Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
642/16.2T9TVR.E1
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: AMEAÇA GRAVE
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PROVA TESTEMUNHAL
Data do Acordão: 11/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - A motivação da decisão proferida sobre a matéria de facto não pode confundir-se com a repetição pelo tribunal de julgamento do teor dos depoimentos ou com a exposição de todo e qualquer detalhe, levando amiúde a motivações redundantes e substancialmente inúteis, nem com a explanação e desconstrução de todo o processo dedutivo, nomeadamente quando se trate da avaliação, de cariz essencialmente subjetivo, de certas características da prova pessoal, como sucede no caso presente com as referências à falta de credibilidade de algumas das testemunhas, ou à isenção e coerência de outras.

II - É praticamente inevitável que existam diferenças de perceção sobre um mesmo acontecimento vivido ou presenciado por pessoas diferentes, por ser diferente o processo de memorização de cada pessoa, em qualquer das três fases em que, teoricamente, se divide o processo de memorização. A fase de observação ou aquisição, na qual a informação é percebida e adquirida como representação mnésica, a fase de retenção ou armazenamento, ou seja, o período de tempo que decorre entre a aquisição de informação selecionada e a sua rememoração e, por último, a fase de recuperação ou de narração, na qual a testemunha ocular evoca e/ou reconhece a informação armazenada.

Sumariado pelo relator
Decisão Texto Integral:

Em conferência, acordam os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório

1. – Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que correm termos no Juízo de Competência Genérica de Tavira do Tribunal judicial da Comarca de Faro, foi sujeito a julgamento AA, nascido a 27 de Novembro de 1956, casado, a quem o MP imputara a prática de dois crimes de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.°, n. 1, do Código Penal, com a agravação ínsita na alínea a) do n." 1 do artigo 155.°, do mesmo diploma legal.

2. Os assistentes Carine e Duarte deduziram pedido de indemnização civil contra o arguido, pedindo que este seja condenado a pagar-lhes as quantias de € 1.000,00 e € 700,00, respetivamente, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidas de juros à taxa legal desde a data da notificação e até efetivo e integral pagamento.

3. – Realizada a audiência de julgamento, o tribunal singular decidiu:
- Julgar procedente, por provada, a acusação pública e, em consequência, condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de dois crimes de ameaça agravada p. e p. pelo artigo 153.°, n. 1 e alínea a) do n. 1 do art. 155.° do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa pela prática de cada um dos crimes, à taxa de € 6,00 (seis euros) por dia.

Realizado o cúmulo jurídico destas duas penas parcelares, condenar o arguido na pena única de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros) por dia.

Julgar parcialmente procedentes os pedidos de indemnização civil deduzidos pelos assistentes Carine e Duarte e, em consequência, condenar o arguido AA a pagar à assistente Carine a quantia de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros) e ao assistente Duarte a quantia de € 500,00 (quinhentos euros), acrescidas de juros de mora contados à taxa legal, em vigor em cada momento, a contar da notificação dos pedidos de indemnização civil ao arguido até efetivo e integral pagamento.

3. – Inconformado, recorreu o arguido extraindo da sua motivação as seguintes conclusões que se transcrevem:

«CONCLUSÕES:
I A decisão da matéria de facto, nas partes que se referem aos factos que supra se transcreveram, foi fundamentada apenas com base no depoimento das testemunhas, todas da assistente e do assistente, seus familiares diretos eles próprios totalmente contraditórios entre si, sendo as únicas testemunhas da acusação.

II Embora o tribunal a quo refira na fundamentação que teve em conta para formar a sua convicção o depoimento, das testemunhas e dos assistentes, na realidade, omite por completo o factos relevantes e que se extraem directamente dos depoimento destes intervenientes, e que revelam, se devidamente auditados, que os depoimentos não são naturais, nem circunstanciados e muito menos isentos ou credíveis.

III É lamentável que conste da fundamentação da sentença que o tribunal dê credibilidade ao assistente Duarte no sentido de recear a concretização das alegadas ameaças por este ter referido que o arguido possui armas e já ter tentado atropelar a sua companheira.

IV Tais factos já foram objecto de processo próprio tendo arguido sido totalmente absolvido dos factos que lhe eram imputados, tendo nesse processo ficado demonstrado o conluio, tal como sucede nestes autos, pelos mesmos interveniente processuais tanto assistentes como testemunhas, pai e mãe do assistente e filho da assistente.

V O Tribunal a quo extravasou claramente o princípio da livre apreciação da prova.

VI Existe clara falta de fundamentação da sentença, pelo que supra se alega.

VII Os factos a que se referem os presentes autos deram origem também a despacho de arquivamento, por se entender inexistirem indícios tendo posteriormente em sede de instrução sido proferido despacho de acusação porque o filho da assistente surgiu como nova testemunha a depor como se tivesse assistido aos mesmos.

VIII De facto, não pode deixar de ser do conhecimento funcional do tribunal que os mesmos assistentes e as mesmas testemunhas já moveram várias queixas do mesmo teor contra o arguido, todas elas arquivadas por serem manifestamente falsas e infundadas.

IX O tribunal a quo não cumpriu o seu dever de conjugação dos depoimentos das testemunhas e exame crítico das provas.

X O depoimento dos assistentes é contraditório entre si e com o das mais testemunhas e todos faltam claramente à verdade, pelo que se alegou supra e como tal não se repete.

XI O depoimento das testemunhas é contraditório, pelo que supra ficou alegado e como tal não se repete.

XII Não se aceita que conste da fundamentação da sentença que a sentença se fundamentou "nos depoimentos prestados pelas testemunhas Nuno e Elaine, pais do assistente Duarte , que presenciaram os factos descritos na acusação e descreveram as circunstâncias em que os mesmos ocorreram" .

XIII A matéria de facto provada e não provada não se fundou na análise e apreciação de toda a prova produzida e examinada em audiência de julgamento à luz do princípio da normalidade e das regras da experiência comum bem como na conjugação dos depoimentos dos assistentes e das testemunhas supra identificadas.

XIV O tribunal a quo não efectuou o exame crítico da prova produzida pois caso o tivesse feito teria necessariamente que optar pela absolvição do arguido.

XV A cabala montada pelos assistentes e testemunhas contra o arguido, movida claramente por desejo de vingança contra o arguido não é minimamente credível.

XVI O tribunal a quo não pode deixar de referir em que concretos factos das declarações ou da postura e comportamento das testemunhas e dos assistentes se baseou formular o seu juízo.

XVII Não referiu o tribunal a quo quais os concretos factos e declarações serviram para formar a sua convicção simplesmente porque ouvindo as gravações das declarações dos assistente e das suas testemunhas verifica-se que os mesmos não existem, sendo manifestamente incongruentes e contraditórios e falsos.

XVIII O tribunal a quo não fundamenta em que factos concretos no decorrer da inquirição das testemunhas e dos assistentes se baseia para referir que o depoimento dos mesmos é espontâneo, credível e coerente.

XIX Nota-se claramente que o depoimento das testemunhas e dos assistentes é manifestamente parcial e premeditado.

XX Pelo exposto nas alegações, e como é evidente em sede de motivação da sentença nas partes aqui supra citadas, os factos provados em que se centra o presente recurso (2,3 e 4 e consequentemente 12 a 15) assim foram considerados por meio de inferências realizadas pelo julgador, as quais se poderão resumir no seguinte raciocínio: da existência de sentimento de ameaça por parte dos assistentes e ofendidos, que são antes a expressão do desejo de vingança dos mesmos motivado por anteriores queixas arquivadas contra o arguido e por más relações resultante das disputas relacionadas com a menor, das suas declarações e das declarações das testemunhas da acusação que não presenciaram quaisquer factos, cujo conteúdo permita extrair, também por raciocínio presuntivo-dedutivo, a autoria dos factos por parte do arguido, pelo que em caso de dúvida o arguido vai condenado por opção do tribunal a quo.

XXI Com todo o respeito pela eminente sabedoria da meritíssima juíza a quo, consideramos não ser de admitir as inferências formuladas como se apresenta supra e se desenvolveu nas alegações e transcrição das declarações.

XXII Com efeito,

XXIII Não poderá deixar de se considerar excessivo que das declarações prestadas pelos assistentes e pelas suas testemunhas nos termos em que constam dos registos da prova gravada, se conclua, sem uma grande margem de dúvida, pela concretização real do facto e da sua autoria.

XXIV. Pelo supra exposto, não concedemos quanto a considerar que deverão ser subtraídos aos factos provados os pontos 2, 3 e 4 e 12 a 15.

XXV Verifica-se no entender do julgador que não há igualmente qualquer outro meio de prova que sustente a autoria e existência dos factos imputados ao arguido que não as declarações dos assistentes e das suas testemunhas, claramente falsos.

XXVI Na ausência dos elementos probatórios ou indiciários acabados de mencionar, as inferências que suportam os factos em que nos concentramos nesta sede são, com todo o respeito, resultado de um passo lógico inadmissivelmente lasso levado a cabo na fundamentação pelo tribunal a quo.

XXVII. A relação causal entre o facto de os assistentes terem alegadamente sido ameaçados e a imputação dos factos ao arguido encontra-se demasiado longe de poder ser assegurada, do ponto de vista da Lógica, simplesmente por que os depoimentos que se encontram gravados são manifestamente ilógicos, falsos e incongruentes.

XXVIII. Pois que existe, de facto e por natureza, um universo demasiado vasto de factos e ocorrências com potencialidade para imputar os factos ao arguido.

XXIX Tão vasto que também (e mais) de acordo com as regras da experiência comum se imporá concluir que as inferências objecto da nossa atenção se apoiam numa logicidade tão ténue quanto adequada a fornecer ao julgador uma margem de dúvida considerável.

XXX Resulta claro da fundamentação da douta sentença que na dúvida o tribunal a quo optou por condenar o arguido.

XXXI A margem de dúvida a que nos reportamos terá, à luz do princípio in dúbio pro reu, que aproveitar ao arguido, pelo que se considera que não podiam ter sido dados como provados os factos transcritos supra em 2,3,4 e 5 e consequentemente 12 a

XXXII. Também não é aceitável que os factos sejam imputados ao arguido só porque estes e os ofendidos e a testemunhas haviam tido desavenças relacionadas com a menor, como consta da douta sentença.

XXXIII. Não nos parece que tais considerações possam sustentar uma inferência, em sede de prova em processo penal, de que estes factos vieram efetivamente a ter lugar, porquanto tal será mesmo atentador da imperante presunção de inocência do arguido.

XXXIV. Não se aceita que o tribunal forme a convicção de que o recorrente ameaçou os ofendidos a partir do facto de assim ter sido indicado pelos assistentes e pelas suas testemunhas da forma que o fizeram e que se encontra gravada, porquanto tal constitui uma aderência acrítica à versão da acusação.

XXXV. O que afasta o julgador do processo do seu papel original.

XXXVI. Porque se considera que ao Tribunal a quo caberia julgar como supra se expôs, têm-se por violadas pelo mesmo o princípio in dúbio pro reu, 127º do Código de Processo Penal e artigo 32.º n.º 2 da C.R.P.

XXXVII Não sendo de concluir, na senda do que vem sendo dito, pela real ocorrência dos factos 2, 3, 4 e 5 e consequentemente 12 a 15 dados como provados, terá o arguido que ser absolvido do crime que lhe é imputado bem como do pedido cível em que foi condenado.

XXXVIII. Também por tudo o que acima foi dito a douta sentença viola os artigos 153.º n.º 1 e aI. a) do n.º 1 do artigo 155.º do Código Penal, porque não estão verificados os elementos objectivos e subjectivos contidos nas normas.

XXXIX. Ainda que assim não se entenda, e sempre sem conceder:

XL o pedido cível não resulta minimamente provado.

XLI Conforme consta da douta sentença não resultou provado que os demandados tenham sofrido os factos referidos em 18 a 24 dos factos considerados como não provados.

XLII Assim é manifestamente exagerada e desproporcional a condenação da demandada a pagar à demandante o valor de 750,00 € e ao demandante o valor de 500,00 €.

XLIII A pena aplicada ao arguido viola o princípio da proporcionalidade e da adequação, também pelos factos supra alegados e que se encontram dados como provados, pelo que deverá ser reduzida ao seu limite mínimo.

Termos em que requer a Vs. Ex.ªs que julguem procedente o presente recurso, revogando a douta sentença recorrida e substituindo-se a mesma por outro que absolva o arguido com todas as legais consequências.

Ou ainda que assim não se entenda, e sempre sem conceder, seja o arguido absolvido do pedido cível ou seja a pena e o pedido cível reduzidos aos seus valores mínimos»

5. – Notificado para o efeito, o MP apresentou resposta ao recurso concluindo pela sua improcedência

6. - Nesta Relação, o senhor Procurador-Geral Adjunto apresentou parecer no mesmo sentido.

7.Notificado da junção daquele parecer, o arguido nada acrescentou.

8. – A sentença recorrida (transcrição parcial):

«1. Factos provados

Da acusação
1. No dia 31 de Dezembro de 2014, pelas 17h30, quando a assistente Carine se encontrava na Quinta ---, na Luz Tavira, o arguido a ela se dirigiu, por diferendos relacionados com a filha que o companheiro da assistente, Duarte tem em comum com a filha do arguido.

2. Aí chegado e após uma troca de palavras entre ambos, o arguido dirigiu-se à assistente e disse que da próxima vez não seria na frente do carro que iria ficar mas sim na bagageira, ela e quem com ela estivesse.

3. Acto contínuo, o arguido dirigiu-se a Duarte, que no local também se encontrava, e disse: "Vou buscar a espingarda, vou buscar a pistola, vou buscar as armas que for preciso e em Janeiro ficará menos um, e se for preciso parto-te os carros".

4. As expressões que o arguido dirigiu à assistente e a Duarte, considerando todas as circunstâncias que as rodearam, nomeadamente, o facto de a assistente ser companheira e Duarte ser o pai da neta do arguido e existir entre as famílias divergências relativas à menor, foram proferidas de forma a provocar naqueles receio e inquietação, o que logrou conseguir.

5. Agiu o arguido, em tudo, livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram, como são, punidas e proibidas por lei.

Dos antecedentes criminais e situação pessoal e económica do arguido
6. O arguido não tem antecedentes criminais.

7. O arguido é reformado e aufere uma pensão de reforma de € 1300,00 mensais.

8. Trabalha como segurança, auferindo € 500,00 mensais.

9. A mulher do arguido é doméstica.

10. O arguido vive em casa própria e tem as seguintes despesas mensais fixas: - € 130,00 com a prestação do empréstimo da casa. - € 427,00 com a prestação do carro.

11. O arguido tem o 4° ano de escolaridade.

Do pedido de indemnização civil

12. A demandante Carine receou pela sua vida e integridade física, bem como pela vida e integridade física da sua família, designadamente, do seu filho NM.

13. Receio esse que perdura até aos dias de hoje, tendo dificuldade em deixar que o seu filho saia de casa sozinho.

14. O demandante Duarte receou pela sua vida e integridade física, bem como pela vida e integridade física da sua família.

15. Receio esse que perdura até aos dias de hoje.

2. Factos não provados
Da acusação

16. Os factos descritos em 1. a 3. ocorreram no Sítio da Arroteia, …na Luz de Tavira.

17. Acto contínuo, o arguido dirigiu-se à assistente e disse: "Vou buscar a espingarda, vou buscar a pistola, vou buscar as armas que for preciso e em Janeiro ficará menos um, e se for preciso parto-te os carros".

Do pedido de indemnização civil
18. Os demandantes viveram dias de angústia que perduram até hoje.

19. Os demandantes ficaram muito abalados e psicologicamente afectados.

20. Passando dias seguidos com insónias.

21. Os demandantes levaram muito tempo a conseguir reagir ao sucedido e a continuar a fazer a sua vida normal.

22. Os demandantes ficaram numa situação de desespero.

23. À data dos factos os demandantes eram pessoas felizes e após o sucedido sentem-se amedrontados.

24. Os demandantes começaram a exteriorizar uma atitude deprimida, assustada e introspectiva passando a ter vergonha de contactar e interagir com as pessoas.

3. Motivação de decisão da matéria de facto.
A convicção do tribunal quanto à matéria de facto provada e não provada fundou-se genericamente na análise e apreciação de toda a prova produzida e examinada em audiência de julgamento à luz do princípio da normalidade e das regras da experiência comum, nomeadamente:

. nas declarações prestadas pelo arguido AA que admitiu ter-se deslocado à Quinta ---, na Luz de Tavira (casa dos pais do assistente Duarte) acompanhado da filha, a testemunha VS, no dia e hora descritos na acusação, referindo que quando aí chegaram os assistentes já estavam de saída, dentro do carro com a neta, e que apenas se dirigiram à assistente (primeiro a filha do arguido e depois o arguido) para saberem se a neta podia passar a passagem do ano com eles, negando a prática dos factos descritos na acusação; referiu ainda que, como a assistente não autorizou que a neta fosse com eles, chamaram a patrulha da GNR para irem buscar a neta ao Livramento, a casa da assistente.

• nas declarações prestadas pelos assistentes Carine e Duarte que descreveram de forma circunstanciada, fundada, natural e isenta os factos descritos na acusação, confirmando que tais factos ocorreram na quinta ---, na Luz de Tavira (casa dos pais do assistente) e não no local indicado na acusação; a assistente referiu ainda que o arguido e a filha já se tinham deslocado ao local de trabalho da assistente com intenção de levarem a filha do companheiro com eles depois de ter ficado combinado, por escolha da filha do companheiro, que esta passaria o fim do ano com o pai; mais referiu que a partir daí deixou de viver sossegada, passou a temer pela sua vida e pela vida do filho que passou a sair de casa e a deslocar-se à escola sempre acompanhado; o assistente Duarte referiu, por sua vez, ter ficado com receio que arguido concretizasse as ameaças por ter conhecimento que o arguido possui armas e já ter tentado atropelar a companheira; mais confirmaram os assistentes que a seguir foram para casa no Livramento e que passado um bocado o arguido deslocou-se a casa deles acompanhado da GNR para ir buscar a neta.

• nos depoimentos prestados pelas testemunhas Nuno e Elaine, pais do assistente Duarte, que presenciaram os factos descritos na acusação e descreveram as circunstâncias em que os mesmos ocorreram e cujo depoimento também se mostrou sincero e credível; a testemunha Nuno referiu ainda ter-lhe chamado a atenção o arguido ter dito que para a próxima vez iam todos na mala do carro em tom alterado; a testemunha Elaine confirmou, por sua vez, o receio dos assistentes pela sua vida e integridade física e pela vida e integridade física do filho da Carine.

• no depoimento da testemunha VS, filha do arguido, que referiu ter ido a casa dos pais do assistente Duarte para ir buscar a filha e que como a Carine lhe disse que não podia levar a filha, foram buscar a GNR para resolver a situação, referindo que o pai se manteve sempre dentro do carro, contrariando assim as declarações prestadas pelo pai.

É ainda de salientar que a testemunha quando confrontada com as contradições entre o seu depoimento e as declarações prestadas pelo pai, optou por responder não se recordar, invocando padecer de falta de memória em consequência de uma queda que sofreu em criança, razão pela qual não foi o seu depoimento valorado pelo tribunal.

• no depoimento da testemunha NM, filho da assistente Carine, que confirmou também de forma circunstanciada os factos descritos na acusação e bem assim a ulterior vinda do arguido com os guardas da GNR a sua casa. Referiu ainda os receios da concretização das ameaças por parte da mãe, nomeadamente, em relação à sua pessoa.

• no depoimento da testemunha JT que confirmou ter-se deslocado ao Livramento acompanhado do arguido e da filha, a pedido destes, para irem buscar a neta do arguido em virtude do pai não a querer entregar à mãe, referindo que aí chegado confirmou junto da menina que esta queria ficar com o pai naquela noite, situação que expôs à mãe, tendo ficado então combinado que a menina seria entregue à mãe no dia seguinte de manhã.

• nos depoimentos prestados pelas testemunhas CM e JC que depuseram sobre a personalidade do arguido e competências profissionais.

• nas declarações prestadas pelo arguido sobre a sua condição pessoal e económica que mereceram credibilidade.

• no CRC do arguido junto a fls. 276.

Importa salientar também que a versão do arguido, para além de contrariada pelos assistentes e pelas demais testemunhas que presenciaram os factos, não foi corroborada por qualquer outra prova produzida em audiência, sendo certo que, ao contrário daquilo que o arguido fez crer, a sua deslocação a casa dos pais do assistente não era para saber se a neta poderia passar a noite de fim de ano com eles, mas sim para levar a neta com eles, ainda que para isso tivesse de recorrer à força pública, como aconteceu, situação reveladora do estado de espirito que animava o arguido quando se deslocou a casa dos pais do assistente e interceptou os assistentes no regresso a casa.

Assim, no que se refere à matéria provada descrita nos pontos 1. a 3. da acusação, a convicção do tribunal fundou-se nas declarações prestadas pelos assistentes e nos depoimentos prestados pelas testemunhas Nuno, Elaine e NM.

Relativamente à matéria descrita em 4. e 5., resultou da manifesta adequação das palavras do arguido a provocar receio, medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação dos visados, independentemente destes ficarem com medo ou inquietação ou prejudicados na sua liberdade de determinação e da consciência por parte do arguido de que o comportamento assumido é susceptível de causar medo ou inquietação ou de perturbar a liberdade dos visados.

Relativamente aos antecedentes criminais e à situação pessoal e económica do arguido (pontos 6. a 11.) teve-se em conta o CRC junto a fls. 276 e as declarações prestadas pelo arguido que mereceram suficiente credibilidade.

No que se refere à matéria dos pedidos de indemnização (pontos 12. a 15.), resultou das declarações prestadas pelos assistentes e pelas testemunhas Elaine e NM que relataram o receio provocado nos assistentes, temendo pela sua vida e pela vida do filho da assistente.

Relativamente à matéria de facto não provada (ponto 16.), resultou das declarações (do arguido e dos assistentes) e dos depoimentos testemunhais prestados, todos consentâneos quanto ao local dos factos descritos na acusação; a matéria de facto não provada constante do ponto 17. fundou-se nas declarações prestadas pelos assistentes.

Não se respondeu à demais matéria de facto alegada nos pedidos de indemnização civil por se tratar de matéria conclusiva e/ou de direito ou repetida; relativamente à matéria não provada (18. a 24.), resultou da ausência de prova concludente sobre a mesma.

4. Enquadramento jurídico-penal
(…)
5. Escolha e medida da pena.
A pena abstractamente aplicável aos crimes praticados pelo arguido é de prisão até dois anos ou de multa até 240 dias (artigo 155°, n° 1, do CP).

Tendo em conta a matéria de facto apurada, as finalidades da punição e os critérios orientadores para a determinação da escolha da pena consagrados nos artigos 40° e 70° do Código Penal, entendo não se justificar aplicar ao arguido uma pena privativa da liberdade, considerando a pena de multa adequada e suficiente às finalidades das punições, tanto mais que o arguido não tem antecedentes criminais.

Para a concretização da pena, tendo em atenção todos os factos apurados relevantes para esse fim apreciados à luz das orientações contidas no artigo 71 ° do Código Penal, designadamente o grau de ilicitude dos factos (que é média) e a culpa do agente (na forma de dolo directo), depondo a favor do arguido a ausência de antecedentes criminais, e tendo ainda em conta a condição pessoal e económica do arguido, concluo que será ajustado aplicar ao arguido a pena de 80 (oitenta) dias de multa por cada um dos crimes praticados, à razão diária de € 6,00 (seis euros).

Nos termos do artigo 77°, n° 2, do Código Penal, a moldura abstracta do concurso em presença situa-se entre a pena concretamente aplicada mais elevada - 80 dias de multa - e a soma das penas concretamente aplicadas - 160 dias de multa.

Assim, considerando todos os factos apurados relevantes para esse fim apreciados à luz das orientações contidas nos artigos 71 ° e 77°, n° 1, do Código Penal mostra-se adequado fixar ao arguido a pena unitária de 100 (cem) dias de multa à razão diária de € 6,00 (seis euros).

6. Pedido de indemnização civil
(…) »

Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.

II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Delimitação do objeto do recurso.
É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

1.1.
a) O arguido começa por recorrer em matéria de facto nos termos do art. 412º nºs 3 e 4 do CPP, impugnando a decisão que julgou provados os pontos 2, 3, 4 e 5 e, consequentemente, 12 a 15, da factualidade provada, relativos à sua responsabilidade penal, por entender que das provas que indica resulta deverem os mesmos ser julgados não provados, em obediência ao princípio in dubio pro reo.

Embora os pontos 12 a 15 venham indicados na sentença recorrida como reportando-se à responsabilidade civil, os mesmos relevam igualmente em matéria de determinação da sanção, pelo que integram o objeto da impugnação apesar de não ser admissível o recurso em matéria cível (vd infra 1.2.).

b) Ainda que em termos pouco assertivos e sem referências de direito, o arguido invoca falta de fundamentação da sentença, o que, a proceder, constitui nulidade da mesma nos termos do art. 379º CPP.

c) Insurge-se ainda o arguido quanto à medida da pena, entendendo que a mesma deve ser reduzida ao seu limite mínimo, resultando dos termos do recurso que apenas se refere à pena única.

1.2. O arguido recorre ainda em matéria de direito, relativa à sua responsabilidade civil, entendendo ser manifestamente exagerada e desproporcional a condenação do demandado nos montantes de €750,00 e €500,00, uma vez que foram julgados não provados os pontos 18 a 24 da factualidade não provada.

Porém, o recurso em matéria cível é inadmissível face ao disposto no art. 400º nº2 do CPP, uma vez que o valor da soma dos pedidos deduzidos por ambos os lesados (1750 euros) é inferior à alçada do tribunal de 1ª instância, de que se recorre (5 000€), para além de o decaimento para o arguido ser igualmente inferior a metade daquela mesma alçada. Assim, rejeita-se o recurso do arguido em tudo o que respeita ao pedido cível, de harmonia com o preceituado nos artigos 414º nºs 2 e 3 e 420º nº1 b), do CPP.

Há, pois, que decidir as questões indicadas em 1.1., passando a apreciar-se em primeiro lugar a nulidade de sentença, dados os seus efeitos processuais.

2. Decidindo.

2.1. A nulidade de sentença – falta de exame crítico das provas.
Alega o arguido a este respeito, que o tribunal a quo não efetuou o exame crítico da prova produzida, na medida em que não pode deixar de referir em que concretos factos das declarações ou da postura e comportamento das testemunhas e dos assistentes se baseou para formular o seu juízo e não fundamenta em que factos concretos no decorrer da inquirição das testemunhas e dos assistentes se baseia para referir que o depoimento dos mesmos é espontâneo, credível e coerente.

Vejamos.
a) Nos termos do art. 379º nº 1 a)do CPP, é nula a sentença que viole o dever de fundamentação imposto pelo art. 205º nº1 do CPP e especificamente regulado pelo 374º nº2 do CPP, ao qual se reconhecem – ultrapassando meras diferenças de formulação -, essencialmente três finalidades:

- (1) Permitir o controlo da legalidade do acto em via de recurso (2) convencer os interessados e os cidadãos em geral da correção e justiça da decisão e (3) obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, atuando por isso como meio de autocontrolo.

O dever de fundamentação da sentença inclui o dever do tribunal de julgamento apreciar criticamente as provas que serviram para formar a sua convicção, a qual consiste na exposição do processo racional e lógico pelo qual o tribunal considerou os factos provados ou não provados, com base na prova produzida.

b) Esta exposição – ainda que concisa, como refere o nº2 do art. 374º – deve permitir compreender o motivo pelo qual o tribunal julgou suficientes ou prevalecentes os meios de prova que suportam a decisão negativa ou positiva sobre os factos em causa. Sem que tal implique, porém, contrariamente ao que parece entender o arguido, que o tribunal a quo especificasse as concretas declarações a que se refere, fazendo verdadeiras assentadas das declarações prestadas, ou mencionando aspetos concretos da postura e comportamento das testemunhas e dos assistentes em se baseou para formular o seu juízo, tanto sobre a sua fonte de ciência como a sua credibilidade, isto é, os motivos pelos quais qualifica os depoimentos de espontâneos, credíveis e coerentes.

Conforme tivemos ocasião de referir em anteriores decisões, a motivação da decisão proferida sobre a matéria de facto não pode confundir-se com a repetição pelo tribunal de julgamento do teor dos depoimentos ou com a exposição de todo e qualquer detalhe, levando amiúde a motivações redundantes e substancialmente inúteis, nem com a explanação e desconstrução de todo o processo dedutivo, nomeadamente quando se trate da avaliação, de cariz essencialmente subjetivo, de certas características da prova pessoal, como sucede no caso presente com as referências à falta de credibilidade de algumas das testemunhas, ou à isenção e coerência de outras.

O controlo da legalidade da decisão em matéria de facto pelos demais sujeitos processuais é assegurado, em via de recurso, pelo conhecimento direto que têm da prova pessoal produzida, analisada ou, em todo o caso disponível, na audiência de julgamento e pelo acesso ao registo da prova para prepararem o seu recurso, de modo a levarem a sua perspetiva sobre os erros do tribunal de julgamento em matéria de facto ao tribunal de recurso, que pode igualmente aceder ao registo das declarações prestadas, sob indicação do recorrente e, eventualmente do recorrido, de modo a poder confrontar os juízos valorativos e sínteses do tribunal a quo com o teor daquelas mesmas declarações e a forma como as mesmas foram prestadas, na medida – não despicienda – em que tal é percetível através da respetiva audição.

Necessário é, pois, que a apreciação crítica das provas expresse uma decisão ponderada, não arbitrária, compreensível para a generalidade dos cidadãos e, portanto, também para o tribunal de recurso, face às provas concretamente produzidas e às regras da ciência, da lógica e de experiência, que enformam e limitam o princípio da livre apreciação da prova consagrado positivamente no art. 127º do CPP.

c) É este manifestamente o caso dos autos, pois o tribunal a quo indica claramente, com base em que prova pessoal (e demais elementos probatórios) julgou provado o essencial da versão acusatória, bem como as razões pelas quais as declarações e depoimentos dos assistentes e das testemunhas Nuno e Eleine, pais do assistente, NM, filho da assistente e JT, militar da GNR, em confronto com o testemunho de VS filha do arguido e as declarações do arguido, explicando claramente, ainda que de forma sucinta, as razões que o levaram a encontrar credibilidade, isenção, conhecimento dos factos por parte dos primeiros relativamente a estes último. Apreciações estas que permitem ao tribunal de recurso posicionar-se perante elas na sua motivação de recurso e ao tribunal ad quem, no contacto com a prova registada, avaliar da sua adequação e rigor, ficando assim em condições de julgar com segurança do mérito da impugnação da decisão proferida em matéria de facto.

Mostra-se, assim, cabalmente cumprido o dever de apreciar criticamente a prova imposto pelo citado art. 374º nº2 do CPP, no caso concreto, pelo que não se verifica o vício de falta de fundamentação, gerador de nulidade de sentença nos termos do art. 379º CPP, improcedendo o recurso nesta parte.

2.2 Impugnação da matéria de facto – pontos 2, 3, 4 e 5 e 12 a 15, da factualidade provada.

a) Os factos descritos nos pontos 2 e 3 da factualidade provada integram os elementos objetivos de cada um dos dois crimes de ameaça agravada p. e p. pelo artigo 153.°, n. 1 e alínea a) do n. 1 do art. 155.° do Código Penal, praticados, respetivamente, na pessoa da assistente, Carine, e na pessoa do assistente, Duarte. O ponto 4 daquela factualidade reporta-se à adequação das expressões usadas pelo arguido para incutir receio e inquietação em ambos os assistentes, o ponto 5 ao dolo e os pontos 12 a 15, que se referem às consequências da conduta do arguido na pessoa dos assistentes, relevam em matéria de determinação da sanção.
O cerne da impugnação encontra-se na matéria dos pontos 2 e 3 da factualidade provada e é do que expõe relativamente àqueles factos que decorre a fundamentação do recurso quanto aos demais factos impugnados, uma vez que o arguido não indica provas diferentes das indicadas para os pontos 2 e 3 que visem, especificamente, impor decisão diversa quanto aos pontos 4, 5 e 12 a 15. Assim, é a propósito dos pontos 2 e 3 que começaremos por apreciar e decidir a impugnação em matéria de facto e só no caso de a mesma proceder quanto a eles haverá que apreciar as consequências que dessa procedência advirá para a prova dos pontos 4 e 12 a 15.

Vejamos então.

Os factos impugnados correspondem à versão da acusação (exceto no que respeita ao local), que o tribunal a quo julgou provada com base nas declarações do arguido, relativamente ao encontro que ocorreu entre ele e os assistentes, bem como ao momento e local desse mesmo encontro, nas declarações dos assistentes e das testemunhas Nuno e Elaine, pais do assistente e da testemunha NM, filho da assistente. Versão de que se destaca que o encontro entre todos os intervenientes relaciona-se com o diferendo existente entre o arguido e sua filha, por um lado, e o assistente, Duarte e a assistente, por outro lado, relacionado com o poder parental relativo à menor Mariana, filha de ligação que existiu entre VS (filha do arguido) e o assistente Duarte, companheiro da assistente à data dos factos.

b) Conforme declarado pelo próprio arguido, foi ele e sua filha que tiveram a iniciativa de deslocar-se ao encontro dos assistentes para tentar que a menor em causa passasse o fim de ano com eles, propósito este que tentaram atingir num segundo momento ao provocarem a deslocação de efetivos da GNR ao local, embora, na sua versão, não tenha proferido nenhuma das palavras “ameaçadoras” descritas nos pontos 2 e 3 ora impugnados, versão esta que é sustentada pela testemunha VS, sua filha. No essencial, o arguido nega ter proferido as palavras em causa e entende que o tribunal a quo não devia ter julgado provada a versão da acusação, porque todas as testemunhas da assistente e do assistente, seus familiares diretos, são totalmente contraditórios entre si, os seus depoimentos não são naturais, nem circunstanciados e muito menos isentos ou credíveis. Também o depoimento dos assistentes é contraditório entre si e com o das mais testemunhas e todos faltam claramente à verdade. Nota-se claramente, conforme diz, que o depoimento das testemunhas e dos assistentes é manifestamente parcial, tratando-se de uma cabala montada pelos assistentes e testemunhas contra o arguido, movida claramente por desejo de vingança contra o arguido.

c) Todavia, resulta das declarações dos assistentes e dos depoimentos dos pais e do filho da assistente que todos eles estiveram presentes no local e momento dos factos, tal como se refere na apreciação crítica da prova. Por outro lado, o arguido limita-se a assinalar divergências entre os depoimentos dos assistentes e das testemunhas arroladas pela acusação, que não suportam as dúvidas que o arguido pretende existirem sobre a credibilidade desses mesmos documentos ou o teor respetivo.

Por um lado, o arguido limita-se a adiantar supostas divergências entre afirmações descontextualizadas da assistente relativamente ao modo como se iniciou ao encontro e como o arguido proferiu as palavras descritas em 2), pois o que aquela explica é que saiu do carro quando o arguido lhe bloqueou o caminho (e não que saíram todos do carro imediatamente), que ficou com a porta do carro entre ela e o arguido e foi nesta ocasião que o arguido lhe dirigiu as palavras descritas em 2, assim como explica por que não ouviu as palavras proferidas pelo arguido contra o seu companheiro, sem que o arguido apresente qualquer razão lógica para a assistente afirmar falsamente que não ouvira aquelas afirmações ou porque, fazendo parte de uma cabala contra o arguido, como alegado, deixaria de afirmar “falsamente” ter ouvido aquelas afirmações.

A assistente explica-o de forma clara, quer espontaneamente quer respondendo às perguntas que lhe foram repetida e insistentemente dirigidas, designadamente pelo defensor do arguido, acompanhando o seu relato de várias referências circunstanciais que dão credibilidade e densidade ao seu depoimento e que não estão em contradição relevante com o afirmado por si ou por outras testemunhas, nomeadamente o seu filho Nuno ou o assistente Duarte. Assistente este que depôs igualmente de forma clara, coerente e isenta, esclarecendo os factos em que interveio, distinguindo entre aqueles a que assistiu e outros relativamente aos quais afirmou nada saber.

Com efeito, algumas divergências verificadas são meramente pontuais e circunstancias, explicáveis de acordo com as regras da experiência, pois é praticamente inevitável que existam diferenças de perceção sobre um mesmo acontecimento vivido ou presenciado por pessoas diferentes, por ser diferente o processo de memorização de cada pessoa, em qualquer das três fases em que, teoricamente, se divide o processo de memorização. A fase de observação ou aquisição, na qual a informação é percebida e adquirida como representação mnésica, a fase de retenção ou armazenamento, ou seja, o período de tempo que decorre entre a aquisição de informação selecionada e a sua rememoração e, por último, a fase de recuperação ou de narração, na qual a testemunha ocular evoca e/ou reconhece a informação armazenada. A precisão e completude dos relatos mnésicos dependem de fatores que ocorrem numa, ou mais, destas fases. – Cfr , por todos, A.D. Yarmey, Depoimentos de testemunhas oculares e auriculares in Psicologia Forense, António Castro Fonseca, et al., eds, Almedina, 2006, pp. 229-230.

Divergências pontuais entre depoimentos presenciais não fundamentam, pois, a alegação de falta de credibilidade dos respetivos depoimentos desde que ao reapreciar a prova pessoal o tribunal de recurso, secundando o tribunal de julgamento, conclua pela isenção e coerência daquelas declarações, não vendo fundamento no caso concreto para a alegada falsidade de depoimentos, ou cabala montada contra o arguido, pois tal, alegação não tem qualquer suporte nos trechos das declarações da assistente e do assistente transcritos na motivação de recurso, e menos ainda na forma como os assistentes prestaram declarações em audiência suficientemente referenciadas e analisadas pelo tribunal a quo.

Refira-se ainda que no caso presente são irrelevantes os considerandos do recorrente sobre prova indireta, por duas razões. Em primeiro lugar, porque pois só estaremos perante prova indireta ou por presunções naturais, quando o objeto dos meios de prova se reporta a factos secundários, indiciários ou circunstanciais, dos quais se infira a realidade de factos principais. Não é o que sucede no caso presente relativamente aos pontos 2 e 3, pois estes factos, (que são factos principais, na medida em que deles depende, diretamente, a responsabilidade penal do arguido) é que integram o objeto das declarações e depoimentos indicados pelo recorrente. Em segundo lugar, nas suas considerações genéricas sobre prova indireta o recorrente não se reporta especificamente às inferências retiradas dos pontos 2 e 3 para prova, indireta, dos pontos 4, 5 e 12 a 15, mas antes e sempre à prova dos pontos 2 e 3, o que é irrelevante no caso concreto, pois foi direta a prova dos mesmos, como referido, visto que os assistentes e testemunhas contaram ter visto e ouvido ser proferidas as palavras incriminatórias pelo arguido e não quaisquer outros factos de onde se inferissem aquelas mesmas palavras. Ou seja, foram diretamente julgados provados estes factos 2 e 3 porque o objeto das declarações e depoimentos dos assistentes e testemunhas coincide com o facto principal de que depende, diretamente, a incriminação do arguido.

d) Concluímos, pois, não ter o tribunal a quo incorrido em erro de julgamento ao reconhecer credibilidade, isenção e coerência às declarações de ambos os assistentes e demais testemunhas que corroboraram a sua versão dos factos, não se verificando qualquer dúvida que implicasse a aplicação do princípio in dubio pro reo, pelo que improcede a impugnação da decisão que julgou provados os pontos 2 e 3 da factualidade provada, uma vez que, como repetidamente tem sido chamada a atenção pelos nossos tribunais, no processo penal português os recursos visam reparar erros de julgamento, pelo que apenas haverá lugar à modificação da decisão recorrida se for demonstrada a existência de erros de julgamento em matéria de facto, que se traduzam na violação de norma de direito probatório (aqui incluindo o princípio in dubio pro reo), de regra do conhecimento técnico ou científico, regra da experiência ou violação da regra inerente ao princípio da livre apreciação da prova e aos princípios da culpa e da presunção de inocência, segundo a qual a decisão tem de assentar em prova para além de qualquer dúvida razoável.

Improcedendo a impugnação quanto aos pontos 2 e 3, improcede igualmente quanto aos demais (4, 5 e 12 a 15), pois a impugnação quanto a estes pressupunha a procedência da impugnação quanto aos pontos 2 a 3, conforme vimos.

2.3. Relativamente à medida concreta da pena única o arguido limita-se a afirmar conclusivamente, tanto no texto da sua motivação como nas respetivas conclusões, que “A pena aplicada ao arguido viola o princípio da proporcionalidade e da adequação, também pelos factos supra alegados e que se encontram dados como provados, pelo que deverá ser reduzida ao seu limite mínimo”.

É, porém, manifesta a falta de razão do arguido e recorrente, pois situando-se o limite mínimo da moldura penal em 80 dias de multa e o seu limite máximo em 160 dias, a fixação da pena em 100 dias de multa não se mostra desconforme, em desfavor do arguido, com o critério estabelecido no art. 77º nº 1 do C. Penal, de acordo com o qual atende-se na determinação da pena concreta, em conjunto, aos factos e personalidade do arguido, pois tanto a gravidade das consequências dos factos para os ofendidos, como a personalidade revelada pelo arguido na forma como os perpetrou e na motivação revelada nos mesmos, certamente que não apontam para medida inferior à fixada pelo tribunal a quo.
Improcede, pois, o recurso também nesta parte.

III. DISPOSITIVO

Nesta conformidade, acordam os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar total provimento ao recurso interposto pelo arguido, AA, mantendo-se integralmente a sentença condenatória recorrida.

Custas pelo arguido, fixando-se em 5 UC a taxa de justiça devida – cfr art. 513º do CPP e art. 8º nº5 e tabela anexa, do RCP.

Évora, 22 de novembro de 2018

(Processado em computador. Revisto pelo relator.)

António João Latas

Carlos Jorge Berguete