Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1/19.5T8FAR.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: SIMULAÇÃO DE CONTRATO
TERCEIROS DE BOA-FÉ
PROVA
Data do Acordão: 04/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – Diz-se simulação a divergência entre vontade real e vontade declarada resultante de um acordo entre declarante e declaratário, ou qualquer interessado no negócio, no intuito de enganar terceiros.
Acordo esse que se pode reconduzir a uma situação em que dois ou mais sujeitos entrem em acordo (pactum simulationis) para o efeito de fingirem celebrar um negócio (acto simulado) cujos efeitos práticos não são pretendidos nem por um nem por outro.
2 – Embora hoje se aceite a admissão da prova testemunhal quando a mesma seja utilizada com propósitos complementadores ou para efeitos de interpretação ou esclarecimento de documento escrito, relativamente ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado. Todavia, continua, em regra, como válida a proibição do recurso à prova testemunhal e às presunções, quando invocados pelos simuladores, caso não haja qualquer princípio substanciado de prova escrita ou situação probatória de conteúdo análogo.
3 – A natureza diabólica da prova num contexto de negócio simulado não se pode aqui contentar com meros indícios de fraude e exige um juízo sustentado com elevado grau de probabilidade de verificação daquele.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 1/19.5T8FAR.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro – 1º Juízo Central de Competência Cível (Faro) – J2
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório:
Na acção comum de condenação proposta por (…) contra (…), (…), (…), (…) e (…), uma vez proferida sentença, a Autora veio interpor recurso da mesma.
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A Autora pedia que fosse:
a) declarada a nulidade da compra e venda titulada pela escritura de 11/11/2010 relativa ao prédio designado pela letra "B", correspondente ao 1.º andar Sítio da (…), inscrito na matriz sob o artigo (…) da União de freguesias da Luz de Tavira e de Santo Estêvão, concelho de Tavira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob o n.º …/19950626.
b) ordenado o cancelamento do registo da aquisição a favor da Ré (…), efetuado na sequência da escritura outorgada em 11/11/2010 pela apresentação (…), do dia onze de Novembro de 2010, do prédio designado pela letra "B", correspondente ao 1.º andar Sítio da (…), inscrito na matriz sob o artigo (…) da União de freguesias da Luz de Tavira e de Santo Estêvão, concelho de Tavira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob o n.º …/19950626.
c) ordenado o cancelamento do registo da aquisição a favor dos Réus (…), (…), (…) e (…) efectuado na sequência da escritura de doação outorgada em 23-08-2018 pela inscrição no prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob o nº …/19950626 da União de Freguesias da Luz de Tavira e de Santo Estêvão, concelho de Tavira.
d) Caso assim não se entenda, deverá a Ré (…) ser condenada à restituição do valor total de € 79.581,40 por enriquecimento sem causa, acrescido dos juros de mora à taxa legal que se vencerem após a citação.
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Em abono da sua pretensão, a Autora alega que, com o intuito de enganar os seus credores, celebrou um contrato de compra e venda simulado de um imóvel com a 1ª Ré e que não foi pago o correspondente preço. Ao tomar conhecimento que a 1ª Ré doou o mesmo aos demais Réus, os quais também sabiam do acordo simulatório, pretende reaver para si o aludido imóvel.
Caso assim não se entenda, deve ser indemnizada do valor do imóvel, bem como das despesas que realizou na sua conservação.
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Devidamente citados, os Réus deduziram contestação.
A Ré (…) nega a existência de qualquer simulação do contrato de compra e venda a celebrado com a Autora, bem como o facto de esta não ter recebido o preço constante da escritura pública de compra e venda.
Os Réus (…), (…), (…) e (…) invocam que são terceiros de boa fé, desconhecendo o negócio celebrado entre a Autora e a 1ª Ré e terminam deduzindo pedido reconvencional, a título subsidiário.
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Para o caso da acção ser julgada procedente, apresentaram pedido reconvencional nos termos do qual deverá declarar-se a ineficácia da declaração de nulidade do negócio simulado em relação a si com a consequente inoponibilidade do negócio, devendo:
a) Declarar se que os Réus/Reconvintes (…), (…), (…) e (…) são proprietários, em comum e parte iguais, por doação, da fração autónoma designada pela letra “B”, correspondente à habitação do 1.º andar, do prédio urbano sito na (…), em regime de propriedade horizontal, destinado a habitação, sito freguesia da Luz de Tavira, concelho de Tavira, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) da União de freguesas de Luz de Tavira e Santo Estevão, concelho de Tavira, com origem no artigo (…) da extinta freguesia da Luz de Tavira, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob o número …/19950627, da freguesia da Luz de Tavira, concelho de Tavira, e aí inscrito a seu favor pela inscrição Ap. (…) de 2018/09/05.
b) E, reconhecidos os Réus /Reconvintes como comproprietários, deverá a Autora e quem ocupar, ser condenada a restituir aos mesmos o prédio ocupado em causa nos autos livre e devoluto de pessoas e bens e em perfeito estado de conservação e de utilização, num prazo não superior a 20 dias a contar do transito em julgado da sentença.
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Em sede de terceiro articulado, a Autora manteve a posição já defendida na petição inicial.
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Foi proferido despacho saneador que fixou o valor da acção, o objeto do litígio e os temas da prova.
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Realizado o julgamento, o Tribunal «a quo» decidiu:
a) absolver os Réus (…), (…), (…), (…) e (…) dos pedidos deduzidos pela Autora (…).
b) Declarar os Réus (…), (…), (…) e (…) como proprietários, em comum, da fracção autónoma correspondente à habitação do 1º andar, letra B, do prédio urbano sito na (…), freguesia da Luz de Tavira, concelho de Tavira, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) da União de freguesas de Luz de Tavira e Santo Estevão, com origem no artigo (…) da extinta freguesia da Luz de Tavira e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob o número …/19950627.
c) Determinar que (…) restitua aos Réus (…), (…), (…) e (…) o prédio urbano referido em b) por si ocupado, devendo a Autora abster se de praticar quaisquer actos que perturbem o direito de propriedade dos Réus (…), (…), (…) e (…), no prazo de 20 dias a contar do transito em julgado da presente sentença.
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A recorrente não se conformou com a referida decisão e nas suas alegações apresentaram as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da douta decisão que, depois absolver os Recorridos dos pedidos deduzidos pela Recorrente, quer o pedido principal, quer o pedido subsidiário, reconheceu o direito de propriedade a favor dos Recorridos e determinou a Recorrente a entregar àqueles, a fracção autónoma designada pela letra “B" correspondente ao 1.º andar, do prédio urbano, sito na (…), inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias da Luz de Tavira e Santiago sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob o n.º …/19950627.
2. Versa o recurso quer sobre a matéria de facto, quer de Direito.
3. O Tribunal a quo julgou erradamente os seguintes factos que considerou não provados, e que, portanto, importam também reapreciar:
“a) A Autora e a Ré (…) acordaram em outorgar uma escritura de compra e venda do imóvel penhorado, por forma a acautelar eventuais penhoras futuras do prédio, a fim de proteger, a “esconder”, a salvaguardar o bem, dado que existiam outras dívidas, as quais mais cedo ou mais tarde, originariam outras penhoras sobre aquele imóvel (artigos 9º e 10º da petição inicial).
b) A Ré (…) prometeu que após a realização da escritura de compra e venda do imóvel, o mais rapidamente possível, iria transferir a propriedade do imóvel para os descendentes da Autora, já que esta não queria ter mais nada em seu nome, pois iria brevemente apresentar-se à insolvência (artigo 14º da petição inicial).
c) Em data que não consegue precisar, mas que situa em 2012, a Autora foi declarada insolvente (artigo 15º da petição inicial).
d) No entanto, a Autora não queria vender, nem a Ré (…) queria comprar o imóvel, pretendendo proteger o mesmo, tendo sido esse o acordo firmado entre as partes (artigos 17º e 18º da petição inicial).
e) A Ré (…) não pagou e a Autora não recebeu o preço declarado na escritura (artigo 19º da petição inicial).
f) Após a realização do negócio simulado, várias foram as vezes em que a Autora e os filhos desta falaram com a Ré (…) por forma a transmitir o imóvel para a esfera jurídica destes, ao que esta respondia que o faria quando entendesse, quando achasse que devia fazer (artigos 20º e 21º da petição inicial).
g) A Ré (…) sempre referiu à Autora e ao seu agregado familiar para não se preocuparem com a transmissão do imóvel pois desde que tratassem e cuidassem da Ré, a transmissão do imóvel estaria sempre assegurada, e não haveriam problemas (artigo 21º da petição inicial).
h) A Autora confiou no acordo celebrado com a sua tia e na palavra desta de que iria tratar de repor a situação nos termos acordados, o que não aconteceu (artigo 22º da petição inicial).
i) Ao longo dos anos, os filhos da Autora falaram várias vezes com a Ré (…) para que transferisse a propriedade, assumindo eles próprios as despesas necessárias para o efeito, mas aquela recusou sempre (artigo 26º da petição inicial).
j) Os Réus (…), (…), (…) e (…) sabiam à data da realização do negócio, sobre o acordo realizado entre Autora e a Ré … (artigo 29º da petição inicial).
k) Passados três meses do negócio simulado, a empresa em que são sócios os Réus (…) e (…) viu a tentativa de penhora do imóvel e também do recheio, por si realizada enquanto exequentes, frustrada, pois o imóvel já não pertencia a Autora, mas à Ré … (artigo 31º da petição inicial).
l) A simulação foi um assunto do conhecimento e amplamente falado no seio familiar (artigo 34º da petição inicial).
m) Após 11 de novembro de 2010, a Autora despendeu o valor de € 15.000,00 ao longo dos anos para manter, conservar e melhorar o imóvel (artigo 48º da petição inicial – parte).
4. Da prova produzida em audiência de julgamento, e dos documentos juntos aos autos, outro deveria ter sido o entendimento.
5. Pelo que não se entende como o Tribunal, apesar de tudo indicar o contrário, ter considerado que a Autora não havia apresentado prova do direito de que se arroga.
6. Efectuada a análise da prova produzida, incluindo os depoimentos prestados em audiência e os documentos juntos, entende-se, ao invés, ter o Tribunal recorrido, apreciando-a incorrectamente, fixado por forma não criteriosa a matéria em causa.
7. Assim, o Tribunal recorrido deveria ter julgado como provado os factos que sob as alíneas a), b), c), d), e), f), g), h), i), j), k), l) e m) considerou como não provados.
8. Quando se impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, é elemento fundamental as declarações e os depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento.
9. Conforme as supra verificadas transcrições, e relativamente ao depoimento/declarações da Ré (…), esta começou por afirmar que nunca prometeu, nem sequer pensou em deixar o imóvel aos filhos da Autora, mas instada pela Meritíssima Juíza acaba por reconhecer a existência de um testamento, recusando-se a falar sobre o mesmo porque é segredo.... Logo aqui é evidente que tem um comportamento e discurso contraditórios, o que demonstra a verdade na factualidade plasmada pela Recorrente. Mais, afirmou ter pago o preço declarado na escritura em dinheiro, dentro de um envelope.... Também, a nosso ver, quarenta e oito mil euros entregues dentro de um envelope, é algo insólito e de muito difícil credibilidade...
10. Quanto à Autora, a mesma veio confirmar todos os factos por si vertidos na sua petição inicial, o que de resto foi também confirmado pelas testemunhas cujos depoimentos acima se transcreveram parcialmente. Ou seja, que a compra e venda foi realizada por acordo simulatório, entre esta e a Ré (…), no intuito de enganar terceiros credores, que não foi intenção de ambas as partes comprar e vender, que não foi pago o preço declarado na escritura (para além do pagamento das dívidas relativas às penhoras), que o bem não foi transmitido e que o acordo foi firmado no sentido de o imóvel ser transmitido para os filhos da Autora.
11. Pelo que, os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da Recorrida são todos os documentos constantes do processo, e a gravação do julgamento, conforme transcrições supra.
12. Considera a Recorrente que fez prova do que alegou e pediu na sua petição inicial, considerando também que não foi produzida prova alguma que pudesse contrariar o seu pedido.
13. Não obstante, a decisão ora recorrida, absolve os RR do pedido formulado pela A., e condena a A. no pedido reconvencional formulado pelos RR.
14. Pelo que, a prova produzida nestes autos nunca levaria à conclusão a que o Tribunal a quo chegou, antes pelo contrário, o que se verificou foi uma incorrecta interpretação e valoração dos meios probatórios, o que faz com que o Recorrente discorde e recorra da sentença ora posta em crise.
15. Bem como, os concretos pontos de facto que foram dados não provados mas que, no entender do Recorrente, se encontram demonstrados são os pontos referidos em 7 das presentes conclusões, e que impõem decisão diversa da que foi proferida.
16. Ao Tribunal corresponde o dever de ónus de apreciação precisa e específica, que sobre si recai, da apreciação da matéria de facto impugnada, com o cumprimento cabal do disposto no artigo 662º, nº 2, C.P.C. pretende por isso o apelante a reapreciação da matéria de facto sobre a qual assentou a decisão.
17. Com efeito, o negócio jurídico de compra e venda realizado entre a Recorrente e a Recorrida, sua tia, foi um negócio simulado, sendo que não pretendiam celebrar a compra e venda.
18. O único propósito foi o de salvaguardar a casa de morada de família, nomeadamente com a intenção de enganar terceiros credores, evitando a penhora do imóvel.
19. A Recorrida esteve sempre consciente desse facto, assim como assentiu a realizar o negócio por esses motivos, que também eram do seu interesse, bem como os Recorridos tinham conhecimentos dos factos tal como supra explanado.
20. Verifica-se uma simulação absoluta, pelo que não existiu outro negócio que a Recorrente e a Recorrida tenham querido realizar.
21. Nesse âmbito, nem a Recorrida Esmeralda pagou o preço da venda simulada, nem a Recorrente procedeu à traditio da coisa.
22. A Recorrente cumpriu o ónus de provar a alegação de simulação absoluta, verificando-se preenchidos os requisitos da simulação absoluta, prevista no art. 240.º do Código Civil.
23. Deverá ser declarada a nulidade da escritura de compra e venda, celebrada entre Recorrente e a Recorrida (…) da fracção autónoma sub judice, com o regresso ao património da Recorrente da dita fracção, ordenado o cancelamento do registo da propriedade e o cancelamento do averbamento na matriz a favor dos Recorridos, devendo ainda os Recorridos ser condenados a reconhecer o direito de propriedade da Recorrente sobre a fracção.
24. O reconhecimento do direito de propriedade dos Recorridos, assenta no facto de, no entendimento do Tribunal a quo não ter sido apresentado um princípio de prova, logo a simulação não é passível de ser provada por prova testemunhal ou declarações de parte, mas em nosso entender as declarações e depoimentos de parte, bem como a prova documental, por muito fraca que possa parecer, podem constituir um princípio de prova.
25. Com efeito, os extratos bancários juntos aos autos que demonstram não ter entrado qualquer dinheiro na conta da Autora, os comprovativos de pagamentos das penhoras realizados pela Ré (…) – para que seria necessário tal pagamento ser realizado pela Ré (…), se poderia a Autora pagar com o recebimento do preço da “venda”? –, bem como a ausência de documento que comprove o pagamento declarado na escritura, constituem a nosso ver, indícios do acordo simulatório em causa nos presentes autos.
26. Estamos em crer que a prova documental carreada para os autos contém um mínimo de indício de que houve um acordo simulatório, nomeadamente, pela inexistência do comprovativo do pagamento do preço declarado, e pelos comprovativos das dívidas e pagamentos das penhoras, e inclusive pela dívida à empresa dos RR (…) e (…).
27. Precisamente o que se passa no caso aqui em apreço, em que dois familiares decidem simular um negócio, como decorre da falta de pagamento do preço, da falta da traditio do bem e do pagamento pela ora recorrente das despesas de manutenção com o imóvel, factos estes que não só indiciam como também fazem presumir esses mesmo acordo entre ambos estabelecido.
28. Assim, uma vez que se verificou e provou a existência de uma simulação, ainda que alegada pelos próprios, ficou provado que não se verificou nenhum (…), dos elementos da compra e venda, as declarações negociais explanadas na escritura de compra e venda pretendem dar uma aparência de negócio exactamente com esse intuito, pelo que o direito de propriedade não deveria ter sido reconhecido aos Recorridos.
29. Mas ainda que assim não se entenda, o que se admite por razão de patrocínio, e se declare o direito de propriedade aos Recorridos, este só existe porque provada a compra e venda, mas também ficou provado sem sombra de dúvida, que a existir a compra e venda, o preço não foi pago.
30. Quanto aos factos não provados a) a m), cuja tese defendida pelo Tribunal a quo é de que não pode ser provada prova testemunhal nem pelo uso de presunções judiciais. O que em nosso entender não procede, pois ainda que não seja admitida a prova testemunhal como dispõe o artigo 394º, nºs 1 e 2, do Código Civil, não se verificou a falta de prova da simulação invocada.
31. Com efeito, a tese da douta sentença decorre da aplicação do entendimento de que “assim sendo, uma vez que não houve confissão da Ré (…), não poder-se-á dar como provado que o preço não foi pago, atenta a confissão extrajudicial feita pela Autora na escritura púbica de compra e venda, não podendo o Tribunal valorar a prova testemunhal produzida relativamente a tal matéria, considerando que o extrato bancário da conta do ex-marido e da Autora não constitui qualquer princípio de prova de que a quantia não foi paga (....)”
32. Não se pode admitir o facto de ter sido dado como assente, que não foi feito qualquer princípio de prova, pois, em nosso entender não só as declarações e depoimentos de parte são princípio de prova neste caso concreto, como os próprios documentos juntos aos autos, nomeadamente, os extratos bancários comprovativos do pagamento das dívidas pela Recorrida (…), ausência de comprovativo do pagamento declarado na escritura são em tudo provas que sustentam a posição da Recorrente.
33. Então parece-nos que, tais documentos, em conjugação com as declarações e depoimentos de parte, devem ser considerados como um contributo para o resultado probatório final, concretamente relevante, quando os meios de prova existentes não sejam suficientes para por si só criar a convicção no julgador.
34. A esta conjugação de factos, a estes circunstancialismos, só as partes têm contacto direto, não havendo outros meios de prova para auxiliar na descoberta da verdade. Ora é precisamente nestes casos que as declarações são admitidas para a comprovação de factos, de forma como já referimos complementares.
35. Da prova produzida em audiência de julgamento, e dos documentos juntos aos autos, outro deveria ter sido o entendimento.
36. Pelo que não se entende como o Tribunal, apesar de tudo indicar o contrário, ter considerado que o Autor não havia apresentado prova do direito de que se arroga.
37. Efectuada a análise da prova produzida, incluindo os depoimentos prestados em audiência e os documentos juntos, entende-se, ao invés, ter o Tribunal recorrido, apreciando-a incorrectamente, fixado por forma não criteriosa a matéria em causa.
38. Pelo exposto, deverá a douta sentença ser revogada, por provados que se encontram os factos articulados, condenando-se, assim, os RR, ora Recorridos, no pedido principal, ou subsidiário, e consequentemente, absolvendo-se a Recorrente do pedido reconvencional.
E assim se fazendo Justiça!».
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A parte contrária apresentou contra-alegações, nas quais defende que o recurso deve ser julgado improcedente.
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Admitido o recurso, forma observados os vistos legais. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação de:
i) erro na avaliação da matéria de facto.
ii) erro de julgamento na subsunção jurídica realizada, tendo em consideração os factos apurados, quanto à existência de acordo simulatório.
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III – Dos factos apurados:
3.1 – Matéria de facto provada:
Discutida a causa mostram-se provados os seguintes factos, com relevância para a boa decisão da causa:
1) A Autora (…) e (…), seu cônjuge, tinham inscrita a propriedade da fracção autónoma correspondente à habitação do 1º andar, letra B, do prédio urbano sito na (…), freguesia da Luz de Tavira, concelho de Tavira, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) da União de freguesas de Luz de Tavira e Santo Estevão, com origem no artigo (…) da extinta freguesia da Luz de Tavira e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob o número …/19950627 (artigo 5º da petição inicial).
2) Em Janeiro de 2010, o então cônjuge da Autora, (…), foi citado no âmbito do Processo n.º 772/09.7TBTVR, que correu termos no Tribunal Judicial Secção Única de Tavira, em que era exequente “(…), Elementos de Fecho, Unipessoal, Lda.”, tendo sido penhorada a casa morada de família do casal, o prédio urbano descrito em 1) – (artigo 3º da petição inicial).
3) Em 23 de Fevereiro de 2010 verificava se uma penhora sobre o mesmo imóvel, registada na Conservatória do Registo Predial de Tavira, AP. (…) de 23/02/2010, relativa a uma dívida de € 3.815,41 cujo credor era a Fazenda Nacional (artigo 4º da petição inicial).
4) Em 27 de Maio de 2010 foi decretado o divórcio por mútuo consentimento entre a Autora … e … (artigo 1º da petição inicial).
5) Em 27 de Maio de 2010, o casal tinha várias dívidas, sobretudo decorrentes da atividade profissional de construção civil do cônjuge marido (artigo 2º da petição inicial).
6) Após escritura de partilha, a Autora ficou como proprietária singular da fracção autónoma referida em 1) (artigo 6º da petição inicial).
7) Devido às dívidas e às penhoras já registadas sobre o imóvel, e na iminência de ver a sua casa vendida no âmbito dos processos executivos acima referidos, a Autora deu conhecimento dos factos à sua tia, a Ré (…), a qual não queria que o imóvel viesse a ser alienado a terceiros e que outras pessoas residissem no andar acima da sua própria habitação (artigos 7º e 8º da petição inicial).
8) Por forma a desonerar o imóvel referido em 1) daquelas penhoras, a Ré (…) realizou o pagamento da dívida exequenda no valor de € 8.336,65 e procedeu também ao pagamento da quantia exequenda à Fazenda Nacional (artigos 11º e 12º da petição inicial).
9) A Ré (…) já havia ajudado por diversas vezes a Autora e o seu agregado familiar (artigo 13º da petição inicial).
10) Em 11 de Novembro de 2010, a Autora outorgou com a Ré (…) uma escritura pública mediante a qual a primeira declarou vender à segunda a fracção autónoma referida em 1) pelo preço de € 60.000,00 que declarou ter recebido, tal como resulta de fls. 142 a 145, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 16º da petição inicial).
11) A Autora sempre residiu e continua a residir no imóvel referido em 1) juntamente com os seus filhos, sem a oposição da Ré (…) enquanto foi proprietária do imóvel (artigo 23º da petição inicial).
12) A Autora, esporadicamente, contribuía para os pagamentos de consumos de água e eletricidade, existindo apenas um contador comum, sempre tendo pago o gás (artigos 24º e 25º da petição inicial).
13) Em 23 de Agosto de 2018, a Ré (…), por escritura pública, doou aos restantes Réus (…), (…), (…) e (…) todo o património de que dispunha, inclusive a fracção autónoma referida em 1), tal como resulta de fls. 163 a 168, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, estando essa doação inscrita a favor dos donatários através da Ap. (…) de 05/09/2018 (artigo 28º da petição inicial).
14) Uma das dívidas que subsistiam 11 de Novembro de 2010, era uma dívida em que era credora a empresa em que são sócios os Réus (…) e (…), a Transportes (…), Lda., tendo a credora inclusive recorrido a procedimento de injunção (artigo 30º da petição inicial).
15) A Autora foi interpelada pelos Réus (…), (…), (…) e (…) para proceder à entrega voluntária do imóvel, tal como resulta de fls. 82 e 83, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (artigo 45º da petição inicial).
16) A fracção autónoma referida em 1) tem o valor patrimonial de € 64.581,40 (artigo 48º da petição inicial parte).
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3.2 – Matéria de facto não provada[1]:
Não se provaram quaisquer outros factos que se não compaginam com a factualidade apurada, designadamente que:
a) A Autora e a Ré (…) acordaram em outorgar uma escritura de compra e venda do imóvel penhorado, por forma a acautelar eventuais penhoras futuras do prédio, a fim de proteger, a “esconder”, a salvaguardar o bem, dado que existiam outras dívidas, as quais mais cedo ou mais tarde, originariam outras penhoras sobre aquele imóvel (artigos 9º e 10º da petição inicial).
b) A Ré (…) prometeu que após realização da escritura de compra e venda do imóvel, o mais rapidamente possível, iria transferir a propriedade do imóvel para os descendentes da Autora, já que esta não queria ter mais nada em seu nome, pois iria brevemente apresentar-se à insolvência (artigo 14º da petição inicial).
c) Em data que não consegue precisar, mas que situa em 2012, a Autora foi declarada insolvente (artigo 15º da petição inicial).
d) No entanto, a Autora não queria vender, nem a Ré (…) queria comprar o imóvel, pretendendo proteger o mesmo, tendo sido esse o acordo firmado entre as partes (artigos 17º e 18º da petição inicial).
e) A Ré (…) não pagou e a Autora não recebeu o preço declarado na escritura (artigo 19º da petição inicial).
f) Após a realização do negócio simulado, várias foram as vezes em que a Autora e os filhos desta falaram com a Ré (…) por forma a transmitir o imóvel para a esfera jurídica destes, ao que esta respondia que o faria quando entendesse, quando achasse que devia fazer (artigos 20º e 21º da petição inicial).
g) A Ré (…) sempre referiu à Autora e ao seu agregado familiar para não se preocuparem com a transmissão do imóvel pois desde que tratassem e cuidassem da Ré, a transmissão do imóvel estaria sempre assegurada, e não haveriam problemas (artigo 21º da petição inicial).
h) A Autora confiou no acordo celebrado com a sua tia e na palavra desta de que iria tratar de repor a situação nos termos acordados, o que não aconteceu (artigo 22º da petição inicial).
i) Ao longo dos anos, os filhos da Autora falaram várias vezes com a Ré (…) para que transferisse a propriedade, assumindo eles próprios as despesas necessárias para o efeito, mas aquela recusou sempre (artigo 26º da petição inicial).
j) Os Réus (…), (…), (…) e (…) sabiam à data da realização do negócio sobre o acordo realizado entre Autora e a Ré … (artigo 29º da petição inicial).
k) Passados três meses do negócio simulado, a empresa em que são sócios os Réus (…) e (…) viu a tentativa de penhora do imóvel e também do recheio, por si realizada enquanto exequentes, frustrada, pois o imóvel já não pertencia a Autora, mas à Ré … (artigo 31º da petição inicial).
l) A simulação foi um assunto do conhecimento e amplamente falado no seio familiar (artigo 34º da petição inicial).
m) Após 11 de Novembro de 2010, a Autora despendeu o valor de € 15.000,00 ao longo dos anos para manter, conservar e melhorar o imóvel (artigo 48º da petição inicial parte).
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IV – Fundamentação:
4.1 – Da alteração da decisão de facto:
Só à Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, a partir da prova testemunhal extractada nos autos e dos demais elementos que sirvam de base à respectiva decisão, desde que dos mesmos constem todos os dados probatórios, necessários e suficientes, para o efeito, dentro do quadro normativo e através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662º do Código de Processo Civil.
Em face disso, a questão crucial é a de apurar se a decisão do Tribunal de primeira instância que deu como provados (e não provados) certos factos pode ser alterada nesta sede – ou, noutra formulação, é tarefa do Tribunal da Relação apurar se essa decisão fáctica está viciada em erro de avaliação ou foi produzida com algum meio de prova ilícito e, se assim for, actuar em conformidade com os poderes que lhe estão confiados.
A recorrente discorda da posição do Tribunal «a quo» quanto à não consagração dos pontos a)[2], b)[3], c)[4], d)[5], e)[6], f)[7], g)[8], h)[9], i)[10], j)[11], k)[12], l)[13] e m)[14] dos factos não provados.
A recorrente estriba a sua dissidência essencialmente nas declarações tomadas à Autora, à Ré (…) e ao Réu (…), bem como nos contributos testemunhais de (…), (…), (…), (…) e (…).
Os recorridos entendem que não se mostra cumprido o ónus de alegação previsto no artigo 640º do Código de Processo Civil e, num segundo patamar avaliativo, em plano subsidiário, sustentam que não existe motivo para promover qualquer alteração da matéria de facto não provada.
O Juízo Central de Competência Cível julgou a matéria de facto não provada com base na seguinte argumentação «não foi produzida prova da declaração de insolvência da Autora, tendo o se ex cônjuge referido que não houve lugar a insolvência» (al. c)), bem como na circunstância da prova produzida não permitir «adquirir uma certeza mínima do que efetivamente se passou» (factos a), b) d), f), g), h) e i)). De igual modo, se afirma que não foi produzida qualquer prova que «permita concluir que os Réus donatários sabiam do alegado negócio simulado», o que inviabilizaria a prova dos pontos j) e l) dos factos não provados. A falta de prova justifica a resposta negativa relativamente ao facto k). E, por último, no que se reporta ao facto m), a resposta assenta na seguinte premissa «as alegadas despesas com a reparação de goteiras e fissuras do imóvel foram feitas antes da venda à Ré, tal como resulta da prova produzida acerca de tal matéria, não se tendo produzido qualquer valor despendido com as mesmas».
Vejamos.
A parte recorrente remete genericamente para a abertura e encerramento das gravações dos depoimentos em causa mas não indica com exactidão as passagens das gravações em que funda as alterações pretendidas, limitando-se a fazer um resumo daquilo que foi dito pelas partes e pelas testemunhas no decurso das correspondentes prestações probatórias.
Ao seguirem esse procedimento, os apelantes não indicam com rigor as passagens das gravações em que fundam cada uma das diversas alterações pretendidas, por referência aos tempos de gravação, cingindo-se a mencionar no corpo das alegações algumas transcrições parciais dos depoimentos. E isso inviabiliza assim que seja prosseguido o método de controlo da decisão de facto agora imposto pela legislação processual.
Diz a exposição de motivos da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho [Novo Código de Processo Civil] que «se cuidou de reforçar os poderes da 2ª instância em sede de reapreaciação da matéria de facto impugnada. Para além de manter os poderes cassatórios – que lhe permitem anular a decisão recorrida, se esta não se encontrar devidamente fundamentada ou se mostrar que é insuficiente, obscura ou contraditória –, são substancialmente incrementados os poderes e deveres que lhe são conferidos quando procede à reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material».
Porém, este reforço de poderes e deveres não é unidireccional. Na verdade, a lei ao mesmo tempo impõe novas regras das condições de exercício do direito de recurso. Assim, os recorrentes têm agora o dever de modelar a peça de interposição de recurso com a seguinte estrutura: (i) especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, (ii) indicar os concretos meios probatórios constantes do processo que impõem decisão diferente, (iii) adiantar qual deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas e (iv) mencionar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso.
Actualmente, nos termos do número 1 do artigo 640º[15] do Código de Processo Civil, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Na realidade, tanto na motivação como nas conclusões de recurso a peça de recurso não cumpre integralmente as exigências legais e a jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal de Justiça estabilizou na interpretação que «a inobservância deste ónus de alegação, quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, implica, como expressamente se prevê, no artigo 640º, nº 1, do NCPC, a rejeição do recurso, que é imediata, como se acentua na al. a), do nº 2, desse artigo.
Nesta sede, foi propósito deliberado do legislador não instituir qualquer convite ao aperfeiçoamento da alegação a dirigir ao apelante. A lei é a este respeito imperativa, ao cominar a imediata rejeição do recurso, nessa parte, para a falta de incumprimento pelo recorrente do referido ónus processual (artigo 640º, nº 2)» [16] [17] [18].
Diz-nos, a este propósito, Abrantes Geraldes que relativamente «a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos». Bem como que a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da matéria de facto deve verificar-se na situação de «falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda»[19]. Acrescenta este autor que «as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor»[20] [21].
Em conclusão, a impugnação da decisão de facto que omita em absoluto a indicação concreta das passagens das gravações dos depoimentos em que funda o recurso feita e que faz apelo apenas aos tempos de início e fim da gravação, fazendo apenas uma simples interpretação do que foi dito pelos depoentes, não é admissível e implica a rejeição do pedido de modificação da matéria de facto, por não cumprir os requisitos impostos pelo artigo 640º do Código de Processo Civil.
Deste modo, o Tribunal «ad quem» está inibido de alterar a decisão de facto com base nas declarações convocadas pela recorrente podendo, no entanto, modificar a decisão de facto a partir de outros elementos probatórios se for o caso. Todavia, neste capítulo, não existem outros meios de prova com idoneidade para modificar a decisão de facto.
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Porém, admitindo um critério menos formalista, ainda assim a conclusão seria idêntica, uma vez que, neste domínio, a questão ficaria sob o agasalho da letra dos números 2 e 3 do artigo 394º[22] do Código Civil.
Relativamente ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, em princípio, permanece válida a lição de Pires de Lima e de Antunes Varela quando afiançam a proibição do recurso à prova testemunhal não é possível de ser utilizada, quando invocados pelos simuladores[23] [24]. E sempre que o negócio simulado conste de documento autêntico ou particular, «estão também excluídas as presunções judiciais»[25] [26] [27], por força da precipitação normativa prevista no artigo 351º[28] do Código de Processo Civil.
Vaz Serra sugere que o princípio geral contido no nº 1 do artigo 394º do Código Civil deveria ceder em três hipóteses: (1) quando exista um começo ou princípio de prova por escrito; (2) quando se demonstre ter sido moral ou materialmente impossível a obtenção de uma prova escrita e (3) em caso de perda não culposa do documento que fornecia a prova [29] [30].
Numa evolução doutrinal e jurisprudencial hoje aceita-se a admissão da prova testemunhal quando a mesma seja utilizada com propósitos complementadores[31] [32] ou para efeitos de interpretação ou esclarecimento de documento escrito[33] [34] [35] [36], relativamente ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado. Todavia, continua, em regra, como válida a proibição do recurso à prova testemunhal e às presunções, quando invocados pelos simuladores, caso não haja qualquer princípio substanciado de prova escrita ou situação probatória de conteúdo análogo.
Na situação concreta, não existe qualquer escrito de ressalva ou de reserva em que as partes declarem que a escritura não corresponde à sua real intenção e tampouco da análise das declarações dos Réus resulta qualquer confissão escrita em sede de articulados ou oral por intermédio dos respectivos depoimentos colhidos em audiência.
Ouvida toda a prova como não existe qualquer dado probatório que seja idóneo a validar a existência da tese de que se está perante um acordo simulatório.
Relativamente às declarações das partes, o Tribunal aprecia-as livremente, salvo se as mesmas constituírem confissão, tal como decorre da letra do nº 3 do artigo 466º do Código de Processo Civil. As declarações de parte aqui produzidas foram avaliadas pelo Tribunal, tomando em atenção a natureza supletiva[37] e as cautelas que doutrinal[38] [39] [40] [41] e jurisprudencialmente[42] são enumeradas a este propósito, face à existência de um interesse próprio, directo e imediato na resolução da causa. E aquilo que perpassa é que nenhumas das partes se conseguiu desvincular da posição expressa nos articulados e manifestou claramente uma intenção protecionista na defesa dos seus interesses patrimoniais. Todavia, ainda assim, os sinais de fidedignidade são superiores no caso da prestação probatória de (…), que apresentou uma argumentação credível na generalidade dos pontos a que depôs.
Neste cenário, a inadmissibilidade da prova testemunhal está circunscrita à questão da prova contrária ou além do conteúdo do documento. Porém, não abarca uma limitação à aferição da existência de vícios da vontade ou da divergência entre a vontade e a declaração[43] [44] [45] e à correspondente prova. Este é igualmente o posicionamento teórico de Pires de Lima e Antunes Varela que adiantam que «nada impede que se recorra à prova testemunhal para demonstrar a falta ou os vícios da vontade, com base nos quais se impugna a declaração documentada»[46].
Mesmo fora do quadro factual que acabamos de enunciar e até no domínio da simulação, a admissibilidade da prova testemunhal é sustentável quando, em consequência, das circunstâncias do caso concreto, for verosímil que a convenção foi feita, ou quando a convicção do Tribunal está já parcialmente formada com base nessas circunstâncias e a prova testemunhal se limitou a completar essa convicção, ou antes, a esclarecer o significado de tais circunstâncias[47] [48] [49].
Porém, a jurisprudência mais avalizada sustenta que essa possibilidade apenas se verifica se «o “princípio de prova” seja um documento que não integre facto – base de presunção judicial pois sendo-o o n.º 2 do artigo 394.º poderia entrar em colisão com o citado artigo 351.º CC»[50] [51].
Isto é, a prova testemunhal funcionaria como meio complementar de prova da simulação, primariamente fundada naquele documento, a ter de obter corroboração[52]. Tal acepção só poderá surgir no sentido de, existindo um princípio de prova por escrito, ser lícito aos simuladores recorrer à prova testemunhal para completar a prova documental existente, desde que esta constitua, por si só, um indício que torne verosímil a existência de simulação. Para que este se verifique é necessário que da prova documental seja possível extrair comportamento/actuação de ambas as partes no sentido do conluio no negócio em causa[53].
Ou, noutra formulação, sempre exista um princípio de prova escrita, suficientemente verosímil, abre-se a possibilidade de complementar, por recurso à prova testemunhal, o carácter verdadeiro da afirmação produzida na presença do documentador[54].
Na doutrina a proposta da admissão da prova testemunhal como prova complementar, apenas pode ter em vista a determinação do «alcance dos documentos que à simulação se refiram ou consolidar o começo de prova que neles seja lícito fundar»[55], apenas sendo de aceitar a orientação de que «a prova testemunhal seja apenas complementar da que for produzida por documentos, e não lhe seja reconhecida a capacidade de contrariar a prova documental, ou outra prova de valor superior»[56].
Todavia, na hipótese vertente esse princípio de prova não tem aqui cabimento. E, assim, neste enquadramento, apenas se poderia viabilizar através do recurso à prova pessoal a demonstração que a declaração constante da escritura de que a vendedora recebeu o preço convencionado se encontrava falseada.
Cumpre sublinhar que este colectivo do Tribunal da Relação de Évora já firmou posição num sentido restritivo da doutrina da impossibilidade de recurso à prova testemunhal[57]. E o exemplo paradigmático e simbólico de uma situação com essas características assenta na existência de uma declaração em que surge a afirmação feita pelo vendedor, documentada numa escritura, de que recebeu, do comprador, o preço da venda, quando tal não corresponde à verdade.
Deste modo, pelo menos, relativamente a esse ponto, não está assim excluída a possibilidade de provar por testemunhas qualquer outro elemento como o fim ou o motivo do negócio, pois estes não se apresentam como contrários ao conteúdo do documento, nem configuram uma cláusula adicional à declaração[58] [59] [60].
Porém, a natureza diabólica da prova num contexto de negócio simulado não se pode aqui contentar com meros indícios de fraude e exige um juízo sustentado com elevado grau de probabilidade de verificação daquela.
Em termos práticos, a parte recorrente não convenceu o Tribunal «a quo» da bondade desta declaração e a forma como foi produzida a prova não impõe necessariamente que o juízo prudencial do Tribunal da Relação de Évora se distancie da decisão de facto prolatada pela Primeira Instância.
Efectivamente, a alocução fundamento para impor decisão diversa, nos termos proclamados pelo nº 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil, não se basta com a possibilidade de uma alternativa decisória antes exige que o juízo efectuado pela Primeira Instância esteja estruturado num lapso relevante no processo de avaliação da prova[61].
Na presente situação, num encadeamento em que a prova é contraditória, o julgador «a quo» estava habilitado a decidir como o fez, face à pertinência da fundamentação explicativa carreada para o processo, quando conciliada com as sobreditas regras de distribuição do ónus da prova, mesmo aqui não se perfilhe integralmente da tese literal da impossibilidade do recurso à prova testemunhal para prova do acordo simulatório e do não pagamento do preço.
No que concerne à situação de insolvência, a mesma não se mostra documentada nos autos e, por último, a realização de despesas na conservação, manutenção e melhoria do imóvel não foi comprovada de modo conclusivo.
E, assim, não fosse a rejeição da apreciação da decisão de facto, se a questão fosse apreciada como na realidade ocorreu a título cautelar, perante a alternativa probatória existente e face à ausência de elementos que permitissem formular um juízo de facto inequivocamente de sentido contrário àquele que foi apurado pela Primeira Instância, teria de ser validada apreciação crítica do Juízo de Competência Cível de Faro.
Não existe motivo bastante para censurar a decisão prévia e promover a modificação da matéria de facto nos termos propostos. E, nesta perspectiva, entende-se assim que a decisão de facto corresponde à realidade processualmente adquirida.
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4.2 – Erro na apreciação do direito (Da simulação e do pedido de reivindicação):
Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado (artigo 240º, nº 1, do Código Civil).
Diz-se simulação a divergência entre vontade real e vontade declarada resultante de um acordo entre declarante e declaratário, ou qualquer interessado no negócio, no intuito de enganar terceiros. Ao acordo referido dá-se o nome de pactum simulationis ou acordo simulatório.
Na sua lição Castro Mendes refere que o acordo se pode reconduzir a uma situação em que «dois ou mais sujeitos entrem em acordo (pactum simulationis) para o efeito de fingirem celebrar um negócio (acto simulado) cujos efeitos práticos não são pretendidos nem por um nem por outro. Há aqui uma dupla reserva mental, acordada entre ambos os declarantes com o intuito de enganar terceiros, figura a que cabe o nome de simulação.
A simulação, por seu turno, pode revestir duas espécies distintas, pois, enquanto umas vezes os simuladores apenas acordam praticar um acto cujos efeitos não querem (simulação absoluta), outras vezes acordam em celebrar os efeitos práticos de um outro acto cuja finalidade económica social assim pretendem indirectamente atingir (simulação relativa). Sirva de exemplo da primeira espécie o do devedor em risco de falência que, receando que os credores façam penhorar o único prédio que possui, procede ficticiamente à sua «venda» a um terceiro, assinando ambos a respectiva escritura sem contrapartida de qualquer preço e com a secreta combinação que, em tempo oportuno, o prédio passe de novo ao nome do simulado vendedor; seja exemplo de simulação relativa a «venda» de um prédio, dissimulando uma doação (e, daí, sem que o «comprador» haja pago qualquer preço), a fim de evitar que sobre o acto recaia o imposto, geralmente mais pesado, das doações»[62].
Para Heinrich Höester os pressupostos da simulação são, portanto, os seguintes: «1.º Uma divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante. Quer dizer, o lado externo da declaração negocial, a declaração, e o seu lado interno, a vontade, não coincidem, mas divergem – entendida esta divergência nos termos amplos que enunciámos.
2.º Um acordo entre declarante e declaratário a este respeito. A existência deste acordo (o chamado “acordo simulatório”) significa que ambos conhecem a divergência, que é, assim, intencional.
3.º O intuito de enganar terceiros, que também é intencional, claro»[63].
É fraudulenta quando os simuladores são animados por «animus decipiendi» e «animus nocendi», intuito, ou, pelo menos, consciência de prejudicar alguém[64], sendo que aqui vigora a segunda modalidade.
Do conspecto factual apurado não resultam preenchidos os requisitos de procedência relacionados com qualquer das situações controvertidas aqui em discussão. É assim incontestável, tal como foi decidido no acto postulativo recorrido que não se provou que «houvesse divergência entre a vontade real e a vontade declarada, na medida em que não se provou que a Autora não pretendesse vender o imóvel objeto dos autos à Ré (…) e que esta não pretendesse comprá-lo, pelo que não se verificam os pressupostos da simulação». E, de igual modo, não está patenteada uma situação de falta de pagamento do preço, o que poderia reconduzir-se a um contexto negocial de simulação absoluta, pois a inviabilizar esta tese «sempre se teria que concluir que parte do preço foi pago com o pagamento do valor das penhoras que oneravam o imóvel».
Não se torna assim possível firmar posição no sentido de que a compra e venda sub judice é simulada – nem tampouco que se esteja perante uma situação de enriquecimento sem causa, pedido subsidiário que parece arredado da intenção modificativa pretendida pela recorrente, por não constar expressamente do enunciado das conclusões de recurso. E daqui decorre inevitavelmente que assiste razão aos recorridos quando pretendem reaver o bem imóvel que se encontra registado a seu favor, cuja não entrega voluntária está patenteada nos autos.
E, em face dessa ocupação indevida da propriedade, é totalmente acertada a ordem de restituição da fracção em discussão e a determinação de abstenção de qualquer acto que perturbe a fruição plena e exclusiva dos proprietários, nos termos do disposto nos artigos 1305º e 1311º, n.º 1 do Código Civil.
Nestes termos, decide-se julgar improcedente o recurso interposto e confirmar a sentença recorrida.
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V – Sumário:
(…)
*
VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas ao cargo da recorrente, atento o disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 5, do Código de Processo Civil).
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Évora, 23/04/2020

José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel Matos Peixoto Imaginário

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[1] Ficou ainda consignado na sentença que: «a matéria e/ou documento não selecionada dos articulados é mera repetição, conclusiva, de direito, de mera impugnação, meras suposições, não incumbe o ónus da prova da mesma a quem a alega e não se seleciona o facto na negativa ou não assume qualquer relevância para a decisão da causa, só tendo sido selecionados, para além dos constantes dos articulados, considerando o disposto no artigo 5.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, os factos essenciais, complementares e instrumentais que se consideram relevantes para a decisão e compreensão da matéria em causa e para a compreensão do litígio, sendo certo que, relativamente a todos os factos complementares apurados, as partes tiveram oportunidade de se pronunciar acerca dos mesmos e podem ser considerados oficiosamente pelo Tribunal, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil».
[2] (a) A Autora e a Ré (…) acordaram em outorgar uma escritura de compra e venda do imóvel penhorado, por forma a acautelar eventuais penhoras futuras do prédio, a fim de proteger, a “esconder”, a salvaguardar o bem, dado que existiam outras dívidas, as quais mais cedo ou mais tarde, originariam outras penhoras sobre aquele imóvel (artigos 9º e 10º da petição inicial).
[3] (b) A Ré (…) prometeu que após a realização da escritura de compra e venda do imóvel, o mais rapidamente possível, iria transferir a propriedade do imóvel para os descendentes da Autora, já que esta não queria ter mais nada em seu nome, pois iria brevemente apresentar-se à insolvência (artigo 14º da petição inicial).
[4] (c) Em data que não consegue precisar, mas que situa em 2012, a Autora foi declarada insolvente (artigo 15º da petição inicial).
[5] (d) No entanto, a Autora não queria vender, nem a Ré (…) queria comprar o imóvel, pretendendo proteger o mesmo, tendo sido esse o acordo firmado entre as partes (artigos 17º e 18º da petição inicial).
[6] (e) A Ré (…) não pagou e a Autora não recebeu o preço declarado na escritura (artigo 19º da petição inicial).
[7] (f) Após a realização do negócio simulado, várias foram as vezes em que a Autora e os filhos desta falaram com a Ré (…) por forma a transmitir o imóvel para a esfera jurídica destes, ao que esta respondia que o faria quando entendesse, quando achasse que devia fazer (artigos 20º e 21º da petição inicial).
[8] (g) A Ré (…) sempre referiu à Autora e ao seu agregado familiar para não se preocuparem com a transmissão do imóvel pois desde que tratassem e cuidassem da Ré, a transmissão do imóvel estaria sempre assegurada, e não haveriam problemas (artigo 21º da petição inicial).
[9] (h) A Autora confiou no acordo celebrado com a sua tia e na palavra desta de que iria tratar de repor a situação nos termos acordados, o que não aconteceu (artigo 22º da petição inicial).
[10] (i) Ao longo dos anos, os filhos da Autora falaram várias vezes com a Ré (…) para que transferisse a propriedade, assumindo eles próprios as despesas necessárias para o efeito, mas aquela recusou sempre (artigo 26º da petição inicial).
[11] (j) Os Réus (…), (…), (…) e (…) sabiam à data da realização do negócio, sobre o acordo realizado entre Autora e a Ré … (artigo 29º da petição inicial).
[12] (k) Passados três meses do negócio simulado, a empresa em que são sócios os Réus (…) e (…) viu a tentativa de penhora do imóvel e também do recheio, por si realizada enquanto exequentes, frustrada, pois o imóvel já não pertencia a Autora, mas à Ré … (artigo 31º da petição inicial).
[13] (l) A simulação foi um assunto do conhecimento e amplamente falado no seio familiar (artigo 34º da petição inicial).
[14] (m) Após 11 de Novembro de 2010, a Autora despendeu o valor de € 15.000,00 ao longo dos anos para manter, conservar e melhorar o imóvel (artigo 48º da petição inicial – parte).
[15] Artigo 640º (Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto):
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do nº 2 do artigo 636.º.
[16] Acórdão de 14/07/2016, in www.dgsi.pt.
[17] No mesmo sentido pode ser consultado o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/07/2016, in www.dgsi.pt, que sublinha que «para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorrectamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto, conforme impõe o artigo 640º, nº 1, alíneas a) e c), do CPC. Não tendo o recorrente cumprido o ónus de indicar a decisão a proferir sobre os concretos pontos de facto impugnados, bem andou a Relação em não conhecer da impugnação da matéria de facto, não sendo de mandar completar as conclusões face à cominação estabelecido naquele nº 1 para quem não os cumpre».
[18] Na esteira da mais avalizada jurisprudência [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/02/2015, in www.dgsi.pt], também entendemos que «não observa tal ónus o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado».
[19] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 3ª edição, 2016, págs. 136-145.
[20] Obra e local citados.
[21] Em apoio desta tese, a título de exemplo, consulte-se o acórdão da Relação de Lisboa de 14/04/2016, publicado em www.dgsi.pt, que sublinha que «os apelantes não articulam os vários depoimentos a que aludem conjugados com os documentos que referem, com respeito a cada um dos pontos da matéria de facto que impugnam, sendo a sua impugnação feita rebatendo o decidido na sentença recorrida em termos globais; por outro lado, omitiram em absoluto a indicação das passagens das gravações dos depoimentos em que fundam o recurso».
[22] Artigo 394.º (Convenções contra o conteúdo de documentos ou além dele):
1. É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.
2. A proibição do número anterior aplica-se ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores.
3. O disposto nos números anteriores não é aplicável a terceiros.
[23] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. I, 4ª edição revista e actualizada, reimpressão, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pág. 344.
[24] Na vigência do Código Civil 1867, Beleza dos Santos, in A Simulação em Direito Civil, vol. II, pág. 151, explicava o regime legal: "Em conclusão: se o acto simulado consta de um documento autêntico ou de um documento de igual força, nos termos do artigo 2432º e 2433º do Código Civil, os simuladores, seus herdeiros ou representantes que não devam reputar-se terceiros em relação a esse acto, só podem demonstrar a simulação se exibirem uma prova plena que destrua a eficácia da que resulta daqueles documentos, tal como um documento da mesma natureza ou igual valor ou uma confissão judicial. (Código Civil, artigo 2412º).
“Se esse acto não consta de documentos autênticos ou de igual força, então os simuladores e seus representantes podem utilizar-se de qualquer meio probatório para demonstrar a simulação, devendo aplicar-se as regras gerais era matéria de prova”.
[25] Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3º edição actualizada, 7ª reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 1992, pág. 137.
[26] No mesmo sentido pode ser consultado Oliveira Ascensão, Direito Civil – Teoria Geral, vol. II (Acções e factos jurídicos), 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, pág. 227.
[27] Este é igualmente o posicionamento de Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, AAFDL, Lisboa, 1995, pág. 218.
[28] Artigo 351.º (Presunções judiciais):
As presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal.
[29] Vaz Serra, Anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04 de Dezembro de 1973, in Revista de Legislação e de Jurisprudência 1975, págs. 308-314.
[30] Vaz Serra, Provas (Direito Material Probatório), Boletim do Ministério da Justiça, nº 110, 1961, pág. 195.
[31] Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, Fontes, conteúdo e garantia da relação jurídica, 5ª edição, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2010, págs. 316-319.
[32] Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, Almedina, Coimbra, 2015, pág. 613.
[33] Carlos Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, revista por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pág. 477, nota 621.
[34] Carlos Mota Pinto e António Pinto Monteiro, Arguição de simulação pelos simuladores: prova testemunhal, 10/3, CJ, 1985, págs. 9-15.
[35] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, vol. I, Almedina, Coimbra, 2012, pág. 851.
[36] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, vol. II, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2014, pág. 907.
[37] Paulo Pimenta, Processo Civil, Declarativo, Almedina, 2014, pág. 357.
[38] Para José Lebre de Freitas, A acção declarativa comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013, pág. 278, «a apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, maxime as partes tiverem sido efectivamente ouvidas».
[39] Elisabeth Fernandez, «Nemo Debet Essse Testis in Propria Causa? Sobre a (in)coerência do Sistema Processual a este propósito», Julgar Especial, Prova difícil, 2014, pág. 27, pugna que, até à entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, aprovado pela lei nº 41/2013, de 26/06, as razões determinantes da rejeição deste meio de prova assentavam no «receio de perjúrio; as partes têm um interesse no resultado da acção e podem ser tentadas a dar um testemunho desonesto e finalmente mesmo que as mesmas não sejam desonestas, estudos psicológicos demonstram que as pessoas têm uma maior tendência a recordar factos favoráveis do que factos desfavoráveis pelo que o depoimento delas como testemunhas nos processos em que são partes não é, por essa razão de índole psicológica, fidedigno».
[40] As Malquistas declarações de parte – “Não acredito na parte porque é parte”, em Colóquio organizado no Supremo Tribunal de Justiça, estudo disponível na página web do STJ e ainda em www.trp.pt/.../as%20malquistas%20declaraes%20de%20parte_juizdireito%20luis%20f... A sobredita visão pessimista sobre a fiabilidade do meio de prova é rebatida por Luís Filipe Sousa que defende que «(ii) a degradação antecipada do valor probatório das declarações de parte não tem fundamento legal bastante, evidenciando um retrocesso para raciocínios típicos e obsoletos de prova legal; (iii) os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas de hierarquizá-los diversamente».
[41] Carolina Henriques Martins, Declarações de Parte, pág. 56, estudo editado na internet em
https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/28630/.../Declaracoes%20de%20parte.pdf, nesta discórdia valorativa sobre a fiabilidade do meio de prova, diz que aquilo que é relevante é que o juiz análise «o discurso da mesma tendo sempre presente a máxima da experiência que dita a escassa fiabilidade do mesmo quanto às afirmações que a esta são favoráveis».
[42] De acordo com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/04/2014, in www.dgsi.pt. este inovador meio de prova, dirige-se primordialmente, às situações de facto em que apenas tenham tido intervenção as próprias partes, ou relativamente às quais as partes tenham tido uma percepção directa privilegiada em que são reduzidas as possibilidades de produção de prova (documental, testemunhal ou pericial), em virtude de terem ocorridas na presença das partes.
[43] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1979, pág. 275.
[44] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra 1985, pág. 618.
[45] Almeida Costa, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 129º, pág. 361.
[46] Código Civil Anotado, 4ª edição revista e actualizada (com a colaboração de Henrique Mesquita), Coimbra Editora, Coimbra 210, pág. 342.
[47] Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência, anos 103º, 107º, 110º e 111º.
[48] Mota Pinto, Colectânea de Jurisprudência, 1985, III, pág. 102.
[49] Ainda assim, mesmo nos casos de negócio simulado, cuja simulação seja invocada pelos simuladores, o impedimento ao uso daqueles meios de prova dotados de maior falibilidade não é absoluto, sendo corrente o entendimento jurisprudencial e doutrinal de que tais restrições são inaplicáveis quando exista princípio de prova relativamente aos factos integradores de tal vício específico [Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17/06/03 (CJSTJ, tomo II, pág. 136), de 21/01/99 (BMJ 483º-270), e de 04/06/96 (RLJ, ano 129º, págs. 342 e segs.)].
[50] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/02/2017, in www.dgsi.pt.
[51] Carvalho Fernandes, A Prova da Simulação Pelos Simuladores, “O Direito” 124.º, 1992, IV, 600 afirma que se trata de «esconjurar os perigos que a prova testemunhal poderia provocar: qualquer acto poderia ser contraditado».
[52] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08/05/2018, disponível em www.dgsi.pt.
[53] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 02/02/2017, também publicado em www.dgsi.pt.
[54] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09/07/14 e de 23/02/10, in www.dgsi.pt.
[55] Carvalho Fernandes, A prova da Simulação pelos Simuladores”, O Direito, ano 124.º, 1992, IV, pág. 593-616.
[56] Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral de Direito Civil, 3.ª edição, 2005, pág. 534-535.
[57] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23/02/2017, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário conclui que: «1-É aceite que o documento autêntico faz prova plena da materialidade das declarações prestadas, mas não da honestidade, veracidade ou validade das declarações emitidas pelo declarante.
2-Saber se as declarações efectuadas correspondem ou não à vontade real ou se estão afectadas de erro ou outro vício escapa às percepções do documentador».
[58] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, pág. 343.
[59] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume IV, Coimbra, 1984, pág. 317.
[60] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/03/1997, in www.dgsi.pt.
[61] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30/01/2020, publicado em www.dgsi.pt.
[62] Dias Marques, Noções Elementares de Direito Civil, pág. 82.
[63] Simulação, Simulação Relativa, Formalismo legal, in Cadernos de Direito Privado, nº 19, pág. 6
[64] João de Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, pág. 149.