Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
138/12.1TTPTM.E1
Relator: JOSÉ FETEIRA
Descritores: REVOGAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 05/23/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: TRIBUNAL DO TRABALHO DE PORTIMÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Sumário:
i. Tendo a R. baseado a sua defesa na circunstância de a relação laboral que existira entre as partes haver cessado mediante a celebração de um acordo verbal que estabelecera com o A., acordo esse de revogação do contrato de trabalho que entre ambos existira, fundamento que invoca de forma a constituir verdadeira causa impeditiva do direito invocado pelo A. nos presentes autos e, nessa medida, nítida defesa por excepção, ao abrigo do disposto no n.º 2 do referido art. 342º do Código Civil cabia-lhe a demonstração da celebração desse acordo, ainda que nulo por falta de observância da forma legalmente estabelecida para o efeito, não tendo ocorrido a invocada inversão de ónus de prova pela sentença recorrida;
ii. O acordo de revogação de contrato de trabalho estabelecido entre empregador e trabalhador, não pode deixar de constar, obrigatoriamente, de um documento escrito e assinado por ambas as partes contratantes, ficando a validade desse acordo – e, consequentemente, a eficácia do que nele se estabelecer – dependente da formalização desse documento ao abrigo do disposto no art. 220º do Código Civil;
iii. A declaração de modelo para atribuição de subsídio de desemprego, trata-se apenas de documento exigido pelos serviços da Segurança Social, emitido pela entidade empregadora segundo modelo próprio destinado a esses serviços, de forma a poder ser conferida a trabalhador por conta de outrem que lha requeira, uma subvenção legalmente estabelecida quando em situação de desemprego involuntário;
iv. Ainda que nesse documento se tenha mencionado a existência daquele acordo ou o fundamento do mesmo, tal documento não traduz, em si, um qualquer acordo de revogação de contrato de trabalho porventura estabelecido entre as partes;
v. O despedimento constitui uma das modalidades de cessação do contrato de trabalho (art. 340º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12-02 e que é o aqui aplicável), modalidade esta da iniciativa da entidade empregadora e supõe uma manifestação de vontade da parte da mesma em fazer cessar o contrato com qualquer dos seus trabalhadores, manifestação de vontade que não tem, necessariamente, de se explicitar através de uma declaração expressa – por palavras, por escrito ou por qualquer outro meio directo de manifestação dessa vontade – porquanto se pode inferir ou deduzir de factos que, com toda a probabilidade, revelem ser essa a intenção do empregador, isto no entendimento razoável de um declaratário normal, produzindo os seus efeitos logo que chegue ao poder ou seja conhecida pelo trabalhador seu destinatário (cfr. arts. 217º, 224º e 236º do Código Civil);
vi. Essa manifestação de vontade tem, no entanto, de ser inequívoca no sentido de revelar ao trabalhador, enquanto declaratário normal colocado na posição de real declaratário, o manifesto propósito do seu empregador em pôr termo à relação laboral entre ambos mantida;
vii. A matéria de facto provada, por si só, não permite concluir ter havido da parte da R. uma manifestação expressa, ou, sequer, meramente tácita, de despedimento do A., sendo insuficiente a declaração a que se alude no ponto 4. dos factos provados para se considerar ter ocorrido esse despedimento. Bem pode ter sucedido que a emissão dessa declaração por parte da R. se tenha ficado a dever a um qualquer acordo de revogação de contrato, como nela se refere, embora nulo por desrespeito da forma legalmente exigida para o efeito;
viii. Se é verdade que a R. não logrou demonstrar a existência do invocado acordo de revogação de contrato de trabalho com o A., não é menos certo que o A. não logrou demonstrar haver sido alvo de despedimento por parte da R. em 31 de Agosto de 2011, como alegou na sua petição inicial em termos de fundamento da sua pretensão. Daí que nem se quer se coloque a necessidade de apreciar a invocada ilicitude de despedimento e consequências daí decorrentes face ao pedido por aquele deduzido na presente acção com base no mesmo;
ix. Não tendo o A. logrado demonstrar ter sido alvo de despedimento por parte da R., ainda que com fundamento na necessidade de extinção do seu posto de trabalho – sendo insuficiente, pelos motivos expostos, a declaração a que se alude no ponto 4. da matéria de facto provada, para se extrair uma tal conclusão – nem mesmo o direito à compensação ao abrigo do disposto no art. 366º n.º 1 ex vi do art. 372º do Código do Trabalho caberá reconhecer ao aqui A. na sequência do pedido subsidiário por este formulado.

Sumário do relator
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora
I – RELATÓRIO
M..., residente no Bairro…, Portimão, instaurou no Tribunal do Trabalho de Portimão, a presente acção declarativa de condenação, emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra a sociedade “V… LDª”, com sede na Zona Industrial…, Portimão, pedindo que:
a) A R. seja condenada a pagar ao A. a quantia de € 333,36, a título de férias não gozadas;
b) O despedimento do A., por extinção do posto de trabalho, seja declarado ilícito e em resultado
i) Seja a R. condenada a pagar ao A. a quantia de € 1.500,00 a título de indemnização, em substituição da reintegração do A.;
ii) Seja a R. condenada a pagar ao A. a quantia de € 500,00, a título de valor retributivo mensal que deixou de auferir com o despedimento, pelo período de 30 dias anterior à entrada da presente acção, acrescido dos demais valores retributivos idênticos, contados mensalmente, até ao trânsito em julgado da sentença.
c) Caso não se entenda pela ilicitude do despedimento, sempre deve a R. ser condenada no pagamento ao A. da compensação devida pela extinção do posto de trabalho, correspondente a 3 meses de retribuição base, no valor de € 1.500,00;
d) Mais deverá a R. ser condenada no pagamento dos juros de mora que entretanto se vencerem sobre os montantes a pagar ao A., contabilizados á taxa legal em vigor, desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.
Alega, em síntese e com interesse, que, em 25 de Março de 2010, foi celebrado entre as partes um contrato de trabalho a termo certo, pelo período de três meses, contrato que se converteu em contrato sem termo por haver excedido o número de renovações legalmente previsto.
Prestava trabalho como “praticante geral” sob as ordens, direcção e fiscalização da R., mediante uma retribuição mensal de € 500,00.
Em 31 de Agosto de 2011, a R. informou verbalmente o A. da decisão de extinção do seu posto de trabalho, com efeitos imediatos, dando a relação laboral por cessada, facultando-lhe posteriormente uma declaração de situação de desemprego, na qual declarou a referida extinção de posto de trabalho.
Convocadas as partes para uma audiência, nesta foi tentada a conciliação entre as mesmas, sem que esta tivesse surtido efeito.
Contestou a R., alegando, em resumo, que não informou o A. da decisão de extinção do posto de trabalho, nem tal se verificou em 31 de Agosto de 2011.
No dia 19 de Setembro de 2011, o sócio gerente da R. chamou o A. e disse-lhe que, devido à crise e à diminuição de encomendas e consequente facturação, teria que cessar os contratos com alguns trabalhadores e que um deles era o A..
Na sequência desta conversa, a R. e o A. acordaram, verbalmente, revogar o contrato de trabalho que tinham celebrado.
Da declaração de situação de desemprego consta que o fundamento da cessação do contrato é o de “revogação por acordo”.
Não tem o A. direito a receber as quantias que peticiona, designadamente qualquer indemnização ou compensação.
Conclui que a presente acção deve ser julgada improcedente e, em consequência disso, a R. deve ser absolvida do pedido.
Foi dispensada a realização de audiência preliminar, foi proferido despacho saneador meramente tabelar, foi fixada à acção o valor de € 5.000,01 e foi dispensada a selecção de matéria de facto assente bem como a organização de base instrutória.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, na sequência da qual foi proferida a decisão sobre matéria de facto provada e não provada que consta de fls. 50 a 52.
Não foi deduzida qualquer reclamação.
Seguidamente, foi proferida a sentença de fls. 54 a 62 que concluiu com a seguinte decisão:
“Nestes termos e por tudo o exposto, decide-se julgar a acção totalmente procedente e, em consequência, condena-se a ré “V… Lda.” a pagar ao autor M... as quantias de:
- € 1.833,36 (mil, oitocentos e trinta e três euros e trinta e seis cêntimos);
- € 500 (quinhentos euros) mensais devidas desde o 30.º dia que antecedeu a propositura da acção até à data da prolação da presente sentença, acrescidas das que se vencerem até ao trânsito ao julgado da mesma;
- de juros contados sobre as referidas quantia, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Custas pela ré, por ter ficado totalmente vencida (cf. artigo 446º do Código de Processo Civil).”
Inconformada com esta sentença, dela veio a R. interpor recurso para esta Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes conclusões:
1. Normas jurídicas violadas:
- Art. 342, n.º1, do Código Civil;
- Art. 349, n.º 2, do Código do Trabalho
- Art. 220, do Código Civil;
- Art. 217, n.º 1, do C.C.;
- Art. 381, alínea c), do Código do Trabalho;
- Art. 390, n.º 2, alíneas a) e c), do Código do Trabalho.
2. Entende a recorrente que o disposto no art. 342, n.º 1, do Código Civil foi violado porque, cabia ao recorrido fazer prova de que tinha sido despedido e não a recorrente fazer prova de que não o tinha despedido, porque quem alega um direito tem que fazer prova dos factos constitutivos desse direito. Conforme se verifica da matéria de facto julgada provada o recorrido não fez prova de que o contrato de trabalho tinha cessado da forma como alegou no seu art.5.º da petição inicial.
3. De acordo com a douta sentença e sua fundamentação, parece que o MM. Juiz “a quo” entendeu que era a recorrente que tinha que fazer prova que celebrou um acordo de revogação do contrato de trabalho com o recorrido. Com este entendimento o MM. Juiz “a quo”, sem motivos para isso, inverteu as regras do ónus da prova, o que inteiramente se discorda.
4. Entendeu o MM: Juiz “a quo”, que nos termos do art. 349, n.º 2, do Código do Trabalho, o acordo de revogação do contrato de trabalho deve constar, obrigatoriamente de documento escrito, sob pena de nulidade por inobservância da forma legal.
5. A recorrente não tem o mesmo entendimento, porque daquele dispositivo legal consta que o acordo “… deve constar de documento escrito…” o substantivo “deve” não significa obrigatoriedade e por conseguinte é admissível que o acordo de revogação do contrato de trabalho seja verbal.
6. Em contraponto à “obrigatoriedade” acima referida, nos termos do disposto no art. 350, n.º 1, do C.T., a comunicação a fazer cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho é que tem que ser obrigatoriamente escrita para ser válida.
7. Por conseguinte é admissível a revogar verbalmente o contrato de trabalho e nessa sequência não existe a violação do disposto no art. 220, do Código Civil, inobservância da forma legalmente prescrita.
8. Também se pode entender que a declaração em modelo próprio da Segurança Social, para atribuição do subsídio de desemprego, assinada pela entidade patronal e aceite pelo trabalhador para auferir o subsídio de desemprego, é uma forma escrita de acordo de revogação do contrato de trabalho, desde que na mesma esteja assinalado o acordo e a fundamentação do mesmo, conforme é o caso dos presentes autos, veja-se ponto 4 da matéria julgada provada e doc.3 da petição inicial.
9. No que diz respeito à violação do disposto no art. 217, n.º 1, do Código Civil, o MM. Juiz “a quo” entendeu que a recorrente despediu tácita e ilicitamente o recorrido, porque desprovido do respectivo processo disciplinar, através da entrega da declaração da Segurança Social para a atribuição do subsídio de desemprego.
10. Com o devido respeito, pela matéria julgada provada e pela entrega daquela declaração não vislumbramos onde o MM. Juiz “a quo” possa retirar aquele entendimento.
11. Pelo contrário, o que se entende pelos factos posteriores, nomeadamente a entrega da declaração da Segurança Social, onde se fundamenta o acordo de revogação do contrato de trabalho, o recorrido auferir o subsídio de desemprego e nunca mais ter comparecido para trabalhar, é que o contrato de trabalho cessou por acordo;
12. A haver um entendimento tácito sobre a cessação do contrato de trabalho é por acordo e nunca por despedimento ilícito promovido pela entidade patronal.
13. Por conseguinte não houve qualquer despedimento, nem o mesmo tinha que ser precedido de processo disciplinar.
14. No que diz respeito à violação do disposto no art. 390, n.º2, alíneas a) e c), o MM. Juiz “a quo” ao decidir como o fez teria que levar em linha de contas as quantias recebidas pelo recorrido após o despedimento e não o fez, uma vez que o recorrido encontra-se a trabalhar e durante uns poucos meses recebeu o subsídio de desemprego.
15. O recorrido alegou que tinha sido ilicitamente despedido através de comunicação verbal, com efeitos imediatos dita pela recorrente em 31-8-2012, art. 5.º da p.i..
16. Ao contrário a recorrente alegou em sede de contestação e que é totalmente diferente, foi que o contrato de trabalho com o recorrido tinha cessado por acordo, acordo esse que foi fundamentado em motivo que permite o despedimento colectivo ou extinção do posto de trabalho, conforme consta no ponto 4 da matéria julgada provada e por essa razão entregou-lhe a documentação necessária para auferir o subsídio de desemprego, conforme se encontra suficientemente alegado.
17. Cabia ao recorrido fazer prova daquele despedimento e conforme resulta da matéria de facto julgada provada não o fez.
18. Pelo contrário, a escassa matéria de facto julgada provada, vai no sentido do alegado pela recorrente, que o contrato de trabalho cessou por acordo e no dia 19-9-2011, veja-se a data da declaração Mod. 5044 da Segurança Social (doc.3 p. i.) e pagamento da retribuição do mês de Setembro ao recorrido (doc.2 contestação).
19. Não foi produzida qualquer prova testemunhal e a única que podia ser tida em conta são os documentos juntos aos autos.
20. O recorrido ao não fazer prova de que tinha sido despedido conforme alegou, não podia o MM. Juiz “a quo” ter decidido conforme o fez.
21. As únicas quantias que a recorrente deve ao recorrido são € 333,36 a título de férias não gozadas.
Nestes termos e nos demais de direito deverá o presente recurso ser julgado procedente e nessa sequência revogada a douta sentença, à excepção da parte que condenou a recorrente a pagar ao recorrido a quantia de € 333,36 a título de férias não gozadas.
Contudo, V. Exas. farão a acostumada Justiça!
Contra-alegou o A., formulando, a final, as seguintes conclusões:
1º. Entre Recorrente e Recorrido vigorou um contrato de trabalho sem termo;
2º. O contrato de trabalho não cessou por resolução do trabalhador, aqui Recorrido;
3º. Não provou a Recorrente qualquer acordo de cessação do contrato de trabalho;
4º. Bem como não provou que tal cessação tenha acorrido por despedimento por extinção do posto de trabalho;
5º. Provou-se contudo a clara intenção da Recorrente de por termo ao contrato de trabalho, nomeadamente com a emissão da declaração para efeitos de atribuição de subsídio de desemprego;
6º. O que constitui despedimento ilícito;
7º. Pelo exposto, não enferma a decisão recorrida de qualquer imprecisão, contradição ou erro, quer quanto à matéria de facto quer quanto à aplicação do direito, que imponha decisão diversa.
Termos em que deve negar-se provimento ao presente recurso e confirmar-se a douta decisão recorrida, como é de JUSTIÇA
Admitido o recurso na espécie própria e com adequado efeito, foram os autos remetidos a esta Relação.
Deu-se cumprimento ao disposto no art. 87º n.º 3 do Cod. Proc. Trabalho, tendo a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitido o parecer de fls. 117 e 118 no sentido de que deve o recurso ser considerado improcedente, atentos os motivos invocados, mas alterar-se a sentença recorrida quanto à integração jurídica dos factos provados e suas consequências legais – em seu entender deveria ter condenado a recorrente, quer nos direitos laborais vencidos (Férias não gozadas no valor de 333,36€), quer na compensação devida (3x500,00=1.500,00€), para além (e, apenas), do aviso prévio em falta, ou seja, de 30 dias, compensado com valor equivalente de retribuição (vide al. b) do n.º 3 do art.º 371º do CT).
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.
II – APRECIAÇÃO
Tendo em consideração as conclusões extraídas nas alegações de recurso que deixámos enunciadas e que, como se sabe, delimitam o seu objecto [art.ºs 684º, n.º 3 e 685º-A, n.º 1 do C.P.C., aqui aplicáveis por força do art. 87º, n.º 1 do C.P.T.], sem prejuízo da análise de questões de natureza oficiosa, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação, as seguintes questões:
§ Inversão das regras sobre ónus de prova na sentença recorrida em matéria de prova de despedimento;
§ Revogação de contrato de trabalho por acordo entre as partes e exigência ou não de documento escrito para a concretizar;
§ Existência ou não de despedimento do A. por parte da R. e, caso se conclua pela verificação e ilicitude deste consequências legais decorrentes do disposto no art. 390º n.º 2 do CT.

Na sentença recorrida considerou-se provada a seguinte matéria de facto:
1. Entre o A., na qualidade de trabalhador, e a R., na qualidade de entidade patronal, foi celebrado, em 25 de Março de 2010, contrato de trabalho a termo certo, pelo período de três meses.
2. Na data de celebração do referido contrato de trabalho, o A. iniciou a sua prestação de trabalho a favor da Ré, como Praticante Geral, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, mediante retribuição.
3. Durante a vigência do contrato de trabalho, o A. auferiu o vencimento base de retribuição mensal de € 500,00.
4. A ré entregou ao autor a declaração de situação de desemprego, em impresso da segurança social, datado de 19/09/2011, no qual, na parte em que se introduz o motivo da cessação do contrato de trabalho, assinalou a quadrícula n.º 15 com o seguinte texto: “acordo de revogação fundamentado em motivo que permita o despedimento colectivo ou extinção do posto de trabalho, tendo em conta a dimensão da empresa e o número de trabalhadores. Foi dado conhecimento ao trabalhador para efeitos de atribuição de prestações de desemprego, de que a cessação do contrato de trabalho respeitou os limites de quotas estabelecidos no nº 4 do art. 10.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro” e, mais abaixo no campo destinado à fundamentação do motivo assinalado introduziu o seguinte texto: “Devido à crise que se está a viver no sector e diminuição do número de encomendas e respectivas vendas, houve a necessidade de reestruturar a empresa e consequente diminuição do posto de trabalho”[1].
5. Foram emitidos recibos de vencimento, no tocante ao autor, referentes a Agosto e Setembro de 2011.

Muito embora esta matéria de facto não tenha sido objecto de qualquer impugnação, importa alterar a parte final da que consta do ponto 4. de forma a que corresponda ao teor do documento a que aí se faz referência e que não foi objecto de impugnação.
Deste modo, e onde se mostra escrito “Devido à crise que se está a viver no sector e diminuição do número de encomendas e respectivas vendas, houve a necessidade de reestruturar a empresa e consequente diminuição do posto de trabalho”, deve ler-se “Devido à crise que se está a viver no sector e diminuição do número de encomendas e respectivas vendas, houve a necessidade de reestruturar a empresa e consequente diminuição de postos de trabalho”. No mais, considera-se a aludida matéria de facto como definitivamente assente.
§ Da invocada inversão das regras sobre ónus de prova na sentença recorrida em matéria de prova de despedimento.
Alega e conclui a R./apelante que o Sr. Juiz do Tribunal a quo, ao proferir a sentença recorrida, violou o disposto no art. 342º n.º 1 do Código Civil já que, competindo ao A. demonstrar que havia sido despedido pela R. em 31/08/2011, como alegara na sua petição, não lhe competia a ela demonstrar que não havia despedido aquele e que o Sr. Juiz, ao entender que era a R. que tinha que fazer prova de que celebrou um acordo de revogação do contrato de trabalho com o A., sem motivo para isso, inverteu as regras do ónus da prova.
Se é certo que ao deduzir a presente acção, o A. funda a sua pretensão na verificação de um despedimento ilícito concretizado pela R. através de uma informação verbal que esta lhe transmitira em 31 de Agosto de 2011 dando-lhe conhecimento de que decidira extinguir, com efeitos imediatos, o seu posto de trabalho, considerando cessada, desse modo, a relação laboral, não é menos certo que, na contestação deduzida pela R., esta baseou a sua defesa quanto àquele fundamento, na invocada circunstância de a relação laboral que existira entre as partes haver cessado, não nos termos alegados pelo A., mas mediante a celebração de um acordo verbal que com este estabelecera, acordo esse de revogação do contrato de trabalho que entre ambos existira, fundamento que a R. invoca de forma a constituir verdadeira causa impeditiva do direito invocado pelo A. nos presentes autos e, nessa medida, nítida defesa por excepção.
Ora, perante esta defesa, sem dúvida que cabia à R. a demonstração da celebração desse acordo de revogação de contrato com o A., isto por força do disposto no n.º 2 do referido art. 342º do Código Civil, ao estipular que «[a] prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado, compete àquele contra quem a invocação é feita».
Foi neste sentido que se expressou o Sr. Juiz na fundamentação da sentença recorrida, não se verificando, portanto, a invocada inversão de ónus de prova, bem pelo contrário.

§ Da alegada revogação de contrato de trabalho por acordo entre as partes e exigência ou não de documento escrito para a sua concretização.
Alega e conclui a R./apelante que é admissível que o acordo de revogação do contrato de trabalho seja verbal já que a expressão “…deve constar de documento escrito…” constante do n.º 2 do art. 349º do Código do Trabalho não significa obrigatoriedade, acrescentando que a comunicação a fazer cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho é que tem que ser obrigatoriamente escrita para ser válida.
Todavia, tendo em consideração o disposto nos n.ºs 1 a 3 do art. 349º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12-02 e que contém o regime jurídico aplicável ao caso em apreço, desde já se afirma que não assiste razão à Apelante. Com efeito, importa, desde logo, referir que o n.º 2 deste preceito não contém a expressão “... deve constar de documento escrito…” mas sim a expressão “… deve constar de documento assinado…”. Para além disso, decorre, claramente, daqueles dispositivos legais a exigência formal da celebração de acordo de revogação do contrato de trabalho mediante documento escrito e assinado por ambas as partes contratantes.
Na verdade, depois de se estabelecer no n.º 1 do aludido preceito que «[o] empregador e o trabalhador podem fazer cessar o contrato de trabalho por acordo», ao estipular-se no n.º 2 que «[o] acordo de revogação deve constar de documento assinado por ambas as partes, ficando cada uma com um exemplar» (realce nosso) e ao dispor-se no n.º 3 que «[o] documento deve mencionar expressamente a data de celebração do acordo e a de início da produção dos respectivos efeitos» (realce nosso), seguramente que daqui resulta que o acordo de revogação de contrato de trabalho estabelecido entre o empregador e o trabalhador, não pode deixar de constar, obrigatoriamente, de um documento escrito e assinado por ambas as partes contratantes, ficando a validade do próprio acordo – e, consequentemente, a eficácia do que nele se estabelecer – dependente da formalização desse documento ao abrigo do disposto no art. 220º do Código Civil.
Deste modo e salvo o devido respeito, não faz qualquer sentido afirmar-se que só “a comunicação (do trabalhador) a fazer cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho é que tem que ser obrigatoriamente escrita para ser válida”. Esta exigência, estabelecida no n.º 1 do art. 350º do aludido Código do Trabalho, decorre, precisamente, da circunstância da validade do acordo de revogação de contrato de trabalho estar dependente da existência de documento escrito e assinado por ambos os contratantes, no qual aquele tenha sido formalizado.
Acresce que, em face daqueles dispositivos legais, também, com o mesmo respeito, não faz sentido afirmar-se que «... se pode entender que a declaração em modelo próprio da Segurança Social para atribuição de subsídio de desemprego, assinada pela entidade patronal e aceite pelo trabalhador para auferir o subsídio de desemprego, é uma forma escrita de acordo de revogação do contrato de trabalho…». Com efeito, ainda que nesse documento se tenha mencionado a existência de um tal acordo ou o fundamento do mesmo, tal documento não traduz, em si, um qualquer acordo porventura estabelecido entre as partes. Trata-se apenas de documento exigido pelos serviços da Segurança Social, emitido segundo modelo próprio e unicamente a eles destinado, de forma a poder ser conferida a trabalhador por conta de outrem que lha requeira, uma subvenção legalmente estabelecida quando em situação de desemprego involuntário. Nada mais do que isso.

§ Da existência ou não de despedimento do A. por parte da R. e, caso se conclua pela verificação e ilicitude deste, consequências legais decorrentes do disposto no art. 390º n.º 2 do CT.
Alega e conclui, em síntese, a R./apelante que, da matéria de facto provada, mormente da declaração da situação de desemprego (a que se alude no ponto 4.dos factos provados), não vislumbra onde o Sr. Juiz do Tribunal a quo possa ter retirado a verificação do despedimento tácito do A. e que a haver algum entendimento tácito a extrair da matéria de facto assente, seria o de que o contrato de trabalho havia cessado por acordo, tendo sido violado o disposto no art. 217º n.º 1 do Código Civil, acrescentando que, porque o A. não demonstrou a ocorrência de ter sido alvo de despedimento por parte da R., o Sr. Juiz não podia ter decidido conforme decidiu.
Já o A., nas suas contra-alegações conclui que a matéria de facto provada permite extrair a ilação de que houve uma clara intenção da R. em pôr termo ao contrato de trabalho, o que constitui despedimento ilícito, devendo ser mantida a sentença recorrida.
Vejamos.
O despedimento constitui uma das modalidades de cessação do contrato de trabalho (art. 340º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12-02 e que é o aqui aplicável), modalidade esta da iniciativa da entidade empregadora e supõe uma manifestação de vontade da parte da mesma em fazer cessar o contrato com qualquer dos seus trabalhadores, manifestação de vontade que não tem, necessariamente, de se explicitar através de uma declaração expressa – por palavras, por escrito ou por qualquer outro meio directo de manifestação dessa vontade – porquanto se pode inferir ou deduzir de factos que, com toda a probabilidade, revelem ser essa a intenção do empregador – “facta concludentia” –, isto no entendimento razoável de um declaratário normal, produzindo os seus efeitos logo que chegue ao poder ou seja conhecida pelo trabalhador seu destinatário (cfr. arts. 217º, 224º e 236º do Código Civil).
Essa manifestação de vontade tem, no entanto, de ser inequívoca no sentido de revelar ao trabalhador, enquanto declaratário normal colocado na posição de real declaratário, o manifesto propósito do seu empregador em pôr termo à relação laboral entre ambos mantida (cfr. neste sentido e entre outros os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22-10-2008 Proc. 08S1034 e de 21-10-2009 Proc. 272/09.5YFLSB).
Para além disto, importa referir que incumbe ao trabalhador a prova dos factos que, inequivocamente, revelem a vontade da sua entidade empregadora em pôr termo ao contrato de trabalho, bem como de que, tais factos, foram, por ele, como tal interpretados (art. 342º n.º 1 do Cod. Civil).
Ora, tendo em consideração estes aspectos e revertendo ao caso em apreço, diremos que a matéria de facto provada, por si só, não permite concluir ter havido da parte da R. uma manifestação expressa ou, sequer, meramente tácita de despedimento do A., sendo insuficiente o fundamento de facto de que se serviu o Sr. Juiz do Tribunal a quo para haver concluído desse modo. Com efeito, ao considerar ter ocorrido despedimento tácito do A. por parte da R. unicamente com base na declaração a que se alude no ponto 4. dos factos provados – declaração de situação de desemprego em impresso da Segurança Social, datado de 19/09/2011 e entregue pela R. ao A. –, esquece o Sr. Juiz que esta, como já se referiu, apenas se trata de um mero documento exigido pelos serviços da Segurança Social, emitido pela entidade empregadora, ou até mesmo pela Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), quando aquela o não faça, segundo modelo próprio e unicamente destinado àqueles serviços, de forma a poder ser conferida a trabalhador por conta de outrem que lha requeira, uma subvenção legalmente estabelecida quando em situação de desemprego involuntário. Nada mais do que isso.
Na verdade, bem pode ter sucedido que a emissão dessa declaração por parte da R. se tenha ficado a dever a um qualquer acordo de revogação de contrato, como nela se refere, embora nulo por desrespeito da forma legalmente exigida para o efeito e muito embora a R. não tenha logrado demonstrar, em tribunal, a existência de qualquer acordo com o A. estabelecido nesse sentido.
Ora, sendo verdade que a R. não logrou demonstrar a existência do invocado acordo de revogação de contrato de trabalho com o A., não é menos certo que o A. não logrou demonstrar haver sido alvo de despedimento verbal por parte da R. em 31 de Agosto de 2011, como alegou na sua petição inicial em termos de fundamento da sua pretensão.
A matéria de facto provada só permite concluir que a relação laboral que existira entre ambas as partes e que não vem posta em causa, cessou, ao que tudo indica, até ao dia 19 de Setembro de 2011, data de emissão da aludida declaração. Contudo, se tal se verificou por iniciativa unilateral da R. assumida em 31 de Agosto do mesmo ano como alegou o A., ou se por iniciativa conjunta de ambas as partes como alegou a R., embora sem respeito pela forma legalmente exigida, é algo que não resulta demonstrado, sendo certo que, para assistir ao A. o direito às prestações legais reclamadas através da presente acção e decorrentes da verificação de despedimento ilícito de que alegou ter sido alvo por parte da R., necessário se tornaria que, antes de mais, aquele tivesse demonstrado – já que a ele competia esse ónus por força do disposto no n.º 1 do art. 342º do Código Civil – ter sido alvo de despedimento por parte desta e isso não resulta da matéria de facto assente.
Não tendo o A. provado a ocorrência do invocado despedimento, nem sequer se coloca a necessidade de apreciar a sua ilicitude e consequências daí decorrentes face ao pedido por ele deduzido na presente acção com base no mesmo.
Deste modo e contrariamente ao decidido em 1ª instância, não pode deixar de soçobrar a pretensão do A. no que concerne à declaração de ilicitude de despedimento de que alegou ter sido alvo por parte da R. e pretensões daí decorrentes, improcedendo, nessa parte, a presente acção, ficando a subsistir apenas a condenação desta no pagamento ao A. do montante de € 333,36 que reclamou a título de férias não gozadas e que a R., mesmo em sede de alegações de recurso reconhece ser-lhe devido.
É certo que, em termos subsidiários, o A. reclama da R. o pagamento do montante de € 1.500,00, a título de compensação correspondente a três meses de retribuição base devida pela extinção do seu posto de trabalho, ao abrigo do disposto no art. 366º n.º 1 ex vi do art. 372º do Código do Trabalho. Só que, sendo esta compensação devida no âmbito de despedimento assumido pela entidade empregadora, fundado em extinção de posto de trabalho por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos relativos á empresa (art. 367º n.º 1 daquele Código),verificamos, pelas razões anteriormente expostas, que o A. nem sequer logrou demonstrar ter sido alvo de despedimento por parte da R., ainda que com tal fundamento. Daí que, contrariamente ao que, também, constitui entendimento da Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta expresso no seu parecer, nem mesmo o direito àquela compensação caberá reconhecer ao aqui A..

III – DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente e, consequentemente, alterando-se a sentença recorrida, julga-se a acção parcialmente procedente e condena-se a R. V…, Ldª a pagar ao A. M... a importância de € 333,36 (trezentos e trinta e três euros e trinta e seis cêntimos) a título de férias não gozadas, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de citação (de acordo com o pedido deduzido pelo A.) até integral pagamento.
No mais julga-se a acção improcedente, absolvendo-se a R. do mais que vem pedido pelo A..
Custas na 1ª instância a cargo de A. e R. na proporção do respectivo decaimento e nesta 2º instância a cargo do A..
Évora, 23.05.2013
(José António Santos Feteira)
(João Luís Nunes)
(Paula Maria Videira do Paço)

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[1] Redacção alterada por decisão assumida infra.