Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
351/19.0T8ANS-B.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: EXECUÇÃO
PENHOR MERCANTIL
PENHORA
Data do Acordão: 03/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Aos condevedores executados não se aplica, entre si, o regime inserto no artigo 752.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Executado: (…)
Recorrida / Exequente: (…) – Cofragens, Andaimes e Escoramentos, S.A.

Trata-se de uma ação executiva para pagamento de quantia certa que (…) – Cofragens, Andaimes e Escoramentos, S.A. intentou contra (…) – Engenharia e Sistemas Construtivos, Lda. e (…), pelo valor de € 13.307,12 (treze mil, trezentos e sete euros e doze cêntimos).


II – O Objeto do Recurso
Teve lugar a penhora de saldo bancário do Executado e de 1/3 do seu vencimento.
O Executado deduziu oposição às penhoras, pugnando pelo seu levantamento. Invoca, para tanto, que sendo o saldo bancário inferior ao SMN, a respetiva penhora é ilegal (artigo 738.º/5, do CPC) e que, beneficiando a Exequente de penhor mercantil sobre 2 equipamentos da Executada cujo valor excede o da quantia exequenda, a penhora tem forçosamente que se iniciar sobre tais bens (artigo 752.º/1, do CPC).
Foi proferida decisão julgando procedente a oposição à penhora do depósito bancário e improcedente a oposição à penhora de parte do salário do Executado.
Inconformado, o Executado Opoente apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida por violação do disposto nos artigos 666.º, n.º 1, do CC, 397.º do C. Comercial, 2.º do DL 75/2017, de 26/6, 752.º, n.º 1, do CPC e 46.º do CIRE, declarando-se inconstitucional a interpretação que o douto tribunal a quo fez do artigo 752.º, n.º 1, do CPC de que “na situação de existência de vários executados, designadamente, quando algum ou alguns são devedores e outro ou outros são fiadores, este consagrado regime legal de penhora de bens onerados com garantia real, apenas poderá ser exercido e logo aplicável quando bens onerados com garantia real pertençam ao devedor principal, pois que, como se infere de uma interpretação a contrario dos mencionados preceitos apenas pelo devedor principal é legítima a invocação da regra da penhorabilidade subsidiária” por violar o princípio da proteção da confiança ínsito no artigo 2.º da C.R.P., devendo a decisão recorrida ser substituída por outra que ordene o prosseguimento da penhora sobre os bens objeto de penhor mercantil, extinguindo-se deste modo a execução e consequentemente a penhora dos bens do recorrente/fiador.
Conclui a alegação de recurso nos seguintes termos:
«1º - A douta sentença do Tribunal a quo declarou parcialmente improcedente a oposição à penhora com o fundamento de que os bens objetos de penhor mercantil dados à exequente são pertencentes da executada não oponente, e em relação à qual a execução se mostra suspensa em virtude da mesma ter sido declarada insolvente por sentença proferida em 29/01/2020 no âmbito do processo n.º 2659/19.6T8LRA .
2º - Assim, o douto tribunal a quo assentou a sua fundamentação em dois pontos:
1) Os bens que foram objeto do penhor mercantil não pertencem ao recorrente, mas ao devedor principal e por isso sendo executados outros devedores nada obsta que se penhorem mediatamente os seus bens sem necessidade de aguardar pela execução dos que se encontrem onerados com garantia real.
2) A execução está suspensa em virtude de a devedora principal ter sido declarada insolvente.
3º - Ora, como adiante se provará, na sequência do pacto marciano, a executada / devedora principal deixou de ser a proprietária dos bens empenhados, sendo a exequente a proprietária dos mesmos.
4º - Dos factos dados como provados consta que entre a exequente e a executada/devedora principal se realizou um protocolo em que a executada principal (…) – Engenharia e Sistemas Construtivos, Lda. deu como garantia um penhor mercantil a favor da exequente relativamente aos dois equipamentos mencionados no referido protocolo.
5º - Nos termos do artigo 7.º do referido Protocolo de Consolidação da Dívida, transcreve-se o seguinte: “Para garantia do pontual e integral cumprimento da totalidade das obrigações pecuniárias assumidas pela segunda e pelo terceiro, a (…) dá de penhor à (…), penhor este que é mercantil, os dois equipamentos melhor relacionados no anexo I ao presente protocolo, que dele faz parte integrante, declarando a segunda que os mesmo se encontram livres de ónus ou encargos. Os bens empenhados ficaram à guarda do Terceiro Signatário (…), que deles fica fiel depositário, ciente dos deveres que lhe são impostos na guarda dos bens empenhados, não os podendo vender, doar, onerar ou danificar, sob pena de incorrer em responsabilidade criminal e em responsabilidade civil, respondendo pelos danos que causar à primeira, aqui como credora pignoratícia. Nos termos e para os efeitos do artigo 2.º do DL n.º 75/2017, de 26 de junho, consigna-se que em caso de incumprimento das obrigações assumidas no presente protocolo, a primeira poderá apropriar-se dos bens empenhados pelo valor da avaliação que vier a ser efetuada por perito a indicar pela Ordem dos Engenheiros, ficando a primeira obrigada a restituir à segunda o montante correspondente à diferença entre os bens empenhados e o montante da obrigação então em dívida. A Avaliação deverá obedecer aos seguintes critérios: idade dos equipamentos; estado de conservação; e preços praticados no mercado de equipamentos industriais usados.”
6º - O penhor mercantil incide sobre os bens que se encontram discriminados no referido “Protocolo de consolidação da Dívida”, isto é, a Verba 1 – uma ponte rolante com guincho, cor verde, marca/fabricante (…) 03.74817 CE 2017, com 1,6 TON e a Verba 2: um compressor (…), Modelo R5.51-A10-200, e que se encontravam na empresa (…), ora também executada, conforme se poderá comprovar na fotografia n.º 1 do referido “Protocolo de Consolidação da Dívida” e que se encontra junto aos autos.
7º - Face ao pacto marciano previsto no “protocolo “o credor, ora exequente tinha a possibilidade de se apropriar dos bens empenhados, nos termos do artigo 2.º do DL n.º 75/2017, de 26 de junho, pelo valor resultante de uma avaliação dos mesmos, devendo devolver à executada o excedente que tivesse sido apurado.
8º - Houve uma entrega simbólica que se operou mediante a transmissão de documentos apropriados para obter a posse real e efetiva a favor do credor /exequente, consubstanciado na assinatura do referido protocolo, e neste sentido o credor /exequente passou a ter a posse daqueles bens, passando a exercer os seus direitos na qualidade de proprietário dos mesmos, enquanto que o devedor principal passou a ser mero detentor dos bens objeto de penhor.
9º - Do artigo 752.º, n.º 1, do Código de Processo Civil decorre que, sendo executada dívida provida de garantia real que onere bens pertencentes ao devedor, a penhora inicia-se pelos bens sobre que incide a garantia, só podendo recair em outros bens quando for reconhecida a insuficiência dos primeiros para conseguir o fim da execução (a realização coativa da obrigação).
10º - E o artigo 697.º do Código Civil dispõe que o devedor que for dono da coisa hipotecada tem o direito de se opor não só a que outros bens sejam penhorados enquanto se não reconhecer a insuficiência da garantia, mas ainda a que, relativamente aos bens onerados, a execução se estenda além do necessário à satisfação do direito do credor
11º - Ora, dos dois dispositivos que se enunciam e que foram alegados pelo douto tribunal a quo não se vislumbra qualquer fundamento para a interpretação que faz o douto tribunal a quo e não se percebe porque é que o recorrente não pode exigir que comece a penhora pelos bens onerados constantes do penhor mercantil que foi constituído a favor da exequente.
12º - O recorrente entende que tal ponto de facto foi incorretamente julgado.
13º - Na verdade, o penhor mercantil é uma garantia real “que confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não suscetíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro” (artigo 666.º, n.º 1, do C. Civil).
14º - Face ao exposto pode concluir-se que a exequente devia ter começado a penhora pelos bens objeto de penhor mercantil que tem a seu favor.
15º - Até porque nos termos do artigo 2.º, n.º 1, do DL n.º 75/2017, de 26/6, foi convencionado no documento intitulado por “protocolo de consolidação de dívida” atrás referido, nomeadamente no seu artigo 7.º, foi dada a possibilidade, em caso de incumprimento do pagamento das respetivas prestações, do credor se apropriar dos bens empenhados, e pagar-se pelo valor de tais bens que resultar da sua avaliação
16º - Aliás é este o entendimento do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9/10/2018, Processo n.º 6457/16.0T8VIS-A.C1.
17º - O tribunal entendeu que a penhora devia começar pela garantia real (Hipoteca) e só depois pela garantia pessoal (fiança).
18º - No referido acórdão apenas se colocou a dúvida se a venda dos bens hipotecados seria suficiente para o pagamento da quantia exequenda.
19º - Se os bens que foram objeto de penhor forem suficientes para o pagamento da quantia exequenda, deverá ser extinta a execução e por conseguinte a fiança.
20º - Ora, foi dado como provado nos pontos 10 e 11 que os bens objeto de penhor valiam entre € 22.000,00 (vinte e dois mil euros) e € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) e, portanto, teriam um valor superior à dívida da executada que era de € 13.307,12.
21º - Sendo assim, a execução dos bens onerados com o penhor teria valor suficiente para pagar a dívida exequenda e por esta via se extinguiria a execução, sendo desnecessário executar outros bens, nomeadamente os do fiador.
22º - Além disso, como a exequente e executada principal acordaram e convencionaram aceitar o pacto marciano, a exequente poderia apropriar-se de tais bens, devendo devolver o valor excedente à executada, que fosse obtido com a venda de tais bens empenhados.
23º - Posto isto, não há dúvida que a execução teria que começar com a venda dos bens empenhados, e só no caso destes se tornarem insuficientes, o que não é o caso, como ficou provado (pontos 10 e 11) é que responderiam os bens do fiador.
24º - Desta forma o douto tribunal a quo violou o disposto no artigo 666.º, n.º 1, do C. Civil, o artigo 397.º do C. Comercial, o artigo 2.º do DL n.º 75/2017, de 26/6 e, ainda, o artigo 752.º, n.º 1, do C.P.Civil.
25º - Ora, a exequente bem sabe que pode obter de imediato o valor do seu crédito através do mecanismo previsto no artigo 2.º do DL n.º 75/2017, de 26/6, uma vez que se convencionou o pacto marciano entre exequente e executada/devedora principal, dado que os valores dos bens objeto do penhor mercantil ultrapassavam o valor da dívida comercial.
26º - Portanto, o crédito da exequente estava “garantido”, isto é, estava seguro e facilmente poderia ser extinto através do referido mecanismo, vendendo tais bens ou então poderia apoderar-se dos mesmos devolvendo o valor excedente à executada.
27º - A interpretação dada pelo douto tribunal a quo do artigo 752.º, n.º 1, do C.P.Civil, de que “na situação de existência de vários executados, designadamente , quando algum ou alguns são devedores e outro ou outros são fiadores, este consagrado regime legal de penhora de bens onerados com garantia real , apenas poderá ser exercido e logo aplicável quando bens onerados com garantia real pertençam ao devedor principal, pois que, como se infere de uma interpretação a contrario dos mencionados preceitos apenas pelo devedor principal é legitima a invocação da regra da penhorabilidade subsidiária” é inconstitucional por violar o princípio da proteção da confiança ínsito no artigo 2.º da C.R.P..
28º - Na verdade, o recorrente tinha legítimas expectativas que fossem executados em primeiro lugar os bens onerados com garantia real, neste caso o penhor, e só após a insuficiência do valor de tais bens é que poderia responder o seu património.
29º - A dívida exequenda venceu-se em fevereiro de 2018, conforme consta do Requerimento executivo.
30º - A executada principal foi declarada insolvente em junho de 2019.
31º - Ora, nos termos do documento “Protocolo” foi acordado entre a exequente e a executada/devedora principal o pacto marciano, nos termos dos quais “Nos termos e para os efeitos do artigo 2.º do DL n.º 75/2017, de 26 de junho, consigna-se que, em caso de incumprimento das obrigações assumidas no presente protocolo, a primeira poderá apropriar-se dos bens empenhados pelo valor da avaliação que vier a ser efetuada por perito a indicar pela Ordem dos Engenheiros, ficando a primeira obrigada a restituir à segunda o montante correspondente à diferença entre os bens empenhados e o montante da obrigação então em dívida. A Avaliação deverá obedecer aos seguintes critérios: idade dos equipamentos; estado de conservação; e preços praticados no mercado de equipamentos industriais usados.”
32º - Isto é, em no caso de incumprimento a exequente poderá apropriar-se dos bens empenhados, ou seja, em fevereiro de 2018 a exequente passou a ter a posse dos bens empenhados, tornando-se assim, proprietária dos mesmos, passando a executada /devedora principal a ser apenas uma mera detentora dos bens empenhados, ficando com a sua guarda, e ficando assim desapossada dos mesmos.
33º - Nestes termos, os bens empenhados já não pertenciam à executada/devedora principal (…) – Engenharia e Sistemas Construtivos, Lda., pelo que não deveriam ser incluídos na massa insolvente.
34º - A exequente poderá reclamar a sua propriedade a todo o tempo, pelo que a execução nunca poderia ter sido suspensa relativamente aos bens empenhados, uma vez que tais bens já não pertenciam à insolvente (…) – Engenharia e Sistemas Construtivos, Lda..
35º - Assim, o douto tribunal a quo julgou incorretamente tal ponto de facto, violando o disposto no artigo 46.º do CIRE.»
Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre conhecer da seguinte questão: do direito do Opoente de exigir que a penhora comece pelos bens onerados constantes do penhor mercantil que foi constituído a favor da Exequente.

III – Fundamentos
A – Os factos provados em 1.ª Instância
1. Por requerimento datado de 13-07-2019, a sociedade “(…) – Cofragens, Andaimes e Escoramentos, S.A.” propôs contra “(…) – Engenharia e Sistemas Construtivos, Lda.” e (…) ação executiva para pagamento de quantia certa, oferecendo como título executivo um documento autenticado denominado «Protocolo de Consolidação de Dívida» outorgado entre as partes em 30-10-2017.
2. Nos termos do respetivo ponto 4, as partes acordaram, «para efeitos da celebração e da execução dos compromissos assumidos no presente protocolo, e sem prejuízo do que adiante [s]e estipula em 6., em fixar o crédito da (…) sobre a (…) no montante de € 32.625,00 (trinta e dois mil e seiscentos e vinte e cinco euros)».
3. Daquele ponto 6 resulta, por seu turno, que a falta de pagamento de qualquer uma das prestações fixadas no ponto 5, «no respetivo prazo de vencimento, importa o vencimento automático das prestações vincendas, bem como a contagem da integralidade dos juros moratórios vincendos sobre o correspondente valor em dívida, às taxas legalmente estabelecidas para os créditos de que sejam titulares empresas comerciais, contadas desde a data da celebração do presente protocolo até efetivo e integral pagamento, obrigação esta igualmente assumida pelo Terceiro Signatário (…), por si e solidariamente, como fiador e principal pagador de todas as obrigações assumidas pela (…) – Engenharia e Sistemas Construtivos, Lda. no presente protocolo, com renúncia expressa ao benefício da excussão prévia».
4. De acordo com o ponto 7 do mesmo documento, «[p]ara garantia do pontual e integral cumprimento da totalidade das obrigações pecuniárias assumidas pela segunda e pelo terceiro, a (…) dá de penhor à (…), penhor este que é mercantil, os dois equipamentos melhor relacionados no Anexo I ao presente protocolo, que dele faz parte integrante, declarando a segunda que os mesmos se encontram livres de ónus ou encargos. (…) Nos termos e para efeitos do disposto no Decreto-Lei n.º 75/2017, de 26 de Julho, consigna-se que, em caso de incumprimento das obrigações assumidas no presente protocolo, a primeira poderá apropriar-se dos bens empenhados pelo valor da avaliação que vier a ser efetuada por perito a indicar pela Ordem dos Engenheiros, ficando a primeira obrigada a restituir à segunda o montante correspondente a diferença entre os bens empenhados e o montante da obrigação então em dívida. A avaliação deverá obedecer aos seguintes critérios: idade dos equipamentos; estado de conservação e; preços praticados no mercado de equipamentos industriais usados».
5. No aludido Anexo I estão identificados os seguintes equipamentos:
«Verba 1: Uma ponte rolante com guincho, cor verde, marca / fabricante (…) n.º (…), com 1,6 TON.
Verba 2: Um compressor (…), Modelo (…), com o n.º de série» (…).
6. No requerimento executivo, no segmento atinente à enunciação dos factos, a exequente fez constar o seguinte: «Os executados não cumpriram pontualmente as obrigações assumidas na confissão de dívida autenticada, oferecida como título executivo, tudo conforme melhor resulta do exposto no campo "liquidação da obrigação" (…)».
7. Nesse campo, alegou o que segue:
«O valor líquido resulta do somatório do capital em dívida (€ 12.648,33) com os juros moratórios vencidos (€ 658,79), esclarecendo-se o seguinte:
a) Os executados obrigaram-se a pagar a quantia pela qual se confessaram devedores nas prestações e montantes melhor descritas no título executivo;
b) Sucede, porém, que os executados pagaram tão só pontualmente a primeira prestação acordada, no valor de € 3.000,00 com vencimento em 15.11.2017;
c) A segunda prestação, no valor de € 3.000,00, com vencimento em 15.12.2017, não incumprida;
d) Donde, nos termos do disposto na cláusula 6.ª da confissão de dívida oferecida como título executivo, em 16.12.2017 venceram-se automaticamente as prestações vincendas e bem assim a integralidade dos juros vencidos desde a data da celebração do protocolo e os vincendos até efetivo e integral pagamento;
e) Posteriormente, os executados vieram a proceder a diversos pagamentos parciais, os quais, tendo em consideração o disposto no artigo 785.º, n.º 1, do Código Civil, foram imputados em primeiro lugar aos juros vencidos, sendo o remanescente imputado ao capital;
f) Assim, em 23.01.2018, os executados procederam ao pagamento do valor de € 6.000,00, dos quais foram imputados € 555,95 aos juros entretanto vencidos e € 5.444,05 ao capital, ficando em dívida o valor de capital de € 24.180,95;
g) Em 16.02.2018, os executados procederam ao pagamento do valor de € 2.000,00, dos quais foram imputados € 121,90 aos juros entretanto vencidos e € 1.878,10 ao capital, ficando em dívida o valor de capital de € 22.302,85;
h) Em 26.02.2018, os executados procederam ao pagamento do valor de € 1.000,00, dos quais foram imputados € 43,99 aos juros entretanto vencidos e € 956,01 ao capital, ficando em dívida o valor de capital de € 21.346,84;
i) Em 16.03.2018, os executados procederam ao pagamento do valor de € 3.000,00, dos quais foram imputados € 79,54 aos juros entretanto vencidos e € 2.920,46 ao capital, ficando em dívida o valor de capital de € 18.436,38;
j) Em 19.04.2018, os executados procederam ao pagamento do valor de € 3.000,00, dos quais foram imputados € 133,28 aos juros entretanto vencidos e € 2.866,72 ao capital, ficando em dívida o valor de capital de € 15.559,66;
k) Em 16.05.2018, os executados procederam ao pagamento do valor de € 3.000,00, dos quais foram imputados € 88,67 aos juros entretanto vencidos e € 2.911,33 ao capital, ficando em dívida o valor de capital de € 12.648,33;
l) Em 08.11.2018, os executados procederam ao pagamento do valor de € 500,00, os quais foram integralmente imputados aos juros entretanto vencidos, os quais ascendiam, naquela data, ao valor de € 559,99. Assim, manteve-se em dívida o valor de capital de € 12.648,33 e o valor de juros vencidos de € 59,99;
m) Até à presente data, os executados não procederam a mais qualquer pagamento.
n) Os juros vencidos entre 09.11.2018 e a presente data (13.06.2019) ascendem ao valor de € 598,80.
o) A que acrescem os juros vencidos e não pagos até 08.11.2018, no valor de € 59,99.
p) Donde os juros vencidos e não pagos ascendem ao valor de € 658,79. (…)».
8. Em 03-02-2020 o Sr. Agente de execução suspendeu a execução relativamente à executada “(…) – Engenharia e Sistemas Construtivos, Lda.” em razão de a mesma ter sido declarada insolvente por sentença proferida em 29-01-2020 no âmbito do Processo n.º 2659/19.6T8LRA, do Juízo de Comércio de Leiria, do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria.
9. Em 26-06-2020 o Sr. Agente de execução procedeu à penhora integral de um saldo bancário, no valor de € 98,67 (noventa e oito euros e sessenta e sete cêntimos), na conta de depósitos à ordem n.º (…), de que o executado/oponente é titular junto do “Banco (…), S.A.”, assim como de 1/3 (um terço) do vencimento auferido pelo mesmo junto da sociedade “(…), S.A.”, tudo tendo por referência uma dívida exequenda de € 13.307,12 (treze mil, trezentos e sete euros e doze cêntimos) e despesas prováveis no valor de € 1.330,71 (mil e trezentos e trinta euros e setenta e um cêntimos).
10. A ponte rolante com guincho identificada no facto provado em 5 supra valia aproximadamente entre € 16.000,00 (dezasseis mil euros) e € 18.000,00 (dezoito mil euros).
11. O compressor também ali identificado estava em estado novo e valia entre € 6.000,00 (seis mil euros) e € 7.000,00 (sete mil euros).

B – O Direito
Nos termos do disposto no artigo 752.º/1 do CPC, executando-se dívida com garantia real que onere bens pertencentes ao devedor, a penhora inicia-se pelos bens sobre que incida a garantia e só pode recair noutros quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução. E o artigo 666.º/1 do CC, por sua vez, estatui que o penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não suscetíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro.
Com base neste regime legal, o Recorrente pretende obter o levantamento da penhora que incide sobre o seu vencimento, já que não foram penhorados dois bens móveis da co-Executada, sobre os quais incide penhor.
Ora, o regime inserto no artigo 752.º do CPC consagra exceções à regra da ordem de realização da penhora estabelecida no artigo 751.º do CPC, enunciando no respetivo n.º 1 que, executando-se dívida com garantia real sobre bens do devedor, tal como a decorrente de penhor, a penhora deve iniciar-se obrigatoriamente sobre tais bens, só podendo recair sobre outros bens em caso de manifesta insuficiência daqueles para conseguir o fim da execução (artigo 751.º/5/al. b), do CPC). “O n.º 1 do artigo 752.º do CPC regula somente a hipótese de o bem onerado pertencer ao próprio devedor (executado) e tem em vista definir uma sequência para a penhora dos respetivos bens. Diferente é a solução quando o bem onerado pertença a terceiro, podendo o exequente optar entre executar apenas o património do devedor (abdicando então de fazer valer a garantia), executar o terceiro titular do bem sobre que incide a garantia real (obtendo a penhora do bem onerado) ou executar tanto o devedor como o terceiro garante. Em qualquer dos casos, excluídos que estão do regime do n.º 1 do artigo 752.º, o devedor não pode exigir que a penhora comece pelo bem onerado pelo terceiro garante.”[1]
A jurisprudência também nos assinala que a prioridade na penhora dos bens onerados com garantia real só é conferida ao próprio devedor, não podendo beneficiar desse regime condevedores executados; em relação aos condevedores, nada obsta que se penhorem imediatamente os seus bens, sem necessidade de aguardar pela execução dos que se encontrem onerados com garantia real.[2]
Por conseguinte, aos condevedores executados não se aplica, entre si, o regime inserto no artigo 752.º/1, do CPC.
Decorre do exposto que, não obstante a execução tenha sido movida contra executado titular de bens sobre os quais incide penhor em favor da Exequente, ao co-executado Opoente não assiste o direito a exigir que a penhora se inicie sobre esses bens.
É certo que, nos termos e para efeitos do disposto no DL n.º 75/2017, de 26 de julho, Exequente e Executada sociedade acordaram que, em caso de incumprimento das obrigações assumidas, aquela poderá apropriar-se dos bens empenhados pelo valor da avaliação que vier a ser efetuada, conforme consta do documento supra enunciado. Trata-se de um regime acolhido pelas partes que outorgaram o denominado Protocolo, nos termos do qual a credora dispõe da faculdade de fazer seus os bens sobre os quais incide penhor, deles se tornando proprietária, observadas que sejam as formalidades estabelecidas nesse Protocolo.
Trata-se de uma faculdade que a credora pode exercer; em caso de incumprimento da outra parte, não está adstrita tomar para si os bens empenhados. E, levando em conta a matéria factual disponível, não consta que a Exequente tenha feito atuar tal regime contratual com vista a saldar a dívida.
Por outro lado, importa levar em linha de conta que a Executada, cujos bens o Recorrente pretende sejam antecipadamente penhorados, foi declarada insolvente em 29/01/2020. Por via disso, a execução foi suspensa relativamente à Executada (…) – Engenharia e Sistemas Construtivos, Lda. Em 26/06/2020, dado que a execução prosseguiu os seus regulares termos relativamente ao Executado, teve lugar a penhora de saldo bancário e de 1/3 do vencimento deste.
O que se mostra consentâneo com o disposto no artigo 88.º/1 do CIRE. Por via de tal regime legal, declarada que estava a insolvência da Executada (…), não podiam ser objeto de penhora bens desta, ainda que sobre eles recaísse penhor em favor da Exequente.
Não colhe a argumentação aduzida no sentido da violação do princípio da confiança, constitucionalmente consagrado. Na verdade, tendo assumido a qualidade de fiador, o Recorrente só podia antever ser chamado a prover, a par do devedor principal, a satisfação da dívida, em caso de incumprimento. Nos termos do disposto no artigo 627.º, n.ºs 1 e 2, do CC, por meio da fiança o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor, assumindo obrigação que é acessória da que recai sobre o principal devedor. Trata-se de uma «garantia pessoal tipo: o terceiro, fiador, assegura com o seu património a satisfação do direito do credor. É o que resulta da afirmação legal de que o fiador dica pessoalmente obrigado perante o credor. Em princípio, portanto, todo o património do fiador é responsável.»[3] «A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor» – artigo 634.º do CC. «Daqui resulta que o credor pode exercer perante o fiador os mesmos direitos que tem perante o devedor, quer estes respeitem à ação de cumprimento, quer à indemnização por incumprimento, mora ou cumprimento defeituoso.»[4]
E, como se deixou exposto, do regime legal não resulta que a execução recaia antecipadamente sobre bens do devedor principal. Ao que não podia, legitimamente, aspirar o Recorrente.
Termos em que se conclui inexistir fundamento que obste à penhora em bens do Recorrente para satisfação da dívida exequenda.


Concluindo: aos condevedores executados não se aplica, entre si, o regime inserto no artigo 752.º, n.º 1, do CPC.


IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.
Sem custas, por delas estar dispensado o Recorrente.
Évora, 11 de março de 2021
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Vítor Sequinho dos Santos

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[1] Abrantes Geraldes, Paulo Pimento, Pires de Sousa, CPC Anotado, Vol. II, pág. 136.
[2] Ac. TRC de 09/11/1999 (António Geraldes).
[3] Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. I, 4.ª edição, p. 643 e 644.
[4] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, 2016, p. 314.