Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
84/18.5T8CCH.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
DECISÃO ARBITRAL
VALOR PROBATÓRIO
JUSTA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 09/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - No âmbito da decisão arbitral há lugar à aplicação analógica do disposto no artigo 635.º, n.º 5, do CPC, significando isso que os efeitos do julgado arbitral, na parte em que não tenha sido interposto recurso, não podem ser prejudicados nem pela decisão do recurso nem pela eventual anulação do processo.
II - Não se verifica a invocada reformatio in pejus proibida pelo artigo 635.º, n.º 5, do CPC, quando os conceitos em presença, por aplicação do definido no Plano de Pormenor, a que tanto o acórdão arbitral como o relatório pericial aludem são diversos, impondo-se, pois, a sua distinção para efeitos de obtenção do valor da justa indemnização.
III – Muito embora a força probatória das respostas dos peritos seja fixada livremente pelo julgador, atendendo à especial conformação legal da avaliação em processo de expropriação, e aos especiais conhecimentos técnicos exigidos aos peritos nomeados para a efectuarem, caso o relatório pericial seja unânime ou maioritário, o tribunal só deve afastar-se dos valores por aqueles propostos com base em especiais conhecimentos que o mesmo não possui, se verificar a existência de erro ou incumprimento pelos peritos dos critérios legalmente estabelecidos e aos quais estes também se encontram vinculados.
IV - O especial valor probatório do relatório pericial apenas será de excluir se outros preponderantes elementos de prova o infirmarem, mormente por padecer de erro grosseiro ou por ser contrário a normas legais vinculativas, caso em que o juiz deve pôr em causa o relatório técnico dos peritos, mas com recurso a argumentação técnica ou científica, eventualmente baseada noutros meios de prova divergentes, de igual ou superior credibilidade, e que podem, por exemplo, decorrer dos relatórios minoritários ou ainda do cotejo deste relatório com o laudo arbitral e o relatório de avaliação, todos efectuados por peritos igualmente integrados na referida lista oficial.
V - Verificando-se do laudo pericial e das explicações prestadas que os Senhores Peritos indicados pelo Tribunal explicaram globalmente melhor e mais aprofundadamente no confronto com o que constava no acórdão arbitral, os critérios de valorização da parcela que foram unanimemente adoptados, não se vislumbrando que se verifique algum fundamento para a sua pretendida alteração, mormente por existir algum erro, contradição no critério ou ilegalidade na valorização, que determine a adopção de critério diverso, concretamente o proposto pela entidade Expropriada, louvando-se na essência, no acórdão arbitral onde tais cálculos foram afirmados mas sem que ali tivesse sido produzida fundamentação convincente que os suportasse, nada há a censurar ao acolhimento daquelepela sentença recorrida. (sumário da relatora).
Decisão Texto Integral:
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém[1]
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos de expropriação por utilidade pública em que é expropriante o Município de Coruche – Câmara Municipal de Coruche e expropriada a Casa Agrícola …, Lda., por deliberação n.º 48/2017 da Assembleia Municipal de Coruche, de 30 de Junho de 2017, publicada na 2.ª Série do D.R., n.º 137, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, de uma parcela de terreno, com a área de 5610 m2, a destacar do prédio sito na União de Freguesias de Coruche, Fajarda e Erra, do Concelho de Coruche, inscrito na matriz predial rústica da dita freguesia sob o artigo …, secção EEE1 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coruche com o número …, situado na Herdade do …, propriedade da Casa Agrícola …, Lda., necessária à realização da “Empreitada de execução das obras de urbanização da Zona Industrial do Monte da Barca – Norte – 1.ª Fase/Área Empresarial do Sorraia – implantação de uma via de acesso ao Parque Industrial do Monte da Barca – Norte”.

2. Realizada a vistoria ad perpetuam rei memoriam e promovida a avaliação pela Entidade Expropriante para aquisição por via do direito privado (artigo 11.º do Código das Expropriações[3]), a Expropriada foi notificada do relatório em que se fixava à parcela em causa o valor de 8.246,70€, que esta não aceitou.
Seguiu-se, então, a fase da expropriação litigiosa, tendo os árbitros nomeados elaborado acórdão arbitral, considerando, por unanimidade, que a referida parcela tinha o valor de 164.894,70€, quantia que se encontra depositada pela entidade expropriante, à ordem do Tribunal, desde 06/04/2018.

3. Em 14 de Maio de 2018, foi proferido despacho a adjudicar a parcela de terreno em causa à entidade expropriante, em conformidade com o disposto no artigo 51.º, n.º 5, do CE.

4. Por requerimento apresentado em 30/05/2018 a entidade expropriante impugnou judicialmente a decisão arbitral, invocando, em síntese, que o valor inscrito no acórdão arbitral como correspondendo à justa indemnização pela expropriação é desadequado, uma vez que os árbitros chegaram ao valor indemnizatório: i) sem apresentar a fundamentação que conduziu à aplicação dos critérios utilizados (método analítico em detrimento do método comparativo); ii) desconsiderando os valores julgados correntes de mercado na mesma freguesia quanto ao preço por m2 do terreno da parcela expropriada e do valor médio da construção de tipo industrial (que se situam em valores muito abaixo daquele a que se chegou no laudo de arbitragem); iii) fazendo constar um acréscimo, na percentagem máxima, nos termos do disposto no artigo 26.º, n.º 7 do CE, por infra-estruturas que o próprio Município de Coruche realizou.
Concluiu pedindo que seja fixado que o preço por m2 do terreno da parcela expropriada não é superior a € 5,70 m2; o valor médio da construção do tipo industrial, na zona, não é superior a € 250,00 m2; e que sejam deduzidas todas as percentagens que acresceram pela aplicação do n.º 7 do artigo 26.º do Código das Expropriações, e, desta forma, seja atribuída a título de justa indemnização a quantia que resultar da avaliação efectuada nestes termos.

5. Admitido o recurso interposto e notificada a expropriada para responder, veio a mesma apresentar resposta, pugnando pela sua improcedência, invocando para o efeito, e em síntese, que i) o CE não impõe a aplicação taxativa de qualquer método de avaliação pelo que, estando-se, in casu, perante um solo apto para construção não merece crítica a aplicação das disposições do artigo 26.º do Código das Expropriações que os senhores peritos seguiram, como também não merece crítica a desconsideração das regras previstas no n.º 2 do artigo 26.º e a aplicação dos n.º 4 a 12, do mesmo artigo, uma vez que, no caso, a entidade expropriante não forneceu a lista de transacções; ii) quanto ao custo de construção a definição de valores que mais se aproxima da economia do artigo 26.º é a que resulta da fixação para efeitos de avaliação dos prédios urbanos - fixado em € 482,40 para o ano de 2018 - estando assim o valor fixado pelos senhores árbitros - € 400/m2 - abaixo daquele valor, pelo que não há reparo a fazer pela entidade expropriante, uma vez que até fica beneficiada com tal valor arbitrado; iii) a fundamentação da atribuição das percentagens como custo de reforço de infra-estruturas existentes e índice de risco encontram-se devidamente fundamentadas, por juízo de peritos, pelo que não devem ser alteradas.

6. Procedeu-se à avaliação prevista nos artigos 61.º e 62.º do CE, na sequência da qual os Senhores peritos, por unanimidade, consideraram que o valor da parcela expropriada deveria ser fixado em 46.843,50€.
Na sequência desta avaliação, a expropriada veio pedir esclarecimentos os quais foram prestados por escrito nos termos constantes de fls. 850 a 852.

7. Concluídas as diligências de prova foi dado cumprimento ao disposto no artigo 64.º do Código das Expropriações, tendo a Expropriante e a Expropriada apresentado alegações, respectivamete, de fls. 858 a 861, e de fls. 864 a 873.

8. Em 4 de Novembro de 2019 foi proferida sentença, julgando parcialmente procedente o recurso apresentado pela entidade expropriante relativamente ao acórdão arbitral, e fixando-se em 46.843,50€ (quarenta e seis mil, oitocentos e quarenta e três euros e cinquenta cêntimos) o montante da indemnização devida pela Expropriante à Expropriada.

9. Inconformada, a Expropriada apresentou o presente recurso de apelação, encerrando as suas alegações com prolixas conclusões que se sintetizam nas seguintes:
«A decisão da matéria de facto quanto ao índice de construção não devia ter sido alterada na sentença recorrida, atendendo ao principio da proibição da reformatio in pejus, por ofensa ao caso julgado, neste segmento da decisão arbitral, tal como acima defendido; bem como
A fixação do valor do custo de construção por m2 deveria ser mantido o fixado no Laudo dos Árbitros, por ser o mais próximo do valor fixado nas Portªs 79/2017, de 19 de Dezembro e 345-B/2016, de 30 de Dezembro, sendo este o ano de referência para efeitos de atribuição de indemnização (art.º 24º, nº 1 CE), as quais deveriam ter sido aplicadas».

10. A Expropriante não apresentou contra-alegações.

11. Observados os vistos, cumpre decidir.
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II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[4], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, atento o objecto do recurso, as únicas questões a apreciar são as de saber se o índice de construção fixado na decisão arbitral podia ou não ter sido alterado na sentença recorrida; e se o valor do custo de construção por m2 devia ter-se mantido tal como havia sido fixado no laudo arbitral.
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III – Fundamentos
III.1. – De facto
Na sentença recorrida foi considerado demonstrado que:
«1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Coruche, sob o n.º …, o prédio rústico situado na Herdade do Monte da …, freguesia da União de freguesias de Coruche, Fajarda e Erra, concelho de Coruche, inscrito na matriz rústica sob o artigo ,,,, secção EEE1.
2. O prédio referido em 1. é composto de pinhal bravo e sobreiros.
3. O prédio referido em 1. tem a área total de 7,025 ha.
4. O prédio referido em 1. confronta a Norte com o canal de rega do Vale do Sorraia, a Sul com Tabaqueira, a Nascente com C…o, S.A e a Poente com Província Portuguesa da Sociedade Salesiana.
5. Pela Ap. 2 de 2003/02/25 mostra-se registado um pacto de preferência a favor da Santa Casa da Misericórdia de Coruche.
6. Pela Ap. 3 de 2007/01/26 mostra-se registada a respectiva aquisição a favor de “Casa Agrícola C…, Lda.” à data da declaração de utilidade pública.
7. Em 23/02/2017 a Santa Casa da Misericórdia de Coruche renunciou ao direito de preferência referido em 5.
8. Em 18/05/2017, o Município de Coruche – Câmara Municipal, Pessoa Colectiva n.º 506 722 422, com sede na Praça da Liberdade em Coruche, tomou a resolução de expropriar e de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação, com carácter de urgência, das parcelas de terreno necessário à execução do Plano de Pormenor da Zona Industrial do Monte da Barca – Norte.
9. Por deliberação n.º 48/2017, da Assembleia Municipal de Coruche, datada de 30 de Junho de 2017 e publicada no Diário da República, II Série, n.º 137, atenta a resolução referida em 8., foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação do bem imóvel - parcela com a área de 5610 m2, sita na Herdade do …, União de freguesias de Coruche, Fajarda e Erra, concelho de Coruche, a destacar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Coruche sob o n.º …, inscrito na matriz predial rústica da União de freguesias de Coruche, Fajarda e Erra sob o artigo …, secção EEE1 - e direitos a ele inerentes, necessários à execução de tal Plano de Pormenor.
10. Em 18/12/2017 foi realizada a vistoria “ad perpetuam rei memoriam” da parcela de terreno expropriada.
11. Em 12/04/2018 a entidade expropriante tomou posse administrativa da parcela identificada em 1.
12. Por despacho exarado em 14/05/2018, notificado às partes em 18/05/2018, a entidade expropriante foi investida no direito de propriedade da parcela referida em 1.
13. Por ocasião da vistoria ad perpetuam rei memoriam a sobredita parcela:
i. Era constituída pela área total de 5.610 m2, correspondente a uma faixa de terreno localizada no prédio referido em 1;
ii. Nesta zona verificava-se apenas a existência de pasto natural e a existência de árvores;
iii. Não existiam quaisquer construções na parcela;
iv. Continha 4 pinheiros mansos;
v. Continha 19 sobreiros, com o último descortiçamento ocorrido em 2017, nomeadamente:
-sobreiros com DAP entre 0,95 e 1,20 m - 10 unidades;
-sobreiros com DAP entre 1,40 e 2,00 m - 7 unidades;
-sobreiros com DAP entre 2,40 e 2,70 m - 2 unidades.
14. Foi proferido acórdão de arbitragem no âmbito do qual se atribuiu à parcela o valor indemnizatório de €164.894,70.
15. Os Peritos nomeados pelo Tribunal atribuíram à parcela o valor indemnizatório de €46.843,50.
16. Já na data da declaração de utilidade pública referida em 9. a parcela em referência tinha na sua estrema as seguintes infra-estruturas urbanísticas:
a) Acesso rodoviário com pavimentação em calçada, betuminoso ou equivalente junto à parcela;
b) Rede de abastecimento domiciliário de água com serviço junto da parcela;
c) Rede de saneamento, com colector em serviço junto da parcela;
d) Rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão com serviço junto da parcela;
e) Rede de drenagem de águas pluviais com colector em serviço junto da parcela;
f) Rede de distribuição de gás junto da parcela;
g) Rede telefónica junto da parcela.
17. A parcela expropriada tem no Plano de Pormenor, e a nascente da área a expropriar, dois lotes industriais previstos com os n.ºs 96 e 97, com as áreas de 12.424 e 10.655 m2 respectivamente.
18. O índice de utilização do solo para o prédio referido em 1. corresponde a 0,65.
19. No prédio referido em 1. é viável a construção, havendo a ceder ao Município 5.610 m2.
20. O índice de construção previsto para o prédio referido em 1. corresponde a 0,37.
21. O custo de construção por referência à data da declaração de utilidade pública mencionada em 9. e a respeito da área em que se inclui o prédio referido em 1. correspondia a € 450 por m2 de área bruta de construção para 10 % da área a construir (escritórios) e € 250/m2 de área de construção para a restante área de armazém.
22. O risco e esforço inerente à actividade construtiva fixava-se em 5% por referência à data da declaração de utilidade pública mencionada em 9.
23. A área remanescente do prédio identificado em 1. continua a assegurar proporcionalmente os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio, não causando o destaque da parcela expropriada qualquer depreciação ao imóvel».
Abaixo da menção aos “Factos não provados” consignou-se que:
«Ficaram por demonstrar todos os demais factos alegados pelas partes processuais porquanto em contradição com a factualidade ora considerada provada, sendo certo que a demais matéria alegada nas respectivas peças recursivas tem natureza jurídica ou corresponde à formulação de juízos de natureza conclusiva».
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III.2. – O mérito do recurso
III.2.1. – Considerações gerais[5]
A Constituição da República Portuguesa[6] consagra no respectivo artigo 62.º, n.º 1, «o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte», afirmando no seu n.º 2, que «[a] requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização».
Esta ideia constitucional de «justa indemnização», «comporta duas dimensões importantes: a) uma ideia tendencial de contemporaneidade, pois, embora não sendo exigível o pagamento prévio, também não existe discricionariedade quanto ao adiamento do pagamento da indemnização; b) justiça de indemnização quanto ao ressarcimento dos prejuízos suportados pelo expropriado, o que pressupõe a fixação do valor dos bens ou direitos expropriados que tenha em conta, por exemplo, a natureza dos solos, o rendimento, as culturas, os acessos, a localização, os encargos, etc., isto é, as circunstâncias e as condições de facto»[7].
Porém, o que seja a «justa indemnização» não vem definido no texto fundamental, havendo, consequentemente, e para tal efeito que recorrer aos critérios legais.
Assim, na lei civil, importam a esta questão os artigos 1308.º e 1310.º do Código Civil[8], dos quais decorre que «[n] ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos previstos na lei» e «[h]avendo expropriação por utilidade pública ou particular ou requisição de bens, é sempre devida a indemnização adequada ao proprietário e aos titulares dos outros reais afectados».
Sendo a expropriação um instituto de direito público, encontra-se sujeita, por isso mesmo, a vários limites e garantias que funcionam como seus pressupostos, dentre os quais avulta a sujeição ao princípio da necessidade ou da proibição de excesso.
Deste princípio decorre, desde logo, que o recurso à expropriação por utilidade pública só é proporcional, por necessário, quando se tenha esgotado a via consensual, salvos os casos de urgência.
De facto, “seria manifestamente excessivo impor ao proprietário os incómodos, delongas e despesas do processo de expropriação e sujeitá-lo à incerteza do respectivo desfecho, estando ele disposto a transmitir o bem e podendo fazê-lo”[9].
Destarte, a garantia constitucional da propriedade privada mostra-se, para além do mais, plasmada no iter procedimental previsto no Código das Expropriações, do qual emerge que a expropriação surge como um recurso último da entidade pública, que só deve funcionar quando não seja possível obter a resolução do conflito entre um interesse público e um interesse privado, com recurso aos mecanismos correntes de mercado que enformam o direito privado, como ocorre na situação em apreço, na qual Expropriante e Expropriada dissentem quanto ao valor da indemnização devida pela expropriação da parcela em causa, por utilidade pública.
Ora, quer no texto constitucional quer na codificação civil estamos perante conceitos indeterminados que nos remetem para a justeza e adequação da indemnização devida pela retirada forçada ao proprietário da coisa que lhe pertence e, consequentemente, do conteúdo do seu direito de propriedade, nos termos em que é definido no artigo 1305.º do CC.
Densificando o referido conceito constitucional, estabelece o n.º 1 do artigo 23.º do Código das Expropriações[10], sob a epígrafe Justa indemnização, que: «[a] justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data».
A jurisprudência constitucional tem considerado que a referida indemnização só é justa se respeitar nos critérios para a sua atribuição os princípios constitucionais da igualdade e proporcionalidade, ressarcindo o expropriado do prejuízo por ele efectivamente sofrido, razão pela qual, a mesma não pode ser de montante tão reduzido que a torne irrisória, meramente simbólica ou desproporcionada à perda do bem expropriado. Acentua-se ainda que o expropriado não pode ser beneficiado com a expropriação nem o expropriante pode ser prejudicado, motivo por que, não se deve atender a factores especulativos que distorçam a proporção que deve existir entre o prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar por ela[11].
«O conceito de indemnização aqui em causa tem, pois, a estrutura a um tempo jurídica e económica, cuja justeza se deve traduzir no equilíbrio económico entre o objecto expropriado e a respectiva indemnização, em correspondência tendencial ao valor real dos bens expropriados. (…)
Com efeito, o prejuízo do expropriado e de outros interessados corresponde ao valor real e corrente dos bens expropriados, de acordo com o seu destino efectivo ou possível, numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes nessa data.
Assim, relevam as circunstâncias e condições de facto existentes à data da publicação da declaração de utilidade pública, não só quanto ao destino efectivo dos bens em causa, como também quanto ao destino possível numa utilização económica normal.(…)
A referência legal ao destino possível dos bens, isto é, à possibilidade do seu aproveitamento no momento da publicação da declaração de utilidade pública da expropriação, depende não só da sua natureza, localização e estado, como também do regime jurídico definidor do respectivo aproveitamento.
O critério para que a lei aponta é o do valor de mercado ou venal, comum ou de compra e venda, tendo em conta todas as características dos bens em causa com influência na respectiva valoração patrimonial, por exemplo a histórica ou panorâmica, o que se conforma com o princípio da igualdade em relação aos proprietários de prédios não expropriados»[12].
Neste sentido tem avançado a jurisprudência do tribunal constitucional, entendendo como critério mais adequado ou mais apto para alcançar uma compensação integral do sacrifício patrimonial infligido ao expropriado e para garantir que este, em comparação com outros cidadãos não expropriados, não seja tratado de modo desigual e injusto, é o do valor de mercado, também denominado valor venal, valor comum ou valor de compra e venda do bem expropriado, entendido não em sentido estrito ou rigoroso, mas sim em sentido normativo, na medida em que estamos perante um “valor de mercado normal ou habitual”, não especulativo, isto é, um valor que se afasta, às vezes substancialmente, do valor de mercado resultante do jogo da oferta e da procura, já que está sujeito, frequentes vezes, a correcções (que se manifestam em reduções e em majorações legalmente previstas), as quais são ditadas por exigências da justiça[13].
Assim tem entendido também a jurisprudência dos tribunais de Relação, decidindo nomeadamente que:
A fixação da justa indemnização visa colocar o expropriado numa situação em que este teoricamente possa voltar a adquirir (com a indemnização recebida) uma coisa de igual espécie e qualidade, um objecto de valor equivalente[14].
Uma indemnização justa (na perspectiva do expropriado) será aquela que, repondo a observância do princípio da igualdade violado com a expropriação, compense plenamente o sacrifício especial suportado pelo expropriado, de tal modo que a perda patrimonial que lhe foi imposta seja equitativamente repartida entre todos os cidadãos.
A indemnização por expropriação deve aproximar-se tanto quanto possível do valor que o proprietário obteria pelo seu bem se não tivesse sido expropriado, tendendo a coincidir com o valor de mercado, em situação de normalidade[15].
No mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, mormente no aresto de 31.01.2012[16], de cujo sumário se extrai que:
«1. Nas expropriações por utilidade pública, só o critério do valor real do bem, em condições normais de mercado, assegura o princípio constitucional da justa indemnização.
Sendo o valor de mercado, também denominado valor venal ou de compra e venda do bem expropriado, entendido em sentido normativo, o critério mais adequado para a compensação integral do sacrifício infligido ao expropriado;
2. A justa indemnização não se configura como uma verdadeira indemnização, pois não deriva do instituto da responsabilidade civil.
Englobando a obrigação de indemnizar, por expropriação, apenas a compensação pela perda patrimonial suportada, tendo como finalidade a criação de uma nova situação patrimonial correspondente e de igual valor;
3. A obrigação de indemnização por expropriação, segundo a actual Ciência do Direito, deriva do princípio da igualdade;
4. A indemnização, para ser justa, não deve criar a favor do expropriado uma situação mais vantajosa do que a dos proprietários não expropriados, em idênticas circunstâncias;
5. A nossa lei acolhe a teoria da substituição no domínio da fixação da indemnização por expropriação, só sendo, assim, justa a indemnização que compense integralmente o dano suportado pelo expropriado».
Posto este enquadramento genérico relativamente aos critérios a adoptar para a avaliação dos bens objecto de expropriação, é tempo de avançarmos na decisão do caso concreto, enfrentando primeiramente a questão colocada pela Recorrente a respeito da matéria de facto, para apreciarmos depois qual o valor que neste processo tem a prova pericial produzida, tendente a determinar de forma objectiva e isenta o que seja, na situação em presença, a justa indemnização devida à Expropriada pela perda imposta pela Expropriante da parcela cuja titularidade lhe pertencia.
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II.2.2. Valor do acórdão arbitral
Para além de outros fundamentos aduzidos entende a Recorrente que os pontos 18 e 20 da matéria considerada provada foi incorrectamente julgado, em síntese, porque sobre aquele critério se havia formado caso julgado, já que os Srs. Árbitros, no seu Acórdão, consideraram o Índice de Construção do lote em 0,65, com fundamento no estipulado no Regulamento do Plano de Pormenor, sendo que no recurso que a entidade expropriante interpôs, não veio impugnar a consideração de tal índice, limitando-se, no essencial, a impugnar o Valor Unitário de Construção (€ 400) utilizado pelos Srs. Árbitros.
Assim sendo, defende a Recorrente que a parte decisória do Acórdão arbitral que não foi objecto de impugnação torna-se estável, não podendo a sua posição ser agravada, em virtude de recurso que por si não foi interposto, “mas que não atacou tal facto/parâmetro constitutivo do cálculo da indemnização, adquirindo a força e autoridade de caso julgado, atenta a proibição constante do princípio da «reformatio in pejus»”.
Cumpre, pois, apreciar se a julgadora podia ou não concluir ser tal factor de apenas 0,37.
É entendimento pacífico que a decisão proferida pelos árbitros em processo de expropriação, tem natureza jurisdicional, razão pela qual deve ser fundamentada como uma sentença judicial, e tem, consequentemente, a mesma força vinculativa que a lei confere às sentenças judiciais[17].
Desta sorte, no âmbito da decisão arbitral há lugar à aplicação analógica do disposto no artigo 635.º, n.º 5, do CPC, significando isso que os efeitos do julgado arbitral, na parte em que não tenha sido interposto recurso, não podem ser prejudicados nem pela decisão do recurso nem pela eventual anulação do processo.
Decorre da tramitação processual que efectivamente “o índice de construção do lote” foi fixado em 0,65 no acórdão arbitral (cfr. fls. 19), onde o IUB aparece assim fixado logo abaixo da fórmula VALOR DO SOLO = IUB x VUC x IF x (1-IR) x FC no início daquela página, seguido do VUC – Valor Unitário de Construção Industrial, que consideraram ser de 400€/m2, aplicando aquele índice a este valor no cálculo do valor do solo apto para construção, e multiplicando o valor por m2 assim encontrado pelos 5.610m2 da parcela expropriada.
É também certo que a entidade expropriante não impugnou a consideração de tal “índice de construção do lote” mas apenas o valor unitário de construção industrial, referindo desde logo que entendia existirem indicadores para aplicação do método comparativo mas que, ainda assim, o VUC não atingia aquele valor por m2.
Desta sorte, mesmo que a julgadora viesse a entender que aquele denominado “índice de construção do lote” se mostrava incorrectamente valorizado, não poderia diminuí-lo porquanto a tal obsta a proibição da reformatio in pejus consagrada no citado artigo 635.º, n.º 5, do CPC[18].
Mas, na situação em presença, poderá considerar-se que tal índice de construção do lote, considerando o estipulado no Regulamento do Plano de Pormenor, deve aplicar-se a toda a parcela do prédio rústico expropriado ou estamos a falar de cálculos diversos?
Efectivamente, no Relatório Pericial é considerado igualmente o referido índice de construção de 0,65 relativamente a cada lote, em nada beliscando, pois, a sua inclusão como sendo um factor de cálculo que não foi impugnado. Porém, fala-se também no índice total de construção que calculam em 0,37, aliás em consonância com o que já se mostrava vertido no relatório de avaliação inicial (fls. 7) em que a respeito do IUB a Senhora Eng.ª nomeada para o efeito chegava a este mesmo índice denominando “global”, e explicando a aplicação deste índice de construção nos seguintes termos: «como resultado dos índices de construção previstos para os lotes definidos no Plano e a área total a expropriar, calcula-se como índice global:
- Área total do Plano: 593.539,24m2;
- Área total dos Lotes: 338.386,99m2;
- Índice aplicado a cada Lote pelo Plano: 0,65;
- Área total de construção: 219.951,54m2;
- Índice Global = 0,37».
Pedidos esclarecimentos pela entidade Expropriada, relativamente ao IC, questionando precisamente a razão pela qual vêm indicar como índice para efeitos de cálculo do valor da indemnização o de 0,37, quando no regulamento do Plano de Pormenor se encontra fixado um índice de construção de 0,65, os Senhores Peritos explicaram que «o ponto “5.2.2.1- Valor unitário do solo” constante da página 7 do relatório indica exatamente a forma como calculado o valor de 0,37. O índice de 0,65 constante no Plano de Pormenor é o índice a aplicar ao lote quando constituído, o que não é o caso da parcela em expropriação». Assim, escalpelizam no local citado, em termos muito semelhantes aos acima vertidos, mas terminando com a seguinte menção explicativa: IC = AC/AP, ou seja, o índice de construção (IC) foi calculado dividindo a Área total de construção (AC), pela Área total do Plano (AP), obtendo-se o indicado índice de construção total de 0.37 e não de 0.65, aplicável a cada lote que, no caso, ainda não se encontrava constituído.
Estamos, pois, aptos a responder à questão formulada afirmando que, não estando perante aplicação do mesmo critério, não se aplica o referido princípio, não se impondo que o índice de construção do lote, coincida com o referido índice global ou total de construção a aplicar ao total da parcela em expropriação.
Ora, como podemos constatar, no ponto 18 da matéria de facto a julgadora referiu-se àquele IC do lote, considerando provado que «o índice de utilização do solo para o prédio referido em 1. corresponde a 0,65», enquanto no ponto 20 afirmou que «o índice de construção previsto para o prédio referido em 1. corresponde a 0,37».
Visto o Plano Plano de Pormenor da Zona Industrial do Monte da Barca, publicado na II série do DR de 26.03.2009, verificamos que ali consta claramente distinguido o conceito de «Lote» como a Área de terreno resultante de uma operação de loteamento licenciada ou autorizada nos termos da legislação em vigor e que, no caso presente, é titulada pela Certidão do Plano referida no artigo 44.º deste Regulamento; de “«Edificabilidade do Lote» como Área Bruta de Construção e demais características das edificações que é possível realizar no Lote por aplicação do presente regulamento”, e do «Índice de Construção (IConst)» Multiplicador urbanístico correspondente ao quociente entre o somatório das Áreas de Construção (em m2) e a área ou superfície de referência (em m2 ) em que se pretende aplicar, de forma homogénea, o Índice».
Aquela denominação de «utilização do solo» corresponde pois, à edificabilidade do lote, ao qual os Senhores peritos concretamente se referiram como “índice de construção de cada lote”, fixando-o em 0,65. Diferente é o conceito do Índice de construção correspondente ao multiplicador urbanístico correspondente ao quociente entre o somatório das Áreas de Construção (em m2) e a área ou superfície de referência (em m2 ) em que se pretende aplicar, de forma homogénea, o Índice, o qual no caso em presença, de harmonia com os cálculos já referidos, é de 0,37.
Nestes termos, na situação em apreço não se verifica a invocada reformatio in pejus proibida pelo artigo 635.º, n.º 5, do CPC, porquanto os conceitos em presença, por aplicação do definido no Plano de Pormenor, a que tanto o acórdão arbitral como o relatório pericial aludem são diversos, impondo-se, pois, a sua distinção para efeitos de obtenção do valor da justa indemnização.
Questão diversa é a de saber se deve ou não prevalecer a consideração pelos Senhores Peritos deste denominado “índice global de construção” que já vimos corresponder no Plano ao Índice de Construção, quando no acórdão arbitral o mesmo não havia sido sequer referido e havia apenas sido considerado o ali denominado índice de construção do Lote, que no plano de Pormenor já vimos corresponder à “«Edificabilidade do Lote», entendida como a Área Bruta de Construção e demais características das edificações que é possível realizar no Lote por aplicação do presente regulamento.
Somos, pois, chegados ao momento de apreciar o valor da prova pericial.
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III.2.3. – Valor da prova pericial
A prova pericial – diz-nos o artigo 388.º do CC – tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, sendo a sua força probatória fixada livremente pelo Tribunal – artigo 389.º do referido diploma.
Ora, precisamente a fixação do valor da coisa expropriada, já foi legalmente considerada uma excepção a esta regra, porquanto no Código das Expropriações, aprovado pelo DL n.º 845/76, de 11 de Dezembro, o tribunal não era inteiramente livre para se afastar do parecer dos peritos e tinha que justificar a sua decisão, por força do disposto no respectivo artigo 83.º, n.º 1.
Também o artigo 578.º do CPC anterior à revisão introduzida pelo DL n.º 47690 consagrava o princípio da livre apreciação da prova pericial mas obrigava o julgador a fundamentar a sua conclusão sempre que se afastasse do parecer dos peritos, enquanto no CPC na redacção introduzida pelo DL n.º 44129, de 28 de Dezembro de 1961, se manteve no artigo 569.º, n.º 2, a referida necessidade de fundamentação pelo tribunal sempre que se afastasse do resultado a que chegaram os louvados.
Porém, a partir do Código das Expropriações aprovado pelo DL n.º 438/91, de 9 de Novembro, tal excepção deixou de estar consagrada, o mesmo acontecendo com a alteração introduzida ao CPC a partir da revisão operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, que eliminou aquele referido preceito, resultando então claramente do disposto no artigo 591.º do CPC, norma correspondente ao referido artigo 389.º do CC, tal como na redacção vigente decorre do artigo 489.º em que se estatui que mesmo quando são realizadas duas perícias, a segunda não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo tribunal.
Como é consabido, a livre apreciação da prova, porém, não se confunde com uma apreciação arbitrária, ou mesmo discricionária da prova, significando ao invés que a mesma não é vinculada àquele meio de prova, devendo apenas subordinar-se a critérios de racionalidade, de bom senso, assentes nas regras de experiência comum que decorram dos elementos objectivos constantes no processo.
Concluindo, o juiz não está limitado na sua decisão pelos relatórios periciais nem pelo acórdão arbitral proferido nos autos de expropriação, devendo consequentemente decidir apenas de acordo com as normas e princípios constitucionais e com as demais normas legais aplicáveis, a que nas considerações gerais já fizemos referência.
Não obstante tal, a perícia constitui um meio de prova de natureza técnica na medida em que ao perito, ao invés do que ocorre quanto às testemunhas, para além da narração dos factos que percepciona, está também cometida a tarefa de apreciar ou valorar esses factos de acordo com os especiais conhecimentos técnicos que possui na matéria, e que não são do conhecimento do julgador, podendo inclusivamente trazer ao tribunal apenas a apreciação e valoração dos factos[19].
Ora, o Código das Expropriações, com vista à determinação do valor do bem objecto da expropriação, prevê a intervenção de peritos em todas as fases do processo, desde o procedimento relativo à declaração de utilidade pública, ao procedimento atinente à efectivação da posse administrativa, e, já no processo de expropriação litigiosa, quer na fase de arbitragem, quer no recurso desta, designadamente para efeitos dos respectivos artigos 61.º e 62.º, ou seja, designadamente, da avaliação.
“Esta diligência pericial, obrigatória, que visa essencialmente a avaliação dos bens em causa, com vista à determinação do montante indemnizatório concernente, é tão relevante para o efeito que a lei atribui a sua presidência ao próprio juiz.
A referida obrigatoriedade, ao invés do que decorre em relação aos outros meios de prova, deriva essencialmente da complexidade técnica da avaliação das várias espécies de bens, e, por isso, da necessidade de colaboração de pessoas com conhecimentos específicos de que a generalidade das pessoas não dispõe”[20].
Assim sendo, e “não dispondo o juiz de conhecimentos especiais na área a que respeita a perícia (…), salvo casos de erro grosseiro, não estará em condições de sindicar o juízo científico emitido pelo perito, afigurando-se, por isso, bem mais ajustada às actuais realidades da vida, a norma do Código de Processo Penal relativa ao valor da prova pericial (artigo 163.º, n.º 1), que estabelece a presunção de que o juízo técnico, científico ou artístico, está subtraído à livre apreciação do julgador”[21].
Acresce que o Código das Expropriações estabelece para o efeito regras especiais, uma vez que esta avaliação é efectuada por cinco peritos - desde logo ressaltando desta imposição uma maior exigência do que a geralmente adoptada, porquanto dos artigos 468.º, n.º 1, e 469.º, n.º 1, do CPC, resulta que a perícia é, em regra, singular, e excepcionalmente colegial -, designando cada parte um perito e sendo os três restantes nomeados pelo tribunal, e escolhidos de entre os que constam da lista oficial – artigo 62.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, do citado diploma legal.
Ora, os peritos e árbitros constantes das listas oficiais estão sujeitos às especiais regras de recrutamento e às condições de exercício de funções - quer no âmbito dos procedimentos anteriores à declaração de utilidade pública quer no âmbito do processo de expropriação – que se encontram previstas no DL n.º 125/2002, de 10 de Maio, que aprovou o Estatuto dos Peritos Avaliadores[22] (cfr. artigo 1.º). Assim, os mesmos são recrutados mediante concurso, tendo de possuir curso superior adequado, e sujeitos a provas de selecção – cfr. artigos 3.º, 5.º, 6.º e 7.º do EPA. Seleccionados, efectuam um curso de formação no Centro de Estudos Judiciários, são sujeitos a classificação final, são ajuramentados perante o presidente do tribunal da relação do respectivo distrito judicial – artigos 9.º-A, 9.º-B e 11.º do EPA – e têm que frequentar obrigatoriamente duas acções de formação permanente, sendo excluídos se deixarem de cumprir os seus deveres funcionais – artigos 12.º e 13.º do EPA. Tudo para dizer que os peritos que integram a lista oficial estão sujeitos a especiais exigências com vista a acautelar a sua qualidade técnica.
Acresce que os mesmos não podem intervir como peritos avaliadores indicados pelas partes em processos de expropriação que corram em Tribunal – artigo 15.º do EPA - e estão sujeitos aos impedimentos previstos no artigo 16.º e aos fundamentos de suspeição definidos no artigo 17.º, ambos do Estatuto dos Peritos Avaliadores, tudo com vista a garantir a sua isenção e imparcialidade.
Por fim, devem proceder à elaboração dos laudos periciais de acordo com as normas legais e regulamentares aplicáveis e devem fundamentar claramente o cálculo do valor atribuído – artigo 21.º do EPA - donde decorre, por exigência legal, que têm de se pautar por critérios objectivos.
De facto, «[c]oncorrendo indirectamente a função pericial para um “processo justo e equitativo”, como se extrai do princípio geral contido no art. 2º do CExp., esta exigência de objectividade resulta ainda de uma interpretação da norma em conformidade com a garantia subjacente ao art. 6º da CEDU, tal como tem sido interpretado pela jurisprudência do TEDH, ao pressupor o princípio da imparcialidade objectiva (cf. Ireneu Barreto, Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 2ª ed., pág.153 e segs).
Daí que, os tribunais, de forma uniforme, e apesar de, como se disse, a prova pericial produzida não ser vinculativa, entendam que em processo de expropriação, sendo a peritagem obrigatória e tratando-se de um problema essencialmente técnico – a avaliação do bem expropriado -, o tribunal deve aderir, em princípio, ao parecer dos peritos, dando preferência ao valor resultante desses pareceres, desde que sejam coincidentes, e, por razões de imparcialidade e independência, quando não sejam coincidentes, optar pelo laudo dos peritos nomeados pelo tribunal porquanto este é o meio de prova que melhor habilita o julgador a apurar o valor do bem expropriado, com vista à atribuição da justa indemnização[23].
Na verdade, para além da presumida competência técnica que se lhes reconhece, a posição assumida pelos peritos nomeados pelo tribunal é aquela que, em princípio, oferece maiores garantias de independência e de imparcialidade, face à distanciação que mantém em relação às posições do expropriante e do expropriado, os quais, amiúde, defendem a atribuição de valores, respectivamente inferiores e superiores aos atribuídos por aqueles.
Por todas estas razões, tem-se entendido que este especial valor probatório do relatório pericial apenas será de excluir se outros preponderantes elementos de prova o infirmarem, mormente por padecer de erro grosseiro ou por ser contrário a normas legais vinculativas, caso em que o juiz deve pôr em causa o relatório técnico dos peritos, mas com recurso a argumentação técnica ou científica, eventualmente baseada noutros meios de prova divergentes, de igual ou superior credibilidade, e que podem, por exemplo, decorrer dos relatórios minoritários ou ainda do cotejo deste relatório com o laudo arbitral e o relatório de avaliação, todos efectuados por peritos igualmente integrados na referida lista oficial.
Ora, no caso dos autos, verdadeiramente não existem quaisquer elementos de facto divergentes aduzidos por qualquer um dos árbitros antes nomeados pelo tribunal para fundar decisão diversa quanto à distinção entre a edificabilidade do lote e o índice de construção tal como definidos no Plano, pela simples razão de que aqueles se referiram, sem qualquer fundamentação, apenas à aplicação do índice de edificabilidade do lote, a toda a parcela do terreno rústico a expropriar, aplicando-o como índice de construção, sem o calcular de acordo com as regras definidas no indicado instrumento legal.
Ao invés, os Senhores Peritos do Tribunal que unanimemente acordaram nos critérios usados para fundar a avaliação, cumpriram cabalmente o dever de fundamentação do laudo pericial relativamente a tais critérios, em obediência ao preceituado no artigo 21.º do Estatuto dos Peritos Avaliadores, e idêntica distinção quantitativa foi efectuada pela Senhora perita que lavrou o Relatório de Avaliação, fazendo-o de harmonia com a distinção efectuada no Plano de Pormenor.
Efectivamente, os mesmos explicaram porque classificaram o solo como apto para construção nos termos das alíneas a) e c) do artigo 25.º do CE, por ser a sua aptidão decorrente dos instrumentos de ordenamento do território, concretizando que à data da DUP, o prédio e parcela a expropriar estavam já integrados no Plano de Pormenor da Zona Industrial do Monte da Barca Norte, publicado no DR, n.º 104, II série, de 30 de Maio de 2011, procederam à identificação e caracterização da parcela, à caracterização da envolvente e área remanescente, enunciaram as benfeitorias existentes, escalpelizaram o teor da vistoria ad perpetuam rei memoriam para sublinharem que àquela data, pese embora nada ali tivesse sido referido, a parcela já teria as infraestruturas que discriminaram, usaram de forma clara e compreensível nos relatórios as fórmulas de cálculo que adoptaram relativamente a cada um dos items previstos na metodologia definida no artigo 26.º do CE, e que usaram na avaliação em causa, explicando os critérios utilizados para calcular o custo da construção em condições normais de mercado, como previsto no n.º 4 do preceito.
Verifica-se também do laudo pericial e das explicações prestadas que os Senhores Peritos indicados pelo Tribunal explicaram globalmente melhor e mais aprofundadamente no confronto com o que constava no acórdão arbitral, os critérios adoptados, e acolhidos na sentença recorrida, não se vislumbrando que se verifique algum fundamento para a sua pretendida alteração, mormente por existir algum erro, contradição no critério ou ilegalidade na valorização, que determine a adopção de critério diverso, concretamente o proposto pela entidade Expropriada, louvando-se na essência, no acórdão arbitral onde tais cálculos foram afirmados mas, como dito, sem que ali tivesse sido produzida fundamentação convincente que os suportasse.
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III.2.4. – Quanto aos critérios de avaliação
A este respeito, temos que a expropriada aceita a classificação do solo como apto para construção, bem como, a adopção do critério supletivo previsto no artigo 26.º, n.º 4, do CExp relativamente ao cálculo do respectivo valor, a adoptar quando não se revele possível aplicar o chamando «critério ou método fiscal», previsto no n.º 2 do referido preceito legal.
Vejamos, então, em face dos princípios gerais supra referidos quanto ao cálculo da indemnização, se procedem ou não as questões suscitadas pela recorrente.
O artigo 26.º do CExp que rege sobre o cálculo do valor do solo apto para construção, preceitua no seu n.º 1 que «[o] valor do solo apto para a construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor, nos termos dos números seguintes e sem prejuízo do disposto no nº 5 do artigo 23º», ou seja, critério primeiro é que seja garantido ao Expropriado o pagamento da justa indemnização.
De acordo com o citado artigo 23.º, n.ºs 1 e 4, para que o montante da justa indemnização seja alcançado será necessário aquilatar qual o valor real e corrente do bem objecto de expropriação de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, apreciado à data da publicação da declaração de utilidade pública, de acordo com uma situação normal de mercado, e tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.
«Dir-se-á, em suma, que a justa indemnização pela expropriação deve corresponder ao montante que um comprador não especialmente motivado, face a elementos globais de facto, incluindo o aproveitamento económico normal, em obediência à lei lato sensu, à data da publicação da declaração de utilidade pública, aceitaria pagar pelos bens a título de preço. (…)
Note-se que, por força do nº 1 do artigo 23º, devem ter-se «em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes», efectivas, e não as meramente supostas ou ficcionadas. Isto responde à dúvida sobre se, para avaliação da parcela do prédio, se deve considerar o que já está edificado ou se, diferentemente, se deve atender ao máximo de construção que o PDM permite no seu artigo 29º»[24].
Postas estas considerações gerais, entremos nas concretas questões suscitadas que àquela luz serão apreciadas, tendo presente o que já referimos supra a respeito do índice de construção, impondo-se agora verificar os critérios adoptados quando ao cálculo do custo da construção.
A este respeito sublinhou-se na sentença recorrida que «os Senhores Peritos justificaram cabalmente a impossibilidade de recurso ao critério previsto no artigo 26.º, n.º 2, do Código das Expropriações, conforme decorre dos autos, aceitando-se plenamente tal justificação na medida em que se afigura lógica e fundamentada conforme supra se referiu.
Afigura-se, pois, que o juízo dos Peritos é ajustado ao que dispõe o artigo 26.º, n.º 4 e ss, do Código das Expropriações e aos factos que resultaram provados.
No que concerne à taxa de construção e valor do solo a mesma traduz uma questão técnica, devendo o Tribunal, pelos motivos já referidos, e verificando que a avaliação efectuada está devidamente fundamentada, acompanhar a avaliação feita pelos peritos que reúna maior consenso e ofereça garantias de imparcialidade e isenção. no caso, por se mostrar justificada e reunir o consenso dos Peritos, acompanha-se a taxa por si indicada».
Na realidade, sem outra fundamentação que não o uso das fórmulas constantes do critério legal, o acórdão arbitral havia fixado em 400,00€ o valor do custo de construção.
Diferentemente, o relatório pericial, distinguiu, aduzindo que «estando na presença de áreas destinadas sobretudo a armazéns, optaram os peritos por estabelecer um custo de 450€/m2 de área bruta de construção para 10% da área a construir (escritórios) e 250€/m2 de área bruta de construção para a restante área do armazém. Esta divisão teve por base a análise do tipo de construção dos armazéns existentes na área industrial, entendendo-se que a maioria tem uma área de escritórios cujo custo de construção é naturalmente mais elevado».
Não vemos como dissentir desta explicação fundada, lógica e racional que se nos afigura suportar cabalmente o valor indicado, sendo de meridiana clareza que os valores de construção constantes nos instrumentos legais referidos pela Apelante têm por referência o valor da construção para habitação, naturalmente mais elevado do que a demais, ainda que seja a custos controlados. Aliás, basta ver a diferença entre a construção de uma área para escritório na comparação com uma área para uso industrial do tipo armazém, tal como vem precisado no relatório pericial.
Consequentemente, nada vemos a censurar à sentença recorrida que ao mesmo aderiu, devendo improceder a presente apelação.
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III – Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso interposto pela Expropriada, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da Expropriada.
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Évora, 10 de Setembro de 2020 Albertina Pedroso[25]
Tomé Ramião Francisco Xavier
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[1] Juízo de Competência Genérica de Coruche.
[2] Relatora: Albertina Pedroso; 1.º Adjunto: Tomé Ramião; 2.º Adjunto: Francisco Xavier.
[3] Doravante abreviadamente designado CE.
[4] Doravante abreviadamente designado CPC.
[5] Seguimos de perto as expendidas no acórdão de 15.01.2013, relatado pela ora Relatora no TRC, processo n.º 637/10.0TBSEI.C1, disponível em www.dgsi.pt, tal como a demais jurisprudência que venha a ser referida sem menção de outra fonte.
[6] Doravante abreviadamente designada CRP.
[7] Cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, in Constituição da República Portuguesa, 3.ª edição, pág. 336.
[8] Doravante abreviadamente designado CC.
[9] Cfr. LUÍS PERESTRELO DE OLIVEIRA, em anotação ao artigo 1.º do Código das Expropriações de 91, pág. 26.
[10] Aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, na redacção introduzida pela Lei n.º 56/2008, doravante abreviadamente designado CExp.
[11] Cfr. a título meramente exemplificativo, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 20/2000, de 11 de Janeiro de 2000, publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Abril, e de 08-06-2008, disponível em http://jurisprudencia.vlex.pt/vid/22861404.
[12] Cfr. SALVADOR DA COSTA, in Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores, Anotados e Comentados, Almedina 2010, págs. 144 e 145.
[13] Cfr. ALVES CORREIA, “A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999”, in RLJ, 132º, págs. 233 e seguintes.
[14] Cfr. Ac. TRC, de 02-06-2009, proferido no Proc. n.º 3880/03.4TBAVR.C1, podendo ver-se no mesmo sentido o Ac. TRL, de 06-11-2008, Proc.º n.º 6772/2008.
[15] Cfr. Ac. TRC, de 17-06-2008, proferido no Proc. n.º 156/05.6TBPNL.C1, podendo consultar-se no mesmo sentido, o Ac. TRG de 27-03-2008.
[16] Tirado no processo n.º 5253/04.2TBVNG.P1.S1, 2ª SECÇÃO.
[17] Cfr. neste sentido, SALVADOR DA COSTA, ob. cit., pág, 403, e Ac. do Tribunal Constitucional aí citado.
[18] Cfr. neste mesmo sentido, Ac. TRL de 23-02-2010, proferido no processo n.º 6186/07.6TBCSC.L1-7, e Ac. TRC de
[19] Cfr., neste sentido, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, revista e actualizada, Coimbra Editora, 1985, pág. 576.
[20] Cfr. Salvador da Costa, ob. cit., pág. 368.
[21] Cfr. Ac. TRC, de 31-05-2011, proferido no processo n.º 1197/05.9TBGRD.C2, disponível em www.dgsi.pt. Neste mesmo sentido, pode ver-se o acórdão TRL, de 07-07-2009, proferido no processo n.º 61/1996.L1-1, onde se referiu: «[…] Apesar da sua liberdade de apreciação das provas, incluindo a pericial, o julgador não pode, sem fundamentos suficientemente sólidos, afastar-se do resultado das peritagens, sobretudo quando são unânimes ou quando os peritos formaram maioria e oferecem garantias de imparcialidade, ainda mais quando os maioritários são peritos do tribunal. […] Um tal afastamento só se justificará, por exemplo, quando o tribunal concluir que os peritos basearam o seu raciocínio em erro manifesto ou num critério ilegal. De contrário, não apresentando o relatório pericial qualquer desses vícios, e à falta de elementos mais seguros e objectivos, há que aceitar o valor proposto pelos técnicos. […]».
[22] Doravante abreviadamente designado EPA.
[23] Cfr. neste sentido, a título meramente exemplificativo da inúmera jurisprudência a este respeito dos TR, os Acórdãos do TRC, de 12-12-2006, proc.º n.º 5191/04.9TBLRA.C1, e de 14-12-2010, proc.º n.º 4714/07.6TBVIS.C1; e do TRL de 31-05-2012, proc.º n.º 763/1994.L1-2.
[24] Cfr. Ac. TRC de 31-05-2011, proferido no processo n.º 495/06.9TBMGL.C1, relatado pelo ora primeiro adjunto e também subscrito pelo ora segundo adjunto.

[25] Texto elaborado e revisto pela Relatora, e assinado electronicamente pelos três Desembargadores desta conferência.