vezes o arguido, razão pela qual se apresenta verosímil que se recorde perfeitamente do seu aspeto exterior.

Para além das sessões das transcrições telefónicas acima referidas, assumiu relevância relativamente ao ponto 46, as sessões 16, 148, 526, 528 e 1003 do referido alvo, das quais resulta efetivamente a combinação de alguns encontros para aquisição de estupefaciente, sendo que igualmente resulta que alguns dos contactos não tiveram aquela finalidade mas outra relativa a acerto de dívidas, razão pela qual se procedeu à alteração do referido facto.

Em face da aludida prova, efetivamente foi possível concluir que, desde Outubro de 2016, o arguido RC procedia á venda de estupefaciente, sendo que os consumidores o contactavam telefonicamente para o efeito - pontos 38 e 42.

Efetivamente, da leitura de algumas transcrições telefónicas é possível concluir que o arguido RC, pelo menos inicialmente, auxiliava o arguido GV na venda de estupefaciente, conforme resulta das sessões 99 e 140 do alvo 87228040, bem como socorria-se do mesmo para se abastecer, conforme se afere da sessão 284 do mesmo alvo - ponto 40.

No entanto, resulta da análise das interceções telefónicas que, posteriormente, no início de 2017, o arguido RC terá passado a socorrer-se de outras pessoas - conforme sessão 3603 do alvo 87228040.

Muito embora a existência de contactos entre o arguido RC e o arguido IC - conforme sessões 102, 105, 108, 116, 194, 243, 277, 287 do alvo 89360040 e 3392,3398,3441 do alvo 87228040 -, que indiciam diversos encontros ocorridos entre ambos em Montemor-o-Novo - ponto 47 -, sendo que uma das deslocações à Rata pelo primeiro arguido foi atestada pelo agente CM, que elaborou o auto de vigilância de fls. 1284, o que pode indiciar que o segundo seria fornecedor de estupefaciente, certo é que nenhuma prova concludente foi feita nesse sentido.

No que diz respeito à utilização do veículo Mercedes verde, atendeu-se à prova acima indicada, quanto ao Ford Fiesta, para além do mesmo ter sido apreendido ao arguido, considerou-se o depoimento do agente RE que confirmou ter visto o arguido (sendo que na altura não sabia a sua identificação) no referido veículo, tudo conforme informação de serviço de fls. 6.

Relativamente aos veículos atendeu-se ainda aos prints do registo de propriedade, bem como dos seguros que se encontravam em nome da arguida AV.

No que diz respeito à residência dos arguidos atendeu-se ao auto de busca e apreensão já referido.
Por outro lado, por falta de prova nesse sentido, resultaram não provados os factos constantes dos pontos ll), mm), nn) e oo).
*
No que diz respeito à arguida AV, inexistiu prova no sentido de que a mesma acompanhava o marido RC nas suas deslocações a Montemor-o-Novo.

No que diz respeito aos contactos telefónicos descritos no despacho de pronúncia os mesmos constam das sessões 133, 204, 909 e 913 do alvo 87228040, do quais resulta que não foi a arguida que foi diretamente contactada, mas sim o arguido RC, sendo que aquela atendeu o telemóvel, tendo na ocasião de 19/11/2016 combinado encontrar-se com o Miguel, e na ocasião de 01/12/2016 este terá ido a casa do arguido RC, estando lá aquela - ponto 48.

É verdade que, sabendo-se da atividade desenvolvida pelo arguido RC no período temporal em causa, poder-se-á suspeitar que a mesma, pelo menos nas duas ocasiões descritas, poderá ter ajudado aquele, transacionando a droga; no entanto, nenhuma prova foi feita nesse sentido, nomeadamente desconhece-se se o referido Miguel é consumidor, cabendo então dar tais factos como não provados.

No que tange ao contacto pelo «Cimmy» - sessão 489 do alvo 87228040 - entende o tribunal que, ao contrário do que consta no despacho de pronúncia não foi a própria arguida que foi contactada diretamente, pois o contacto foi feito para o telemóvel do arguido RC, tendo aquela atendido a chamada, referindo que o mesmo não se encontrava.

Efetivamente, não pareceu igualmente nas demais situações descritas que a arguida AV tenha sido diretamente contactada, aparentando das interceções telefónicas em causa que a mesma limitou-se a atender as chamadas que eram feitas para o telemóvel do marido, designadamente por que em regra perguntam pelo mesmo - sessões 529, 534, 539, 1734, 3281 do alvo 87228040 - pontos 49, 50, 51, 54 e 56 - facto que motivou a alteração não substancial de factos.

A exceção são as sessões 666 - no entanto nenhuma prova foi feita no sentido de que a referida Zezinha era consumidora e pretendia adquirir estupefaciente - 2557 - sendo que não foi feita prova no sentido de que a chamada foi feita com a finalidade de adquirir estupefaciente - 2662 - em que efetivamente parece que a arguida AV foi diretamente contactada por SPS, no entanto esta em julgamento não relatou alguma vez ter adquirido estupefaciente à arguida - e 3646 - em que efetivamente parece ter sido diretamente contactada pelo arguido IC - pontos 52, 53, 55 e 57 e uu), vv) e xx).

No que diz respeito à situação descrita no ponto 54, salvo melhor opinião, nada prova de que o contacto seria para a arguida ir buscar droga a Espanha - ponto ww).

O mesmo se refira quanto à situação constante do ponto 51 (ponto tt).

Em face do exposto, na ausência de outra prova concludente, coube dar como não provado que a arguida, nas situações descritas, forneceu estupefaciente, bem como em quaisquer outras - ponto qq).
*
Relativamente à arguida SF, cumpre referir o depoimento de NM (bem como a sessão 432 do alvo 86613040 - apenso I) que referiu não se recordar se na ocasião em apreço foi comprar droga. Não obstante a referida testemunha ter relatado que pelo menos numa ocasião a droga foi-lhe entregue por uma rapariga cigana jovem de vinte e tal anos, não foi possível apurar se foi no episódio referente àquela sessão. Acresce que, da transcrição em causa consta « ... pergunta plo, plo meu cunhado vá ... ». não sendo claro se o arguido GV visava com o referido encontro que a arguida SF lhe entregasse estupefaciente ou remeter o consumidor para o arguido RC. Em face do exposto, tal facto foi considerado não provado - ponto zz).

Das sessões 1267, 1612, 2185 do alvo 86613040 e sessões 1073 e 1079 do alvo 86613050 resulta que o contacto em causa não se destinava à arguida, ao contrário do alegado no despacho de pronúncia - pontos 59, 60, 61, 62, 63, 64, bbb).

Da sessão 1273 do mesmo alvo não resulta por si só a comunicação de qualquer entrega - ponto aaa).
Das sessões 7101, 7102 do alvo 88030040, 6959, 6983, 7314 do alvo 88030050 efetivamente resulta contactos diretos entre a arguida SF e o arguido AP, em que combinam encontrar-se, sendo que se desconhece a finalidade desses encontros, inexistindo prova - pontos 65 e ccc).

Por seu turno nas sessões 7070, 7110, 7141 do alvo 88030040 e 7351 do alvo 88030050, efetivamente trata-se da arguida SF a agendar encontros com as pessoas descritas, no entanto nenhuma prova foi efetuada quanto à finalidade desses encontros, não sendo suficiente na ótica do tribunal que se saiba que o arguido GV se dedicava ao tráfico para que se conclua sem mais que os referidos tinham idêntica finalidade - 66, 67, 68 e 69, ccc).

Embora resulte claro que a arguida saberia da atividade desenvolvida pelo marido, e de certa forma colaborava atendendo os telefonemas, não foi possível descortinar, com certeza, uma qualquer atividade subjacente ao tráfico praticada pela própria, razão pela qual foi forçoso dar como não provado o ponto yy).
*
No que diz respeito ao arguido AP, também conhecido por «Djavan», cumpre antes do mais analisar as declarações prestadas pelo próprio em sede de primeiro interrogatório.

No que diz respeito aos factos que lhe são imputados a si, o arguido AP, em suma, negou os mesmos, afirmando que não vendia droga, apenas adquirindo, para o seu consumo, ao arguido GV.

No que diz respeito aos factos relativos ao coarguido GV não poderão os mesmos ser valorados, em obediência ao disposto no artigo 345.°, nº 4, do Código de Processo Penal, conforme já acima decidido.

Não obstante o arguido AP ter negado os factos de que vinha acusado, conforme já referimos com maior acuidade, a prova produzida em julgamento foi clara no sentido do tribunal concluir que, efetivamente, no período temporal em causa, o arguido colaborava com o GV na venda de estupefaciente, tal como, aliás, acontecia com LS - ponto 70.

No que diz respeito a esta colaboração, a mesma foi já acima analisada a propósito dos factos relativos ao arguido GV; no entanto, cumpre ainda salientar os inúmeros telefonemas e encontros entre estes arguidos, bem como o teor das conversas que indiciavam as entregas, nomeadamente de droga - diversas sessões do alvo 88031040 - apenso VIII -, designadamente as sessões 49, 51, 67, 69, 84, 90, 250 (em que se refere «telf, Ke tenho 1 boa encomenda») 267 (<<Olha a bacana já telf. Despaxame la e já tenho gente a espera»), 322 (<< ... Tou velho, preciso da encomenda dentro de cinco minutos que ela vai apanhar .... »). 1073 (<< .... é pá tá-se mas ouve, qualidade deixa muito a desejar pá ... »). 1694 (<< ... Tou aqui no parque velho, não me param de chatear meu ... ». 1734 (<< ... Olha lá, só tão aqui onze, onze batatas; Não tão nada, que tão, tão doze; Não meu, tão abri agora isto, abri agora a saca; ...») 1964 (<< .•• Podes-me guardar aí três euros? .... Atão não tens dois euros? ... ah, dois euros ainda te arranjo .... »).

Das referidas escutas telefónicas efetivamente resulta que o arguido AP habitualmente operava junto às bombas de gasolina da BP ou no café Cila - ponto 71.

Para prova dos factos relativos ao arguido AP o tribunal considerou nomeadamente a situação descrita nos autos de fls. 1386 e 1389 e teste rápido de fls. 1390, que se relacionam com a sessão 2370 do alvo 88031040 - apenso VIII -, bem como o auto de fls. 1767, concatenados com os depoimentos dos agentes CM e NR que relataram, em suma, o primeiro ter assistido ao encontro entre CS e o arguido e o segundo ter intercetado aquele que trazia consigo o estupefaciente.

Tal como já referimos acima não convenceu a versão de CS de que tinha adquirido o estupefaciente anteriormente, até por que neste caso em concreto o mesmo logo que foi abordado deixou cair a heroína ao chão, facto demonstrativo de que a mesma lhe teria sido entregue há momentos.

Ainda, a testemunha JC confirmou, no final do ano de 2016, ter comprado heroína ao arguido AP.

Igualmente a testemunha NB confirmou que dava dinheiro ao «Djavan» para ele ir comprar e que se encontrava com ele na BP.

Quanto à testemunha MNP a mesma confirmou adquirir estupefaciente ao arguido AP, tendo sido o arguido GV que lhe disse para comprar àquele, e pelas sessões 198, 172 e 767 confirmam-se os contactos ocorridos nos dias 06/01/2017, 09/01/2017 e 25/01/2017, para aquele efeito, confirmando a mesma que adquiria 3 pacotes por € 25.

No que diz respeito ao facto relativo a MD o tribunal considerou o depoimento do agente NR que relatou a interceção, referindo que foi alertado pelo colega MR que estava em vigilâncias ao arguido e viu o primeiro a ir para as traseiras da BP, tudo conforme o relatório de pesquisa de fls. 550, os autos de fls. 486 e 483 e o teste rápido de fls. 484.
*
Relativamente ao arguido LS cumpriu analisar as transcrições das escutas telefónicas do apenso X, das quais resultam diversos contactos entre aquele e os arguidos GV, SF, RC e AV onde se combinaram encontros, embora do teor dos contactos não é possível descortinar, de forma segura, a finalidade dos mesmos, assim como inexistiu qualquer outra prova que permitisse concluir no sentido do que consta no despacho de pronúncia.

Igualmente resulta a existência de contactos telefónicos de diversas outras pessoas, também com o intuito de se encontrarem com o arguido, no entanto não se apurou se aquelas se tratavam efetivamente de consumidores, bem como a finalidade desses encontros, por total falta de prova nesse sentido.

Analisadas as transcrições telefónicas do GV, afere-se que o mesmo se refere por vezes ao L, no entanto poderá tratar-se do arguido LS.

Desta forma, cumpriu dar como não provados os factos relativos ao arguido LS - pontos ddd), eee), fff), ggg).
*
No que diz respeito ao arguido LS, relatou o mesmo, em sede de primeiro interrogatório, que, durante cerca de dois/três meses, com inicio em Setembro de 2016, «trabalhou» para o GV, tal como AP, que inicialmente dava-lhe 6 pacotes, vendia 5 e ficava com 1, e posteriormente recebia 12 e 18 pacotes e em cada 6 ficava com 1. Ainda que, acompanhou a preparação na casa do AM e dava-lhe o produto já cortado.

Ainda relativamente ao GV, confirmou que arranjou-lhe transporte para o mesmo deslocar-se a Montemor-o-Novo, que às vezes era acompanhado nas entregas pelo cunhado RC e que chegou a entregar dinheiro e a receber droga para fumar da arguida SF.

Por fim, relatou o arguido que após «trabalhar» para o GV, durante um período de cerca de um mês, fez o mesmo para o «Mau» que lhe dava a droga à “consigno” - entregava-lhe cerca de 14 pacotes, tendo de devolver € 100 -, sendo também o arguido IC que dava o estupefaciente àquele.

No que diz respeito aos factos relativos aos coarguidos GV, RC, IC, SF e AP, tal como acima já referimos, entendemos que as declarações prestadas não poderão ser valoradas, em obediência ao disposto no artigo 345.°, nº 4 - ponto jjj) e kkk).

No que diz respeito à situação em que intervieram JL e HL, muito embora estes tenham negado terem comprado ao arguido LS, referindo que o mesmo lhes dispensou um pacote do seu consumo, tal relato não convenceu tendo em conta que não é verosímil que sendo o arguido consumidor dispense, sem qualquer contrapartida, parte do seu consumo.

Quanto a esta situação em concreto considerou-se ainda o depoimento do agente JC que confirmou os autos de fls. 300 e 303 e 305 e o teste rápido de fls. 302, bem como a sessão 406 do alvo 87689040 - apenso VI.

Relativamente ao contacto telefónico de 25/12/2016 considerou-se ainda a sessão 1235 do mesmo alvo.

No que diz respeito aos locais em que o arguido procedia à venda do estupefaciente, para além das transcrições telefónicas, o tribunal considerou os autos de vigilância, designadamente o de fls. 712, cujo teor foi confirmado pelo agente JG.

No que diz respeito à angariação de consumidores por parte do arguido LS para transportarem o arguido GV a Montemor-o-Novo, tal facto foi confirmado pelo próprio em sede de primeiro interrogatório, mas também pela testemunha JC.

Relativamente às idas do arguido LS a Montemor-o-Novo, cumpre ainda salientar o auto de fls. 1768, relativo ao dia 16/03/2017, cujo teor foi confirmado pelo agente JG.

No que diz respeito às alegadas entregas de estupefaciente do arguido IC ao arguido LS, nos dias 3, 4 e 8 de Março de 2018, o tribunal não ignorou as sessões 389, 7237 e 7516 do alvo 87689040 - apenso VI - no entanto considerou que as mesmas por si só não podem levar a concluir que a terem acontecido os referidos encontros, o arguido IC lhe tenha entregue o estupefaciente - ponto lll).

Relativamente à situação ocorrida no dia 20/03/2017, ateve-se o tribunal ao relato dos agentes CM, JG e JC e ao auto de fls. 1769, do qual consta a descrição pormenorizado do que foi visto junto à residência do arguido IC. Com relação com a situação em causa existem as sessões 8341 do alvo 87689040 e 312 do alvo 79360040.

Efetivamente, o arguido LS foi visto a entrar dentro da residência de IC juntamente com o mesmo, tendo sido seguido desde de que saiu da Rata e intercetado junto à sua residência, trazendo na sua posse duas embalagens de heroína e duas de cocaína que se encontravam acondicionados junto ao banco do condutor - cfr. auto de apreensão de fls. 1534, 1545 e 1548, reportagem fotográfica de fls. 1536, 1538, 1540, 1547 e 1549, teste rápido de fls. 1537 e 1539 - ponto 81 a 87.

Cumpre no entanto salientar que, muito embora as declarações do arguido LS no sentido de que o arguido IC lhe fornecia droga para vender, que não podem ser consideradas porquanto desfavoráveis àquele, nenhuma outra prova foi feita no sentido de se poder concluir que a droga que trazia consigo quando foi intercetado lhe terá sido entregue por aquele. É verdade que existiu o referido encontro, no entanto não foi visualizada qualquer troca. Acresce que, a vigilância teve o seu início na Rata, desconhecendo-se portanto de onde vinha o arguido LS, facto que poderia também ser determinante no sentido de se concluir ou não se ele já trazia a droga consigo quando ocorreu o encontro. Por fim, as sessões das interceções telefónicas acima mencionadas também nada indicam.

Assim, muito embora inexistam dúvidas quanto ao encontro ocorrido, o tribunal considera que tal facto não se mostra suficiente para que se conclua que a droga que estava na posse do arguido Luís lhe tinha sido entregue momentos antes pelo arguido IC, razão pela qual considerou tal facto não provado.

No que diz respeito à busca à residência do arguido LS, atendeu-se ao auto de busca e apreensão de fls. 1551, que demonstra a apreensão do referido plástico transparente - ponto 88.
*
No que diz respeito aos factos do dia 20/03/2017, relativos ao arguido GV, atendeu o tribunal ao depoimento do agente JV que relatou que o arguido encetou fuga, tendo-o visto deitar alguma coisa fora, tendo os telemóveis que se encontravam sob escuta recuperados nos pastos, bem como a prova documental acima já discriminada.

No que diz respeito ao facto da atividade em causa ser meio de subsistência dos arguidos LC, GV, RC, AP e LS, tal resultou das interceções telefónicas, que demonstram a periodicidade diária com que eram contactados, por várias pessoas e a várias horas, pelo que, recorrendo-se às regras de experiência comum, conclui-se que nenhum tempo sobraria para o exercício de outras atividades remuneradas. Salienta-se ainda as diversas vigilâncias que recaíram sobre os arguidos LC, GV e LS que confirmam isso mesmo.

Relativamente aos preços praticados pelos arguidos, para além das declarações dos próprios arguidos LC e LS, considerou-se os depoimentos das testemunhas já acima mencionadas, que confirmaram de forma unanime os mesmos.

No que diz respeito às quantias monetárias e objetos apreendidos, atenta a exclusividade com que os arguidos mantinham a referida atividade, forçoso é concluir que, necessariamente, seria resultado ou auxílio da mesma.

Isto com exceção do arguido IC, tendo em conta que não resultou demonstrado que o mesmo desenvolvesse idêntica atividade.

Igualmente, tendo em conta os demais factos provados, forçoso é concluir que o estupefaciente apreendido na posse de alguns dos arguidos se destinava a ser vendido.

Por fim, recorrendo às regras de experiencia comum, cumpriu concluir que os arguidos sabiam o tipo de substâncias que comercializavam, sendo que três deles eram consumidores, e ainda tinham perfeito conhecimento de que se trata de facto ilícito e, por isso, quiseram agir da forma descrita.

Quanto aos factos relativos às condições pessoais e antecedentes criminais atendeu o tribunal aos relatórios sociais e certificados de registo criminal constantes dos autos. Sendo que, no que diz respeito ao arguido NC, por ausência do relatório social, atendeu o tribunal aos depoimentos das testemunhas que o conheciam, bem como à declaração de fls. 4132.

Relativamente à prova apresentada pela defesa do arguido IC, cumpre referir que os relatos das testemunhas ES, LL e CC não se mostraram suficientemente exatos para que se concluísse que o arguido à data dos factos dedicava-se à atividade da venda ambulante, na medida em que os conhecimentos transmitidos mostraram-se não ser recentes, no caso dos dois primeiros, e faltou espontaneidade, no caso do último.

Quanto às testemunhas de defesa MCS, JC e MLB, foram relevantes quanto às condições de vida e personalidade do arguido LS, confirmando o teor do relatório social.

Relativamente à prova testemunhal acima não referida, não foi a mesma atendida para a prova ou contraprova de qualquer facto”.

3 - Apreciação do mérito dos recursos.

a) O despacho de 18-04-2018.
Os arguidos RC e AV recorrem do despacho proferido em 18-04-2018, no qual foi indeferida a arguição de irregularidade/nulidade de diversos despachos, e, bem assim, o pedido de invalidação da prova resultante de inúmeras interceções telefónicas: do despacho de fls. 25 a 27 (o primeiro despacho proferido nos presentes autos que autorizou as interceções telefónicas); dos despachos, subsequentes, de fls. 88, 292, 478, 728, 1028 e 1407; das interceções telefónicas efetuadas no período de 09/11/2016 a 17/12/2016 (quanto ao arguido RC - por ausência de despacho de validação -); e das interceções telefónicas efetuadas nos períodos de 09/11/2016 a 15/11/2016, 16/11/2016 a 26/11/2016 e 07/12/2016 a 17/12/2016 (quanto aos demais arguidos, também por ausência de despacho de validação).

Cumpre apreciar e decidir.

I - Nulidade do despacho que ordenou as interceções telefónicas (fls. 25 a 27 dos autos) e dos despachos subsequentes que autorizaram as interceções telefónicas (despachos de fls. 88, 292, 478, 728, 1028 e 1407:

Ao contrário do que alegam os arguidos RC e AV, a Exmª Juíza de Instrução não proferiu o despacho de fls. 25 a 27 quando não havia qualquer elemento de prova que justificasse a realização das diligências ali determinadas.

Com efeito, e também ao invés do alegado pelos arguidos RC e AV, os presentes autos, e antes do aludido despacho, não continham apenas um “auto de notícia” (fls. 02), onde se dava nota de terem sido efetuadas denúncias anónimas, por telefone, contra alguns dos aqui arguidos (nomeadamente contra os arguidos RC e AV), e duas “vigilâncias externas” (fls. 06 e 08) - das quais resulta que os arguidos RC, AV, GV e SF viviam em determinada morada e utilizavam o veículo Ford Fiesta cinzento com a matrícula -LG -.

Bem pelo contrário: depois de recebidas as aludidas denúncias anónimas (referidas no “auto de notícia”), a P.S.P. de Évora, no período de 02 e 28 de setembro de 2016, desenvolveu diversas ações de vigilância e de policiamento, que incidiram sobre os bairros Garcia de Resende e Senhora da Saúde, em Évora, ações que estão devidamente explicitadas nos autos de fls. 06, 07, 09, 10 e 13 a 18 dos autos.

Ora, tais diligências policiais não só permitiram obter a confirmação, por parte de diversos habitantes naqueles locais, da prática, pelos moradores no ---do Bairro Garcia de Resende, da venda de produtos estupefacientes a toxicodependentes (nas traseiras do parque infantil e junto ao posto da EDP que existiam próximo de tal local - cfr. auto de fls. 07), como também permitiram identificar os habitantes desse Lote… do Bairro Garcia de Resende, em Évora, todos eles identificados no “auto de notícia” (os arguidos RC, AV, GV e SF).

Mais: os agentes da P.S.P. de Évora verificaram que os arguidos em causa eram contactados, amiudadamente, por indivíduos referenciados como sendo toxicodependentes.

Por exemplo, no dia 28 de setembro de 2016, cerca das 11.45 horas, o arguido GV foi visto a entregar algo a RS e a receber deste dinheiro (em notas emitidas pelo Banco Central Europeu), após o que o RS foi “seguido” e intercetado, tendo-se, então, constatado que o RS possuía, no interior da sua carteira, duas embalagens de um produto, com o peso de 0,47 gramas, que, submetido a teste rápido, deu resultado positivo para heroína (cfr. auto de aditamento de fls. 13, auto de apreensão de fls. 14, auto de ocorrência de fls. 16 e 17, e teste rápido de fls. 18).

Depois de verificados todos esses factos (e só então - e não antes -), a P.S.P. propôs ao Ministério Público que fosse obtida autorização judicial para a realização de vigilâncias com recolha de som e imagem, relativamente aos quatro arguidos referidos, e, além disso, que fosse obtida autorização judicial para a interceção das comunicações telefónicas do arguido GV (o qual, como já dissemos, tinha sido visto, por agentes da P.S.P., a entregar heroína a terceira pessoa, a troco de dinheiro).

O Ministério Público aceitou a “proposta” da P.S.P. e solicitou, junto da Exmª Juiz de Instrução, as autorizações sugeridas por tal entidade policial.

Por conseguinte, no momento da prolação do despacho de fls. 25 a 27, que autorizou a interceção das comunicações telefónicas relativamente ao arguido GV, não existia nos autos apenas uma “denúncia anónima” (na alegação constante da motivação do recurso dos arguidos RC e AV), mas, isso sim, uma fortemente fundada suspeita de que os quatro arguidos acima aludidos procediam à venda de produtos estupefacientes.

Ou seja, os elementos probatórios constantes dos autos, quando foi proferido o despacho de fls. 25 a 27 (que autorizou a interceção das comunicações telefónicas do arguido GV - e só deste arguido, note-se -), espelhavam já a existência de indícios claros, consistentes, seguros, fundados e concretos, da prática de um crime de tráfico de estupefacientes.

Acresce que o despacho de fls. 25 a 27 dos autos fundamentou, como se impunha, a necessidade de se proceder à interceção e gravação das comunicações telefónicas do arguido GV, designadamente aludindo às características dos bairros onde tal arguido desenvolvia a atividade de venda de produtos estupefaciente aos consumidores: “bairros residenciais de pequenas dimensões e nas imediações de escola primária e parque infantil, onde facilmente se controla a permanência de terceiros, sendo, por isso, difícil o acesso e ocultação para vigilância. Revela-se, assim, problemático o conhecimento do modus operandi e de todo os sujeitos envolvidos”.

Por isso, bem andou a Exmª Juíza de Instrução ao concluir que a interceção das comunicações telefónicas efetuadas pelo suspeito GV era essencial para a obtenção de provas no âmbito do inquérito, não existindo qualquer outro meio alternativo, igualmente eficaz, que fosse idóneo a alcançar provas sobre o cometimento do crime indiciado.

O despacho em análise obedeceu, pois, por um lado, ao preceituado no artigo 187º, nº 1, do C. P. Penal, tendo sido fundamentado em elementos concretos e seguros, já apurados nos autos (obtidos no decurso das diligências de vigilância e policiamento, realizadas pela P.S.P. de Évora, entre os dias 02 e 28 de setembro de 2016, após denúncias anónimas recebidas por essa entidade policial), e, por outro lado, a realização das interceções e gravações telefónicas autorizada em tal despacho mostra-se necessária e proporcional à salvaguarda dos bens jurídicos tutelados pela previsão legal do crime indiciado (desde logo, o direito à saúde das pessoas a quem, a troco de dinheiro, eram entregues os produtos estupefacientes), pelo que, como se nos afigura claro, tal despacho não enferma de qualquer inconstitucionalidade.

Face ao exposto, e em todo este segmento, é de improceder o recurso interlocutório interposto pelos arguidos RC e AV.

II - Nulidade das restantes interceções telefónicas, por ausência de autorização e/ou de validação das mesmas:

Invocam os arguidos RC e AV a nulidade das interceções telefónicas efetuadas no período entre 09-11-2016 e 17-12-2016, no que diz respeito ao arguido RC, e a nulidade das interceções telefónicas efetuadas nos períodos de 09-11-2016 a 15-11-2016, 16-11-2016 a 26-11-2016 e de 07-12-2016 a 17-12-2016, no que tange aos demais arguidos, por ausência de despacho de validação (estão em causa, designadamente, os despachos proferidos em 30-11-2016, 09-12-2016 e 21-12-2016 - dos quais não consta referência à validação -).

Compulsados os autos, e em primeiro lugar, verifica-se que não foi proferido qualquer despacho a “validar” as interceções telefónicas efetuadas ao arguido RC até ao dia 15-11-2016, pela razão (óbvia) de que, antes dessa data, não foi intercetada qualquer comunicação realizada de e para o “alvo” em questão, pelo que nenhum despacho poderia ter sido proferido a “validar” as mesmas.

Em segundo lugar, e no tocante às demais interceções telefónicas (quer relativas ao arguido RC, quer respeitantes a qualquer outro arguido), a Exmª Juíza de Instrução não tinha de as “validar”, ao contrário do que alegam os arguidos RC e AV na motivação do recurso agora em apreciação.

Ou seja, quanto às interceções telefónicas efetuadas no período entre 16 e 26 de novembro de 2016, entre 27 de novembro de 2016 e 06 de dezembro de 201, e entre 07 e 17 de dezembro de 2016, foram proferidos, no termos legalmente previstos, os despachos de fls. 252, 292 e 374 dos autos, os quais não “validaram”, nem tinham de “validar”, as interceções telefónicas em questão.

Com efeito, nenhum preceito legal prevê que o Juiz de Instrução declare “válidas” as interceções telefónicas efetuadas.

Senão vejamos.

Nos termos do artigo 188º, nº 4, do C. P. Penal, o Ministério Público leva ao conhecimento do Juiz de Instrução os suportes técnicos das interceções, com os respetivos autos e relatórios, e o Juiz de Instrução, ouvidas as gravações, determina a destruição imediata dos suportes técnicos relativamente aos quais estejam verificados os pressupostos previstos nas diferentes alíneas do nº 6 do mesmo normativo legal, bem como ordena a transcrição e junção aos autos das conversações que o Ministério Público considere relevantes (nos termos e para os efeitos previstos no nº 7 do mesmo artigo 188º do C. P. Penal).

Assim, e logicamente, não faz sentido que o Juiz de Instrução “valide” o conteúdo das gravações que lhe são apresentadas pelo Ministério Público, pois que, e além do mais, não assistiu às mesmas.

Mais: a lei processual penal portuguesa não exige que, em momento posterior, o Juiz de Instrução proceda à “validação” do resultado da transcrição das interceções que anteriormente tenha determinado, ou, sequer, daquelas que sejam realizadas a mando do Ministério Público ou juntas pelo arguido ou pelo assistente (cfr. o preceituado no artigo 188º, nºs 8 e 9, do C. P. Penal).

Tal ato (de “validação”) não está legalmente previsto, ao contrário do que parecem entender os recorrentes RC e AV, sendo a fidedignidade das transcrições realizadas controlável pelos intervenientes processuais, através do acesso que lhes é facultado aos próprios suportes técnicos (cfr. o disposto no artigo 188º, nº 8, do C. P. Penal).

Em suma: não é exigível, face à lei processual penal portuguesa, que o Juiz de Instrução proceda à “validação” das interceções telefónicas ou das suas transcrições.

Acresce que, não se vislumbra, minimamente, que tal interpretação, adotada no despacho revidendo (e por nós inteiramente subscrita), desrespeite qualquer norma e/ou princípio constitucionalmente consagrados.

Perante o que vem de dizer-se, e também nesta parte, é de improceder o primeiro recurso interlocutório interposto pelos arguidos RC e AV.

b) O despacho de 09-10-2018.

Os arguidos RC e AV interpuseram recurso do despacho judicial proferido em 09-10-2018, através do qual foi indeferida a arguição de irregularidade/nulidade de diversos despachos judiciais proferidos em 21-09-2018.

Cumpre decidir.

I - Nulidade do despacho que agendou a continuação do julgamento sem a concordância dos defensores dos arguidos:

Os arguidos RC e AV entendem que é ilegal o despacho que agendou a data de 21-09-2018 para a continuação do julgamento, uma vez que não obteve a concordância dos defensores dos arguidos, desrespeitando, assim, o disposto nos artigos 312°, nº 4, do C. P. Penal, e 151º do C. P. Civil.

Em primeiro lugar, compulsados os autos verifica-se que a referida data (21-09-2018) foi agendada por despacho proferido em 17-09-2018 (cfr. fls. 4661 e 4662), e era já uma data para continuação do julgamento, sendo que o despacho agora colocado em crise pelos arguidos RC e AV (proferido em 21-09-2018) foi o que indeferiu o adiamento da continuação do julgamento para uma outra data, adiamento requerido por tais dois arguidos.

Ou seja, e em bom rigor, não estamos perante a marcação da “data da audiência”, mas sim perante agendamentos de continuação de uma audiência, audiência que já vinha decorrendo desde há meses, em várias sessões, sendo que, na alegação dos arguidos RC e AV, a defensora oficiosa dos mesmos não podia estar presente na sessão de 21-09-2018.

Em segundo lugar, as disposições legais aqui aplicáveis (os artigos 151º do C. P. Civil e 312°, nº 4, do C. P. Penal), não obrigam o juiz a alterar a data designada para a audiência, caso seja pedida, pelos defensores, a designação de nova data, mas, isso sim, a ponderar as razões aduzidas pelo peticionante e a decidir em conformidade.

Com efeito, estabelece o artigo 151º, nº 3, do C. P. Civil que “o juiz, ponderadas as razões aduzidas, pode alterar a data inicialmente fixada (….)”.

Foi assim que procedeu (e bem) o tribunal recorrido, ao decidir, no despacho de 21-09-2018, o seguinte: “veio a Ilustre Mandatária dos arguidos RC e AV requerer o adiamento da diligência agendada para estes autos, com fundamento no facto de ter agendado julgamento de arguido preso para a data em causa. Ora, existindo sobreposição de agendamentos de julgamentos de arguidos presos, sendo que no presente caso estamos perante uma continuação que se vem vindo a arrastar há alguns meses, com inerente prejuízo para os arguidos, parece ao tribunal que a diligência invocada pela Ilustre Mandatária não apresenta prevalência sobre aquela agendada nos presentes autos. Assim sendo, caberia à mesma decidir qual queria pessoalmente assegurar, sendo que no caso dos presentes autos, prevendo-se que ou se procede unicamente à admissão de prova suplementar ou se procederá à leitura do acórdão, nada impede, salvo melhor opinião, que substabeleça num colega ou que seja nomeado defensor para o ato. Efetivamente, salvo melhor opinião, não pode o tribunal permitir que as agendas dos Ilustres Advogados se sobreponham ao normal andamento de um processo de natureza urgente, não se prevendo, como já se referiu, que tal entendimento prejudique os arguidos em causa. Em face do exposto, indefere-se o requerido adiamento”.

O tribunal procedeu, pois, como lhe competia e ao abrigo das disposições legais acima aludidas, à ponderação das razões aduzidas pela Ilustre mandatária dos arguidos RC e AV e aos interesses processuais em jogo, decidindo, depois, em conformidade.

Em terceiro lugar, a decisão agora em apreço foi proferida com inteiro acerto, porquanto, no caso e vistas as suas circunstâncias, não existiam motivos válidos para adiar a audiência de julgamento.

Na verdade, analisados os autos constata-se que a audiência de discussão e julgamento se iniciou em maio de 2018, que contava já com oito sessões, que grande parte dos arguidos estava em prisão preventiva à ordem do processo (desde 23-03-2017) e, sobretudo, que a audiência agendada para 21-09-2018 era, por princípio, a “audiência final”, na qual, também por regra e princípio, se iria apenas proceder à leitura da decisão final (do acórdão).

Por último, a circunstância de a Ilustre mandatária dos arguidos RC e AV ter agendado, para o mesmo dia, o início de um outro julgamento, com arguidos presos (e relativamente aos quais não se nos afigura existir premência igual à dos presentes autos), não constitui motivo razoável e suficiente para que o tribunal recorrido designasse nova data para a realização do julgamento (melhor: para a continuação da audiência, com leitura do acórdão).

Pode até pergunta-se, legitimamente, por que razão a Ilustre mandatária dos arguidos RC e AV, que havia sido notificada da data designada para a continuação do julgamento (21-09-2018), optou por comparecer a um outro julgamento, não estando invocadas, com o devido respeito, quaisquer razões ponderosas para que a opção tivesse de ser por esse outro julgamento, em detrimento do dos presentes autos.

Em conclusão: o despacho de 21-09-2018 agora em análise, estribado no disposto nos artigos 151º do C. P. Civil e 312º, nº 4, do C. P. Penal, não viola qualquer norma legal nem desrespeita qualquer norma ou princípio constitucional.

Por isso, o recurso interlocutório dos arguidos RC e AV não merece aqui provimento.

II - Recusa, pelo arguido RC, da defensora oficiosa nomeada pelo tribunal em 21-09-2018:

Alega-se no recuso interlocutório agora em apreciação, e corresponde à verdade, que, quando a Exmª Juíza presidente do tribunal coletivo ia começar a proceder à leitura do acórdão, o arguido RC pediu a palavra e disse: “eu não aceito esta advogada”.

Perante isso, a Exmª Juíza presidente do tribunal coletivo perguntou ao arguido RC: “tem algum motivo pessoal?”.

Então, o referido arguido respondeu: “não tenho qualquer motivo pessoal, nem algum, nem lá perto”.

Ouvidas tais declarações, o tribunal coletivo ponderou e decidiu manter a nomeação da defensora oficiosa ao arguido RC, procedendo, de seguida, à leitura do acórdão revidendo.

Ora, a nosso ver, se é certo que o arguido tem direito a plenas garantias de defesa (constitucionalmente consagradas), se é certo que tal direito inclui, numa das suas vertentes, o de ser representado pelo advogado que escolheu, e se é também certo que esse direito não pode ser postergado, não é, contudo, menos certo que tal direito (a escolher advogado) pode ser limitado se existirem razões ponderosas e razoáveis e, sempre, até ao limite em que tal afetação não seja intolerável.

Por outras palavras: verificando-se, in casu, dois interesses, dois valores e dois princípios em confronto (por um lado, o direito à defesa por parte do arguido, e, por outro lado, a celeridade e a economia processuais), há que definir, perante as concretas circunstâncias em presença, qual o prevalecente, com equilíbrio, com razoabilidade, na justa medida das coisas, não postergando nenhum deles de forma intolerável.

A esta luz, verificando-se que toda a prova já tinha sido produzida, constatando-se que a Ilustre mandatária dos arguidos RC e AV já havia proferido as alegações finais em defesa dos mesmos (na anterior audiência de discussão e julgamento), e faltando apenas, portanto, proceder à leitura do acórdão (ao qual, como é óbvio, a Ilustre mandatária dos arguidos RC e AV teria, posteriormente, acesso, e do qual poderia recorrer, exercendo todos os pertinentes direitos de defesa), aquilo que deve prevalecer, em concreto, é a realização dos interesses processuais (a celeridade e a economia processuais).

É que, e repete-se, quando o arguido RC declarou que não aceitava a Ilustre defensora oficiosa nomeada pelo tribunal faltava apenas proceder à leitura do acórdão sub judice.

Mais: ouvido o arguido RC, este não apresentou qualquer motivo válido e atendível para a não aceitação da referida defensora oficiosa.

Porém, e em contraponto (na preservação da celeridade e da economia processuais), observa-se que se tratava de um processo “arrastado” durante meses, em várias sessões de julgamento, com diversos arguidos presos preventivamente à ordem dos autos (e presos desde 23-03-2017), nada justificando, com o mínimo de pertinência, que não se procedesse à leitura do acórdão (isto é, da decisão final).

Em jeito de síntese: bem andou o tribunal a quo ao decidir proceder à leitura do acórdão, apesar da declaração do arguido RC (acima analisada) e apesar de todos os demais “incidentes” suscitados a propósito de se proceder a tal leitura na ausência da Ilustre mandatária dos arguidos RC e AV.

Essa decisão do tribunal de primeira instância não viola quaisquer normas legais, bem como não desrespeita quaisquer normas ou princípios constitucionalmente consagrados.

Assim sendo, e também nesta parte, o recurso interlocutório em análise é de improceder.

III - Recusa da defensora oficiosa nomeada à arguida AV em 21-09-2018:

No tocante às demais questões suscitadas no recurso interlocutório agora em apreciação, as mesmas respeitam, tão-só, à arguida AV.

Ora, a arguida AV foi absolvida, pelo que carece de legitimidade para recorrer, quer do acórdão proferido nestes autos (da decisão final absolutória) - do qual não recorreu, diga-se -, quer, obviamente, de qualquer decisão interlocutória proferida pelo tribunal de primeira instância e a si respeitante.

Dito de outro modo: perante a absolvição decretada quanto à arguida AV, não há que apreciar e decidir a parte dos recursos interlocutórios (qualquer deles) que apenas à mesma dizem respeito.

Por conseguinte, este tribunal ad quem não se irá debruçar sobre a questão atinente às consequências da “recusa” da defensora oficiosa nomeada à arguida AV, bem como, do mesmo modo, não irá apreciar e decidir de quaisquer outros assuntos relacionados, especificamente, com tal arguida, a qual foi absolvida no âmbito dos presentes autos.

Posto tudo o que precede, não merece provimento o recurso interposto pelos arguidos RC e AV visando o despacho judicial proferido em 09-10-2018.

c) Do erro notório na apreciação da prova, da contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, e da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

O arguido AP invoca que o acórdão revidendo padece dos vícios do erro notório na apreciação da prova, da contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, e, ainda, da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410º, nº 2, als. a), b) e c), do C. P. Penal).

Há que decidir.
Lida (e relida) a motivação do recurso interposto pelo arguido AP, verifica-se (com algum espanto, diga-se) que tal arguido invoca a existência dos vícios do erro notório na apreciação da prova, da contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, e da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, sem alegar, concretamente, onde é que, no acórdão sub judice (em que parte da respetiva factualidade, ou em que parte da motivação da decisão fáctica), tais vícios ocorrem.

O arguido AP limita-se, pois, a invocar a existência dos referidos vícios, sem fundamentar, de modo concreto e apreensível, onde estão os mesmos.

Só por aqui, e sem mais, já seria de desatender a pretensão recursiva do arguido AP, em todo este segmento, por deficiência (ou melhor: ausência) de fundamentação de tal pretensão.

Contudo, das “generalidades” aduzidas, neste ponto, pelo arguido AP, constata-se que o mesmo alega existirem os vícios do erro notório na apreciação da prova, da contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, e da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por discordar, pura e simplesmente, da valoração da prova levada a cabo no acórdão revidendo.

Ora, e com o devido respeito, tal alegação carece totalmente de sentido, não possuindo qualquer pertinência para a ocorrência dos invocados vícios (nem, muito menos, para uma pretensa impugnação alargada da matéria de facto, por total incumprimento, por banda do ora recorrente, do preceituado no artigo 412º, nº 3, do C. P. Penal).

Senão vejamos.

Dispõe o artigo 410º, nº 2, do C. P. Penal, que “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova”.

Deste preceito resulta, claramente, que estes vícios da matéria de facto têm de resultar do texto da decisão recorrida e sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, não sendo admissível, designadamente, o recurso a declarações ou depoimentos exarados no processo e não podendo basear-se em documentos juntos ao mesmo processo.

Os vícios da matéria de facto em referência não podem, de modo algum, ser confundidos com uma divergência entre a convicção alcançada pelos recorrentes sobre a prova produzida em audiência de discussão e julgamento e aquela convicção que, nos termos do disposto no artigo 127º do C. P. Penal e com respeito, designadamente, pelo disposto no artigo 125º do mesmo diploma legal, o tribunal a quo alcançou sobre os factos.

Ora, e desde logo, o arguido AP, na motivação do seu recurso, invoca a ocorrência, no acórdão sub judice, do vício do erro notório na apreciação da prova, não atendendo, com o muito e devido respeito, a tais regras, nem sequer configurando situações que pudesse integrar esse mesmo vício.

Na verdade, percorrendo a motivação do recurso interposto pelo arguido AP, facilmente se alcança que aí se questiona, não o texto da decisão recorrida, mas sim o modo como o tribunal procedeu à apreciação da prova que foi produzida em audiência de discussão e julgamento.

Ou seja, as alegações do recorrente AP apenas traduzem uma desconformidade entre a decisão de facto do tribunal a quo e aquela que no caso teria sido a do próprio recorrente.

Tais alegações, de que o tribunal a quo devia ter julgado em sentido diverso daquele que julgou, e face ao exposto, não configuram, pois, a alegação do vício do erro notório na apreciação da prova, mas sim a alegação de um erro de julgamento em matéria de facto (que o arguido AP não sustenta, repete-se, obedecendo, minimamente, ao normativo constante do artigo 412º, nº 3, do C. P. Penal).

Alega também o recorrente AP que existe, no acórdão objeto do recurso, o vício da contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão.

Este vício ocorre, em termos simplificados, quando se dá como provado e como não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa, ao mesmo tempo, ou quando, simultaneamente, se dão como provados factos contraditórios.

No dizer de Simas Santos e Leal Henrique (in “Recursos em Processo Penal”, 7ª ed., 2008, Editora Rei dos Livros, pág. 75), existe contradição insanável da fundamentação ou entre os fundamentos e a decisão quando ocorre “incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão”.

Referem os mesmos autores (ob. e local citados), que “há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada”.

Só pode falar-se no vício da contradição insanável da fundamentação, quando um determinado facto provado seja logicamente contraditório com outro dado factual que serviu de base à decisão final ou quando, segundo um raciocínio lógico, é de concluir que a fundamentação justifica precisamente a decisão contrária ou que a decisão não fica suficientemente esclarecida por haver colisão entre os fundamentos.

Ora, e tal como acima referido em relação ao vício do erro notório na apreciação da prova, as alegações do recorrente AP, neste ponto, não consubstanciam a invocação do vício agora em análise.

Com efeito, na motivação do recurso do arguido AP e na invocação do vício em causa, o recorrente expõe, tão só (e de modo genérico e abstrato), as razões da sua discordância com o julgamento efetuado pelo tribunal a quo em matéria de facto, enunciando, vagamente (sem concretizar), que considera que a prova produzida impunha decisão diferente da tomada por esse mesmo tribunal.

O que o recorrente AP alega é que ocorre um erro na apreciação da prova, mas nada invoca que possa fundamentar ou consubstanciar a existência de qualquer contradição entre a matéria provada, a respetiva fundamentação e a decisão.

Nesta vertente, o que está em causa, face ao alegado pelo recorrente AP, é apenas (e mais uma vez) a discordância do mesmo relativamente à decisão proferida pelo tribunal de primeira instância quanto à matéria de facto.

Analisando o acórdão sub judice, não se vê qualquer incompatibilidade entre os factos provados ou entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.

Não ocorre, por isso, o invocado vício da contradição insanável da fundamentação e/ou entre a fundamentação e a decisão.

Por último, alega ainda o recorrente AP que existe, no acórdão revidendo, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (a que se reporta o artigo 410º, nº 2, al. a), do C. P. Penal).

O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorre quando a matéria de facto é insuficiente para a decisão de direito, o que se verifica porque o tribunal deixou de apurar a matéria de facto que lhe cabia apurar dentro do objeto do processo, tal como este está circunscrito pela acusação e pela defesa, sem prejuízo do mais que a prova produzida em audiência justifique. Tal vício consiste na formulação incorreta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada.

Também aqui, e percorrendo a motivação de recurso do arguido AP, facilmente se conclui que tal recorrente questiona, não o texto da decisão recorrida, mas sim o modo como o tribunal procedeu à apreciação da prova que foi produzida em audiência de discussão e julgamento.

Novamente, as alegações do recorrente AP apenas traduzem uma desconformidade entre a decisão de facto do tribunal a quo e aquela que no caso teria sido a do próprio recorrente.

Aliás, e com o devido respeito, o recorrente AP incorre, em toda esta sua alegação, em grande confusão.

Com efeito, não se vislumbra (nem o referido recorrente o esclarece) onde possa estar a invocada insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como assente no acórdão recorrido.

É que, o recorrente AP não invoca a falta de factos necessários para a decisão, que o tribunal devesse averiguar, desta forma confundindo uma situação de apreciação (objetiva, clara e coerente) da prova com o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Como bem esclarecem Simas Santos e Leal Henriques (ob. citada, págs. 72 e 73), ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando existe uma “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher”.

Verifica-se tal vício quando, no dizer dos mesmos autores (ob. e local citados), “a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final”.

Nada disto se verifica na situação exposta pelo recorrente AP, pelo que não ocorre também o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Em suma: a discordância do recorrente AP perante a matéria de facto é totalmente inócua para a verificação, in casu, dos vícios do acórdão invocados na motivação do respetivo recurso.

Face ao predito, o recurso do arguido AP é de improceder em todo o segmento acabado de analisar.

d) Da impugnação alargada da matéria de facto (e da violação do princípio da livre apreciação da prova e do princípio da presunção de inocência).

O arguido RC entende que deve ser absolvido, por ter ocorrido erro de julgamento, porquanto, face às provas produzidas, os factos dados como provados no acórdão recorrido sob os nºs 20, 37 a 47, 100 a 105 e 108, têm de ser considerados como não provados.

Há que decidir.

Diz o recorrente RC, desde logo, que nenhuma das testemunhas o “reconheceu”, na audiência de discussão e julgamento, com certeza suficiente.

Neste aspeto, escreve-se no acórdão revidendo o seguinte: “no que diz respeito ao arguido RC, cumpre desde logo mencionar que, ao longo do julgamento, procurou a defesa levantar dúvidas acerca da identificação do arguido por parte de algumas testemunhas, fazendo crer que o mesmo não seria o «Still» ou «Júlio» referido pelas mesmas e descrito como um cigano, com barba grande, que usava chapéu de abas e vestia de preto. Ora, não obstante as diversas tentativas levadas a cabo pela defesa, nomeadamente pedindo a identificação por parte de algumas testemunhas dos arguidos ali presentes, facto que levava a que as mesmas identificassem de forma imediata o arguido JS (que se apresentava com barba e vestido de preto), certo é que ao tribunal não restaram dúvidas de que o arguido RC (atualmente apresentando um visual completamente diferente), nos anos de 2016 e 2017, apresentava fisicamente as características descritas por diversas testemunhas, tais como MC, que referiu ser seu amigo, apelidando-o de «Still», e da sua esposa há cerca de 15 anos, e, portanto, não demonstrou hesitações em descrever o seu aspeto físico à data dos factos (…). Igualmente a testemunha SPS referiu conhecer o arguido «Still» e relatou, de forma coerente e escorreita, ter-lhe vendido um mercedes verde de matrícula ---QL e ter-lhe adquirido pessoalmente, em duas ou três ocasiões, cocaína a 20 euros a dose, sendo que, noutras vezes, acompanhou a namorada CG, que ia ter com ele com a mesma finalidade. Confrontada com as sessões 2647, 2808 e 3054 do alvo 87228040 - apenso II. fls. 170, 185 e 194 - confirmou ser o seu número de telemóvel, bem como pretender adquirir estupefaciente, sendo que as datas destes contactos vão ao encontro do que a testemunha referiu no início do seu depoimento, de que terá adquirido droga ao arguido perto da passagem de ano. Ainda apresenta relevância a sessão 1161 (fls. 83), que diz respeito ao dia 04/12/2016, sendo que os demais nos dias 28/12/2016 e 30/12/2016 (…). Igualmente esta testemunha descreveu fisicamente o arguido RC como sendo cigano, alto, usando barbas compridas e chapéu preto, o que vai ao encontro das anteriores descrições, corroborando-as, inexistindo dúvidas de que efetivamente era essa a compleição física do arguido no final de 2016. Igualmente a testemunha NB confirmou ter adquirido cocaína a uma pessoa, cujo nome desconhece, mas que descreveu como sendo alto, com barba (...). (…) Há mais de ano (confirmando a data do auto - 13/01/2017), após contacto telefónico prévio, encontrou-se com o arguido RC, que estava num Mercedes verde, para comprar dois pacotes de cocaína para o seu consumo, pelos quais pagou a quantia de 40 euros, tendo sido abordado 2/3 metros à frente, pela P.S.P., à entrada do Bairro de Almeirim. (…) Antes desta situação, um ou duas idênticas haviam acontecido (…). Ora, a situação descrita foi confirmada pelos agentes CM, NR e JG e está associada à sessão 3660 do alvo 87228040 - apenso Il, fls. 221 - bem como ao auto de fls. 368, o teste rápido de fls. 571 e o auto de apreensão de fls. 572. Cumpre salientar que, para além do contacto telefónico ter sido efetuado para o número que foi atribuído por diversas testemunhas ao RC, nesse dia o agente JG, tal como descreveu em julgamento, viu o veículo do mesmo, razão pela qual não resultaram dúvidas de que a aquisição do produto estupefaciente foi feita ao arguido”.

Ora, as provas elencadas no trecho do acórdão acabado de transcrever (as quais, aliás, não estão diretamente questionadas na motivação do recurso agora em apreciação), descritas com suficiente pormenor, são absolutamente claras e esclarecedoras, permitindo a este tribunal ad quem (como permitiram ao tribunal a quo) afirmar, sem dúvidas ou hesitações, que o arguido RC praticou os factos delitivos nos termos dados como provados em primeira instância, e que tais provas (testemunhais e outras) esclarecem cabalmente, com absoluta certeza, a autoria de tais factos por banda desse arguido.

Com efeito, e em resumo (sob pena de estarmos a repetir a explicitação feita no acórdão sub judice), duas das testemunhas conheciam o arguido RC: a testemunha MC era seu amigo, desde há mais de 15 anos, e a testemunha SPS, em dezembro de 2016, no período em que comprou cocaína ao arguido RC, “negociou” com ele, vendendo-lhe um veículo, de marca mercedes, precisamente o veículo que tal arguido utilizava nas suas deslocações para entregar a cocaína aos respetivos “clientes” (e veículo que foi apreendido nos autos). Acresce que, após os contactos telefónicos que a testemunha SPS mantinha com o arguido RC, a mesma encontrava-se, pessoalmente, com esse arguido, para que este lhes vendesse cocaína, sendo que, nas deslocações para esse efeito, o arguido RC utilizava, expressivamente, o veículo automóvel cuja aquisição “negociara” com a testemunha SPS

Em conclusão: nenhuma razão assiste ao recorrente RC em toda esta vertente recursiva, porquanto não existem dúvidas de que tal arguido praticou os factos nos precisos termos dados como provados no acórdão recorrido, sendo inequívoco, nomeadamente, que procedeu, pessoalmente, às vendas de cocaína descritas nos factos provados no acórdão sob os nºs 37 a 46.

Depois, percorrendo a motivação do recurso do arguido RC, verifica-se que esse arguido questiona toda a factualidade dada como provada com relevo para a respetiva incriminação, e, bem assim, toda a prova constante dos autos (transcrevendo até, na motivação do recurso, na íntegra, toda a prova testemunhal produzida na audiência de discussão e julgamento).

Com o devido respeito, essa modalidade recursiva não possui enquadramento válido no nosso sistema processual penal.

Com efeito, o arguido RC não indica, na motivação do seu recurso, qualquer elemento de prova que “imponha” (e não apenas aconselhe, permita ou justifique) decisão diversa da recorrida, tal como exigido pelo preceituado no artigo 412º, nº 3, al. b), do C. P. Penal.

Com o devido respeito, o arguido RC esquece, manifestamente, que a função do recurso em matéria de facto não é a de permitir a realização de um novo julgamento, com a extensão e a amplitude do julgamento efetuado em primeira instância, devendo o recurso visar, isso sim, a propósito de concretos e individualizados pontos da matéria de facto, a correção de erros de julgamento, a partir da indicação de segmentos de prova, também concretos e individualizados, que, necessariamente, “imponham” uma decisão diferente.

Ao contrário do que parece entender o arguido RC, não cabe a este tribunal ad quem proceder ao reexame, na sua globalidade, da factualidade apurada (obviamente, da factualidade relevante para o preenchimento dos elementos do tipo legal de crime em apreço), tendo, para isso, de reanalisar todas as provas produzidas.

O recurso em matéria de facto não é uma indiscriminada expedição destinada a reapreciar toda a prova, constituindo, isso sim, um “remédio” para suprir e corrigir deficiências factuais circunscritas, confinadas a pontos específicos e individualizados, e a partir da indicação, pelo recorrente, de elementos probatórios que, fora de uma simples leitura pessoal e interessada (do próprio recorrente), “imponham” decisão diversa.

As provas que “impõem” essa diversa decisão são as provas, relevantes e decisivas, que não foram analisadas e apreciadas pelo tribunal a quo, ou aquelas provas que, tendo sido examinadas, o foram incorretamente, de tal modo que esteja colocado em crise, de forma explícita, segura e clara, o entendimento fáctico plasmado na decisão recorrida.

Se o recorrente não indicar tais provas, com esses pressupostos, este tribunal ad quem não pode, obviamente, produzir uma decisão fáctica diferente da obtida em primeira instância.

Revertendo ao caso dos autos, no acórdão revidendo, de modo específico e detalhado (episódio a episódio, com inteiro pormenor), foi efetuada uma análise crítica dos diversos elementos probatórios, e, perante essa análise, foi obtida e explicitada a convicção positiva sobre os factos atinentes à participação do arguido RC na prática do tipo legal de crime pelo qual vem condenado.

Ora, ponderando, neste tribunal ad quem, tal análise e tal valoração, feitas pelo tribunal a quo, nada há a apontar-lhes ou a censurar-lhes, não divergindo a nossa convicção da convicção que foi obtida, e devidamente explicada, na decisão recorrida.

Com efeito, aquilo que as provas analisadas revelam é, a nosso ver, incontornavelmente, a comprovação da participação do arguido RC no delito praticado, nos precisos termos que foram tidos como assentes no acórdão sub judice.

Dito de outro modo: a prova produzida em audiência de discussão e julgamento (no tocante ao arguido RC) não apenas consente, antes impõe, uma decisão sobre a matéria de facto inteiramente conforme com a adotada pelo tribunal de primeira instância.

Face ao exposto, o recurso do arguido RC é de improceder em toda esta vertente (impugnação alargada da matéria de facto), considerando-se, em consequência, definitivamente fixada a matéria de facto nos precisos termos em que o foi no acórdão revidendo.
*
Alega o arguido RC que o tribunal a quo, ao decidir sobre a matéria de facto, agiu em violação do princípio da livre apreciação da prova.

Nenhuma razão assiste ao arguido RC nessa sua alegação.

Senão vejamos.

Dispõe o artigo 127º do C. P. Penal que, “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.

A propósito do princípio da livre apreciação da prova, refere o Prof. Figueiredo Dias (in “Direito Processual Penal”, 1981, Vol. I, pág. 202) que “o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável - e portanto arbitrária - da prova produzida”.

E acrescenta o mesmo autor (ob. citada, págs. 202 e 203) que a liberdade de apreciação da prova tem limites inultrapassáveis: “a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada «verdade material» - , de tal sorte que a apreciação há de ser, em concreto, recondutível a critérios objetivos e, portanto, em geral suscetível de motivação e de controlo”.

Como bem diz Maia Gonçalves (in “Código de Processo Penal Anotado”, 9ª ed., pág. 322), “a livre apreciação da prova não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica”.

A livre apreciação da prova tem, pois, de traduzir-se numa valoração racional e crítica da prova, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, e valoração que permita objetivar e explicitar a apreciação feita dessa mesma prova (explicitação que é requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão).

Ou, por palavras mais simples: a convicção do juiz tem de seguir critérios transparentes e justificáveis, capazes de convencer os sujeitos processuais e o público em geral.

Ora, no caso destes autos, o tribunal a quo, para decidir da matéria de facto, ponderou todas as provas de que dispunha, e avaliou-as à luz das regras da experiência comum, de acordo com juízos de normalidade, com a lógica das coisas e com a experiência da vida.

Como bem se salienta no acórdão do S.T.J. de 08-11-1995 (in B.M.J., nº 451, pág. 86), “um juízo de acertamento da matéria de facto pertinente para a decisão releva de um conjunto de meios de prova, que pode inclusivamente ser indiciária, contanto que os indícios sejam graves, precisos e concordantes”. E acrescenta o mesmo acórdão que “as regras da experiência a que alude o artigo 127º têm um importante papel na convicção do tribunal”.

Na motivação do recurso do arguido RC considera-se ter existido errada apreciação da prova, uma vez que o tribunal recorrido não valorou certos aspetos nos termos em que o devia ter feito.

Simplesmente, com tais alegações o recorrente RC limita-se a trazer aos autos a perceção que ele próprio teve (ou melhor: diz ter tido) da prova.

Procedendo à leitura do acórdão recorrido, verifica-se ter sido seguido um processo lógico e racional na apreciação da prova, não surgindo a decisão como uma conclusão ilógica, arbitrária, ou violadora das regras da experiência comum na apreciação das provas.

Assim, não foi violado o princípio da livre apreciação da prova, nem, também a esta luz, os factos apurados no acórdão sub judice nos merecem qualquer censura.
*
Invoca ainda o arguido RC a violação do princípio da presunção de inocência, constitucionalmente consagrado (ou, com maior rigor, e aplicando tal princípio à análise da prova, a violação do princípio in dubio pro reo).

Também aqui não assiste razão ao arguido RC.

Dispõe a Constituição da República Portuguesa (no nº 2 do seu artigo 32º): “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”.

Este preceito identifica-se, genericamente, com as formulações do princípio da presunção de inocência constantes, além do mais, do artigo 11º, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e do artigo 6º, nº 2, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

Ora, e como bem escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira (in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3ª ed., pág. 203), “o princípio da presunção de inocência surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo. Além de ser uma garantia subjetiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa”.

Este princípio tem, pois, aplicação na apreciação da prova, impondo que, em caso de dúvida insuperável e razoável sobre a valoração da prova, se decida sempre a matéria de facto no sentido que mais favorecer o arguido.

É evidente que as dúvidas do julgador quanto à prova produzida têm de ser racionais, de forma a ilidirem a certeza contrária (cfr. Ac. do S.T.J. de 01-07-2004, Processo nº 4P2791, in www.dgsi.pt), jamais podendo assentar na mera existência de versões contraditórias entre si ou na mera negação dos factos por parte dos arguidos.

Indo ao caso agora em apreço, e apesar das considerações do arguido RC na motivação do seu recurso, o tribunal a quo não ficou com qualquer dúvida quanto à prática, pelo arguido RC, da totalidade dos factos que, quanto ao mesmo, foram dados como provados no acórdão recorrido, bem como também este tribunal de recurso, perante a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, com nenhuma dúvida fica relativamente à prática dos factos em causa por parte do arguido RC (conforme acima exposto).

Por outras palavras: a fundamentação da decisão de facto constante do acórdão recorrido não evidencia a existência de qualquer dúvida que tenha sido solucionada em desfavor do arguido RC, e, por outro lado, face à prova produzida em audiência de discussão e julgamento, resulta, também para nós, a certeza da prática, pelo arguido RC, do crime pelo qual foi condenado.

Assim sendo, o acórdão revidendo não merece, também neste aspeto, a censura que lhe foi dirigida pelo recorrente RC (violação do princípio da presunção de inocência).

Posto tudo o que precede, e em toda a vertente analisada, o recurso interposto pelo arguido RC é de improceder.

e) Da qualificação jurídica dos factos.
Todos os arguidos/recorrentes discordam da qualificação jurídica dada, no acórdão revidendo, ao crime de tráfico de estupefacientes.

Entendem os recorrentes, no essencial e em breve resumo, que não passam de vulgares “dealers” de rua, que “proporcionaram” os produtos estupefacientes em causa a poucos consumidores, num período de tempo relativamente curto (cerca de 6 meses), sem recorrer a intermediários ou a colaboradores, usando um modus operandi simples, e sem retirar de tal atividade grandes proventos.

Assim sendo, concluem os recorrentes, a ilicitude do facto mostra-se consideravelmente diminuída, pelo que as suas condutas devem ser integradas no tipo privilegiado do artigo 25º do D.L. nº 15/93, de 22/01 (tráfico de menor gravidade).

Cabe apreciar e decidir.

Dispõe o artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro: “quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver fora dos casos previstos no artigo 40°, plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas Tabelas 1 a IV, é punido com a pena de prisão de 4 a 12 anos”.

Por sua vez, estabelece o artigo 25º, al. a), do mesmo diploma legal: “se, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de prisão de 1 a 5 anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI”.

O crime de tráfico de menor gravidade contempla, como a própria denominação indica, situações em que o tráfico de estupefacientes, tal como se encontra definido no tipo base, se processa de forma a ter-se por consideravelmente diminuída a ilicitude, ou seja, em que se mostra diminuída a quantidade do ilícito.

A título exemplificativo, indicam-se no preceito como índices, critérios, exemplos padrão, ou fatores relevantes, de graduação da ilicitude, circunstâncias específicas, mas objetivas e factuais, verificadas na ação concreta, nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações objeto do tráfico, os quais devem ser analisados numa relação de interdependência, já que há que ter uma visão ou perspetiva global, uma ampla perceção das ações desenvolvidas (atividade disseminadora de produtos estupefacientes) pelo agente, de modo a concluir-se se a conduta provada fica ou não aquém da gravidade do ilícito justificativa da integração no tipo essencial, na descrição fundamental do artigo 21º, nº 1, do D.L. nº 13/93, de 22/01.

O D.L. nº 15/93, de 22/01, abriu o leque sancionatório relativamente ao antecessor D.L. nº 430/83, de 13/12, adicionando ao elenco dos tipos já previstos um novo específico tipo legal de crime, o denominado tráfico de menor gravidade.

Na anterior lei, o artigo 23º (antecessor do atual artigo 21º) abrangia as grandes, médias e pequenas quantidades de substâncias estupefacientes.

De fora ficavam apenas as quantidades diminutas, situação prevista no artigo 24º do D.L. nº 430/83, quantidades diminutas estas definidas por lei (nº 3 do preceito) como as que não excediam o necessário para o consumo individual durante um dia, estabelecendo-se então, para as substâncias ou preparados compreendidos nas tabelas I a III, a pena compósita de prisão de 1 a 4 anos e multa de 20.000$00 a 1.500.000$00.

O artigo 25º do D.L. nº 15/93, de 22/01, veio colmatar uma lacuna existente no sistema e prevenir os casos de diminuição considerável da ilicitude baseada, entre outros critérios, não apenas na quantidade das plantas, substâncias ou preparações, mas também na qualidade das mesmas, nos meios utilizados e na modalidade e circunstâncias da ação.

Não estando em causa no novo crime apenas um critério quantitativo relativo ao produto estupefaciente, até porque considerado isoladamente de pouco valerá, é evidente que nunca o artigo 25º poderia ser encarado como um sucessor direto do artigo 24º do D.L. nº 430/83, cuja marca distintiva era apenas a quantidade (a diminuta quantidade de estupefaciente), independentemente da sua conjugação com outros fatores de avaliação.

Por outro lado, e na esteira do ensinamento de Hans Jescheck (in “Tratado de Derecho Penal - Parte General”, Editorial Bosch, tradução de S. Mir Puig e F. Muñoz Conde, Barcelona, 1981, Vol. I, págs. 362 e 363), podemos afirmar que a modificação dos tipos tem lugar através de “variantes dependentes” do tipo básico, completamente reguladas, variantes estas que, por seu lado, constituem tipos “qualificados ou privilegiados”, por recurso a causas inominadas de agravação ou de atenuação da pena, que abrangem os “casos especialmente graves” e os “casos menos graves”. Ora, o artigo 25º do D.L. nº 15/93, de 22/01, encerra um específico tipo legal de crime, o que pressupõe a sua caracterização como uma variante dependente privilegiada do tipo de crime do artigo 21º do mesmo diploma legal (usando a terminologia de Hans Jescheck, ob. citada, pág. 363).

A aplicação deste artigo 25º do D.L. nº 15/93 tem como pressuposto específico a existência de uma considerável diminuição do ilícito. Ou seja, pressupõe um juízo positivo sobre a ilicitude do facto, que constate uma substancial diminuição desta, um menor desvalor da ação, uma atenuação do conteúdo do injusto, em suma, uma menor dimensão e expressão do ilícito.

Os pressupostos da disposição respeitam, todos eles, ao juízo sobre a ilicitude do facto no sentido positivo, constatando, face à específica forma e grau de realização do facto, que o caso se situará forçosamente aquém da necessidade de pena expressa pelo limite mínimo do tipo base, uma substancial diminuição desta.

Os índices, exemplos padrão, ou Regelbeispiel, enumerados no preceito, a par de outros, são atinentes, uns à própria ação típica (meios utilizados, modalidade e circunstâncias da ação), outros ao objeto da ação típica (qualidade ou quantidade do estupefaciente), ou seja, pertinem todos eles ao desvalor da conduta, à execução do facto, fazendo parte do tipo de ilícito, não entrando em ação qualquer consideração relativa ao desvalor da atitude interna do agente, à personalidade deste, a juízos sobre a culpa.

Haverá, pois, que proceder à valorização global dos factos, não se mostrando suficiente que um dos fatores interdependentes indicados na lei seja idóneo em abstrato para qualificar os factos como menos graves ou leves, devendo valorar-se complexivamente todas as circunstâncias.

O critério a seguir tem de consistir na avaliação do conjunto da ação, tendo em conta o grau de lesividade ou de perigo de lesão (o crime de tráfico é um crime de perigo abstrato) do bem jurídico protegido (no essencial, a saúde pública).

Valerá o tipo privilegiado ou atenuado para os casos menos graves e equivale aos casos de “pouca importância do facto” da lei italiana, sendo de assinalar a similitude e paralelismo com os pressupostos gerais da atenuação especial da pena, mas quedando-se aqui a “atenuação” em função do juízo de ilicitude, sem intervenção da culpa do agente e da necessidade de pena, presentes no artigo 72º do Código Penal, pois o princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências de prevenção.

Qualquer que seja a posição adotada sobre o posicionamento dogmático deste crime de tráfico de menor gravidade, a verdade é que entre o artigo 25º do D.L. nº 15/93, de 22/01, e o artigo 72º do Código Penal ressalta uma evidente conexão. Aquele dispositivo comina uma redução substancial da pena de prisão, relativamente ao tipo matricial (mínimo de 1 ano de prisão, em vez dos 4 anos estabelecido para o tipo base, e máximo de 5 anos de prisão, em vez de 12 anos, encurtando-se de forma considerável os limites da moldura abstrata cabível ao tipo fundamental), para os casos de tráfico em que a ilicitude do facto se mostra consideravelmente diminuída, estabelecendo, inclusive, uma mais benévola moldura penal (1 a 5 anos de prisão) do que a que resultaria da atenuação especial do crime base, pois, por força do disposto no artigo 73º, nº 1, als. a) e b), do Código Penal, a moldura penal seria então de 9 meses e 18 dias a 8 anos de prisão.

Por outras palavras, o artigo 25º do D.L. nº 15/93 possibilita a aplicação de uma pena cujo limite máximo fica aquém da aplicação, à moldura penal do crime de tráfico base, das regras de atenuação modificativa da pena do artigo 73º do Código Penal.

Trata-se, no fundo, de uma especial forma de atenuação, para a qual aqui só se tem em consideração o plano da ilicitude, quando nos termos gerais é necessário estar-se perante diminuição acentuada, não só da ilicitude do facto, mas também da culpa do agente ou da necessidade da pena.

Como muito bem se escreve no Ac. do S.T.J. de 11-06-2003 (in www.dgsi.pt), “a essência da distinção entre os tipos fundamental e privilegiado reverte, assim, ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), mediada por um conjunto de circunstâncias objetivas que se revelem em concreto, e que devam ser conjuntamente valoradas por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão (rectius, para a revelação externa) quanto à existência da considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental, cuja gravidade bem evidente está traduzida na moldura das penas que lhe corresponde."

Conforme salienta Maria João Antunes (in “Decisões de Tribunais de Primeira Instância, Comentários”, 1993, pág. 296), o artigo 25º do D.L. nº 15/93, de 22/01, “exige do intérprete, fundamentalmente, que equacione se a imagem global do facto se enquadra ou não dentro dos limites das molduras fixadas nos artigos 21º e 22º, sob pena de a reação criminal ser, à partida, desproporcionada”. Mais adianta que o legislador “consagrou para o efeito o critério da diminuição considerável da ilicitude do facto, adotando a denominada técnica dos exemplos padrão, uma vez que só exemplificativamente fornece o substrato a partir do qual se poderá concluir por aquela diminuição”. Finaliza esta mesma autora, dizendo que isto significa duas coisas fundamentais: “por um lado, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações são meramente indiciadores da consideravelmente diminuída ilicitude do facto; por outro, não sendo a enumeração esgotante, mas só exemplificativa, o tribunal pode concluir que a ilicitude do facto se mostra consideravelmente diminuída, apesar do substrato que funda esta conclusão ser alheio à enumeração prevista no artigo 25º”.

Aplicando os anteriores considerandos ao caso destes autos, há que atender aos seguintes elementos (com relevo para a decisão da questão que nos vem colocada neste ponto do recurso):

- A natureza das substâncias estupefacientes em causa (heroína e cocaína), que integram o elenco das denominadas drogas duras, potenciadoras de graves lesões para a saúde dos potenciais consumidores.

- O relativamente alargado período de tempo em que os arguidos procederam à venda a terceiros desses mesmos produtos (tal ocorreu, pelo menos, durante cerca de 6 meses - desde outubro de 2016 até à detenção dos arguidos, em março de 2017 -).

- A utilização de telemóveis e de veículos automóveis, por parte dos arguidos, visando a concretização do “negócio” da venda de produtos estupefacientes em causa.

- A circunstância, que ressalta (quanto a nós) da factualidade dada como provada no acórdão revidendo sobre as condições de vida dos arguidos, de os mesmos não trabalharem, pelo menos regularmente, nem terem modo de sustento lícito e visível, sendo assim de presumir, legitimamente, que era da atividade do tráfico de estupefacientes que os arguidos, no essencial, subsistiam.

Sopesados todos estes elementos, na sua globalidade complexiva, não podemos configurar a conduta dos arguidos como a de “vulgares” “traficantes de rua” (com o devido respeito pela opinião contrária, expressa nas motivações dos recursos), ou seja, e por palavras de claro conteúdo jurídico-penal, não podemos considerar que exista, in casu, uma diminuição considerável da ilicitude do facto. Bem ao contrário: os elementos de facto acima elencados evidenciam uma ilicitude de acentuado relevo, de todo incompatível com o considerável menor grau de ilicitude subjacente ao crime de tráfico previsto no artigo 25º do D.L. nº 15/93, de 22/01.

O que privilegia este crime é a diminuição sensível, ponderosa, considerável, da ilicitude, o que, em nosso entender, e manifestamente, não se verifica no caso sub judice.

Em suma: a avaliação da conduta dos arguidos, olhada no contexto global em que os arguidos atuaram, não revela uma projeção menor de ilicitude em grau suficiente para que possamos concluir que tal ilicitude está consideravelmente diminuída.

Os factos dados como provados no acórdão revidendo preenchem, assim, a previsão do artigo 21º, nº 1, do D.L. nº 15/93, e não a previsão do tipo privilegiado do artigo 25º do mesmo diploma legal.

Pelo exposto, é de improceder a pretensão dos recorrentes de integração das respetivas condutas no tipo privilegiado do artigo 25º do D.L. nº 15/93, de 22/01.

Em conformidade, e neste ponto (qualificação jurídica dos factos), todos os recursos (que foram interpostos do acórdão condenatório) são de improceder.

f) Da medida concreta das penas.
Discutem os recorrentes (todos eles) a medida concreta das penas que lhes foram aplicadas pelo cometimento do crime de tráfico de estupefacientes em causa, considerando-as excessivas.

Há que decidir.

O crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22/01, é punível com pena de 4 a 12 anos de prisão.

Preceitua o artigo 40º do Código Penal que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (nº 1), sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº 2).

O artigo 71º do mesmo diploma estipula, por outro lado, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (nº 1), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra esse mesmo agente (nº 2 do mesmo dispositivo).

Dito de uma outra forma: a função primordial de uma pena, sem embargo dos aspetos decorrentes de uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos.

O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da medida da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham.

O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa proteção dos bens jurídicos.

Dentro destes dois limites, situar-se-á o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.

Conforme muito bem se escreve no Ac. do S.T.J. de 29-05-2008 (in www.dgsi.pt), a pena assume “um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição qua tale da culpa; a avaliação da culpa do agente fica ao serviço, fundamentalmente, de propósitos garantísticos e no interesse do arguido. A doutrina vem defendendo que, se as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade, então, o processo de determinação da pena concreta a aplicar refletirá, de um modo geral, a seguinte lógica: a partir da moldura penal abstrata procurar-se-á encontrar uma submoldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e como limite inferior, o quantum abaixo do qual “já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 229); será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão atuar os pontos de vista da reinserção social; quanto à culpa, para além de suporte axiológico-normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar”.

A moldura penal abstrata do crime praticado pelos arguidos/recorrentes é, como já se deixou dito, pena de prisão de 4 a 12 anos.

No caso vertente há que ter em conta, em primeiro lugar, que os crimes de tráfico de estupefacientes têm grande repercussão social e trazem sempre consigo efeitos nefastos para a sociedade.

Depois, e no caso concreto:
- Os arguidos, durante cerca de seis meses, procederam à venda de produtos estupefacientes (heroína e cocaína) tidos como dos mais nefastos para a saúde dos eventuais consumidores.

- Os arguidos não possuem antecedentes criminais pela comissão de crimes de igual natureza.

- As condições de vida dos arguidos (dadas como provadas no acórdão sub judice) levam-nos à conclusão de serem elevadas as necessidades de prevenção especial.

- O dolo subjacente à prática dos factos reveste a sua modalidade mais grave (dolo direto) e é intenso.

- Neste tipo legal de crime (tráfico de estupefacientes), as finalidades de prevenção geral impõem-se com particular acuidade, pela forte ressonância negativa, na consciência social, das atividades que o consubstanciam, conhecendo a comunidade as gravíssimas consequências que resultam do tráfico (e do consumo a ele associado) de produtos estupefacientes, particularmente das chamadas “drogas duras”.

- A favor dos arguidos, neste caso concreto, verifica-se que não estamos perante uma conduta (uma atividade de tráfico) especialmente danosa, atendendo às quantidades vendidas, às pessoas a quem essas vendas foram efetuadas (foram apenas identificadas relativamente poucas pessoas a quem os arguidos venderam os produtos estupefacientes em causa), e ainda às quantias em dinheiro pagas pelos consumidores.

- Não é possível, pois, fundadamente, afirmar que os arguidos visavam obter ganhos significativos (especialmente relevantes) decorrentes da atividade ilícita em discussão nestes autos.

Ponderando todos estes fatores, de forma conjugada e global, consideram-se inteiramente adequadas as penas aplicadas aos arguidos/recorrentes no acórdão sub judice (pelo cometimento do crime de tráfico de estupefacientes em questão).

Dito de outro modo: atendendo aos descritos fatores, e sopesando, com base neles, a medida da culpa e as exigências de prevenção, entendemos que as pretensões recursivas de aplicação aos arguidos de penas inferiores (dentro de uma moldura penal abstrata que vai de 4 a 12 anos de prisão) são, manifestamente, de desatender, por tais pretensões não se mostrarem, minimamente, equilibradas e ajustadas.

A determinação da medida concreta das penas mostra-se, pois, corretamente efetuada no acórdão revidendo, onde os ora recorrentes foram condenados da forma seguinte:

- O arguido GV na pena de sete (7) anos de prisão.
- O arguido RC na pena de seis (6) anos de prisão.
- O arguido LC na pena de seis (6) anos e seis (6) meses de prisão.
- O arguido LS na pena de seis (6) anos de prisão.
- O arguido AP na pena de seis (6) anos de prisão.

E tal determinação da medida concreta das penas, relativamente a cada um dos diferentes arguidos/recorrentes, foi devidamente explicada e explicitada no acórdão recorrido, nos seguintes termos (que, no essencial, subscrevemos):

Relativamente ao arguido GV cumpre ter em conta as seguintes circunstâncias: a inserção familiar e social; a ausência de antecedentes criminais de natureza idêntica ao crime em causa nestes autos; a natureza das drogas traficadas, que são pesadas; as necessidades de prevenção especial, que se revelam medianas em face da ausência de antecedentes criminais de idêntica natureza, devendo considerar-se, no entanto, que o facto de o arguido não ter uma atividade profissional fixa poderá contribuir para que recorra mais facilmente ao tráfico de estupefacientes como fonte de rendimento, facto que impede que se faça um juízo de prognose totalmente positivo no sentido de se concluir que o mesmo não voltará a cometer ilícito idêntico; o modo de execução do crime praticado que não revela grande preparação técnica, sendo no entanto de salientar que no tráfico efetuado recorreu a intermediários, embora com a utilização de logística relativamente rudimentar; a gravidade das consequências que, no caso concreto, se considera elevada, considerando, por um lado, o período de tempo em que o arguido se dedicou ao tráfico - cerca de seis meses -, mas também ao número de toxicodependentes que se apurou serem seus clientes; a gravidade do ilícito praticado que, no caso concreto, é de grau mediano, considerando a quantidade de situações concretamente apuradas; a intensidade do dolo do arguido, que no caso em apreço é mediano, porquanto direto; as necessidades de prevenção geral deste tipo de comportamentos, que se impõem com particular acuidade, pela forte ressonância negativa. Em face dos fatores e das considerações descritos, entende-se ser adequada e suficiente a aplicação ao ora arguido GV da pena de sete (7) anos de prisão.

Relativamente ao arguido RC cumpre ter em conta as seguintes circunstâncias: a inserção familiar e social; a ausência de antecedentes criminais de natureza idêntica ao crime em causa nestes autos; a natureza das drogas traficadas, que são pesadas; as necessidades de prevenção especial, que se revelam medianas, em face da ausência de antecedentes criminais de idêntica natureza, devendo considerar-se no entanto que o facto de o arguido não ter uma atividade profissional fixa poderá contribuir para que recorra mais facilmente ao tráfico de estupefacientes como fonte de rendimento, facto que impede que se faça um juízo de prognose totalmente positivo no sentido de se concluir que o mesmo não voltará a cometer ilícito idêntico; o modo de execução do crime praticado que não revela grande preparação técnica, sendo o tráfico efetuado sem recurso a intermediários e com utilização de logística relativamente rudimentar; a gravidade das consequências que, no caso concreto, se considera mediana, considerando o período de tempo em que o arguido se dedicou ao tráfico; a gravidade do ilícito praticado, no caso concreto, considerado número concreto de vendas apuradas; a intensidade do dolo do arguido, que no caso em apreço é mediano, porquanto direto; as necessidades de prevenção geral deste tipo de comportamentos, que se impõem com particular acuidade, pela forte ressonância negativa. Em face dos fatores e das considerações descritos, entende-se ser adequada e suficiente a aplicação ao ora arguido RC da pena de seis (6) anos de prisão.

Relativamente ao arguido LC cumpre ter em conta as seguintes circunstâncias: a inserção familiar e social; a colaboração demonstrada pelo arguido com vista ao esclarecimento dos factos, demonstrada pelo facto do mesmo ter prestado declarações em sede de 1º interrogatório judicial, o que demonstra uma consciência da ilicitude relativamente aos mesmos; a ausência de antecedentes criminais; a natureza da droga traficada - heroína - que é uma droga pesada; as necessidades de prevenção especial, que se revelam medianas, em face da ausência de antecedentes criminais e a assunção dos factos em sede de 1º interrogatório, devendo considerar-se no entanto que o facto de o arguido ser consumidor e não ter uma atividade laboral fixa impede que se faça um juízo de prognose totalmente positivo no sentido de se concluir que o mesmo não voltará a cometer ilícito idêntico; o modo de execução do crime praticado que não revela grande preparação técnica, sendo o tráfico efetuado sem recurso a intermediários e com utilização de logística relativamente rudimentar; a gravidade das consequências que, no caso concreto, se considera elevada, considerando, por um lado, não só o período de tempo elevado em que o arguido se dedicou ao tráfico, mas também o tipo de consumidores em causa, bem como a quantidade de droga que tinha na sua posse; a intensidade do dolo do arguido, que no caso em apreço é mediano, porquanto direto; as necessidades de prevenção geral deste tipo de comportamentos, que se impõem com particular acuidade, pela forte ressonância negativa. Em face dos fatores e das considerações descritos, entende-se ser adequada e suficiente a aplicação ao ora arguido LC da pena seis (6) anos e seis (6) meses de prisão.

Relativamente ao arguido LS cumpre ter em conta as seguintes circunstâncias: a ausência de antecedentes criminais; a sua inserção familiar e social; a colaboração demonstrada pelo arguido com vista ao esclarecimento dos factos, demonstrada pelo facto de o mesmo ter prestado declarações em sede de 1º interrogatório judicial, o que demonstra uma consciência da ilicitude relativamente aos mesmos; a natureza da droga traficada, que é uma droga pesada; o modo de execução do crime praticado que não revela grande preparação técnica; a gravidade das consequências que, no caso concreto, se considera mediana, considerando, por um lado, não só o período de tempo em que o arguido se dedicou ao tráfico, mas também o tipo de consumidores em causa, assim como a quantidade de droga que tinha na sua posse; a intensidade do dolo do arguido, que no caso em apreço é mediano, porquanto direto; as necessidades de prevenção especial, que se revelam medianas, em face da ausência de antecedentes criminais e a assunção dos factos em sede de 1º interrogatório, devendo considerar-se no entanto que o facto de o arguido ser consumidor e não ter uma atividade laboral fixa impede que se faça um juízo de prognose totalmente positivo no sentido de se concluir que o mesmo não voltará a cometer ilícito idêntico; as necessidades de prevenção geral deste tipo de comportamentos, que se impõem com particular acuidade, pela forte ressonância negativa. Em face dos fatores e das considerações descritos, entende-se ser adequada e suficiente a aplicação ao ora arguido LS da pena de seis (6) anos de prisão.

Relativamente ao arguido AP cumpre ter em conta as seguintes circunstâncias: a ausência de antecedentes criminais idênticos ao crime em causa nestes autos; a natureza da droga traficada, que é uma droga pesada; o modo de execução do crime praticado que não revela grande preparação técnica; a gravidade das consequências que, no caso concreto, se considera mediana, considerando, por um lado, não só o período de tempo em que o arguido se dedicou ao tráfico, mas também o tipo de consumidores em causa; a intensidade do dolo do arguido, que no caso em apreço é mediano, porquanto direto; as necessidades de prevenção especial, que se revelam medianas, em face da ausência de antecedentes criminais, devendo considerar-se no entanto que o facto de o arguido ser consumidor e não ter uma atividade laboral fixa impede que se faça um juízo de prognose totalmente positivo no sentido de se concluir que o mesmo não voltará a cometer ilícito idêntico; as necessidades de prevenção geral deste tipo de comportamentos, que se impõem com particular acuidade, pela forte ressonância negativa. Em face dos fatores e das considerações descritos, entende-se ser adequada e suficiente a aplicação ao ora arguido AP da pena de seis (6) anos de prisão”.

Face ao predito, e em toda esta vertente, os recursos não merecem provimento, sendo de manter as medidas concretas das penas de prisão fixadas em primeira instância (todas elas situadas entre os 06 e os 07 anos de prisão).

g) Da suspensão da execução das penas.

Todos os arguidos/recorrentes pugnam pela suspensão da execução das penas de prisão a aplicar.

Há que decidir.

Nos termos do disposto no artigo 50º, nº 1, do Código Penal, “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Ou seja, no caso dos autos, as penas aplicadas aos recorrentes não admitem a ponderação da sua suspensão.

Com efeito, os recorrentes vão condenados em penas fixadas entre os 06 e os 07 anos de prisão, excedendo, assim, o limite máximo de 05 anos imposto pelo transcrito artigo 50º, nº 1, do Código Penal.

Por conseguinte, as penas de prisão aplicadas aos recorrentes têm de ser de execução efetiva.

Nesta medida, e também neste segmento, os recursos não merecem provimento.

h) Da perda a favor do Estado dos bens apreendidos.
Alega o arguido RC que a decisão de declaração de perdimento a favor do Estado dos bens a si apreendidos está infundamentada e é ilegal.

Cumpre decidir.

Em primeiro lugar, e com o devido respeito, carece de sentido a alegação segundo a qual o acórdão revidendo, nesta parte (perda de objetos a favor do Estado), não está fundamentado.

Com efeito, sob a epígrafe “Dos objetos apreendidos”, escreve-se no acórdão recorrido: “compulsados os autos constata-se que se encontram apreendidos nos autos diversos objetos, nomeadamente aos arguidos GV, LC, RC, IC, JS, AP e LS, constantes dos respetivos autos de apreensão. Da regra geral consagrada nos artigos 109º do Código Penal e 186º do Código de Processo Penal resulta que devem ser declarados perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos. Tal deverá ocorrer ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto. Já os objetos que não mereçam ser declarados perdidos e cuja apreensão para efeitos de prova se torne desnecessária devem ser restituídos a quem de direito. Nessa conformidade, tendo em conta que todos os objetos apreendidos aos arguidos GV, RC, LC, LS e AP serviram à prática do crime pelo qual os arguidos vão condenados ou foram resultado da prática desse ilícito, tal como o dinheiro, importa determinar o perdimento a favor do Estado. O dinheiro apreendido deverá reverter para o Estado nos termos do citado artigo 39º. No que tange à arma apreendida ao arguido IC atento que a sua posse por si só constitui crime, deverá a mesma ser declarada perdida a favor do Estado, em obediência à citada disposição legal. No que diz respeito aos demais bens apreendidos aos arguidos IC e JS, deverão os mesmos ser-lhes devolvidos, devendo efetuar-se após o trânsito em julgado a notificação prevista no artigo 186º, nº 3, do Código de Processo Penal”.

Em suma: no acórdão revidendo está fundamentada, claramente, a declaração de perda dos objetos a favor do Estado.

Em segundo lugar, e sempre com o devido respeito, o recorrente RC não atentou ao disposto no artigo 35º do D.L. nº 15/93, de 22/01.

Senão vejamos.

Sob a epígrafe “perda de objetos”, estabelece o artigo 35º do D.L. nº 15/93, de 22/01:

1 - São declarados perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infração prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos.

2 - As plantas, substâncias e preparações incluídas nas tabelas I a IV são sempre declaradas perdidas a favor do Estado.

3 - O disposto nos números anteriores tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto”.

Assim, de harmonia com o disposto no nº 1 do transcrito normativo legal, são declarados perdidos a favor do Estado os “objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática” do crime em causa nos presentes autos (e cometido pelo arguido RC), bem como são declarados perdidos a favor do Estado os bens (por exemplo, o dinheiro) que “tiverem sido produzidos” pelo cometimento do crime em referência.

Desde logo, este preceito torna, pois, desnecessário (ao perdimento a favor do Estado) que os objetos representem qualquer perigo para a segurança das pessoas ou da ordem pública ou que representem riscos de utilização no cometimento de factos ilícitos típicos.

Isto é: basta, para decretar o perdimento de objetos e de quantias em dinheiro a favor do Estado, que os mesmos tenham sido utilizados (ou estivessem destinados a ser utilizados) na prática das infrações previstas no D.L. nº 15/93, de 22/01, ou tenham sido produzidos na sequência dessa mesma prática.

Depois, para o perdimento em análise, é exigível a existência de um nexo de instrumentalidade entre a utilização do objeto e a prática do crime, bem como a existência de um nexo de causalidade entre o cometimento do crime e a obtenção das quantias em dinheiro em questão.

É necessário, por conseguinte, que a relação do objeto com a prática do crime se revista de um carácter significativo, de um nexo evidente e próximo, de uma interdependência relevante, ou seja, é necessário que exista, entre o objeto e o crime, uma relação de causalidade adequada.

Por último, e a nosso ver, deve valer, também nesta sede, o princípio da proporcionalidade, significando aqui tal princípio que o perdimento a favor do Estado tem de ser equacionado com cotejo entre esse perdimento de objetos e a importância do facto delitivo, de modo a podermos afirmar que o perdimento não ultrapassa, de modo inaceitável, aquilo que é razoável (à luz da justa medida das coisas).

Revertendo ao caso destes autos, verifica-se que todos os bens apreendidos ao arguido RC, e que foram declarados perdidos a favor do Estado, ou serviram para a prática do crime pelo qual esse arguido vem condenado, ou foram produto da prática de tal crime.

Por isso, e ao abrigo da citada disposição legal (artigo 35º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22/01), tais bens tinham de ser declarados pedidos a favor do Estado, como o foram, e bem, no acórdão sub judice.

Por outro lado, não vislumbramos (nem o recorrente RC o alega) que, nessa declaração de perdimento a favor do Estado, tenha sido violado o aludido princípio da proporcionalidade, isto é, o perdimento decretado pelo tribunal a quo não ultrapassa, de modo inaceitável, aquilo que é razoável, justo e equilibrado.

Em face do que vem de dizer-se, é de manter a declaração de perda a favor do Estado operada no acórdão revidendo.

Em conclusão: também nesta última vertente o recurso do arguido RC é de improceder.
*
Em jeito de síntese de tudo o que ficou dito (relativamente a todos os recursos interpostos):

1º - São totalmente de improceder os dois recursos interlocutórios interpostos pelos arguidos RC e AV.

2º - São totalmente de improceder os cinco recursos interpostos do acórdão condenatório, sendo, assim, de manter, em toda a sua plenitude, o decidido em tal acórdão.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

a) Negar provimento aos recursos interlocutórios interpostos pelos arguidos RC e AV.

b) Negar provimento aos recursos interpostos da decisão final, mantendo-se integralmente o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs.

Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 12 de março de 2019

___________________________
(João Manuel Monteiro Amaro)

___________________________
(Laura Goulart Maurício)