Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
63/17.0T8PTM.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: DESPEDIMENTO
DECLARAÇÃO RECEPTÍCIA
DOCUMENTO PARTICULAR
DECLARAÇÃO DA SITUAÇÃO DE DESEMPREGO
Data do Acordão: 11/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I – A declaração da situação de desemprego é um documento destinado à Segurança Social com vista a instruir o requerimento de concessão das prestações de desemprego.
II – A prova da mera entrega da declaração ao trabalhador, não constitui factualidade suficiente para se poder inferir a existência de uma declaração de vontade expressa da empregadora, dirigida ao trabalhador, comunicando-lhe que o contrato de trabalho cessava pelo motivo indicado no documento, mostrando-se necessário apurar o contexto que motiva ou justifica a entrega da declaração da situação de desemprego.
(Sumário da relatora)
Decisão Texto Integral: P.63/17.0T8PTM.E1


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

1. Relatório
BB (A.) intentou ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, contra CC, Lda. (R.), tendo alegado, em muito breve síntese, que foi ilicitamente despedida e, em consequência, pediu a condenação da R. a reintegrá-la no posto de trabalho onde exercia funções antes do despedimento e a pagar-lhe uma compensação pelas retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito e julgado da presente ação, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% até efetivo e integral pagamento.
Subsidiariamente, peticionou a condenação da R. no pagamento da quantia de € 653,67 (seiscentos e cinquenta em três euros e sessenta e sete euros) a título de créditos salariais emergentes da cessação do contrato de trabalho.
Realizada a audiência de partes, não foi possível obter uma solução amigável para o litígio.
Contestou a R., impugnando o alegado despedimento
Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador tabelar.
Fixou-se à ação o valor de € €653,67.
Realizada a audiência de discussão e julgamento proferiu-se sentença com o dispositivo que se transcreve:
«Nestes termos e por tudo o exposto, decide-se julgar a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolver a ré “CC, Lda.” dos pedidos deduzidos pela autora BB.
Custas pela autora, por ter ficado vencida, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
Registe e notifique.»

Inconformada com esta decisão, veio a A. interpor recurso da mesma, sintetizando a sua alegação com as seguintes conclusões:
«I. Vem o presente Recurso de Apelação interposto da douta Sentença de fls., que julgou improcedente o pedido da Autora considerando assim como licita a cessação do contrato de trabalho celebrado entre a Autora e Ré.
II. Com efeito, produzida toda a prova dos autos, o Tribunal a quo, concluiu que a Autora “não provou que no dia 10/09/2016 tenha existido qualquer declaração (ou ato) com o significado apontado, de fazer cessar o contrato de trabalho”, pelo que não se considera o despedimento da mesma pela Ré como Ilícito.
III. Na verdade, o Tribunal a quo andou mal na subsunção dos factos que deu como provados ao direito aplicável, olvidando o tipo de contrato de trabalho celebrado, a duração do mesmo e, por último, a contraditória cessação promovida pela Apelante.
IV. O Tribunal a quo deu como provado que em 13 de maio de 2016 a Apelante e Apelada celebraram, verbalmente, um contrato de trabalho e considerando a inexistência de forma na celebração do contrato, nos termos da legislação substantiva aplicável, o contrato em crise é um contrato sem termo.
V. Ora, nos termos expostos, atenta a inexistência de forma do contrato celebrado entre Apelante e Apelada, o contrato celebrado deverá considerar-se como contrato de trabalho sem termo.
VI. Acresce que, dos factos dados como provados resulta que a “Ré entregou à autora uma declaração de situação de desemprego datada de 15/09/2016 onde colocou o motivo da cessação foi a caducidade do contrato”.
VII. Ora, andou mal o Tribunal a quo ao considerar que a Apelante não logrou provar que o contrato de trabalho tenha cessado por despedimento promovido pela Apelada, uma vez que por referência aos pontos 7, 8 e 9 dos factos dados como provados na sentença em crise e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, resulta que o contrato de trabalho cessou por iniciativa da entidade patronal, aqui Apelada.
VIII. Por referência ao tipo de contrato de trabalho em crise, contrato sem termo, de imediato se conclui pela impossibilidade legal de promover a cessação do mesmo por caducidade, uma vez que não se deram como provadas quaisquer causas a que lei determina como fundamento para o efeito.
IX. Destarte, estando em crise a cessação de contrato de trabalho sem termo, ao considerar-se como provado que a mesma operou por caducidade sem que se encontrem verificados os pressupostos legais, é sintomática a ilicitude do despedimento da Apelante.
X. Consequentemente, atenta a ilicitude da cessação do contrato de trabalho deverá ainda considerar-se como consequência da mesma a responsabilidade da Apelada no pagamento dos créditos laborais que integram o seu pedido.
XI. Tudo visto, andou mal o Tribunal a quo ao considerar como licito o despedimento da Apelante uma vez que a cessação do contrato promovida pela Apelada consubstancia-se em verdadeiro despedimento ilícito.»

Contra-alegou a R. concluindo pela improcedência do recurso.
Admitido o recurso, com efeito devolutivo, os autos subiram ao Tribunal da Relação.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da confirmação da decisão recorrida.
Não foi oferecida resposta a tal parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remição do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, a questão que importa dilucidar e resolver é a de saber se o acervo factual provado nos permite concluir pela ocorrência de um despedimento ilícito e procedência do pedido principal formulado.
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III. Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
1. A Autora celebrou, verbalmente, com aqui Ré um contrato de trabalho para o desempenho de funções de empregada de limpeza, mediante a retribuição mensal de €530.
2. A Autora apresentou-se ao serviço, no dia 13 de maio de 2016, para, sob as ordens de direção da Ré, lhe prestar a atividade profissional para a qual foi contratada.
3. No dia 13 de Agosto a autora comunicou ao sócio-gerente da ré, DD, que lhe doía um pé e que iria ao médico.
4. Foi desde logo informada que devia enviar à entidade patronal os documentos do hospital ou do centro de saúde, assim como todas as despesas para serem remetidas ao seguro da ré, existente na EE com a apólice AT….
5. A autora esteve incapacitada de trabalhar desde 25/08/2016 a 10/09/2016.
6. A ré descontou a quantia de €123,69 aquando do pagamento do vencimento de Agosto de 2016.
7. A ré entregou à autora uma declaração de situação de desemprego datada de 15/09/2016 onde colocou que o motivo da cessação foi a caducidade do contrato.
8. A Ré procedeu ao pagamento da quantia de €91,63 relativos a férias não gozadas.
9. FF deslocou-se a casa da autora para lhe entregar a declaração de situação de emprego, quantias em dinheiro e para recolher uma declaração desta.
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IV. Cessação do contrato de trabalho.
Em sede de recurso, invoca a apelante que por referência aos factos provados sob os n.ºs. 7, 8 e 9, deveria o tribunal de 1.ª instância ter concluído que o contrato de trabalho por tempo indeterminado que vigorou entre as partes processuais, cessou por iniciativa da entidade patronal, com fundamento na caducidade do mesmo, o que consubstancia um despedimento ilícito com as legais consequências.
Analisemos a questão.
Os pontos factuais invocados têm o seguinte teor:
7. A ré entregou à autora uma declaração de situação de desemprego datada de 15/09/2016 onde colocou que o motivo da cessação foi a caducidade do contrato.
8. A Ré procedeu ao pagamento da quantia de €91,63 relativos a férias não gozadas.
9. FF deslocou-se a casa da autora para lhe entregar a declaração de situação de emprego, quantias em dinheiro e para recolher uma declaração desta.
No essencial, a tese desenvolvida pela apelante é a seguinte: tendo sido celebrado um contrato sem termo, ao dar-se como provado que a cessação do contrato ocorreu por caducidade, sem que se encontrem verificados os pressupostos legais de tal figura jurídica, tal circunstância é reveladora da ilicitude do despedimento.
Salvaguardado o devido respeito, que é muito, a apelante interpreta mal os factos assentes.
Expliquemos porquê.
Mostra-se pacífico nos autos que entre as partes processuais foi celebrado um contrato de trabalho subordinado por tempo indeterminado, cuja vigência se iniciou em 13 de maio de 2016.
Resultou igualmente apurado que a empregadora entregou à agora apelante uma declaração de situação de desemprego, datada de 15 de setembro de 2016, onde colocou que o motivo da cessação do contrato foi a caducidade do mesmo.
Tal declaração, porém, ao contrário do entendimento manifestado pela apelante, não permite inferir que a relação contratual cessou por caducidade.
Está em causa uma declaração que se destina a ser entregue à Segurança Social com vista a instruir o requerimento de concessão das prestações de desemprego.
Como se pode ler no Acórdão da Relação do Porto de 24/05/2010, P. JTRP00043950, acessível em www.dgsi.pt: «Trata-se de um documento particular que, ainda que não impugnada a letra e assinatura e fazendo, por isso, prova plena de que o seu autor emitiu a declaração nele inserta (art. 376º, nº 1, CC), não tem, contudo, a força probatória prevista no nº 2 do mesmo, ou seja, não faz prova plena da veracidade dos factos contidos nessa declaração, sendo certo que, como se tem entendido, doutrinal e jurisprudencialmente, carecem de tal força os documentos que tenham como destinatários terceiros, que não a parte que dele pretende beneficiar.
Ou seja, a declaração em questão faz prova plena de que a ré declarou que o contrato de trabalho cessou por despedimento por extinção do posto de trabalho, mas, tendo ela como destinatário a Segurança Social (terceiro), já não faz prova plena de que a Ré tenha, na verdade, procedido, ou pretendido proceder, ao despedimento do A. e que o tenha feito com invocação dessa causa, sendo que, nesta parte, o documento está sujeito à livre apreciação do julgador.
O despedimento consiste numa declaração do empregador que provém ou pressupõe a sua vontade, unilateral, de fazer cessar o contrato de trabalho.»
Igualmente com interesse, pode ler-se no Acórdão desta Secção Social, de 23/05/2013, P. 138/12.1TTPTM.E1, em que intervieram como adjuntos a agora relatora e o agora 2.º adjunto, acessível na indicada base de dados:
«O despedimento constitui uma das modalidades de cessação do contrato de trabalho (art. 340º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12-02 e que é o aqui aplicável), modalidade esta da iniciativa da entidade empregadora e supõe uma manifestação de vontade da parte da mesma em fazer cessar o contrato com qualquer dos seus trabalhadores, manifestação de vontade que não tem, necessariamente, de se explicitar através de uma declaração expressa – por palavras, por escrito ou por qualquer outro meio direto de manifestação dessa vontade – porquanto se pode inferir ou deduzir de factos que, com toda a probabilidade, revelem ser essa a intenção do empregador – “facta concludentia” –, isto no entendimento razoável de um declaratário normal, produzindo os seus efeitos logo que chegue ao poder ou seja conhecida pelo trabalhador seu destinatário (cfr. arts. 217º, 224º e 236º do Código Civil).
Essa manifestação de vontade tem, no entanto, de ser inequívoca no sentido de revelar ao trabalhador, enquanto declaratário normal colocado na posição de real declaratário, o manifesto propósito do seu empregador em pôr termo à relação laboral entre ambos mantida (cfr. neste sentido e entre outros os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22-10-2008 Proc. 08S1034 e de 21-10-2009 Proc. 272/09.5YFLSB).
Para além disto, importa referir que incumbe ao trabalhador a prova dos factos que, inequivocamente, revelem a vontade da sua entidade empregadora em pôr termo ao contrato de trabalho, bem como de que, tais factos, foram, por ele, como tal interpretados (art. 342º n.º 1 do Cod. Civil).
Ora, tendo em consideração estes aspetos e revertendo ao caso em apreço, diremos que a matéria de facto provada, por si só, não permite concluir ter havido da parte da R. uma manifestação expressa ou, sequer, meramente tácita de despedimento do A., sendo insuficiente o fundamento de facto de que se serviu o Sr. Juiz do Tribunal a quo para haver concluído desse modo. Com efeito, ao considerar ter ocorrido despedimento tácito do A. por parte da R. unicamente com base na declaração a que se alude no ponto 4. dos factos provados – declaração de situação de desemprego em impresso da Segurança Social, datado de 19/09/2011 e entregue pela R. ao A. –, esquece o Sr. Juiz que esta, como já se referiu, apenas se trata de um mero documento exigido pelos serviços da Segurança Social, emitido pela entidade empregadora, ou até mesmo pela Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), quando aquela o não faça, segundo modelo próprio e unicamente destinado àqueles serviços, de forma a poder ser conferida a trabalhador por conta de outrem que lha requeira, uma subvenção legalmente estabelecida quando em situação de desemprego involuntário. Nada mais do que isso.»
Não vislumbramos razão para divergir do anteriormente decidido.
Efetivamente, a declaração para a situação de desemprego a que alude o ponto 7 dos factos assentes não constitui uma declaração de vontade expressa dirigida ao trabalhador comunicando-lhe que o contrato de trabalho cessava por caducidade.
E só uma declaração de vontade inequívoca nesse sentido poderia valer como comunicação da cessação do contrato de trabalho.
Para o efeito, cita-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4/12/2002, P. 02S2330, também disponível em www.dgsi.pt:
«I-O despedimento de um trabalhador, que é causa de cessação da relação laboral que o vinculava ao empregador, supõe a emissão, por parte da entidade patronal, de uma declaração de vontade receptícia, que, como tal, se torna eficaz logo que a mesma chegue ao poder do trabalhador destinatário, ou é dele conhecida.
II – A declaração de despedimento pode ser expressa – quando seja feita por palavras, escrito ou qualquer meio direto de manifestação da vontade –, ou tácita – quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelem.».
Na situação em apreço nos autos não resultou demonstrada a aludida manifestação de vontade perante a trabalhadora, sendo certo que o gesto da entrega da declaração da situação de desemprego à trabalhadora não significa automaticamente que a empregadora está a comunicar a cessação do contrato.
Haveria que que se ter provado todo um circunstancialismo factual que explicasse ou motivasse essa entrega para se poder concluir pela existência de um comportamento unilateral da empregadora a pôr termo ao contrato, invocando a sua caducidade, o que não se consegue depreender mesmo com recurso aos factos descritos nos pontos 8 e 9.
Ou seja, o ónus da prova que impendia sobre a agora apelante não foi concretizado.
Por conseguinte, tendo o tribunal de 1.ª instância considerado que por falta de prova da existência de qualquer declaração ou ato que significasse uma declaração inequívoca da vontade da empregadora pôr termo à relação contratual, o pedido principal da A. teria de ser julgado improcedente, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida.
Concluindo, o recurso mostra-se improcedente.
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V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.
Notifique.

Évora, 22 de novembro de 2017
Paula do Paço (relatora)
Moisés Silva
João Luís Nunes



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[1] Relatora: Paula do Paço, 1º Adjunto: Moisés Silva¸ 2º Adjunto: João Luís Nunes