Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1106/13.1TBTMR-A.E1
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
RECURSO
SUSPENSÃO
Data do Acordão: 02/23/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Deve ser liminarmente indeferida uma providência cautelar onde se pede a suspensão dos efeitos imediatos de uma sentença que regula as responsabilidades parentais quando da mesma foi interposto recurso em que se discutirão, também, os temas desenvolvidos no requerimento inicial da providência.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes nesta Relação:

O Apelante AA vem, nos presentes autos de providência cautelar, “nos termos do artigo 157º da OTM”, que instaurara no Tribunal Judicial (relativos ao menor, filho de ambos, BB, que nasceu a 12 de Novembro de 2008, e foi entregue à mãe, por sentença proferida em 04 de Agosto de 2015), contra a Apelada CC, — e onde lhe foi indeferida liminarmente a sua pretensão de ver suspensos os efeitos imediatos dessa sentença que entregou o menor à mãe, permanecendo este em Portugal e aos cuidados do pai, e sendo elaborado “o plano e trabalho psicoterapêutico”, a submeter o menor, por douto despacho proferido em 18 de Setembro de 2015 (ora a fls. 204 a 212 dos autos), com o fundamento que aí é dito de que “o presente procedimento cautelar não corresponde a nenhuma espécie processual própria da jurisdição de menores ou, como tal, prevista na OTM, e a apreciação final, embora não definitiva quanto a todas as referidas questões, foi feita na sentença proferida no passado dia 4 de Agosto de 2015, ou seja, um mês e seis dias antes da data da entrada do requerimento que antecede em Juízo” – vem, dizíamos, recorrer desse douto despacho, ora intentando a sua revogação e que a providência requerida venha a ser ainda recebida para apreciação, e alegando, para tanto e em síntese, que não pode aceitar tal desfecho, sendo a decisão nula por omissão de pronúncia e falta de fundamentação, nos termos do disposto nas alíneas d) e b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, pois que se não pronunciou sobre o relatório médico posterior à prolação da sentença no processo de regulação, e que concluiu pela necessidade do menor nem sair do país e ser acompanhado medicamente, nem sobre o facto do mesmo estar inscrito e já ter iniciado, em Portugal, no dia 21 de Setembro de 2015, e de maneira “eufórica”, o segundo ano do ensino primário, nem sequer sobre a necessidade de se ouvirem as testemunhas e o perito arrolados. São pois termos, conclui, em que dando-se provimento ao presente recurso de Apelação, se deve, ainda, admitir a providência cautelar interposta.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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Atendem-se aos seguintes factos e datas:

1) Em 10 de Setembro de 2015 intentou o requerente, ora Apelante, AA, os presentes autos de providência cautelar, nos termos do artigo 157.º, n.º 1, da OTM, no Tribunal Judicial, contra a requerida, ora Apelada, CC – e através dos quais peticionava como segue, em relação ao menor, filho de ambos, BB, que nascera em 12 de Novembro de 2008:
a) Que sejam “tomadas as medidas e providências necessárias para que o menor BB permaneça em Portugal, a fim de ser elaborado o plano e trabalho psicoterapêutico; e durante a continuação da estada do menor, este continue à guarda do pai, aqui requerente”;
b) Que “deve o Tribunal ordenar àquele Sr. Doutor DD a elaboração deste plano e trabalho psicoterapêutico devendo dar conhecimento ao Tribunal da evolução do BB periodicamente”;
c) Que seja “declarado que, face ao relatório junto como documento nº 2, o BB não poderá sair para um país estrangeiro, nomeadamente a Suíça, o que só poderá ser equacionado após a elaboração de plano e trabalho psicoterapêutico com o BB em Portugal, pelo que até lá uma mudança de país para residir com a requerida colidirá com o superior interesse da criança, o que deverá ser determinantemente rejeitado pelo Tribunal”;
d) Que “até ao trânsito em julgado da sentença 1106/13.1TBTMR-J2, a correr nesse Tribunal, o BB seja submetido a plano de psicoterapia e plano psicoterapêutico tal como o parecer médico impõe, mantendo-se o regime até hoje em vigor” (vide o seu respectivo teor completo, a fls. 5 a 23 dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, sendo que a data de entrada é a aposta a fls. 196).
2) Tal providência referia-se à douta sentença proferida nos autos a que os presentes vêm apensos, de alteração às responsabilidades parentais, proferida em 04 de Agosto de 2015 – ainda não transitada em julgado, pelo menos à data em que foi requerida a providência (10 de Setembro de 2015) –, onde se alterou o regime da guarda, visitas e pensão do menor e se autorizou a sua permanência junto da mãe onde esta residisse, designadamente na Suíça (vide fls. 8, 9 e 10).
3) Em 17 de Agosto de 2015 o ora Apelante apresentara, também, recurso dessa douta sentença de alteração às responsabilidades parentais, tudo conforme às alegações que constituem agora fls. 27 a 176 dos autos, e cujo teor aqui se dá igualmente por reproduzido na íntegra (a respectiva data de entrada é a aposta a fls. 179).
4) Em 18 de Setembro de 2015, por douto despacho proferido nos autos, foi-lhe, no entanto, a providência cautelar indeferida liminarmente, por não ser processualmente adequada aos objectivos queridos com a sua instauração, nos termos e com os fundamentos que agora constam de fls. 204 a 212, e cujo teor é aqui também dado por inteiramente reproduzido.
5) E em 05 de Outubro de 2015 foi apresentado recurso dessa decisão, o qual constitui agora o douto articulado de fls. 217 a 229, aqui também dado por reproduzido integralmente (a data de entrada é a aposta a fls. 231 dos autos).
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Ora, a questão que demanda apreciação e decisão da parte deste Tribunal ad quem é a de saber se o Tribunal a quo decidiu bem indeferir, in limine, a providência cautelar que lhe foi apresentada pelo agora Apelante, ou se os autos devem prosseguir os seus normais trâmites até final – designadamente, se foram cometidas as invalidades que lhe vêm assacadas. É isso que hic et nunc está em causa, como se extrai das conclusões alinhadas no recurso apresentado.

Mas cremos bem, salva sempre melhor opinião que a nossa, que o douto despacho impugnado – que basicamente considera inadequado o meio utilizado para os fins tidos em vista com os pedidos aí formulados, por entender os meios ao dispor das partes na própria acção de que estes emanam como os suficientes para dirimir/acautelar a situação – enquadra devidamente a questão, pelo que há que mantê-lo na ordem jurídica, tudo apontando para que a mesma (a acção de alteração das responsabilidades parentais) contenha em si, efectivamente, todos os meios necessários a tal desiderato, e sendo o processo cautelar aqui utilizado à revelia da sua natural e própria função na economia do sistema.

O requerente o que quer é ainda alterar a sentença por este meio expedito.
Pois que a presente providência cautelar vem interposta pelo requerente na sequência da prolação da douta sentença que alterou os termos da regulação do poder paternal sobre o menor, passando este a ficar entregue à mãe, quando o estava antes ao pai, e enquanto se aguardam os trâmites dessa mesma acção, maxime o seu trânsito em julgado, dado ter sido, dela, interposto recurso pelo aqui requerente – dessa maneira se intentando, ao arrepio dos trâmites da acção de alteração do poder paternal, atalhar caminho e alcançar fora dela o objectivo que além se pretende com o recurso (malgrado o requerente vá jurando que não é essa a sua intenção, mas ressumbrando a mesma claramente do que aqui vem peticionado, a saber: “tomadas as medidas e providências necessárias para que o menor BB permaneça em Portugal, a fim de ser elaborado o plano e trabalho psicoterapêutico; e durante a continuação da estada do menor, este continue à guarda do pai, aqui requerente”; “deve o Tribunal ordenar àquele Sr. Doutor DD a elaboração deste plano e trabalho psicoterapêutico devendo dar conhecimento ao tribunal da evolução do BB periodicamente”; “declarado que, face ao relatório junto como documento nº 2, o BB não poderá sair para um país estrangeiro, nomeadamente a Suíça, o que só poderá ser equacionado após a elaboração de plano e trabalho psicoterapêutico com o BB em Portugal, pelo que até lá uma mudança de país para residir com a requerida colidirá com o superior interesse da criança, o que deverá ser determinantemente rejeitado pelo Tribunal”; e “até ao trânsito em julgado da sentença 1106/13.1TBTMR-J2, a correr nesse tribunal, o Daniel seja submetido a plano de psicoterapia e plano psicoterapêutico tal como o parecer médico impõe, mantendo-se o regime até hoje em vigor” (sic).

Como tal, e como bem se acentua no douto despacho impugnado, haverá que aguardar e seguir os trâmites estabelecidos para a acção de alteração das responsabilidades parentais, maxime a decisão sobre o seu recurso – e não vir agora torneá-los com a introdução em Juízo de uma providência cautelar como a presente, com os contornos que apresenta.

Com efeito, uma vez concluída a normal instrução nessa acção, passou a proferir-se sentença na qual se alterou a situação existente e se veio a ordenar a entrega do menor à guarda e cuidados da mãe. Tal ocorreu em 04 de Agosto de 2015 e o progenitor interpôs aí recurso em 17 de Agosto de 2015. Porém, não aguardou pelo seu desfecho e foi logo socorrer-se de um “relatório de exame psicológico” (realizado a 27 de Agosto de 2015) para deduzir esta providência a 10 de Setembro de 2015 [note-se que não dizemos que não compreendemos a posição do pai do menor e esta sua actuação e que a censuramos; nada disso, já que foi o mesmo confrontado com uma decisão que alterou radicalmente toda a situação envolvente, acabando por retirar da sua companhia e do seu ambiente o menor de sete anos de idade que consigo vivia há longo tempo; e, por isso, que se entende a atitude do pai, lançando mão de todos os meios processuais para atalhar à situação criada pela sentença e obviar a que o menor seja levado para a Suíça, onde reside e trabalha a mãe; poderá até dar-se o caso do requerente ter razão no inconformismo que manifesta para com a douta sentença proferida, e que lhe retirou o filho e de que recorreu; nada disso está agora em causa; o que está em causa é que não se podem introduzir providências cautelares com o fim de obviar/impedir a produção dos efeitos normais das sentenças dos Tribunais, pois que, doutro modo, não deixaria de subverter-se todo o sistema processual].

E não é manifestamente o caso duma necessidade de tomada de medidas de carácter provisório, previstas no invocado artigo 157.º, n.º 1, da OTM. Como se escreve no douto despacho impugnado, todas as questões subjacentes podem perfeitamente encontrar a sua adequada solução – seja ela em que sentido for – no âmbito da tramitação do próprio processo de alteração das responsabilidades parentais, e efectivamente foram equacionadas e respondidas na douta sentença ali proferida e ainda objecto do respectivo recurso. Não há necessidade de mais nada para assegurar a correspondente tutela jurisdicional da situação criada.
Aí se exarou, com efeito, a esse propósito:
A sentença fixou os factos apurados na sequência da discussão da causa em audiência de discussão e julgamento, de acordo com a convicção que o Tribunal formou acerca dos meios de prova produzidos e com a motivação explanada na mesma sentença, tendo ainda declarado qual o Direito aplicável, pelo que não há decisão provisória alguma a proferir, uma vez que, com a prolação da referida decisão ficou em princípio esgotado o poder jurisdicional deste Tribunal, no que se refere à forma como hão-de ser exercidas as responsabilidades parentais do BB, nascido em 12 de Novembro de 2008 e filho do requerente e da requerida, nesta providência cautelar, nos termos previstos no artigo 613º, nº 1, do CPC.
Compulsadas as alegações aí contidas, o que se constata é que o requerente veio reproduzir os mesmos argumentos em que já havia estribado, ao longo de toda a acção, para reivindicar a guarda do filho para si, nada de novo acrescentando às razões de facto e de direito que já havia invocado, quer nas peças escritas que apresentou ao longo de todo o processo, quer durante a audiência de discussão e julgamento (…).
(…) Acresce que nem há, no texto do requerimento, nenhuma alegação nem nenhuma pretensão conservatória ou antecipatória, característica dos procedimentos cautelares, nos termos que ficaram expostos.
O que há apenas é desagrado e oposição ao sentido da decisão exarada na sentença proferida em 04 de Agosto de 2015, que fixou um novo regime de regulação das responsabilidades parentais do BB (…).
(…) Acontece, porém, que, como consta de fls. 536 e seguintes e 541 e seguintes da acção, o requerente já interpôs recurso da sentença, até já pediu que lhe fosse fixado efeito suspensivo e esse é que é mecanismo processual próprio para fazer valer as razões da sua discordância em relação ao conteúdo e ao sentido da decisão proferida e obter, eventualmente, a paralisação dos seus efeitos jurídicos, mantendo-se o BB à guarda e cuidados do pai como pretende e até, eventualmente, a revogação da sentença proferida, pois essa é, justamente, a finalidade do recurso já interposto (…).
(…) Assim, por ausência de fundamento legal e manifesta improcedência, ao abrigo do disposto no artigo 590º, nº 1, do CPC, indefiro liminarmente a presente providência cautelar”.

E, por isso, dada essa construção jurídica em que, afinal, a douta decisão sub judicio se funda, é que se não poderá sequer equacionar, e ao contrário do que vem alegado, que tenham sido cometidas as invalidades formais que agora lhe são assacadas, por omissão de pronúncia e por falta de fundamentação, nos termos do disposto nas alíneas d) e b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, pois que se não pronunciou sobre o relatório médico posterior à prolação da sentença no processo de regulação, e que concluiu pela necessidade do menor não dever sair do país e ser acompanhado medicamente, nem sobre o facto de estar inscrito e já ter iniciado, em Portugal, no dia 21 de Setembro de 2015, o segundo ano do ensino primário, nem sequer sobre a necessidade de se ouvirem as testemunhas e o perito arrolados na providência – havendo, aqui, mesmo, alguma confusão entre a problemática das nulidades da sentença e do próprio mérito da causa que nela é tratado, e de que o apelante agora vem manifestar a sua discordância (por exemplo, dizer que o tribunal não se pronunciou sobre o que consta do relatório médico sobre o perigo da mudança de país do menor e apelidar tal de nulidade por omissão de pronúncia é afinal vir abordar, discordando, da questão de fundo do processo, do seu mérito, que é precisamente esse tema da ida do menor para a Suíça).

Porém, só há verdadeiramente omissão de pronúncia quando o Tribunal, nos termos do citado artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC, “deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”. Só que, a partir do momento em que optou por considerar inadequada a providência aos fins que se propunha atingir – por tal ser acautelado na própria acção e na sentença do processo principal –, já nenhuma daquelas questões tinha que ser apreciada pelo tribunal, nesta sede (se o menor podia ou não ir para o estrangeiro, se iniciara ou não um novo ano lectivo, se tinham que ouvir-se as testemunhas ou algum perito arrolados). Tudo isso ficou prejudicado por aquela tomada de posição sobre a inadequação desta acção cautelar fora do âmbito do já decidido na acção principal.

E o mesmo se diga quanto à ausência de uma enumeração de factos tidos por provados no douto despacho recorrido, pois que, para decidir como decidiu, a única enumeração de factos provados possível e adequada seria no género da que se fez supra neste aresto, descrevendo, afinal, as vicissitudes do processo. A considerar-se que essa enumeração era mesmo necessária, então fica a nulidade do despacho sanada com a enumeração fáctica que se fez nesta sede de recurso.

Pelo que, tendo-se misturado invalidades formais com o próprio fundo da causa, vem a verificar-se que a douta decisão não padece, afinal, das nulidades que se dizia que a vinham a inquinar.

São pois termos em que tem o presente recurso que improceder in totum.
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Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar o douto despacho recorrido.
Custas pelo Apelante.
Registe e notifique.
Évora, 23 de Fevereiro de 2016

Canelas Brás

Jaime Pestana


Paulo Amaral