Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
127/10.0TBRMZ-A.E1
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA
PRESTAÇÃO DE CONTAS
Data do Acordão: 06/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Nos termos do disposto nos artigos 2079.º e n.º 1 do artigo 2093.º do Código Civil, ao cabeça-de-casal incumbe a prestação de contas anual pela administração da herança até à sua liquidação e partilha.
Decisão Texto Integral: RECURSO Nº. 127/10.0TBRMZ-A.E1 – APELAÇÃO (REGUENGOS de MONSARAZ)


Acordam os juízes nesta Relação:


A Ré (…), residente na Av. (…), n.º 15, 5º-A, (…), Oeiras – habilitada no lugar da primitiva Ré (…), entretanto falecida em 24 de Novembro de 2014 (vide fls. 54 e o Apenso B) –, vem interpor recurso do douto despacho que foi proferido a 10 de Janeiro de 2017 (a fls. 74 a 75 dos autos), que a obriga a, “no prazo de vinte dias, apresentar as contas relativas à administração da herança aberta por óbito de (…), desde 31 de Outubro de 1994 até 25 de Novembro de 2011, sob pena de, não o fazendo, não lhe ser permitido contestar as que a autora venha a apresentar, e que serão julgadas segundo o prudente arbítrio do tribunal, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 943.º do Código de Processo Civil”, na presente acção de prestação de contas que lhe instaurara, no Tribunal Judicial da comarca de Reguengos de Monsaraz, a Autora (…), com residência na Rua (…), n.º 200, (…), Vila Nova de Gaia, por apenso aos autos de inventário facultativo que ali correu termos, por óbito do inventariado (…), ocorrido em 31 de Outubro de 1994 (e se mostra findo, conforme fls. 448 desses autos) – e com o fundamento aduzido no douto despacho recorrido de que “Nos termos do disposto nos artigos 2079.º e n.º 1 do artigo 2093.º do Código Civil, ao cabeça-de-casal incumbe a prestação de contas anual pela administração da herança até à sua liquidação e partilha” (pelo que “dúvidas não restam que sobre a ré – agora habilitada – impende a obrigação de prestar contas”) – ora intentando a sua revogação e terminando as alegações com as seguintes conclusões:

I – O despacho recorrido, impõe à Recorrente a prestação de contas de administração de herança, no período em que a falecida cabeça de casal, exerceu o cargo, até à alienação mental que a feriu.
II – Porém, a obrigação de prestar contas, é uma obrigação pessoal, não transmissível aos herdeiros, como é o caso da ora recorrente, da cabeça de casal removida.
III – Em todo o caso, mesmo perante a circunstância dos herdeiros da cabeça de casal removida, não terem de facto e de direito, qualquer janela de oportunidade, em ordem a tomar conhecimento ou a supervisionar essa administração da herança, certo é, que ainda em vida dela, cabeça de casal, lhe sucedeu no cargo, a Autora, nesta acção de prestação de contas.
III – Foi pois a Autora, nesta prestação de contas, quem de facto e de direito tomou conta das notícias e resultados da administração da herança, levada a cabo pela cabeça de casal removida.
IV – Logo, a Recorrente não tem a obrigação de prestar quaisquer contas, e pode ‘de jure’ invocar esta circunstância normativa na marcha do processo de prestação de contas.
V – É que a primitiva cabeça de casal, não pode em boa verdade ser citada por motivos de alienação mental médica: o curso da acção de prestação de contas, esteve interrompido e suspenso, não só, por esta circunstância, como pelo e durante o andamento do Incidente de Habilitação de Herdeiros, da primitiva cabeça de casal.
VI – Por consequência, o despacho recorrido, deve ser reformado, em ordem a não impor à ora recorrente a prestação das contas: no limite, para lhe ser concedido prazo de contestação e defesa, de não lhe incumbir e ser titular da obrigação de as prestar.

A Autora (…) apresenta contra-alegações (a fls. 122 a 126 dos autos), para dizer, também em síntese, que não assiste razão à Apelante, pois que é a cabeça-de-casal obrigada a prestar contas da administração da herança, não tendo a primitiva Ré deixado de aceitar tal incumbência aquando da contestação que apresentou nos autos, só alegando que tinha dificuldades em fazê-lo. São, assim, termos, conclui, em que “deve ser negado provimento ao recurso e mantida a douta decisão recorrida”.

E nada obsta a que se decida, encontrando-se já devidamente resolvida a questão do efeito do recurso – que, recorde-se, a apelante requereu suspensivo, ao que a apelada se opôs expressamente, mas tendo-lhe o douto despacho de fls. 149 dos autos fixado esse efeito, e muito bem face ao que dispõe o artigo 942.º, n.º 4, in fine, do Código de Processo Civil (normativo legal a que, de resto, não atendeu qualquer das partes, mas que reza assim): “Da decisão proferida sobre a existência ou inexistência da obrigação de prestar contas cabe apelação, que sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo”.

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A matéria de facto necessária e suficiente para a decisão do pleito, nesta sede de recurso – relacionada, basicamente, com a tramitação do processo –, é a que consta do Relatório supra, para que agora se remete.
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Ora, a questão que demanda apreciação e decisão da parte deste Tribunal ad quem é a de saber se deverá ainda manter-se o douto despacho recorrido que declarou a obrigação da Ré/habilitada, agora Apelante, apresentar as contas da administração da herança entretanto partilhada no processo de que este constitui um apenso. É isso que hic et nunc está em causa, como se extrai das conclusões que vêm alinhadas no recurso apresentado, e acima transcritas.

Mas não cremos que assista razão à apelante na pretensão que deduziu na acção, e agora no recurso, salva naturalmente melhor opinião que a nossa, tendo a douta decisão da 1ª instância colocado e decidido bem a problemática que lhe foi suscitada na acção especial de prestação de contas, intentada na sequência do inventário por morte de … (que era, recorde-se, marido da primitiva Ré, …, e pai da Autora, …, não tendo parentesco com a Ré/habilitada, agora Apelante …, sobrinha e que herdou da referida … nos bens que esta havia herdado do mencionado …). E, agora, a filha do inventariado, Autora na acção, quer a prestação de contas da administração da herança do seu pai desde o seu decesso (a 31 de Outubro de 1994) até ao momento em que a sua viúva, a primitiva Ré, … deixou de assumir as funções de cabeça-de-casal por incapacidade física (a 25 de Novembro de 2011). E a douta decisão recorrida deferiu, e muito bem, tal pretensão.
Pois que, como nela se exarou lapidarmente, “Nos termos do disposto nos artigos 2079.º e n.º 1 do artigo 2093.º do Código Civil, ao cabeça-de-casal incumbe a prestação de contas anual pela administração da herança até à sua liquidação e partilha”.
Consequentemente, em face da lei, nada há agora a censurar ao decidido.

As questões que a Apelante vem suscitar no recurso (e note-se que já as havia suscitado na própria habilitação de herdeiros apensa em que foi julgada habilitada e que foram decididas nesta Relação, com trânsito em julgado) são de um outro âmbito e não põem em causa a decisão de a obrigar a prestar as contas que é objecto do presente recurso.
Ela diz que não tinha que ‘herdar’ a obrigação de prestar contas.
Mas, tendo herdado, é certo, os bens da sua tia, ela não ‘herdou’ qualquer obrigação de prestar contas da administração da herança do marido desta.
Ela foi julgada habilitada para figurar no lugar da Ré, sua tia, na acção de prestação de contas, o que é uma coisa diametralmente diferente de ter herdado essa obrigação. Como se diz no douto acórdão desta Relação que a habilitou, no processo que está apenso a este, “Note-se que a decisão recorrida não atribuiu à habilitada a qualidade de ré na acção principal, sem mais; antes enunciou que a habilitada passa a intervir no processo na qualidade de herdeira de (…)”.

Depois, a dificuldade em prestar as contas – e aqui podê-la-á existir, pois decorreram muitos anos e desconhecemos o relacionamento entre tia e sobrinha, se era próximo, ou não – tal dificuldade não se confunde com a obrigação legal de prestar as contas. Esta obrigação mantém-se, haja ou não dificuldades na sua realização. Naturalmente, prestá-las-á como souber e puder – mas prestá-las-á.

Por último, não tem qualquer razão processual a pretensão – formulada já em sede de alegações de recurso – de que se deve revogar a decisão de a obrigar a prestar as contas, “no limite, para lhe ser concedido prazo de contestação e defesa, de não lhe incumbir e ser titular da obrigação de as prestar”.
Quando a visada foi julgada habilitada para continuar na acção no lugar da Ré, sua falecida tia, foi para “pegar” no processo no estado em que ele se achava, e não para ir repetir-se tudo, desde o princípio, em relação a si. Assim, a fase de contestação já tinha sido ultrapassada – tendo a Ré, de resto, exercido esse direito processual e contestado a acção, não para negar a obrigação de vir a prestar as contas da administração da herança do seu falecido marido, mas para estranhar que a Autora nunca tenha pedido essas contas antes, e deixando passar um lapso de tempo tão grande e para dizer que as não poderia prestar por razões de saúde. Tal obrigação – que é o pedido da acção – não foi, assim, contestada.

E, por isso, é que o douto despacho recorrido dizia:
Nos presentes autos de prestação de contas a R apresentou contestação. Porém, do teor da mesma conclui-se que não contesta a obrigação de prestar de contas, antes alegando, diferentemente, não se encontrar em condições de as prestar (artigo 12.º da contestação).
Não se encontra, pois, controvertida a obrigação de prestar contas pela ré, que foi admitida na contestação, tanto mais que esta admite ter exercido funções de cabeça-de-casal na herança aberta por óbito de (…), desde 31 de Outubro de 1994 até 25 de Novembro de 2011. (…)
Assim, dúvidas não restam que sobre a ré – agora habilitada – impende a obrigação de prestar contas. (…)
Não tendo a ré primitiva contestado a obrigação de apresentar contas, nos termos expostos, caberia à autora apresentá-las.
Porém, considerando a tramitação que os autos conheceram, nomeadamente designação de data para realização de diligência de produção de prova, a suspensão por falecimento da primitiva ré e posterior habilitação, ao abrigo do princípio da adequação formal (artigo 547.º do Código Processo Civil), antes do mais, notifique a ré habilitada para, no prazo de 20 dias, apresentar as contas relativas à administração da herança aberta por óbito de (…), desde 31 de Outubro de 1994 até 25 de Novembro de 2011, sob pena de, não o fazendo, não lhe ser permitido contestar as que a autora venha a apresentar, e serão julgadas segundo o prudente arbítrio do Tribunal, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 943.º do Código de Processo Civil”.

Daqui se retira que não é hora de abrir uma nova fase de contestação para a Ré/Habilitada/Apelante vir, ainda, pronunciar-se sobre o pedido de prestação de contas que foi formulado na acção. Essa fase está ultrapassada e reconhece-se que o direito de apresentar as contas já estava devolvido à Autora – apenas se não tendo seguido esse caminho (e bem, pelas razões aí expostas, e com o que a Autora também concordou, pois que não recorreu) para dar à Ré/habilitada uma nova hipótese de as prestar, dada a sua chamada tardia à acção. Mas já não para se discutir de novo a obrigação de as prestar, que essa estava aceite no processo.

Razões pelas quais, nesse enquadramento fáctico e jurídico, se terá agora que manter, intacta na ordem jurídica, a douta decisão da 1ª instância que assim optou e improcedendo o presente recurso de Apelação.
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Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar o douto despacho recorrido.
Custas pela Apelante.
Registe e notifique.
Évora, 28 de Junho de 2017
Mário João Canelas Brás
Jaime de Castro Pestana
José Francisco de Matos