Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2137/15.2T8TMR.E1
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: COMISSÃO DE SERVIÇO
FORMALIDADES AD SUBSTANTIAM
RETRIBUIÇÃO
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
Data do Acordão: 03/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: REVOGADA
Sumário: I – A “comissão de serviço” possibilita a atribuição ao trabalhador de certas funções a título reversível, ou seja, sem que se produza o efeito estabilizador da aquisição da categoria em conformidade com o chamado princípio da irreversibilidade;
II – Porém, o contrato para exercício de cargo ou funções em comissão de serviço está sujeito a forma escrita, formalidade ad substantiam, pelo que a sua inobservância não pode ser suprida por outro meio;
III – Em conformidade com a proposição anterior, não tendo entre as partes sido celebrado por escrito qualquer acordo de comissão de serviço é de concluir que a trabalhadora adquiriu o direito à categoria correspondente às funções que vinha exercendo alegadamente sob aquela característica;
IV – Em consequência, não podia o empregador retirar à trabalhadora tal categoria, bem como a retribuição correspondente, a qual inclui as prestações, constantes, que lhe eram pagas por virtude do exercício das funções em causa.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2137/15.1T8TMR.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
BB (Autora/recorrente) intentou na Comarca de Santarém (Tomar – Inst. Central – 2.ª Secção do Trabalho – J2) a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra CC (Réu/recorrido), pedindo:
a) que se reconheça o seu direito à categoria profissional de Directora Técnica e Directora Executiva Adjunta a título definitivo, e não em regime de comissão de serviço;
b) que se reconheça que o valor da retribuição que lhe é efectivamente devida pelo exercício de tais funções totaliza a quantia de € 2.783,06, que não poderá ser unilateralmente reduzida pelo Réu;
c) tendo em consideração a reestruturação operada pelo Réu, que se reconheça o seu direito (dela, Autora) a ser colocada numa categoria profissional na nova estrutura compatível com a sua posição hierárquica no Réu (Directora de Serviços de Respostas Sociais e dos Serviços de Gestão);
d) que se declare ilegal a sua despromoção, bem como a redução da sua retribuição;
e) que se declare ilegal a alteração do seu horário de trabalho, condenando o Réu a manter o anterior horário de trabalho;
f) que se condene o Réu no pagamento de todas as diferenças salariais que lhe sejam devidas;
g) que se condene o Réu a ressarci-la de todos os prejuízos que possa sofrer em virtude da redução ilícita da retribuição, nomeadamente no pagamento da diferença do valor do subsídio de doença e outros que lhe venham a ser pagos pela segurança social com base nas remunerações de declarações que venham a ser apresentadas pelo Réu.
Alegou para o efeito, muito em síntese, que foi admitida ao serviço do Réu em 12 de Fevereiro de 1993, para exercer as funções de fisioterapeuta, que o vínculo laboral sofreu diversas alterações no conteúdo funcional, sendo que em Janeiro de 2007 o Réu a promoveu à categoria de Directora Técnica e em Julho de 2015 exercia simultaneamente as funções correspondentes a essa categoria e de Directora Executiva Adjunta, cumulando, por isso, essas duas categorias profissionais: todavia, a partir dessa data, sem o seu consentimento, o Réu alterou-lhe as funções e categoria profissional, a retribuição, o horário de trabalho, bem como outras condições de trabalho.
Além disso, procedeu a diversas divulgações em que pôs em causa o seu (dela, Autora) bom nome e imagem, o que levou a que se sentisse humilhada, triste e deprimida, assim se justificando uma indemnização por danos não patrimoniais em valor não inferior a € 5.000,00.
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Tendo-se procedido à audiência de partes e não se tendo logrado obter o acordo das mesmas, contestou o Réu, alegando, também muito em síntese, que os cargos que a Autora exerceu ao longo dos anos foram-lhe atribuídos por convite da direcção, que esses cargos deixaram entretanto de existir e que por estarem em causa cargos de confiança e de natureza transitória poderia pôr-lhes termo, tal como sucedeu não só em relação à Autora mas também em relação a outros trabalhadores seus que desempenhavam cargos de direcção e confiança.
Negou que tivesse procedido à redução da retribuição da Autora, designadamente por virtude da cessação da isenção de horário de trabalho, uma vez que esta só era válida por um ano, renovando-se automaticamente por igual período caso nenhuma das partes denunciasse esse acordo, sendo que (o Réu) comunicou a Autora a denúncia de tal acordo, assim impedindo a renovação.
Quanto ao horário de trabalho, sustentou que nada tendo sido acordado nessa matéria, competia-lhe como empregador fixar o mesmo; e quanto à alegada alteração das condições de trabalho, tendo a Autora deixado de exercer o cargo de Directora Executiva Adjunta, foi-lhe atribuído outro gabinete, que oferece as condições necessárias e adequadas ao exercício das funções de fisioterapeuta que a Autora passou a desempenhar.
Finalmente, quanto aos alegados danos não patrimoniais da Autora, limitou-se a dar conhecimento da existência do procedimento de inquérito prévio a “nível institucional”, designadamente à Assembleia Geral, sem mencionar o nome dos visados, assim concluindo pela inexistência de fundamento para o pedido indemnizatório formulado pela Autora.
Pugnou, por consequência, pela improcedência da acção.
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Foi dispensada a audiência a que alude o artigo 62.º do CPT, fixado valor à causa (€ 30.000,01), elaborado despacho saneador stricto sensu, consignados os factos assentes e dispensada a fixação da base instrutória.
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No prosseguimento dos autos, procedeu-se a audiência de julgamento, respondeu-se à matéria de facto, e em 20-06-2016 foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, sendo a parte decisória do seguinte teor:
«Nos termos de facto e de direito expostos julgo a presente ação parcialmente procedente por provada e consequentemente declaro de ilegal a alteração de horário de trabalho imposta à Autora BB e consequentemente condeno o Réu CC, a repor-lhe o anterior horário de trabalho e mais condeno o Réu no pagamento à Autora da quantia de €2.500,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais».

Inconformada com o assim decidido, a Autora interpôs recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões:
«1. Não andou bem a sentença sob crítica no que respeita às seguintes decisões que correspondem às questões fulcrais apreciadas na presente acção:
.O reconhecimento definitivo da categoria profissional atribuída à ora Recorrente de Directora Técnica e Directora Executiva Adjunta;
. Atenta a nova estrutura orgânica do Réu, ora Recorrida, o reconhecimento do direito da Autora, ora Recorrente, de ser colocada como Directora dos Serviços de Respostas Sociais e dos Serviços de Gestão;
. O reconhecimento do valor da retribuição devida à Autora, ora Recorrente, pelo exercício das suas funções, que totaliza € 2.783,06 (dois mil setecentos e oitenta e três euros e seis cêntimos);
. Da ilegalidade da despromoção da Autora, ora Recorrente, bem como da redução do seu vencimento;
. Dos prejuízos sofridos pela Autora em virtude da redução da sua retribuição.
2. Desde logo deveria ter sido reconhecido a atribuição à ora Recorrente a título definitivo da categoria profissional de Directora Técnica e Directora Executiva Adjunta.
3. Como referido na própria sentença, resultou provado que a Recorrente passou a desempenhar cargos de chefia e que a partir de Outubro de 2014 passou a exercer o cargo de Directora Executiva Adjunta juntamente com o de Directora do Centro de Recursos para a Inclusão Técnica.
4. Também é mencionado de forma expressa na sentença que a Recorrente “não celebrou qualquer contrato de comissão de serviço com o Reu”.
5. Sendo certo que a Recorrente foi convidada para exercer estes cargos ao longo dos anos “face ao seu perfil, as suas capacidades, conhecimentos e competência para os desempenhar, por mérito e empenho da Autora e são reveladores do grau de confiança que a Ré depositava na Autora”– pontos 23, 25 e 26 da fundamentação de facto.
6. Sem prejuízo de os cargos acima referidos terem condições para serem exercidos em regime de comissão de serviços, a verdade é que a Recorrente e a Recorrida nunca celebraram um acordo deste teor ou com esta finalidade.
7. Aliás, nem sequer resultou provado que a Recorrente tenha sido designada para exercer este cargo por o mesmo pressupor um elevado grau de confiança; o que resultou, sim, provado é que os motivos pelos quais foram atribuídos estes cargos à Recorrente são reflexo da confiança que a Recorrida depositava na mesma, que são coisas diferentes.
8. De acordo com o princípio da correspondência entre a actividade exercida e a categoria/estatuto do trabalhador e do princípio constitucional de segurança no emprego deverá necessariamente concluir-se que a Recorrente exercia as funções de Directora Executiva Adjunta e de Directora Técnica com carácter definitivo.
9. Tratam-se de verdadeiros cargos – ponto 25 da fundamentação de facto – existentes na estrutura organizativa da Recorrida e o facto de não estarem previstos na CCT aplicável, celebrada entre o CNIS e a FNE, não significa que a Recorrente não tenha direito a ocupar os mesmos a título definitivo.
10. O facto de a Recorrida destituir os trabalhadores dos cargos de Directores Técnicos a seu bel-prazer, de forma unilateral e discricionária, não significa que esteja a actuar legal e validamente, de acordo com o sistema jus-laboral português.
11. Esta actuação contraria expressamente o regime previsto no art. 115.º do Código do Trabalho, segundo o qual a actividade do trabalhador é determinada por acordo das partes, e no art. 118.º do Código do Trabalho, segundo o qual o trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à actividade para que se encontra contratado, devendo o empregador atribuir-lhe, no âmbito da referida actividade, as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional.
12. A despromoção da Recorrida não pode, por isso, deixar de se considerar ilícita.
13. Por outro lado, no termos do disposto no art. 118.º do Código do Trabalho a mudança do trabalhador para categoria inferior àquela para que se encontra contratado pode ter lugar mediante acordo, com fundamento em necessidade premente da empresa ou do trabalhador, devendo ser autorizada pelo serviço com competência inspectiva do ministério responsável pela área laboral no caso de determinar diminuição da retribuição.
14. Também não foi isso que sucedeu, já que a Recorrente não deu qualquer acordo a estas alterações nas suas condições de trabalho.
15. Por fim, sempre se dirá que resulta expressamente do n.º 4 do art. 161.º do Código do Trabalho que não se considera em regime de comissão de serviço o contrato que não tenha a forma escrita.
16. A Recorrente e a Recorrida não celebraram, em nenhum momento, qualquer acordo de comissão de serviço, quer verbalmente, quer por escrito.
17. A redução a escrito corresponde a uma formalidade ad substanciam, pelo que nunca se poderá considerar que foi celebrado um acordo de comissão de serviço entre as partes.
18. Não resultou provado que a Recorrente tinha conhecimento de que estava a exercer estes cargos em regime de comissão de serviço, até porque este facto é falso.
19. Não resultou provado que a Recorrente tinha conhecimento que estes cargos eram de exercício temporário, até porque este facto é falso.
20. Não resultou provado que a Recorrente sabia que poderia ser destituída deste cargo a qualquer momento.
21. Era à Recorrida que competia ter provado estes factos, que no máximo poderiam ser considerados extintivos dos direitos da Recorrente (o que não se aceita), e nunca constitutivos dos mesmos.
22. Não era à Recorrente que competia provar que ocupava os cargos de Directora Técnica e de Directora Executiva Adjunta a título permanente/definitivo, já que este é o regime regra que resulta da lei.
23. O facto de se tratarem de cargos de chefia não implica, nem pode implicar, que os mesmos estão a ser exercidos a título temporário, ao abrigo do regime da comissão de serviço.
24. Por outro lado, o facto de isto já ter sucedido com outros de Directores Técnicos não significa que a actuação da Recorrida fosse legal, nem tão pouco que isso implicasse que o cargo de Directora Executiva Adjunta estivesse sujeito ao mesmo regime.
25. Por outro lado, sempre se dirá que os demais Directores Técnicos aceitaram esta decisão da Recorrida uma vez que foram de imediato reconduzidos nos mesmos cargos na mesma reunião da Direcção, realizada em 18 de Julho de 2015, cfr. Doc. 9 junto pela Recorrente com a petição inicial.
26. A Recorrida apenas procedeu a esta destituição para obter acordos de comissão de serviços escritos com todos os trabalhadores envolvidos -cfr. ponto 5 da alínea B) da acta referida no ponto anterior.
27. Refira-se ainda que no caso dos Directores Técnicos o acréscimo retributivo era significativamente inferior e que a continuidade do mesmo foi assegurada pela Direcção -cfr. ponto 5 da alínea B) da acima referida acta, de acordo com o qual os trabalhadores passaram a ser remunerados pelo nível remuneratório superior ao praticado.
28. Posto o acima referido, é fácil compreender por que motivo os demais Directores Técnicos, ao contrário da Recorrente, aceitaram a decisão da nova Direcção da Recorrida.
29. Atenta a nova estrutura orgânica do Réu, ora Recorrida, deverá ser reconhecido o direito da Autora, ora Recorrente, de ser colocada como Directora dos Serviços de Respostas Sociais e dos Serviços de Gestão.
30. Esta é a consequência legal que resulta dos arts. 115.º, 118.º e 119.º, todos do Código do Trabalho.
31. Uma vez que o técnico DD, nomeado Director dos Serviços de Respostas Sociais e dos Serviços de Gestão, ocupava o cargo de Director Técnico do Rendimento Social de Inserção, o mesmo não só não exercia funções de gestão, como ocupava uma posição na estrutura da Recorrida hierarquicamente inferior à da Recorrente.
32. Assim sendo, deverá a Recorrida ser condenada a atribuir o cargo de Directora dos serviços de Respostas Sociais à Recorrente, por ser o único compatível com o seu perfil profissional e que não implica qualquer despromoção da mesma.
33. Mais ainda, deverá ser reconhecido o valor da retribuição devida à Recorrente, a qual se encontra sujeita ao princípio da irredutibilidade da retribuição, uma vez que resultou provado que o recebimento do mesmo não estava dependente da realização de quaisquer deslocações -ponto 38 da fundamentação de facto.
34. Sendo as funções de direcção atribuídas à Recorrente exercidas a título permanente e não estando o recebimento da compensação, ajudas de custo ou subsídio de transporte dependentes da verificação de qualquer condição adicional, não poderá a Recorrida unilateralmente reduzir a retribuição mensal da Recorrente em € 1.037,58 (mil e trinta e sete euros e cinquenta e oito cêntimos).
35. Sendo esta decisão totalmente ilegal, deverá a Recorrida ser condenada a pagar a retribuição devida à Recorrente, € 2.783,06 (dois mil setecentos e oitenta e três euros e seis cêntimos).
36. Este pagamento deverá ser efectuado com efeitos retroactivos, i.e., desde a data em que a Recorrida unilateralmente decidiu deixar de pagar o valor legalmente devido à Recorrente.
37. Nestes termos, deverá a Recorrente ser devidamente ressarcida de todos os prejuízos que sofreu com a redução ilícita da sua retribuição.
Termos em que, deverá ser concedido total provimento ao presente recurso, julgando-se procedentes a impugnação de Direito, assim se fazendo JUSTIÇA!»

Contra-alegou a recorrida, a pugnar pela improcedência do recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I. A Sentença recorrida não merece qualquer reparo;
II. O Douto Tribunal a quo fez uma correta interpretação e aplicação do direito.
III. As funções de Diretora Técnica e de Diretora Executiva Adjunta, consubstanciam cargos de chefia, e não categorias profissionais.
IV. Tais funções não estão previstas no descritivo de qualquer categoria profissional da CCT aplicável (Contrato coletivo celebrado entre a CNIS -Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade e a FNE -Federação Nacional da Educação e outros, publicado no BTE, n.º 6 Vol. 79 de 15 de Fevereiro de 2012), no entanto, prendem-se com cargos de chefia exercidos no regime de comissão de serviço (cláusula 23.º CCT, art.º 161.º Código do Trabalho).
V. O regime da comissão de serviço pressupõe um exercício temporário de funções que prevejam uma especial relação de confiança existente entre o empregador e o trabalhador, confiança essa que, ao quebrar-se, não justifica a manutenção do trabalhador no desempenho de tais funções.
VI. A ora Recorrente foi convidada para exercer o cargo de Diretora Técnica e Diretora Executiva Adjunta pela anterior Direcção Estatutária do Recorrido, convite esse que só poderia ser feito com base, não somente no nas capacidades, conhecimento, mérito e empenho da Recorrente, mas sempre numa relação especial de confiança.
VII. Conforme bem afirma a Recorrente, tais circunstâncias foram reveladoras de uma relação de confiança entre a Recorrente e o Recorrido.
VIII. Não obstante, tal relação de confiança existiu com a anterior Direcção Estatutária do Recorrido.
IX. Razão pela qual, a nova Direcção Estatutária do Requerido tem toda a legitimidade para cessar as comissões de serviços dos trabalhadores que desempenhem funções de Direcção, com os quais não estabeleçam a relação de confiança exigida para a função daquele cargo, como aconteceu com a Recorrente.
X. A redução a escrito do contrato de comissão de serviço era dispensável, porquanto, os trabalhadores do Recorrido estavam conscientes do carácter temporário dos cargos de direção.
XI. Tanto assim sucedeu que, os mesmos conformaram-se com a decisão do Recorrido de os destituir daqueles cargos sem contestarem tal decisão, sendo disso exceção apenas a Recorrente.
XII. A declaração negocial emitida é válida, tendo a Recorrente pela por via daquela, passado a desempenhar as funções de Diretora Técnica da Intervenção Precoce e Centro de Recursos para a Inclusão e de Diretora Executiva Adjunta. Encontrando-se acauteladas todas as razões que guiam o legislador na imposição de uma determinada forma, à qual as partes não se quiseram submeter, por esclarecidas quanto, aqui no essencial, à precaridade do cargo.
XIII. Pelo que, a destituição da Recorrente dos cargos de chefia não pressupõe uma despromoção e desvalorização profissional.
XIV. A Recorrente foi contratada para exercer funções de Fisioterapeuta.
XV. Foi essa a Actividade acordada entre as partes aquando da elaboração do contrato, sendo que, a Recorrente foi contratada para exercer essas funções e não as funções de Diretora Técnica e de Diretora Executiva Adjunta.
XVI. A Recorrente não foi contratada para exercer as funções de Diretora Executiva Adjunta e de Diretora Técnica, assim como, que o Recorrido alterou uniteralmente as funções da Recorrente para uma categoria inferior.
XVII. Ora, olhando ao n.º 1 do artigo 118.º e ao artigo 119.º, ambos do Código do Trabalho, o Recorrido não alterou uniteralmente a categoria profissional da Recorrente, porquanto a mesma foi contratada para exercer funções de Fisioterapeuta, encontrando-se durante um período de tempo a exercer as funções de Diretora Técnica e de Diretora Executiva Adjunta, no âmbito do regime comissão de serviço.
XVIII. Daí que, após a cessação da comissão de serviço, a Recorrente passou novamente a exercer as funções para as quais foi contratada.
XIX. Razão pela qual, a Recorrente não foi despromovida pelo Recorrido, conforme tenta fazer crer o Douto Tribunal ad quem.
XX. Além disso, na Ata de Deliberação Extraordinária da Direcção da Recorrida realizada em 18 de Julho de 2015 (Doc. 9 junto à Petição Inicial), diferentes trabalhadores foram nomeados para os cargos ali indicados por se ter verificado com a nova Direcção Estatutária uma relação de confiança, relação essa imprescindível para o exercício de tais cargos, alguns já tendo desempenhado anteriormente cargos dessa natureza.
XXI. Sendo que, o facto de a nova Direcção Estatutária celebrar acordos de comissão de serviço com os trabalhadores supra mencionados, não invalida o facto de tais cargos já serem anteriormente exercidos no âmbito desse regime.
XXII. A nova Direcção Estatutária somente pretendeu obedecer ao requisito de forma legalmente exigido, o que anteriormente não era posto em prática pela anterior Direcção.
XXIII. As funções de Diretora Técnica e Diretora Executiva Adjunta foram exercidas temporariamente no âmbito do regime de comissão de serviço, assim como, não consubstanciam categorias profissionais.
XXIV. Não é de aplicar, nesta situação, o regime previsto nos artigos 115.º, 118.º e 119.º do Código do Trabalho, conforme invoca a Recorrente nas suas alegações.
XXV. Porquanto, de acordo com o já mencionado supra, a Recorrente foi contratada para exercer a Actividade de Fisioterapeuta.
XXVI. Para além disso, não é impeditivo da nomeação para o cargo de Diretor dos Serviços de Respostas Sociais do trabalhador José Carlos da Cruz Veríssimo, o facto de ter anteriormente o cargo de Diretor Técnico do Rendimento Social de Inserção e ocupado uma posição hierárquica inferior à da Recorrente.
Mais ainda,
XXVII. As quantias que a Recorrente auferia a título de subsídio de transporte, compensação e ajudas de custo, as quais consubstanciam a quantia total de € 1.037,58 (mil e trinta e sete euros e cinquenta e oito cêntimos), foram atribuídas no âmbito das funções que exercia enquanto Diretora Técnica e Diretora Executiva Adjunta.
XXVIII. Assim sendo, cessando a comissão de serviço inerente às funções de Diretora Técnica e Diretora Executiva Adjunta, tais quantias deixam de ser devidas.
XXIX. Desta forma, não foi violado o princípio da irredutibilidade da retribuição, porquanto não existiu qualquer redução da retribuição devida à Recorrente, pois que, esses montantes decorriam do exercício dos cargos de Direcção.
XXX. Por tudo o exposto, o Recorrido entende que andou bem o Douto Tribunal a quo na Douta Decisão.
Termos nos quais não deve ser dado provimento ao recurso,
E assim farão V. Exas. SÃ JUSTIÇA».

O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata e efeito meramente devolutivo.

Remetidos os autos a este tribunal, e aqui recebidos, neles a Exma.. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 87.º do CPT, no qual concluiu pela improcedência do recurso.
Ao referido parecer respondeu a recorrente, a manifestar a sua discordância e a reiterar que o recurso deve ser julgado procedente.

Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do CPC, com remessa de projecto de acórdão aos exmos. juízes desembargadores adjuntos, e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Objecto do recurso
Sabido como é que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), no caso e no essencial coloca-se à apreciação deste tribunal a questão de saber se dever ser reconhecido à Autora/recorrente:
1. a categoria profissional correspondente às tarefas de Directora Técnica e de Directora Executiva Adjunta, devendo face à nova estrutura orgânica do Réu ser colocada como Directora dos Serviços de Resposta Sociais e dos Serviços de Gestão;
2. o valor da retribuição de € 2.783,06 que auferia, tendo em conta aquelas funções e que o Réu lhe reduziu a retribuição quando a colocou no exercício das funções de fisioterapeuta.

III. Factos
A) A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade, que se aceita, por não vir impugnada nem se vislumbrar fundamento legal para a sua alteração:
1 - A Autora celebrou com o Réu um contrato de trabalho, inicialmente a termo certo, em 12 de Fevereiro de 1993, tendo sido contratada para exercer as funções de Fisioterapeuta (alínea A) dos factos assentes).
2 – O Réu é uma Instituição de Solidariedade Social (IPSS) (alínea B) dos factos assentes).
3 - A relação laboral estabelecida entre Autora e o Réu rege-se pelo Código do Trabalho e pelo contrato coletivo celebrado entre CNIS – Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade e a FNE – Federação Nacional da Educação e outros, publicado no BTE, n.º 6, vol. 79 de 15/02/2012 (alínea C) dos factos assentes).
4 - Da acta da reunião de Direção do Réu que teve lugar no dia 22 de janeiro de 2007, foi aprovada uma proposta de reafectação dos Técnicos Superiores da Instituição, passando a Autora a desempenhar as funções de Diretora Técnica afeta ao departamento da Intervenção Precoce (alínea D) dos factos assentes).
5 - Em 14 de Janeiro de 2009 a Direção do Réu deliberou nomear a Autora, para Coordenadora do Centro de Recursos para a Inclusão (alínea E) dos factos assentes).
6 - Em 15 de Maio de 2014, a Direção do Réu deliberou atribuir uma compensação ao vencimento dos trabalhadores com a categoria profissional de Diretores Técnicos/Gestores de Processo da Instituição, de valor equivalente a 10% da respetiva remuneração, não sendo esta compensação cumulável com qualquer outra, tendo os Diretores Técnicos/Gestores de Processo prescindindo do banco de horas e da remuneração de faltas justificadas não contempladas na Lei Geral do Trabalho (alínea F) dos factos assentes).
7 - Em 2 de Outubro de 2014 a Direção do Réu deliberou proceder a alterações no mapa de pessoal da Instituição, com efeitos a partir de 1 de setembro de 2014, passando a Autora a assumir funções de Diretora Executiva Adjunta e de Diretora do Centro de Recursos para a Inclusão (alínea G) dos factos assentes).
8 - Em 1 de Setembro de 2014 a Autora e o Réu celebraram um acordo de isenção de horário de trabalho com a duração de 1 ano, considerando-se automaticamente renovado por igual período, caso não seja denunciado por qualquer das partes com aviso prévio mínimo de 30 dias, do qual constava ainda a atribuição de um acréscimo de 20% do vencimento da Diretora Executiva (alínea H) dos factos assentes).
9 - Em abril de 2015, a A. auferia de vencimento base €1.661,48, de subsídio de refeição €4,27, por dia útil; de diuturnidades €84,00, de compensação €487,38, de subsídio de transporte €500,00, de isenção de horário de trabalho €487,38 e de ajudas de custo €50,20 (alínea I) dos factos assentes).
10 - Em 6 de Janeiro de 2015 foi eleita uma nova lista e os membros da Direção do Réu (alínea J) dos factos assentes).
11 - Em 18 de Julho de 2015, a Direção do R. deliberou cessar o regime de isenção de horário da Autora e na mesma altura decidiu proceder a uma “reorganização da estrutura orgânica da R., mormente no que se refere à existência e funções da Direção Executiva”. (alínea L) dos factos assentes).
12 - A Direção Executiva era composta pela Diretora Executiva, EE e a Diretora Executiva Adjunta, a ora aqui Autora (alínea M) dos factos assentes).
13 - Em 18 de julho de 2015, decidiu a Direção do R. que “…as funções ora no âmbito da Direção Executiva podem e devem ser realizadas, com vantagem, em dois cargos autónomos que coordenem e chefiem duas grandes áreas de serviço, que diferenciem e autonomizem funções, competências, responsabilidades”: os Serviços de Respostas Sociais e os Serviços de Gestão.
Nessa ocasião a Direção do Réu decidiu cessar unilateralmente as “comissões de serviço” dos membros da Direção Executiva, ou seja, da Autora, e determinou que esta regressasse “aos seus lugares de origem na instituição”.
Deliberou igualmente que terminar “todas as compensações, subsídios e outros, referidos em deliberações ou em prática, relativos e conexos com o exercício das funções referidas”.
Mais ainda, deliberou “considerar como findas as comissões de serviço decorrentes de anteriores nomeações e, consequentemente, destituir todo os atuais nomeados em exercício nas funções designadas de Direções Técnicas”, onde se inclui a Autora (alínea N) dos factos assentes).
14 - Na mesma ocasião a Direção do Réu nomeou a A. para o cargo de Coordenadora do Centro de Recursos para a Inclusão, através de “uma comissão de serviço pelo período de três anos”, determinando ainda a assinatura de um “contrato de comissão de serviço, entre a direção e os funcionários agora nomeados” (alínea O) dos factos assentes).
15 - Em 23 de Julho de 2015, o R. enviou por carta registada com aviso de receção para o domicílio da A. uma comunicação, a informar a “cessação das suas funções de Diretor Técnica do Centro de Recursos para a Inclusão exercidas em comissão de serviços, com efeitos ao 60 (sexagésimo) dia posterior à data de receção da presente missiva”.
O Réu justificou esta decisão com a reestruturação que estava a ser levada a cabo pela nova Direção, resultante da eleição dos novos órgãos estatutários e comunicou igualmente à A. que a mesma se deveria manter “no exercício das funções que desempenhava antes do início da comissão de serviço, qual seja, Fisioterapia” (alínea P) dos factos assentes).
16 - Na mesma data, enviou outra comunicação à A. onde informou a A. da “cessação das suas funções de Diretor Adjunta Executiva exercidas em comissão de serviços, com efeitos ao 60 (sexagésimo) dias posterior à data de receção da presente missiva”, alicerçando a Ré a sua decisão na “quebra de confiança que caracteriza o exercício de tais funções, em face à nomeação dos novos órgãos estatutários, E mesmo que por mera hipótese assim não fosse, justifica o termo da presente comissão a reestruturação orgânica levada a cabo pela nova Direção e a suspeita da prática de comportamentos irregulares suscetíveis de rever o juízo sobre as capacidades do trabalhador” (alínea Q) dos factos assentes).
17 - Durante o período em que a autora esteve ausente do trabalho, o Réu atribuiu o gabinete onde esta exercia as suas funções desde meados de Julho de 2014, a outros trabalhadores, … e …, por este motivo, em 21 de Outubro de 2015 a A. enviou uma interpelação para a Direção da R. a informar que iria regressar ao trabalho no dia 26 de Outubro de 2015 e a pedir esclarecimentos acerca das suas condições de trabalho, nomeadamente no que respeita ao seu gabinete, tendo a Direção mantido a decisão de não atribuir o mesmo à Autora (alínea R) dos factos assentes).
18 - Em 27 de Outubro de 2015, data em que a A. se apresentou ao trabalho, o Réu atribuiu à mesma as funções de Fisioterapeuta e comunicou-lhe um novo horário (alínea S) dos factos assentes).
19 - A Autora enviou de imediato uma interpelação à Direção do Réu a solicitar que o seu horário não fosse alterado, mantendo o mesmo período normal de trabalho que sempre teve, confirmando que as demais colegas haviam concordado com a manutenção do seu horário habitual e a solicitar que, tal como sucedia com as demais, a R. permitisse que as horas de trabalho “indireto” não fossem fixas, como sempre sucedeu. A Ré não acedeu a nenhum dos pedidos da A. e manteve o novo horário (alínea T) dos factos assentes).
20 - No recibo de vencimento do mês de Outubro o Réu fez constar como categoria profissional da Autora Fisioterapeuta Principal e deixou de lhe liquidar a compensação no valor mensal de € 487,38, Ajudas de Custo no valor de € 50,20 e o Subsídio de Transporte no valor de € 500,00, além do subsídio pela isenção do horário de trabalho, no valor de € 487,38 que deixou de ser paga à A. quando a R. denunciou unilateralmente o acordo existente (alínea U) dos factos assentes).
21 - Em 27 de Outubro de 2015 o Réu afixou no placard da instituição cópia da reunião da Direção ocorrida em 28 de Setembro de 2015 a que fez referência da última comunicação enviada à A. e que contém a “resposta” a algumas das interpelações anteriormente enviadas pela Autora.
O ponto 2 da ordem de trabalhos desta reunião correspondeu à resposta à carta da A. enviada em 10 de Setembro de 2015, limitando-se o R. a referir que não compreende o teor da mesma uma vez que não é mencionado o nome da A. na publicação apresentada.
O ponto 3 da ordem de trabalho correspondeu à resposta às cartas da A. de 15 de Setembro de 2015, opondo-se o R. às pretensões da A. invocando que o cargo de Diretora Executiva Adjunta não é uma categoria profissional prevista no CCT aplicável, alegando que estava em causa um cargo temporário e, por outro lado, o facto de ter havido uma alteração do Organigrama da instituição que resultou na extinção do mesmo (alínea V) dos factos assentes).
22 - Na mesma data o Réu publicou no seu perfil do Facebook um gráfico com o novo Organigrama da instituição, onde abaixo do Conselho Fiscal e da Direção, e reportando diretamente aos mesmos, constam apenas o departamento dos Serviços de Respostas Social e o de Serviços de Gestão (alínea X) dos factos assentes).
23 - Os diversos cargos que a autora desempenhou ao longo dos anos foram-lhe sendo atribuídos em face do seu perfil, das suas capacidades, conhecimentos e competência para os desempenhar.
24 – Em setembro de 2014, data em que passou a estar isenta de horário de trabalho, a autora assumiu uma majoração do seu período normal de trabalho para 35 horas semanais, ao invés das 25 horas a que se encontrava contratualmente obrigada.
25 – Os cargos que a autora foi desempenhando ao serviço do Réu, foram por mérito e empenho da autora na execução do seu contrato e são reveladores do grau de confiança que o Réu depositava na Autora.
26 – Em julho de 2014 a Autora cumulava as funções de Diretora Técnica com as de Diretora Executiva Adjunta.
27 – A Autora encontrava-se diretamente subordinada à Direção do Réu, reportando diretamente à Diretora Executiva, EE e à própria Direção.
28 - Na reunião de Direção do CC realizada em 29 de junho de 2015, foi deliberada a abertura de um processo de inquérito prévio por um instrutor externo à instituição.
29 - Em meados de julho de 2015 a autora foi inquirida no âmbito do referido processo, momento em que tomou conhecimento de que havia comportamentos que lhe estavam a ser imputados no âmbito do mesmo, os quais segundo o Réu poderiam consubstanciar infrações laborais.
30 – O Réu sem ter concluído as investigações publicitou através de diversos meios o levantamento de um inquérito prévio.
31 – Na Assembleia Geral de Sócios realizada em 7 de outubro de 2015, o Réu decidiu expor a todos os presentes as supostas irregularidades, que levaram à instauração de um inquérito prévio, tendo exibido diapositivos dos quais constavam todas as componentes da retribuição auferida pela diretora executiva adjunta.
32 – Fê-lo na presença da Autora.
33 – Antes de ter instaurado qualquer processo disciplinar à Autora, o Réu não hesitou naquela Assembleia Geral, perante a maior audiência possível, dar a entender que a autora teria uma retribuição elevada, que representava um custo elevado para a instituição.
34 – Nessa Assembleia estiveram presentes mais de 80 sócios, perante os quais a imagem da Autora ficou afectada.
35 - A autora ficou sem vontade de sair de casa, nomeadamente para ir ao café ou ao supermercado, por saber que todas as pessoas tinham conhecimento das acusações que o Réu lhe dirigia.
36 - A Autora perdeu a vontade de conviver com pessoas, mesmo da sua família, mantendo-se isolada das mesmas, chorando periodicamente e sem ânimo para fazer nada.
37 - A generalidade dos colegas de trabalho da autora e a anterior direção do Réu tinha conhecimento que a Autora tinha outros compromissos profissionais, que sempre foi mantendo em paralelo com as funções que desenvolvia na Ré.
38 - As quantias que passaram a ser liquidadas à autora, a partir de novembro de 2014, a título de subsídio de transporte e de ajudas de custo, eram liquidadas independentemente de a mesma efetuar quaisquer deslocações ao serviço da Ré.
39 - Tais quantias destinavam-se a compensar a Autora pelo exercício das funções de Diretora Executiva Adjunta, pela sua disponibilidade e por alguma eventual despesa de deslocação que tivesse de realizar.
40 - O horário de trabalho inicialmente atribuído à autora foi fixado por acordo com a mesma para permitir que esta pudesse exercer outra atividade profissional em paralelo, como era do conhecimento de todos.
41 - Em 27 de outubro de 2015, data em que a autora se apresentou ao trabalho, o Réu atribuiu à mesma as funções de Fisioterapeuta e decidiu alterar o horário de trabalho que a Autora executou enquanto desempenhou as funções de fisioterapeuta.
42 - Em 5 de novembro de 2015, a A. enviou uma comunicação a informar que se opunha e não aceitava o novo horário que lhe tinha sido unilateralmente imposto, alegando que o mesmo era incompatível com outros compromissos profissionais que sempre manteve em paralelo com as funções que exercia no Réu, tal como era de conhecimento geral.
43 – O Réu afixou no placard da instituição cópia da reunião da Direcção ocorrida em 28 de setembro de 2015 a que fez referência da última comunicação enviada à Autora e que contém a “resposta” a algumas das interpelações anteriormente enviadas pela Autora.
44 - A atual Direcção optou por atribuir o cargo de Director dos Serviços de Respostas Sociais ao Técnico DD e a representação dos Serviços de Gestão à trabalhadora FF.
45 - Ambos os trabalhadores já eram trabalhadores do Réu, o DD ocupava o cargo de Diretor Técnico do Rendimento Social de Inserção e a FF ocupava o cargo de Ajudante de Ação Direta.
46 - Entre fevereiro e maio de 2015 a autora frequentou um Programa de Gestão de Organizações Sociais na AESE Business School.
47 – A autora desempenhou, por convite da Direção em exercício nessa altura, que aquela aceitou, os cargos de Diretora Técnica da Intervenção Precoce, Coordenadora do Centro de Recursos para a Inclusão e Diretora Executiva Adjunta,
48 – Os quais deixaram de existir com a atual Direção na sequência de uma alteração ao organigrama da instituição.
49 – Na comunicação enviada pelo Réu à autora, datada de 23 de julho de 2015, a autora foi informada que lhe havia sido retirada a confiança e consequentemente deixava de exercer de Directora Executiva Adjunta e Directora Técnica da Intervenção Precoce e Centro de Recursos para a Inclusão, com reingresso ao seu posto de origem, ou seja, fisioterapeuta.
50 – Quer a Directora Executiva, quer todos os demais Directores Técnicos que desempenhavam tais cargos, por convite da Direcção em exercício nessa altura, foram destituídos dos respetivos cargos.
51 – Também por falta de confiança da atual direção, foi posto termo ao desempenho da Autora do cargo de Directora Adjunta.
52 – Os cargos de chefia atribuídos pelo Réu são de exercício temporário, podendo cessar a qualquer momento, por iniciativa do empregador ou do trabalhador, voltando este a retomar as funções para as quais foi contratado.
53 – A atual direcção do CC remeteu à Autora uma comunicação a denunciar o acordo de isenção de horário de trabalho, deixando assim a Ré de liquidar à Autora a remuneração correspondente a tal isenção.
54 – A autora enquanto ocupou o cargo de Directora Executiva Adjunta ocupava a sala destinada na instituição a quem ocupasse tal cargo.
55 – Na medida em que deixou de exercer tal cargo foi-lhe designado um novo gabinete, o qual oferece as condições adequadas ao exercício das suas funções de Fisioterapeuta.
56 – Na Assembleia Geral realizada a 7 de outubro de 2015, na qual esteve presente a Autora, que se encontrava em período de baixa médica por “novo episódio depressivo major, neste caso associado a problemas laborais”, foi dada a palavra aos associados que a solicitaram, sendo certo que a Autora não a solicitou.
57 – Na sequência do Relatório do Conselho Fiscal, resultaram indícios da prática de comportamentos irregulares por parte de alguns trabalhadores, razão pela qual o Réu procedeu a um processo de averiguações, com a propositura de processos disciplinares precedidos de procedimento de inquérito prévio, bem como de auditoria externa à contabilidade do CC.
58 – Estatutariamente a direção responde perante a assembleia Geral, pelo que foi aquela informada da existência dos processos prévios de inquérito, sem contudo se mencionar o nome dos trabalhadores visados.
59 – Em 4 de março de 2016 foi proferida decisão final no âmbito do processo disciplinar instaurado à autora tendo-lhe sido aplicada a sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade, pelo prazo de 15 dias, nos termos conjugados doo artigo 328º n.º 1 al. e) e da alínea c) do n.º 3 do C.T., com produção de efeitos imediatos.
60 – No recibo de vencimento do mês de outubro de 2015 o Réu fez constar como categoria da Autora Fisioterapeuta Principal, enquanto anteriormente por determinação da Autora foi feito constar do recibo de vencimento como categoria da Autora, Directora Executiva Adjunta.

IV. Fundamentação
Delimitadas supra, sob o n.º II, as questões essenciais decidendas, é o momento de analisar, de per si, cada uma delas.

1. Do (alegado) direito da recorrente ao reconhecimento da categoria profissional correspondente às tarefas de Directora Técnica e de Directora Executiva Adjunta, e consequente colocação, face à nova estrutura orgânica do Réu, como Directora dos Serviços de Resposta Sociais e dos Serviços de Gestão.
Sobre esta problemática, a sentença recorrida considerou, muito em síntese, que a Autora foi contratada para exercer as funções de fisioterapeuta, mas que desde 2007 passou a desempenhar cargos de chefia, mais concretamente de Directora Técnica afecta ao Departamento de Intervenção Precoce, em 2009 de Coordenadora do Centro de Recursos para a Inclusão e em Outubro de 2014 de Directora Exceutiva Adjunta em simultâneo com o de Directora do Centro de Recursos para a Inclusão Técnica, sendo que para tanto não celebrou, por escrito, qualquer acordo de comissão de serviço com o Réu; não obstante, partindo do entendimento que ao se lhe serem atribuídas as referidas funções de chefia sabia a Autora que o eram em comissão de serviço e que não conferiam o direito a uma nova categoria, concluiu a sentença recorrida que o regresso da Autora à anterior categoria (de fisioterapeuta) não envolve uma baixa de categoria.
Ou seja, de acordo com a sentença recorrida, o exercício das funções de chefia pela Autora foram-no em comissão de serviço, comissão essa que se tem por válida apesar de não ter sido celebrada por escrito, pelo que cessada esta e tendo a trabalhadora regressado às anteriores funções não se verifica qualquer despromoção da mesma.
A recorrente rebela-se contra tal entendimento, sustentando, ao fim e ao resto, que não obstante os cargos (de chefia) que desempenhou o poderem ser em comissão de serviço, o certo é que não celebrou com o Réu qualquer contrato de comissão de serviço, pelo que haverá que concluir-se que desempenhava as funções de Directora Executiva e de Directora Técnica com carácter definitivo.
Por sua vez o recorrido, bem como a exma. Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer, aplaude a decisão recorrida.
Vejamos.

Embora a lei seja omissa quanto ao conceito legal de categoria profissional, quer ao nível da doutrina quer ao nível da jurisprudência tem-se utilizado aquela expressão essencialmente em três acepções: categoria pré-contratual ou subjectiva, contratual ou de função e estatutária ou normativa.
Assim, a categoria pré-contratual ou subjectiva, como se depreende do artigo 4.º da LCT, artigo 113.º do CT/2003 e artigo 117º do CT/2009, relaciona-se com a carteira profissional e corresponde à qualificação ou habilitação profissional do trabalhador.
Nesta acepção a categoria relaciona-se apenas com o aspecto subjectivo do trabalhador, com a sua habilitação para o exercício de certa actividade, mas sem que daí se possa retirar qualquer vinculação do trabalhador a um contrato de trabalho.
A categoria-função, também denominada de contratual, corresponde ao conjunto de serviços e tarefas que formam o objecto do contrato de trabalho, ou seja, corresponde ao essencial das funções que o trabalhador se obrigou pelo contrato de trabalho ou pelas alterações decorrentes deste (artigo. 1.º da LCT, artigo 10.º do CT/2003 e artigo 11.º do CT/2009).
Finalmente a categoria-estatuto ou normativa define a posição profissional do trabalhador, tendo em conta as funções que efectivamente exerce na empresa e a sua correspondência com as tarefas que se encontram tipicamente descritas na lei ou em instrumento de regulamentação colectiva.
É neste domínio, como conceito normativo, categoria profissional institucionalizada, que a qualificação e exercício das funções se coloca e se pode falar de direito à categoria.
Refira-se que, conforme a jurisprudência e a doutrina têm vindo a entender de modo uniforme, a categoria profissional obedece aos princípios da efectividade (no domínio da categoria-função relevam as funções substancialmente pré-figuradas e não as meras designações exteriores), da irreversibilidade (do domínio da categoria estatuto, pois que uma vez alcançada certa categoria, o trabalhador dela não pode ser retirado ou despromovido) e do reconhecimento (a categoria-estatuto tem de assentar nas funções efectivamente desempenhadas pelo trabalhador).
Deverá corresponder ao essencial das funções a que o trabalhador se obrigou legalmente ou decorrentes de instrumentos de regulamentação colectiva, não sendo necessário que o trabalhador exerça todas as funções correspondentes a determinada categoria, mas sim que o núcleo essencial das funções desempenhadas pelo trabalhador se enquadre nessa categoria.
Importa a este propósito assinalar que o artigo 151.º, nºs 2 e 3 do CT/2003, e artigo 118.º, n.ºs 2 e 3 do CT/2009, veio conferir uma maior abrangência ao leque de funções que se poderão incluir na actividade contratada, podendo o empregador, sem necessidade de recurso à mobilidade funcional prevista no art. 314.º do CT/2003 e 120.º do CT/2009, determiná-las ao trabalhador; no mesmo assentido aponta a cláusula 15.ª, n.º 1 e 2, do CCT aplicável (celebrado entre a CNIS – Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade e a FNE – Federação Nacional de Educação e Outros, publicada no BTE, n.º 6, de 15-02-2012) ao estipular que o trabalhador deve, em princípio, exercer as funções correspondentes à actividade contratada, que compreende funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para os quais o trabalhador detenha a qualificação profissional adequada e não impliquem desvalorização pessoal e profissional.
Mas, não obstante, não pode o empregador, a título definitivo, manter uma categoria profissional inferior à correspondente às funções que o trabalhador passou a desempenhar.
Finalmente, cabe também referir que exercendo o trabalhador diversas actividades enquadráveis em diferentes categorias profissionais, a sua classificação deve fazer-se tendo em consideração o núcleo essencial das funções por ele desempenhadas ou a actividade predominante e, sendo tal diversidade indistinta, deve o trabalhador ser classificado na categoria mais elevada que se aproxima das funções efectivamente exercidas, ou seja, em caso de dúvida quanto à categoria profissional, a atracção deve fazer-se para a categoria profissional mais favorável ao trabalhador.

No caso em apreciação, como resulta da matéria de facto (n.º 1) a Autora foi contratada pelo Réu em 1993 para o exercício das funções de fisioterapeuta.
Porém, em 2007 passou a desempenhar as funções de Directora Técnica afecta ao Departamento da Intervenção Precoce (n.º 4); e em 2009 o Réu nomeou-a como Coordenadora do Centro de Recursos para a Inclusão (n.º 5).
E em 2014 foi nomeada pelo Réu para assumir as funções de Directora Executiva Adjunta e de Directora do Centro de Recursos para a Inclusão (n.ºs 7).
Tais cargos foram atribuídos à Autora em função do seu mérito, perfil, das suas capacidades, conhecimentos e competência para os desempenhar, revelando ainda um “grau de confiança” que o Réu nela depositava (n.ºs 23 e 25).
Em Janeiro de 2015 foi eleita uma nova Direcção do Réu e este em 18 de Julho de 2015 deliberou considerar findas as “comissões de serviço decorrentes de anteriores nomeações” e destituir os nomeados em exercício nas funções de Direcção Técnica, onde se incluía a Autora (n.ºs 10 e 13).
Na mesma ocasião, a Direcção do Réu nomeou a Autora para o cargo de Coordenadora do Centro de Recursos para a Inclusão, através de “uma comissão de serviço pelo período de três anos”, para o que deveria ser assinado um contrato com a Autora, mas logo no dia 23 do mesmo mês e ano, com fundamento na necessidade de proceder à sua reestruturação, o Réu comunicou à Autora a cessação de tais funções em comissão de serviço, com efeitos ao 60.º dia posterior à recepção da referida comunicação (n.ºs 14 e 15).
Ainda nesta última data o Réu enviou outra comunicação à Autora, onde a informa da “cessação das suas funções de Director Adjunta Executiva exercida em comissão de serviço”, como efeitos ao 60.º dia posterior à data da recepção de tal comunicação: justificou tal decisão com a "quebra de confiança que caracteriza o exercício de tais funções, em face à nomeação dos novos órgão estatutários”, na reestruturação orgânica levada a cabo e na “suspeita da prática de comportamentos irregulares susceptíveis de rever o juízo sobre as capacidades do trabalhador” (n.º 16).
Em 27 de Outubro de 2015, quando a Autora regressou ao trabalho, após um período de ausência por doença, o Réu atribuiu-lhe as funções para que havia sido inicialmente contratada, ou seja, as funções de fisioterapeuta (n.º 18).

Dos factos descritos decorre que o Réu pôs termo ao exercício das funções de chefia por parte da Autora com fundamento, além do mais, que as mesmas eram exercidas em comissão de serviço.
Como é sabido, a figura da “comissão de serviço” possibilita a atribuição ao trabalhador de certas funções a título reversível, ou seja, sem que se produza o efeito estabilizador da aquisição da categoria em conformidade com o chamado princípio da irreversibilidade.
No dizer de Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, pág. 223), «o que caracteriza esse dispositivo é a transitoriedade da função e a reversibilidade do respectivo título profissional».
Ou, como acentua Maria do Rosário Ramalho (Direito do Trabalho, Parte II, 3.ª Edição, Almedina, pág. 328), o traço essencial da figura da comissão de serviço justifica-se pela inexigibilidade da continuação do vínculo, «uma vez esgotada a relação de confiança pessoal entre as partes que presidiu à sua constituição», constituindo assim um importante desvio ao princípio constitucional de segurança no emprego.
Embora os princípios gerais inerentes à comissão de serviço se tenham mantido desde o primeiro regime jurídico que consagrou aquela figura no âmbito das relações de direito privado laboral – Decreto-Lei n.º 404/91, de 16 de Outubro –, no âmbito do Código do Trabalho de 2003 (aprovado pela lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto)], mais concretamente do seu artigo 244.º estipulou-se que «[p]odem ser exercidas em comissão de serviço os cargos de administração ou equivalentes, de direcção dependentes da administração e as funções de secretariado pessoal relativas aos titulares desses cargos, bem como outras, previstas em instrumento de regulamentação colectiva, cuja natureza também suponha, quanto aos mesmos titulares, especial relação de confiança».
Da transcrita norma resulta patente o traço característico – diremos essencial – inerente à comissão de serviço: a ocupação de um cargo que exija especial relação de confiança na (e da) empresa.
Ou seja, e dito de outro modo: é válida a comissão de serviço naquelas circunstâncias em que o trabalhador se apresenta investido em poderes da administração, como “braço” da administração, “fala” em nome dela: esse cargo como se viu pode ser de «direcção dependentes da administração», ainda que não tenha que ser, necessariamente, dependência directa; tal permitia concluir pela admissibilidade de celebração de contrato de trabalho em comissão de serviço em relação a, nas palavras de Maria do Rosário Ramalho (obra citada, pág. 330), «directores de segunda linha».
Já no âmbito do Código do Trabalho actual – aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro – o artigo 161.º, quanto ao objecto da comissão de serviço, alude a cargo de «direcção ou chefia directamente dependente da administração ou de director-geral ou equivalente», exigência essa semelhante à que decorria do regime originário da comissão de serviço (o referido Decreto-Lei n.º 404/91, de 16 de Outubro).
Mas seja no âmbito do regime originário da comissão de serviço (artigo 3.º), seja no âmbito do Código do Trabalho de 2003 (artigo 245.º), ou do Código do Trabalho de 2009 (artigo 162.º, n.º 3), o acordo relativo ao exercício de cargos em comissão de serviço está sujeito a forma escrita.
Com efeito, estatui o referido n.º 3 do artigo 162.º que «[o] contrato para exercício de cargo ou funções em comissão de serviço está sujeito a forma escrita (…)», devendo conter, entre o mais, a «[i]ndicação do cargo ou funções a desempenhar, com menção expressa do regime de comissão de serviço», explicitando o n.º 4 do mesmo artigo, à semelhança do que estatuía o n.º 2 do artigo 245.º do CT de 2003, que «[n]ão se considera em regime de comissão de serviço o contrato que não tenha a forma escrita ou a que falte a menção referida na alínea b) do número anterior».
Como de modo impressivo escreve Luís Miguel Monteiro (in Código do Trabalho Anotado, Pedro Romano Martinez, et alii, 2013, 9.ª Edição, Almedina, pág. 410), «[a] falta de redução a escrito do contrato ou a ausência neste de expressa referência ao regime de comissão de serviço tem efeito idêntico ao recurso à comissão para provimento de cargos que a não admitem – o empregador não pode pôr termo ao exercício de funções em comissão de serviço por simples declaração unilateral».
Assim, a forma escrita constitui uma formalidade ad substantiam do contrato de trabalho em comissão de serviço, pelo que a sua inobservância não pode ser suprida por outro meio.
Por isso, ressalvado o devido respeito, não se pode acompanhar o entendimento da 1.ª instância no sentido de que houve uma declaração tácita do Réu quanto ao exercício pela Autora das funções em comissão de serviço, que foi aceite por esta e, assim, se bem se depreende, que as funções foram exercidas pela Autora em regime, válido, de comissão de serviço.
Não sendo válida a comissão de serviço, haverá que concluir que a trabalhador beneficia da tutela geral da categoria profissional que a lei estabelece, pelo que adquiriu o direito à categoria-estatuto ou categoria normativa correspondente às funções (categoria-função) de Directora Executiva Adjunta e de Directora do Centro de Recursos para a Inclusão Técnica, sendo, pois, ilícita a sua colocação na categoria originária de fisioterapeuta [cfr. artigo 129.º, n.º 1 alínea e) do CT e cláusula12.ª alínea d)].
As funções em causa desempenhadas pela Autora/recorrente, tendo em conta o IRCT aplicável, parecem corresponder à categoria (normativa) de “Director de Serviços”: e isto porquanto, de acordo com o descrito funcional de tal categoria que consta do anexo I daquele, o «Director de serviços. — Estuda, organiza e dirige, nos limites dos poderes de que está investido, as actividades da instituição; colabora na determinação da política da instituição; planeia a utilização mais conveniente da mão--de -obra, equipamento, materiais, instalações e capitais; orienta, dirige e fiscaliza a actividade da instituição segundo os planos estabelecidos, a política adoptada e as normas e regulamentos prescritos; cria e mantém uma estrutura administrativa que permita explorar e dirigir a instituição de maneira eficaz; colabora na fixação da política financeira e exerce a verificação dos custos».
Todavia, importa assinalar que, como se afirmou no acórdão do STJ de 23-09-2009 (Recurso n.º 3843/08 - 4.ª Secção, com sumário disponível em www.stj), ainda que não estabelecida no instrumento de regulamentação colectiva do sector respectivo, quando as funções de que o trabalhador é incumbido correspondem a uma designação profissional com carácter normativo conferida pelo empregador e aceite (ainda que tacitamente) pelo trabalhador, será esta a designação a que identifica a categoria profissional do trabalhador, podendo existir na empresa um critério interno de classificação de funções e postos de trabalho, com eventual projecção no plano remuneratório e noutros aspectos do estatuto profissional.
Tal significa que tendo o recorrido/empregador atribuído à recorrente/trabalhadora “o cargo” correspondente a Directora Técnica e Directora Executiva Adjunta, e pretendendo esta essa categoria profissional, deverá a mesma ser-lhe reconhecida.

A questão que se poderá colocar consiste em saber se tendo a Autora exercido os cargos de chefia no Réu, sabendo que eram cargos de responsabilidade e de confiança, age em abuso de direito ao pretender que por falta de forma escrita da comissão de serviço se considere que deve assumir a categoria inerente e a tais cargos de forma permanente.
Tenha-se presente que, como decorre do artigo 334.º do Código Civil, o abuso do direito consiste no exercício ilegítimo de um determinado direito, traduzindo-se a ilegitimidade em actuação, por parte do respectivo titular, que manifestamente exceda os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social desse direito.
Para que o exercício do direito seja considerado abusivo, não basta, pois, que cause prejuízos a outrem; é necessário que o titular exceda, visível, manifesta e clamorosamente, os limites que lhe cumpre observar, impostos quer pelo princípio da tutela da confiança (boa fé), quer pelos padrões morais de convivência social comummente aceites (bons costumes), quer, ainda, pelo fim económico ou social que justifica a existência desse direito, de tal modo que o excesso, à luz do sentimento jurídico socialmente dominante, conduz a uma situação de flagrante injustiça.
Dito ainda de outro modo: para determinar os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade; quando esses limites decorrem do fim económico e social do direito impõe-se apelar para os juízos de valor positivo consagrados na própria lei (Antunes Varela, das Obrigações em geral, 10.ª edição, pág. 544 e segts.).
Ora, não detectamos, face à matéria de facto que assente ficou na 1.ª instância e que não vem impugnada, que a Autora/recorrente tenha excedido os limites impostos pela boa-fé na pretensão a que se arroga.
Com efeito, o que resulta, no essencial, a este respeito da matéria de facto é que os diversos cargos que a Autora exerceu ao longo dos anos foram-lhe atribuídos em face do seu perfil, das suas capacidades e competência para os desempenhar, sendo reveladores do grau de confiança que o Réu em si depositava (n.ºs 23 e 25): se a partir de tal factualidade se admite que se possa extrair que a Autora estava ciente que exercia um cargo que exigia especial relação de confiança, o mesmo já não se pode afirmar quanto à natureza necessariamente temporária desse cargo.
Não pode olvidar-se que face ao CCT aplicável, supra referido, maxime a cláusula 23.ª, n.º 1, os cargos de direcção técnica e as funções de chefia “podem” (é esta a expressão constante do clausulado) ser exercidos em comissão de serviço, mas, concluímos nós face à redacção em causa, não têm necessariamente que o ser.
Ora, não bastando o mero exercício de funções directivas para que se considere constituída uma comissão de serviço, nem resultando da lei ou regulamentação colectiva aplicável que tais funções apenas possam ser exercidas em comissão de serviço, tendo em conta as regras que se deixaram referidas quanto à categoria profissional e a matéria de facto assente, impõe-se reafirmar que não se vislumbra que na presente acção a Autora tenha incorrido em abuso do direito.

Tendo a Autora/recorrente adquirido o direito à categoria correspondente às funções de Directora Executiva Adjunta e de Directora Técnica, mas tendo, entretanto, tais cargos sido extintos no Réu, haverá que colocar aquela no cargo corresponde na nova estrutura orgânica do mesmo.
De acordo com a recorrente, deverá ser colocada como Directora dos Serviços de Respostas Sociais e dos Serviços de Gestão, por ser o cargo correspondente na nova estrutura orgânica do Réu: porém, da matéria de facto assente – e só a esta nos podemos ater – não é possível extrair, com segurança, tal correspondência.
Por isso, reconhecendo-se o direito da Autora à categoria de Directora Executiva Adjunta e de Directora Técnica, deverá condenar-se o Réu a colocá-la no cargo correspondente na nova estrutura orgânica do mesmo.

2. Quanto a saber se a Autora recorrente tem direito a manter o valor de retribuição de € 2.783,06 que auferia, tendo em conta as funções que exercia
Tendo-se concluído que a Autora adquiriu o direito à categoria de Directora Executiva Adjunta e de Directora Técnica, parece ser pacífico que, por consequência, o Réu não podia diminuir a sua retribuição [cfr. artigo 129.º, n.º 1, alínea d), do CT e cláusula 12.ª, alínea d) do CCT].
A controvérsia poderá colocar-se em saber quais as prestações que integram a retribuição.
Atente-se que nos termos do n.º 1 do artigo 258.º do CT se considera retribuição a prestação a que nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho; a retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas, presumindo-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador (n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo).
Idêntico é o regime que decorre dos n.ºs 1 a 3 da cláusula 56.ª do CCT.
Como assinala Monteiro Fernandes (obra citada, pág. 456), retira-se daquela norma que a retribuição é constituída pelo «conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, de força do trabalho por ele oferecida)».
Assim, num primeiro momento, a retribuição, constituída por um conjunto de valores, é determinada pelo clausulado do contrato, por critérios normativos (como sejam o salário mínimo e o princípio da igualdade salarial) e pelos usos da profissão e da empresa; num segundo momento, a retribuição global – no sentido que exprime o padrão ou módulo do esquema remuneratório do trabalhador, homogeneizando e sintetizando em relação à unidade de tempo, a diversidade de atribuições patrimoniais realizadas ou devidas – engloba não só a remuneração de base, como também prestações acessórias, que preencham os requisitos de regularidade e periodicidade.
Constituindo critério legal da determinação da retribuição, a obrigatoriedade do pagamento da(s) prestação(ões) pelo empregador, dele apenas se excluem as meras liberalidades que não correspondem a um dever do empregador imposto por lei, instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, contrato individual de trabalho, ou pelos usos da profissão e da empresa, e aquelas prestações cuja causa determinante não seja a prestação da actividade pelo trabalhador – ou a sua disponibilidade para o trabalho –, mas sim causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade para este.

Vejamos o caso dos autos.
Em Abril de 2015 a Autora auferia (facto n.º 9):
- € 1.661,48 de retribuição base;
- € 84,00 de diuturnidades;
- € 487,38 de compensação;
- € 500,00 de subsídio de transporte;
- € 487,38 de isenção de horário de trabalho;
- € 50,20 de ajudas de custo;
- € 4,27 se subsídio de refeição por cada dia de trabalho.
Em Outubro de 2015, após o Réu ter retirado à Autora as funções de Directora Executiva Adjunta e de Directora do Centro de Recursos para a Inclusão Técnica e ter feito constar do respectivo recibo de vencimento a categoria profissional de fisioterapeuta principal, deixou de lhe pagar a compensação no valor mensal de € 487,38, ajudas de custo no valor de € 50,20, o subsídio de transporte no valor de € 500,00 e o subsídio de isenção de horário de trabalho no valor de € 487,38 (facto n.º 20).
Não vem posto em causa no recurso este último subsídio, que foi retirado, mas apenas os outros indicados, que totalizam € 1.037,58 (€ 487,38 + € 50,20 + € 500,00); adicionando tal valor à retribuição base (€ 1.661,48) e às diuturnidades (€ 84,00), obtém-se o valor total de € 2.783,06, aquele que a recorrente pretende que lhe seja reposto.
E quanto àquelas prestações, verifica-se que as quantias pagas à Autora a partir de Novembro de 2014, a título de subsídio de transporte e de ajudas de custo, o foram independentemente de ela efectuar quaisquer deslocações ao serviço do Réu, destinando-se tais quantias a compensá-la pelo exercício das funções de Directora executiva Adjunta, pela sua disponibilidade e por alguma eventual despesa de deslocação que tivesse que efectuar (facto n.º 38 e 39).
Ou seja, tendo em conta a noção de retribuição que se deixou referida, as prestações em causa constituíam uma contrapartida, constante, do exercício da actividade pela trabalhadora, não tendo qualquer causa específica (por exemplo, pagamento de despesas, já que este era no caso meramente eventual) diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade para este, o mesmo é dizer que estão em causa prestações que integram a retribuição da trabalhadora.
E o mesmo se verifica em relação à “compensação”, equivalente a 10% da respectiva retribuição, que em 15 de Maio de 2014 o Réu deliberou atribuir aos trabalhadores com a categoria profissional de Directores Técnicos/Gestores de Processo da Instituição (facto n.º 6): trata-se de uma prestação regular como contrapartida do trabalho prestado pela Autora, pelo que a mesma integra a retribuição da Autora.
E assim sendo, como se entende, e tendo em conta que a Autora/recorrente mantém o direito à categoria de Directora Executiva Adjunta e de Directora Técnica, deverá o Réu ser condenado no pagamento de tais prestações, com efeitos à data em que os retirou indevidamente à recorrente.
Procedem, por isso, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

3. Vencido no recurso, deverá o Réu/recorrido ser condenado no pagamento das custas, em ambas as instâncias (artigos 527.º do CPC).

V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto por BB, e, em consequência, condena-se o Réu/recorrido CC a reconhecer em definitivo àquela a categoria profissional de Directora Técnica e Directora Executiva Adjunta, devendo, face à reestruturação orgânica que implementou, colocá-la na categoria-função actualmente correspondente.
Mais se condena o Réu/recorrido a reconhecer que o valor da retribuição devida àquela pelo exercício de tais funções é de € 2.783,06, condenando-se o mesmo no respectivo pagamento, com efeitos rectroactivos à data em que deixou de o pagar à recorrente.
Quanto ao mais, mantém-se a sentença recorrida.
Custas em ambas as instâncias pelo Réu/recorrido.
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Évora, 30 de Março de 2017
João Luís Nunes (relator)
Alexandre Ferreira Baptista Coelho
Moisés Pereira da Silva
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[1] Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Baptista Coelho, (2) Moisés Silva.