Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
203/12.5GBCTX
Relator: FELISBERTO PROENÇA DA COSTA
Descritores: QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DIVERSA
JULGAMENTO
DEFESA DO ARGUIDO
Data do Acordão: 04/07/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, o legislador tomou posição perante as diversas posições doutrinais e jurisprudenciais assumidas, tendo consagrado, por via de aditamento de um número ao artigo 358º, o 3, a solução da livre qualificação jurídica dos factos pelo tribunal do julgamento, com reserva da obrigatoriedade de prévia comunicação ao arguido da alteração da qualificação jurídica e da concessão, a requerimento daquele, do tempo necessário à preparação da defesa, ressalvando os casos em que a alteração derive de alegação feita pela defesa – n.º 2 do artigo 358º.
Para efeitos do crime de importunação sexual de criança acto exibicionista é acto ou gesto relacionados com o sexo, toda a acção com significado ou conotação sexual de exposição dos órgãos genitais que é imposta a outrem, por ser contra a sua vontade ou quando a pessoa visada ainda não tem capacidade para manifestar esse consentimento, de modo a perturbar a sua liberdade sexual, no caso dos adultos, ou a violar a protecção da sexualidade e a preservação de um adequado desenvolvimento sexual, no caso dos menores de 14 anos.
Decisão Texto Integral:



Recurso n.º 203/12.5GBCTX

Acordam, em Conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.
Nos autos de Processo Comum Colectivo, com o n.º 203/12.5GBCTX, a correrem termos pelo 2.º juízo do Tribunal da Comarca do W, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido:
- RGMP, filho de (…), solteiro, decorador de arte floral e residente na Rua Batalhoz, n.º 58, 2.º andar, C;
Imputando-lhe a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de catorze (14) crimes de abuso sexual de criança, na forma consumada, previstos e punidos pelo artigo 171.º, n.º 1 do Código Penal.

O arguido RGMP apresentou contestação escrita, na qual admitiu, no geral, a prática dos factos que lhe são imputados, e arrolou testemunhas – cfr. fls. 793 a 795 dos autos.

MJFL, em representação do filho menor M, deduziu contra o arguido pedido de indemnização, requerendo a condenação deste no pagamento da quantia de 25 000,00 € (vinte e cinco mil euros), por danos morais, acrescida dos juros de mora, com os fundamentos vertidos no articulado de fls. 720 a 728 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.

Procedeu-se a julgamento com observância de todas as formalidades legais, no decurso do qual demandante e demandado transigiram quanto ao pedido cível formulado pela primeira contra o segundo, transacção que foi homologada por decisão de fls. 831.

Conforme melhor resulta da acta de audiência de julgamento, datada de 08 de maio de 2014 (após produção de prova e alegações orais), foi comunicada ao arguido uma alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, na sequência da qual o arguido apresentou defesa escrita e arrolou uma testemunha.

Nesse seguimento veio a ser prolatado pertinente Acórdão, onde se veio a Decidir:
– Condenar o arguido RGMP, como autor material, de dezasseis (16) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de um (1) ano e oito (8) meses de prisão, por cada um.
- Condenar o arguido RGMP, em cúmulo jurídico, na pena única de sete (7) anos de prisão.

Inconformado com o assim decidido, traz o arguido RGMP o presente recurso, onde formula as seguintes conclusões:
1. Com a alteração de 14 para 16 crimes, verifica-se uma alteração substancial dos factos.
2. Tal alteração implica desde logo um agravamento da situação do arguido, nomeadamente das sanções penais que podiam ser aplicáveis.
3. Pelo que se verifica a nulidade do acórdão recorrido por via da alínea b) do n.º1 do artigo 379.º do CPP.
4. Sempre se entende, que o arguido devia ter sido condenado por um único crime, pois verificou-se uma única resolução que não foi renovada ou reforçada.
5. Em nenhum momento dos factos provados se encontra qualquer situação que permitisse ao arguido ter necessidade de reforçar a resolução criminosa inicial, pois nunca foi descoberto, chamado à atenção ou contrariado por terceiros.
6. Sendo certo que os menores sempre colaboraram com o arguido quando este os chamou e mantiveram o pacto de segredo.
7. E os factos, tendo em conta a enorme incerteza temporal, devem, em obediência ao princípio in dubio pro reu, ajustar-se como o mais próximos possível.
8. Por outro lado, os factos provados nos pontos 23 e 38 não integram um acto sexual de relevo subsumível ao n.º1 do artigo 171º do C.P., antes, actos exibicionistas, ou de importunação sexual do qual não vinha acusado.
9. É que desde logo, nesses factos, o arguido não teve qualquer contacto com os menores, ou os menores consigo mesmos ou terceiro.
10. Pelo que o arguido, a ser punido por vários crimes, apenas o deve ser por 13 crimes de abuso sexual de criança.
11. As penas parciais e únicas são muito elevadas, devendo a pena única ficar pelos 5 anos de prisão, sempre suspensa na sua execução.
12. A confissão foi extremamente relevante.
13. A comunidade compreende o R e apoia-o.
14. Goza de forte apoio familiar e social.
15. Indemnizou o demandante extra judicialmente.
16. Pediu desculpas.
17. Tem apoio médico voluntário.
18. Revelou arrependimento sério e seguro.
19. Não ficaram sequelas nos menores conforme folhas 401 dos autos.
20. Em qualquer caso, devia o tribunal ter optado por uma atenuação especial da pena por via da alínea c) do n.2 e n.º1 do artigo 71º do C.P.
21. Quer o MP, quer o demandante, pediram ao tribunal que fosse aplicada ao arguido uma pena de prisão suspensa na sua execução.
22. Pelo que a pena única não deve ultrapassar os 5 anos de prisão, sempre suspensa na execução.
Violaram-se as seguintes disposições:
- Artigos 40º, 50º, 70º, 71º, 72º e 171º do C.P;
- Artigo 359º do CPP.

Nestes termos e demais de direito, deverá o presente recurso obter provimento:
- Anulando-se o acórdão recorrido;
- Alterando-se qualificação jurídica dos factos;
- Reduzirem-se as penas aplicadas, e a pena única ficar abaixo dos 5 anos de prisão, sempre suspensa na sua execução.

Respondeu ao recurso o Sr. Procurador da República, dizendo:
a) O douto acórdão condenatório mostrar-se-á, globalmente, bem fundamentado e a prova produzida e coligida, aquando da audiência de discussão e julgamento, revelar-se-á bem sopesada, analisada e ponderada;
b) De resto, o arguido/recorrente confessou e assumiu, na sua quase totalidade, a prática dos factos;
c) O tribunal a quo, ao condenar o arguido, após alteração da qualificação jurídica de alguns factos descritos na acusação, pela prática, na forma consumada, de 16 crimes de abuso sexual de crianças, p.p. nos termos do art.º 171º, do C. Penal, não terá procedido a qualquer alteração substancial dos factos descritos na acusação, estando afastada qualquer alteração de juízo base da ilicitude e o agravamento dos limites máximos das sanções aplicáveis, sendo certo que os factos dados como assentes já constavam - todos – do libelo acusatório, continuando com o mesmo conteúdo e a mesma identidade naturalística;
d) O douto acórdão estará, assim, arredado da nulidade que lhe é apontada (art.º 379, n.º 1, al. b), do C. P. Penal);
e) Todas as condutas imputadas ao arguido/recorrente foram levadas a cabo mediante resoluções criminosas autónomas e independentes, pelo que terá sido bem condenado pelos 16 crimes de abuso sexual de crianças;
f) Quer as penas parcelares, quer a pena única adveniente do respectivo cúmulo jurídico, estarão no seu ponto óptimo de equilíbrio;
g) No mais, não se mostrará violado qualquer inciso legal;
h) Por via disso, negando-se provimento ao recurso, será feita justiça.

Nesta Instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de o recurso merecer provimento parcial, devendo o Acórdão recorrido ser revogado apenas na parte em que condenou o arguido por dezasseis crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º1, do Cód. Pen., nas penas parcelares de 1 ano e 8 meses d, por cada um, e na pena única de 7 anos de prisão, sendo substituído por outro que condene aquele pela prática de:
- 13 (treze) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 1, nas penas parcelares de 1 ano e 8 meses, por cada um;
- 3 (três) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelas disposições combinadas dos arts. 171.º, n.º 3, al.ª a) e 170.º, todos do Cód. Pen., na pena de 6 meses, por cada um; e
- Em cúmulo jurídico, na pena única de 6 anos e 1 mês de prisão.
Mantendo-se, no demais, a douta decisão recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Em sede de decisão recorrida foram considerados os seguintes Factos:
Factos provados
1. O menor E nasceu no dia 07 de Dezembro de 1998 e é filho de (…).
2. O menor M nasceu no dia 05 de abril de 2000 e é filho de (…).
3. O menor TMS nasceu no dia 03 de Junho de 2000 e é filho de (…).
4. O menor M nasceu no dia 09 de Outubro de 2000 e é filho de (…).
5. Em data concretamente não apurada, mas situada no mês de Março de 2011, o arguido, por razões profissionais, encontrava-se na Escola Primária de C, área desta comarca.
6. Naquelas circunstâncias, o arguido viu entrar para a casa de banho da referida Escola Primária o menor M.
7. Nesse momento, o arguido seguiu o menor M e viu-o a urinar.
8. O arguido também urinou e olhou para o pénis do menor.
9. Seguidamente, o arguido começou a acariciar o seu pénis até ficar erecto e pediu a M para olhar.
10. Como viu que o menor acedeu ao seu pedido, o arguido R P continuou a masturbar-se e pediu-lhe depois que também o masturbasse, o que M fez, ao mesmo tempo que o arguido masturbava o pénis do menor.
11. Nesse momento, entraram na casa de banho os menores T e M , que surpreenderam o arguido e M.
12. Então, o arguido pediu aos dois que lhe “batessem uma”.
13. Um de cada vez, acabaram por masturbar o arguido enquanto este também os masturbava.
14. Em data não concretamente apurada do ano de 2011, mas depois da data referida em 5., o arguido R P apercebeu-se que entravam na capela de C, os menores M , T e E.
15. Estiveram a conversar e o arguido perguntou-lhes se não queriam ir “bater uma”, ao que os menores acederam.
16. O arguido conduziu então os três menores para um anexo da capela, fechando a porta, para evitar que alguém entrasse e pudesse presenciar o acto sexual que pretendia fazer.
17. Já neste anexo ficaram todos de pé e o arguido baixou as calças e cuecas e retirou o pénis e começou a acariciá-lo até ficar erecto.
18. Nessa altura, pediu aos menores que lhe mexessem e cada um dos menores masturbou o arguido, enquanto este os masturbou a eles, sucessivamente.
19. Em data concretamente não apurada do ano de 2011, mas posterior à referida em 14., quando o arguido se deslocava para casa da avó, apercebeu-se que na rua brincavam os menores T, M , M e E.
20. O arguido R P chamou-os fazendo “psst” e fez-lhes sinal com a mão para irem ao seu encontro e disse-lhes para irem “bater uma”, ao que os menores acederam.
21. Já em casa da avó do arguido, sita na Rua S, n.º 6, C, área desta comarca, os quatro menores sentaram-se no sofá e R P masturbou-se em frente a eles, pedindo-lhes depois que o masturbassem, ao que os menores acederam, sendo que enquanto cada um deles o masturbava, o arguido baixou-lhes as calças e masturbou também o pénis de cada um deles.
22. Em data indeterminada do ano de 2012, mas antes do mês de maio, o menor E seguia com o menor M por uma rua próxima da casa da avó do arguido e este chamou-os emitindo o som e fazendo com a mão o gesto habitual, tendo-se dirigido ao arguido e entrado na dita casa.
23. Aí o arguido exibiu-lhes o pénis dizendo que ia “bater uma” e iniciou manobras masturbatórias, convidando-os a fazer o mesmo o que recusaram, apesar das várias insistências do arguido, o qual se masturbou até ejacular para o chão, pedindo-lhes segredo.
24. Em data concretamente não apurada, mas situada próximo do mês de maio de 2012, quando o arguido se dirigia à casa da avó, passou pelos menores T e M que brincavam na rua principal.
25. Já perto deles fez-lhes o antedito gesto com a mão e disse-lhes que fossem ao seu encontro ou para o seguirem, enquanto fazia um ruído com a boca para lhes chamar à atenção.
26. Um pouco depois de ter entrado em casa da avó, os dois menores apareceram.
27. O arguido disse-lhes para se sentarem no sofá, abriu as calças, retirou o pénis e masturbou-se.
28. Seguidamente, pediu-lhes para que lhe fizessem a mesma coisa, ao que os menores acederam, sendo M o primeiro a masturbar o pénis do arguido e T o segundo.
29. Depois deste ter acariciado o seu pénis, o arguido pediu-lhe para que o introduzisse na sua boca, mas M recusou.
30. O arguido ejaculou para o chão que após limpou com um pano.
31. O arguido R P disse aos menores que não relatassem o sucedido.
32. O arguido fez sempre este pedido aos menores após cada acto sexual afirmando que “…se aquilo se soubesse podia ir preso”.
33. No dia 14 de Junho de 2012, antes das 15 horas, ao passar junto da residência do menor T , sita na Rua A, área desta comarca, o arguido apercebeu-se que este se encontrava junto da piscina na companhia do menor M.
34. Abeirou-se do muro, fez-lhes sinal com a mão para irem ao seu encontro enquanto fazia “psst”, chamando-os.
35. Quando os dois se chegaram ao muro, disse-lhes para irem ter com ele à casa abandonada, localizada ali próximo, para irem “bater uma”, querendo dizer-lhes que iriam praticar acto de masturbação.
36. O arguido dirigiu-se então para a dita casa e pouco depois surgiram os menores T e M.
37. O arguido R P ficou de pé, desapertou as calças, retirou o pénis para o exterior, acariciou-o e depois efectuou gestos de masturbação.
38. Enquanto assim fazia, o menor M , com o seu telemóvel, filmou-o.
39. Antes de ejacular, o arguido pediu ao menor T para lhe “bater uma” sendo que este acabaria por masturbar também o pénis do arguido.
40. O arguido disse-lhes para nada contarem a ninguém.
41. O arguido tentou repetir tais actos por várias vezes nos meses de Maio e Junho de 2012, o que só não se verificou por motivos alheios à sua vontade, em virtude de os menores T, M , M e E não haverem acedido aos seus chamamentos e convites, por se aperceberem das intenções do arguido.
42. Nas mencionadas ocasiões, ao actuar pela forma descrita, livre, voluntária e conscientemente, o arguido quis e conseguiu satisfazer os seus instintos libidinosos, sabendo que, quando começou a abordar os quatro menores, T, M , M e E estes contavam apenas entre nove e onze anos de idade e que os ofendia na sua liberdade e desenvolvimento sexuais sabendo que tais actos eram susceptíveis de prejudicar gravemente o livre e harmonioso desenvolvimento da personalidade destes na esfera sexual.
43. Em todo o circunstancialismo narrado, o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, sendo capaz de a orientar de harmonia com esse conhecimento e que ao assim agir atentava contra a liberdade de autodeterminação sexual de cada um daqueles menores, cujas idades bem conhecia.
44. O arguido foi catequista na Capela de W, pela qual zelava, e monitor na colónia de férias da paróquia de A.
45. Do certificado de registo criminal do arguido não consta qualquer condenação.
46. O arguido R P não padece de qualquer perturbação mental, nem apresenta diagnóstico de parafilia, nem de perturbação de controle de impulsos, não tem oligofrenia, nem perturbação afectiva ou psicótica.
47. O arguido é uma pessoa ansiosa, evasiva, defensiva, comunicativa, com fragmentos de labilidade emocional durante o discurso; apresenta um quociente de inteligência normal reduzida.
48. O arguido é ingénuo e imaturo, com uma visão irrealista do que o rodeia, tendendo a passar uma imagem positiva de si para os outros, racionalizando as respostas; é manipulador e projecta a culpa e a hostilidade, envolvendo outras pessoas.
49. O arguido tende a apresentar um funcionamento psicótico e apresenta tolerância mínima à frustração e é impulsivo.
50. O arguido tem sido seguido em consultas de psiquiatria desde que foi detido e até aos dias de hoje.
51. Se não se submeter a tratamento adequado há perigo de vir a praticar factos idênticos aos que praticou e são objeto destes autos.
52. O arguido é considerado por amigos uma pessoa séria, prestável e imatura, beneficiando do apoio incondicional da família, dos amigos e da população de Casais de Lagoa.
53. A socialização do arguido R P processou-se numa pequena localidade rural do concelho de A, junto do irmão mais velho e dos pais, num contexto familiar modesto, de baixos recursos económicos e culturais, sendo as suas necessidades básicas asseguradas pelo trabalho que o pai desenvolvia como vigilante e a mãe como funcionária do Ministério da Agricultura, com quem mantém um bom relacionamento familiar.
54. A sua frequência escolar foi iniciada aos 5 anos de idade e na globalidade caracterizou-se por um desempenho normativo em termos de comportamento e algumas dificuldades de aprendizagem, contando com duas reprovações no 2.º e no 6.º ano de escolaridade, devido a dificuldades na leitura e na matemática, respectivamente.
55. Depois de concluir o 9.º ano de escolaridade através do ensino profissionalizante, que para além da componente lectiva incluía formação prática de animador de lar de terceira idade, abandonou os estudos para começar a trabalhar.
56. Mais tarde retomou os estudos, concluindo por volta dos 28 anos, o 12.º de escolaridade no âmbito do programa das Novas Oportunidades.
57. O seu percurso laboral foi iniciado aos 18 anos de idade como ajudante de uma florista, onde laborou cerca de três anos; tem trabalhado essencialmente como decorador de arte floral em várias lojas do ramo em R, L e VF.
58. De forma complementar também se ocupava da decoração, manutenção e por vezes também da organização dos eventos religiosos da capela dos C.
59. Neste contexto, e a título voluntário, ministrou catequese na sua paróquia.
60. A sua última colocação laboral foi numa florista em VF, onde permaneceu cerca de dois anos, actividade que interrompeu devido à sua prisão preventiva, no âmbito deste processo, encontrando-se desde então desempregado, subsistindo desde então com a ajuda dos pais e do irmão.
61. Aproximadamente aos 16 de idade teve a sua primeira experiência sexual com uma jovem do sexo feminino, mas não se sentiu realizado do ponto de vista sexual e aos 17 anos teve sua primeira experiência homossexual.
62. Aos 26 iniciou uma relação afectiva homossexual com outro jovem, que terá entretanto terminado.
63. À data dos factos o arguido encontrava-se inserido no seu agregado de origem, constituído pelo próprio e por ambos os progenitores, que na actualidade têm 64 e 58 anos, ambos reformados, com os quais tem um bom relacionamento familiar.
64. O arguido reside actualmente no C, em casa do irmão, onde ainda se mantém na actualidade, integrando deste então o agregado daquele (37 anos, operário fabril) e da cunhada (35 anos, administrativa) com os quais tem um bom relacionamento, continuando o irmão disponível para o apoiar em termos familiares e mesmo habitacionais.
65. Mantém igualmente uma boa relação com os pais, que o visitam com regularidade em casa do irmão.
66. Habita actualmente num apartamento que pertence ao irmão e cunhada, que reúne suficientes condições de habitabilidade e está inserido no centro urbano da cidade.
67. Nos tempos livres não se dedica a actividades lúdicas estruturadas, ocupando-se das tarefas domésticas e da confecção das refeições como forma de ocupar o tempo e ajudar a cunhada e o irmão; por vezes também colabora num café de uma amiga, em B.
68. No plano social, o impacto do surgimento deste processo encontra-se um pouco mais esbatido face à distância dos acontecimentos, mas em termos sociais a imagem do arguido continua a ser associada às circunstâncias que determinaram a instauração deste processo judicial, designadamente nos C, onde residem as possíveis vítimas.
69. Na cidade do W, onde reside há cerca de um ano, o arguido mantém poucas relações de amizades, mas é na globalidade bem aceite e tem apresentado um comportamento normativo, não havendo sobre si qualquer participação no posto policial desta cidade.
70. Na entrevista com a Equipa da DGRSP, o arguido aduziu uma atitude dialogante, revelou ter juízo crítico e capacidade para avaliar as consequências das suas acções, evidenciando porém alguma imaturidade nas tomadas de decisões e reduzida tolerância em gerir situações de maior exigência emocional, sentindo-se normalmente muito ansioso e pouco confiante.
71. O arguido encontra-se muito preocupado e apreensivo com a existência deste processo judicial e revela juízo crítico relativamente aos factos constantes nos autos, reconhecendo a sua ilicitude, gravidade, bem como o impacto de tais situações em hipotéticas vítimas.
72. Por intermédio do seu pai, o arguido pediu desculpas às mães dos menores ofendidos.
73. O menor M foi submetido a avaliação psicológica, em 04 de Julho de 2011, cujo relatório concluiu pela imprescindibilidade e urgência no acompanhamento do menor em psicoterapia de forma a promover os recursos emocionais e relacionais e organizar o funcionamento da sua personalidade.
74. O menor M foi submetido a nova avaliação psicológica, em 11 de Julho de 2012, cujo relatório concluiu que o menor efectuou progressos, considerou importante a continuação do acompanhamento do menor em psicoterapia semanal, a fim de organizar aspectos da personalidade ainda comprometidos; mais concluiu que nas avaliações efectuadas não foram encontradas sequelas de uma tentativa de abuso sexual, o que não constitui prova da sua não existência.

Factos não provados
(…)
Em sede de fundamentação da decisão de facto consignou-se o seguinte:
Para formar a sua convicção relativamente aos factos provados, o Tribunal, observando os critérios a que alude o artigo 127.º do Cód. Proc. Penal, baseou-se no correlacionamento de toda a prova produzida e analisada em audiência de julgamento, apreciada segundo as regras da experiência comum e a sua livre convicção.
De acordo com Cavaleiro Ferreira, «(…) a livre convicção é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade. É uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à lógica e não limitada por prescrições formais exteriores» (Curso de Processo Penal, reimp., L, 1981, vol. II, p. 298).
E, tal como faz notar Germano Marques da Silva, a livre valoração da prova não deve «ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão» (Curso de Processo Penal, II, Editorial Verbo, 2008, p. 151).
O mesmo é dizer que, em sede de apreciação da prova, a convicção do tribunal é formada dialecticamente: para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im) parcialidade, serenidade, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos.
Na verdade, tal como também salienta Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, lições coligidas por Maria João Antunes, 1988-9, p. 140), há que assumir que na convicção desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis, como seja a credibilidade que se concede a um certo meio de prova.
Neste contexto, a actividade do juiz, como julgador, não é naturalmente a de mero espectador de depoimentos, antes devendo fazer incidir sobre os mesmos um olhar crítico em que se atenda à multiplicidade de factores a que, entre outros, nos referimos.
Desta perspectiva, analisemos então os elementos probatórios disponíveis nos autos e produzidos em sede de audiência de julgamento.
Cumpre desde logo referir que, pela sua própria natureza, os crimes sexuais, em sede de sua comprova, não assentam geralmente em prova directa, donde que, por via disto, assume, neste campo, papel decisivo o princípio da livre convicção na apreciação da prova, posto que se traduza em termos inculcadores de não ser essa convicção estribada em meras presunções ou em impressivos simplesmente mentais, resultado de um imotivável juízo apreciativo mas, antes, numa base de apoio objectiva, criteriosa e susceptível de motivação e controlo.
Foram, desde logo, determinantes as declarações do arguido R P que confessou quase na íntegra os factos de que se encontrava acusado.
Com efeito, admitiu, relativamente a todas as circunstâncias referenciadas na acusação, que manteve os actos sexuais com os menores ali identificados, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar ali identificadas.
Negou, porém, que quando os factos ocorreram na casa de banho da Escola Primária de W estivesse a substituir F, mãe do menor M.
Refutou, ainda, que os factos ocorreram em virtude de ter sido catequista na capela de W e/ou monitor na colónia de férias da Paróquia de A, actividades que referiu não exercer há, respectivamente, cerca de 8 e 5 anos.
Uma vez que as declarações do arguido se revelaram espontâneas e credíveis, e porque nenhum outro tipo de prova nesse sentido foi produzida, antes pelo contrário, o tribunal deu como não provados tais factos.
(…)
O objeto da perícia é a percepção de factos ou a sua valoração.
O perito é um auxiliar do juiz, pois as provas periciais produzidas em qualquer fase processual, incluindo as do inquérito, poderão sempre ser tomadas em conta, quer na instrução quer no julgamento, art.º 356.º n.º 1 al. a) a contrario do Código Processo Penal.
O juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador; o art.º 163.º do Código Processo Penal consagra, de acordo com entendimento unânime, uma restrição ao princípio da livre convicção probatória previsto no art.º 127.º do Código Processo Penal: o julgador está “amarrado” ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação. No caso concreto não se antevê qualquer possibilidade de o tribunal poder divergir do juízo pericial formulado.
Porém, e quanto à perigosidade de repetição de actos de natureza idêntica aos que cometeu e são alvo deste processo, não podendo o tribunal deixar de dar tal facto como assente, dado que deriva de um juízo pericial de que o tribunal não pode divergir por não ter conhecimentos específicos para o efeito, sempre releva o testemunho do Ex.º Psiquiatra, S, que compareceu em audiência como testemunha e não como perito, conjugado com tal perícia, permitindo ao tribunal estribar a sua convicção quanto ao facto provado em 51.
A data de nascimento e filiação dos menores resultou provado com base nas certidões de assento de nascimento juntas a fls. 671, 674, 677 e 680 dos autos.
Conjugada com a prova já referenciada, o tribunal relevou o auto de notícia de fls. 3 e 4, a informação de serviço da Policia Judiciária de fls. 9 e 10, o auto de visionamento do filme gravado no telemóvel do menor M , os fotogramas de fls. 48 e 49, o Relato de Diligência Externa de fls. 51, a reportagem fotográfica de fls. 53 a 56 e os relatórios de Psicologia Clinica resultantes da avaliação do menor M, de fls. 395 e seguintes e 400 e seguintes, a cuja análise atenta procedeu.
Quanto aos factos atinentes às condições pessoais do arguido, o Tribunal considerou as suas declarações, bem como os testemunhos que a esse respeito se produziram em audiência de julgamento conjugados com o relatório social elaborado pela DGRSP, na medida em que foi subscrito por técnico com especiais habilitações e capacidades para o realizar, dando-se ainda conta que foi levado a efeito de acordo com fontes e metodologias que parecem adequadas e aptas a revelar a factualidade que se descreve.
Finalmente, no que diz à ausência de antecedentes criminais do arguido, teve-se em consideração a informação obtida junto do registo criminal.
Os factos não provados resultaram quer da inexistência/insuficiência da prova, quer das dúvidas insanáveis que permaneceram no espírito do Tribunal sobre a ocorrência dos factos alegados.
Com efeito, de toda a prova produzida não se logrou demonstrar, quer através do depoimento das diversas testemunhas, quer através das declarações para memória futura das menores, que tais factos tenham efectivamente ocorrido.

Como consabido, são as conclusões extraídas pelo recorrente da sua motivação que definem o objecto do recurso e bem assim os poderes de cognição do Tribunal ad quem.
Da leitura das conclusões retiradas pelo aqui recorrente da sua motivação resulta pretender este o reexame da matéria de direito, suscitando várias questões a merecerem resposta por banda deste Tribunal de recurso.
Desde logo, entende o aqui impetrante que com a alteração de 14 para 16 crimes, verifica-se uma alteração substancial dos factos.
Implicando tal alteração, desde logo, um agravamento da situação do arguido, nomeadamente das sanções penais que podiam ser aplicáveis.
Pelo que se verifica a nulidade do acórdão recorrido por via da alínea b) do n.º1 do artigo 379.º do CPP.
Vejamos, pois, se lhe assiste, ou não, razão no por si pretendido.
Importa, de pronto, ter em linha de conta o que se deve entender por alteração substancial de factos.
Nos termos do art.º 1.º, al.ª f), do Cód. Proc. Pen., considera-se alteração substancial dos factos, aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
Significando tal uma modificação estrutural dos factos descritos na acusação, de modo a que a matéria de facto provada seja diversa, com elementos essenciais de divergência que agravem a posição processual do arguido, ou a tornem não sustentável, fazendo integrar consequências que se não continham na descrição da acusação, constituindo uma surpresa com a qual o arguido não poderia contar, e relativamente às quais não pode preparar a sua defesa.
E pressupondo uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refira aos seus elementos essenciais, ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
Diversamente, a alteração não substancial vem a constituir uma divergência ou diferença de identidade que não transformem o quadro da acusação em outro diverso no que se refere a elementos essenciais, mas apenas, de modo parcelar e mais ou menos pontual, e sem descaracterizar o quadro factual da acusação, e que, de qualquer modo não têm relevância para alterar a moldura penal ou para a determinação da moldura penal. A alteração, para ser processualmente considerada, tem de assumir relevo para a decisão da causa.[1]
Se bem lemos o que consta de fls. 869-870 dos autos, o Tribunal recorrido limitou-se a proceder a uma alteração da qualificação jurídica, mantendo incólume a facticidade constante da acusação.
Tudo, por entender que da facticidade vertida na peça acusatória resultava a prática pelo arguido/recorrente da prática de dezasseis crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 1, do Cód. Pen., e não de catorze crimes de abuso sexual de crianças, p. e p., pelo art.º 171.º, n.º 1, do Cód. Pen., como refere a acusação.
De tudo dando nota ao arguido, nos termos e para os efeitos do art.º 358.º, n.ºs 1 e 3, do Cód. Proc. Pen.
Na Lição de Federico Isasca, qualificar um determinado facto do ponto de vista jurídico-penal é subsumir um determinado acontecimento na descrição abstracta de uma preposição penal.
Daí que a qualificação jurídica seja distinta, por não confundível, com os factos, sendo estes o objecto daquela.
E segundo o mesmo Autor, podem alterar-se os factos e manter-se a qualificação jurídica, ou alterar-se esta e manterem-se aqueles (…) como objecto do processo.[2]
Deste modo, a mera alteração da qualificação jurídica dos factos significa que estes a que aquela se reporta se mantêm idênticos, isto é, não há supressão, nem substituição, nem acrescentar de factos, o que há é apenas uma qualificação jurídica diversa da inicial relativamente àqueles.
Ou como refere Ivo M Barroso, na alteração da qualificação jurídica não há uma alteração de factos. A factualidade permanece intactamente inalterada, pois não se aditam nem se retiram factos constantes do objecto do processo, nem se substituem uns pelos outros. Os factos mantêm-se, pois, intocados.
Está apenas em causa uma alteração do modelo subsuntivo de aplicação de cada norma jurídica “per si” ao caso concreto[3].
O Supremo Tribunal de Justiça já no Assento n.º 2/93 veio entender de forma diversa da aqui propugnada pelo recorrente ao fixar entendimento no sentido de “ para os fins dos artigos 1, alínea f), 120º, 284º, n.º 1, 303º, n.º 4, 309º, n.º 2, 359º, n.ºs 1 e 3, e 379.º alínea b), do Código de Processo Penal, não constitui alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação jurídica (ou convolação), ainda que se traduza na submissão de tais factos a uma figura criminal mais grave”.
Parte da doutrina, mais tarde, optou por diferente solução, defendendo a aplicação analógica do artigo 358º (obviamente na sua versão originária) às situações de alteração da qualificação jurídica, assumindo a livre qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia com a dupla condição da comunicação prévia ao arguido e da concessão de tempo para a sua defesa.
Por sua vez, o Tribunal Constitucional, através do acórdão n.º 279/95, em recurso interposto do assento n.º 2/93, julgou inconstitucional a interpretação naquele assumida nos casos em que a convolação conduzisse à condenação do arguido em pena mais grave, sem que o mesmo fosse prevenido da nova qualificação jurídica e sem que lhe fosse dada oportunidade de defesa, sob a argumentação de que o arguido não tem que ser sacrificado no altar da correcta qualificação jurídico-penal da matéria de facto e que uma eventual alteração final do enquadramento jurídico desta não tem necessariamente de fazer-se à custa do sacrifício dos seus direitos de defesa, sendo que para assegurar esta defesa basta que lhe seja dado conhecimento prévio da nova qualificação.
E o mesmo Tribunal, pelo acórdão n.º 445/97, reiterou aquela doutrina, proferindo decisão de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.
Foi então reformulado por este Supremo Tribunal o assento n.º 2/93 no seguintes termos:
“Ao enquadrar juridicamente os factos constantes da acusação ou da pronúncia, quando esta exista, o Tribunal pode proceder a uma alteração do correspondente enquadramento, ainda que em figura criminal mais grave, desde que previamente dê conhecimento e, se requerido, prazo ao arguido, da possibilidade de tal ocorrência, para que o mesmo possa organizar a sua defesa jurídica”.
Mais tarde, através do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/00 foi aquela doutrina reforçada, tendo-se decidido que:
“Na vigência do regime dos Códigos de 1987 e de 1995, o tribunal, ao enquadrar juridicamente os factos constantes da acusação ou da pronúncia, quando esta existisse, podia proceder a uma alteração do correspondente enquadramento, ainda que em figura criminal mais grave, desde que previamente desse conhecimento e, se requerido, prazo ao arguido, da possibilidade de tal ocorrência, para que o mesmo pudesse organizar a respectiva defesa”.
Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, o legislador entendeu dever tomar posição perante as diversas posições doutrinais e jurisprudenciais assumidas, tendo consagrado, por via de aditamento de um número ao artigo 358º, o 3, a solução da livre qualificação jurídica dos factos pelo tribunal do julgamento, com reserva da obrigatoriedade de prévia comunicação ao arguido da alteração da qualificação jurídica e da concessão, a requerimento daquele, do tempo necessário à preparação da defesa, ressalvando os casos em que a alteração derive de alegação feita pela defesa – n.º 2 do artigo 358º.[4]
Equiparando-se a alteração da qualificação jurídica dos factos à alteração não substancial dos factos descritos na acusação, face ao que se dispõe no n.º 3, do citado art.º 358.º, ao remeter para o n.º 1, do mesmo inciso normativo.
Sendo que só no caso de o Tribunal não cumprir o dever de comunicação a que alude o antedito art.º 358.º é que se estaria perante uma nulidade do Acórdão a que alude o art.º 379.º, n.º 1, al.ª b), do Cód. Proc. Pen.
Porém, como referido, nenhuma das apontadas situações ocorrem no caso concreto, daí a sem razão da pretensão formulada pelo aqui impetrante, a respeito.

Uma outra questão trazida ao conhecimento deste Tribunal de recurso prende-se em saber se se estará, ou não, perante uma situação de continuação criminosa.
Na óptica do aqui recorrente, deveria ter sido condenado pela prática de um único crime, pois verificou-se uma única resolução que não foi renovada ou reforçada.
Em nenhum momento dos factos provados se encontra qualquer situação que permitisse ao arguido ter necessidade de reforçar a resolução criminosa inicial, pois nunca foi descoberto, chamado à atenção ou contrariado por terceiros.
Sendo certo que os menores sempre colaboraram com o arguido quando este os chamou e mantiveram o pacto de segredo.
E os factos, tendo em conta a enorme incerteza temporal, devem, em obediência ao princípio in dubio pro reu, ajustar-se como o mais próximos possível.
O crime continuado mostra contemplado no n.º 2, do art.º 30.º, do Cód. Pen., onde se diz que constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
Sendo pressupostos do crime continuado:
1. A realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico);
2. Homogeneidade da forma de execução (unidade do injusto objectivo da acção);
3. Lesão do mesmo bem jurídico (unidade do injusto de resultado);
4. Unidade de dolo (unidade do injusto pessoal da acção). As diversas resoluções devem conservar-se dentro de uma "linha psicológica continuada";
5. Persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente.
Como decorre dos autos, o aqui recorrente foi condenado pela prática, como autor material, de dezasseis (16) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 1, do Cód. Pen.
Tendo em conta que tais crimes protegem bens eminentemente pessoais, não se pode falar em crime continuado, como pretende o recorrente.
Tudo, por o novel n.º 3, do art.º 30.º, do Cód. Pen., vir estatuir que o disposto no n.º 2, não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais.
Normativo introduzido pela Lei n.º 40/2010, de 3 de Setembro; Lei que entrou em vigor 30 dias após a sua publicação, de acordo com o estatuído no seu art.º 5.º.
Ficando, a partir de então, o crime continuado restringido à violação plúrima de bens jurídicos não eminentemente pessoais.
Falecendo razão ao recorrente na pretensão que formulou.

Discrepa, de seguida, da qualificação jurídica levada a cabo pelo Tribunal recorrido, no que tange à factualidade acolhida sob os pontos 23 e 38 dos factos tidos como provados.
Porquanto, em seu entender, não integra um acto sexual de relevo subsumível ao n.º1 do artigo 171º do C.P., antes, actos exibicionistas, ou de importunação sexual do qual não vinha acusado.
Desde logo, por o arguido não ter tido qualquer contacto com os menores, ou os menores consigo mesmos ou terceiro.
É a seguinte factualidade a ter em conta para que se poder vir decidir a questão em aberto:
22. Em data indeterminada do ano de 2012, mas antes do mês de maio, o menor E seguia com o menor M por uma rua próxima da casa da avó do arguido e este chamou-os emitindo o som e fazendo com a mão o gesto habitual, tendo-se dirigido ao arguido e entrado na dita casa.
23. Aí o arguido exibiu-lhes o pénis dizendo que ia “bater uma” e iniciou manobras masturbatórias, convidando-os a fazer o mesmo o que recusaram, apesar das várias insistências do arguido, o qual se masturbou até ejacular para o chão, pedindo-lhes segredo.
33. No dia 14 de Junho de 2012, antes das 15 horas, ao passar junto da residência do menor T , sita na Rua A, área desta comarca, o arguido apercebeu-se que este se encontrava junto da piscina na companhia do menor M.
34. Abeirou-se do muro, fez-lhes sinal com a mão para irem ao seu encontro enquanto fazia “psst”, chamando-os.
35. Quando os dois se chegaram ao muro, disse-lhes para irem ter com ele à casa abandonada, localizada ali próximo, para irem “bater uma”, querendo dizer-lhes que iriam praticar acto de masturbação.
36. O arguido dirigiu-se então para a dita casa e pouco depois surgiram os menores T e M.
37. O arguido R P ficou de pé, desapertou as calças, retirou o pénis para o exterior, acariciou-o e depois efectuou gestos de masturbação.
38. Enquanto assim fazia, o menor M , com o seu telemóvel, filmou-o.

O Acórdão sindicado discorreu, como segue:
In casu, a matéria apurada com relevo para a questão em apreço, relativamente aos menores T , M , M e E reconduz-se essencialmente à circunstância de o arguido ter praticado actos de masturbação perante os menores, estes terem praticado actos de masturbação no pénis do arguido e vice - versa, em várias circunstâncias de tempo e lugar.
Assim, e face ao entendimento perfilhado e já exposto, não temos dúvida que as condutas do arguido integram acto sexual de relevo, não se vislumbrando possível sustentar que o comportamento do arguido integre contacto sexual sem relevo, isto é, condutas sexuais de pequena gravidade ou bagatelar.
Aliás, o contacto directo da criança com os órgãos genitais do abusador é um dos exemplos de escola citados precisamente para identificar o acto sexual de relevo, susceptível de integrar o crime de abuso sexual - Inês Ferreira Leite, in Pedofilia, Repercussões das Novas Formas de Criminalidade na Teoria Geral da Infração, Almedina, p. 75, afigurando-se-nos que os actos de masturbação levados a cabo pelo arguido, na presença dos menores e com os menores, potenciando a presença destes a sua excitação sexual, constitui claramente uma agressão da liberdade sexual dos visados.
Na verdade, não está aqui em causa a mera exibição, inócua, dos órgãos sexuais masculinos, mas a prática de acto de conotação inegavelmente sexual – manipulação do pénis ereto com vista à obtenção de prazer sexual, o que logrou obter.
No caso em apreço - e pela factualidade transcrita - o aqui impetrante foi condenado como autor material de três crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 1, do Cód. Pen.
Cura-se de saber se se estará, antes, perante o cometimento de três crimes de importunação sexual de criança, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 3, al.ª a), do Cód. Pen.
Já que, atentas as idades dos menores envolvidos nos actos em apreço, cfr. teor dos pontos 1. a 4., dos factos tidos como provados, é de afastar a aplicação do art.º 170.º, do mesmo diploma legal, ao invés do pretendido pelo aqui recorrente.
Como consabido, o crime de abuso sexual de crianças mostra-se consagrado no art.º 171.º, do Cód. Pen., prevendo-se no n.º 1, o tipo base, no n.º 2, o tipo qualificado e no n.º 3, o tipo privilegiado.
Estatui-se neste último inciso normativo que quem:
a) Importunar menor de 14 anos, praticando acto previsto no art. 170º; é punido com pena de prisão até três anos.
Com o predito crime visa-se proteger o sujeito passivo - menor de 14 anos, cuja personalidade está em formação - de qualquer dano ou prejuízo para o seu desenvolvimento, quer quando o sujeito activo lhe impõe contemplação de actos de carácter exibicionista, quer quando está em causa contacto de natureza sexual.
Face à facticidade tida como assente, importa analisar o cometimento do antedito delito na modalidade da prática de actos exibicionistas cometidos perante menor de catorze – 14 - anos de idade.
Sendo que, naturalisticamente, a importunação sexual através da prática perante a vítima de acto de carácter exibicionista cria o perigo de, a seguir, suceder contacto de natureza sexual.[5]
E incluindo-se no crime de importunação sexual de criança a prática de actos exibicionistas, como sobredito[6], importa definir tais actos.
No dizer de Anabela Rodrigues, trata-se de actos ou gestos relacionados com o sexo.[7]
O mesmo é dizer que se considera acto exibicionista toda a acção com significado ou conotação sexual de exposição dos órgãos genitais que é imposta a outrem, por ser contra a sua vontade ou então quando a pessoa visada ainda não tem capacidade para manifestar esse consentimento, de modo a perturbar a sua liberdade sexual, no caso dos adultos, ou a violar a protecção da sexualidade e a preservação de um adequado desenvolvimento sexual, no caso dos menores de 14 anos.[8]
E consistindo, por regra, na exibição de órgãos genitais, em determinado contexto sexual, assim importunando o menor de 14 anos.
Vindo a Jurisprudência a entender que o acto de masturbação levado a cabo pelo arguido na presença de uma menor de 10 anos, potenciando a presença desta a sua excitação sexual, representa a prática de acto de conotação inegavelmente sexual e um claro perigo de constituir uma agressão da liberdade sexual da visada.[9]
E que a exibição do pénis e/ou o seu manuseamento, erecto ou não, perante vítima menor de 14 anos, a quem se causa deste modo receio, susto, intimidação e perturbação, realiza o tipo do art. 171º, nº 3, alínea a) do Código Penal, pois atinge a liberdade da vítima na vertente da sua autodeterminação sexual e é conduta perturbadora do desenvolvimento livre da sexualidade da menor atingida[10].
Volvendo ao caso dos autos, importa concluir pelo cometimento pelo arguido e aqui recorrente, não de três crimes de Abuso Sexual de Crianças, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 1, do Cód. Pen., como veio a ser considerado no Acórdão recorrido e pelos quais veio sofrer condenação, antes de três crimes de Importunação Sexual de Criança, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 3, al.ª a), do Cód. Pen.

Depois, entende que a pena em que foi condenado deveria ter sido especialmente atenuada, atento o disposto no art.º 71.º, n.ºs 1 e 2, al.ª c), do Cód. Pen., por considerar diminuída de forma acentuada a sua conduta.
Sobre a epígrafe de atenuação especial da pena, diz-se no art.º 72.º, do Cód. Pen., seu n.º1, que o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
Enunciando-se no seu n.º2 várias circunstâncias, a título exemplificativo, que indiciam uma acentuada diminuição da ilicitude, da culpa do agente e da necessidade da pena.
Circunstâncias, que se indicam:
a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;
b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.
Na lição do Prof. Figueiredo Dias, a diminuição da culpa ou das exigências de prevenção só poderá (…) considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação da (s) circunstância (s) atenuante (s) se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida no tipo de facto respectivo.
E continua o insigne Mestre, por isso, tem plena razão a nossa jurisprudência – e a doutrina que a segue – quando insiste em que a atenuação especial só em casos excepcionais/ extraordinários pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os casos “normais”, lá estão as molduras penais normais, com os seu limites máximo e mínimo próprios.[11]
Seguindo-se tal ensinamento, escreveu-se no Ac. S.T.J., de 29.04.98, que a atenuação especial da pena deverá ter lugar quando, na imagem global do facto e de todas as circunstâncias envolventes, a culpa do arguido e a necessidade da pena se apresentem especialmente diminuídas ou, por outras palavras, quando não é o caso “normal” suposto pelo legislador quando estatuiu os limites da moldura correspondente ao tipo de facto descrito na lei e antes reclama, manifestamente, uma pena inferior.
O mesmo é dizer que só pode ter lugar a atenuação especial da pena quando a ilicitude e a culpa do agente não atingem a gravidade pressuposta pela norma incriminadora.
Estriba o aqui impetrante a sua pretensão na existência de um conjunto de circunstâncias, que enumera, cfr. conclusões 12 a 19, aptas a conduzirem a tal atenuação.
Afora algum empolamento a algumas dessas circunstâncias, como seja o arrependimento que não se mostra registado factualmente nos autos, nem a confissão a merecer os epítetos que lhe são dados, para lá do referido no Acórdão sindicado, não se vê onde exista facticidade bastante de onde resulte, ou possa resultar, uma diminuição acentuada da ilicitude do facto ou da culpa do agente, entre o mais.
Donde, a imagem global do facto afaste qualquer ideia de aplicação de uma atenuação especial da pena, devendo o caso em apreço ser tratado como um caso normal e não como um caso excepcional.

Por fim, dissente o aqui recorrente da medida concreta das penas parcelares aplicadas e bem assim da pena única, por entender serem muito elevadas, propondo serem fixadas em medidas inferiores e a pena única ser fixada em 5 anos de prisão, sempre suspensa na sua execução.
No que respeita á dosimetria da pena valem os critérios fixados no art.º71.º, do Cód. Pen., onde se diz que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Visando-se com a aplicação das penas a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente-cfr. Art.º 40.º, n.º1, do Cód. Pen.
Sendo que em caso em algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, de acordo com o estatuído no n.º2, do art.º40.º, do diploma legal citado.
Decorrendo de tais normativos que a culpa e a prevenção constituem os parâmetros que importa ter em conta na determinação da medida da pena.
Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele-art.º71.º, n.º2, do Cód. Pen.
Assentando o art.º 40.º, do Cód. Pen., numa concepção ético-preventiva da pena: ética, porque a sua aplicação está condicionada e limitada pela culpa do infractor; preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção geral e especial.
O fim do direito penal é o da protecção dos bens jurídico/penais e a pena é o meio de realização dessa tutela, havendo de estabelecer-se uma correlação entre a medida da pena e a necessidade de prevenir a prática de futuros crimes, nesta entrando as considerações de prevenção geral e especial.
Pela prevenção geral (positiva) faz-se apelo à consciencialização geral da importância social do bem jurídico tutelado e pelo outro no restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efectiva tutela penal dos bens tutelados.
Pela prevenção especial pretende-se a ressocialização do delinquente (prevenção especial positiva) e a dissuasão da prática de futuros crimes (prevenção especial negativa).
A prevenção especial não é um valor absoluto mas duplamente limitado pela culpa e pela prevenção geral: pela culpa já que o limite máximo da pena não pode ser superior à medida da culpa; pela prevenção geral que dita o limite máximo correspondente à garantia da manutenção da confiança da comunidade na efectiva tutela do bem violado e na dissuasão dos potenciais prevaricadores[12].
O Acórdão recorrido pronunciando-se sobre o tema em análise veio discorrer, como segue:
Sabemos que a prática de factos deste tipo com crianças, tem normalmente subjacente a lascívia sexual, sendo elevada a perigosidade do agente voltar a delinquir, sendo também de considerar elevada a ilicitude da conduta, além de ser muito elevada a censura social que os factos merecem, sem prejuízo de se terem actualmente por indeterminadas as sequelas que a conduta do arguido determinará no desenvolvimento futuro dos menores ofendidos.
São ainda de ponderar as elevadas razões de prevenção geral, pois que o crime de abuso sexual de crianças é dos crimes que causam mais alarme e intranquilidade no tecido social, com repulsa e indignação na comunidade. E não se diga que o arguido não foi repugnado pela comunidade onde vive ou que não sofreu qualquer estigma social. Na verdade, o relatório social é claro quando refere que no plano social, o impacto do surgimento deste processo encontra-se um pouco mais esbatido face à distância dos acontecimentos, mas em termos sociais a imagem do arguido continua a ser associada às circunstâncias que determinaram a instauração deste processo judicial, designadamente nos C, onde residem as possíveis vítimas.
Repare-se que o relatório social foi elaborado com base em fontes e numa metodologia das quais não temos qualquer motivo para duvidar.
A idade dos menores – que na data de início dos factos tinham entre nove e onze anos de idade – também é de ponderar em desfavor do arguido.
Na aplicação da pena, o fim primordial reside na prevenção geral, ou seja, que a pena deve ser encontrada de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime, no caso concreto, indo de encontro às expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada.
Como circunstâncias que depõem a favor do arguido surgem, por um lado, a confissão quase total dos factos, com verdadeira relevância para a descoberta da verdade, e, por outro lado, a circunstância de ter procurado tratamento médico, frequentando consultas de psiquiatria, embora as regras da experiência nos digam que neste tipo de «doença» ou «comportamento desviante», nem sempre se consegue alcançar a «cura» ou sequer «tratamento» eficaz.
Ainda a seu favor ponderam-se as circunstâncias de ter pedido desculpas às mães das vítimas e ter assumido o pagamento de uma indemnização a uma delas, o facto de não ter antecedentes criminais, o seu enquadramento social satisfatório e a sua integração laboral, que não releva de sobremaneira já que este tipo de crime é cometido normalmente por pessoas laboral e socialmente integradas.
Tudo visto e ponderado, atendendo à moldura abstrata em causa – 1 a 8 anos – e considerando que a função da pena a aplicar deverá quedar-se pela sinalização do desvalor do comportamento empreendido pelo arguido, servindo de suficiente contraestímulo à renovação futura da atitude ora censurada, o Tribunal entende adequada e suficiente a condenação do arguido na pena de 1 ano e 8 meses de prisão para cada um dos crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos artigos 171.º, n.º 1, do Código Penal, que praticou.
Que aduz, em contrário, o aqui impetrante?
Nada que não tenha já sido levado em conta pelo Tribunal recorrido quando se debruçou sobre o tema da pena e sua medida.
Depois, olvida o aqui recorrente qual a medida abstracta da pena destinada ao crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 1, do Cód. Pen.- 1 a 8 anos de prisão, situando-se a pena concreta bem perto do limite mínimo da pena ao crime cominada. Daí que nenhum reparo mereça as penas aos ditos crimes aplicadas.
Importa, de pronto, passar a aplicar as penas concretas a cada um dos crimes de Importunação Sexual de Criança, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 3, al.ª a), do Cód. Pen.
O predito crime de Importunação Sexual de Criança é punido com pena de prisão até três anos.
Tendo em conta os critérios supra mencionados, afigura-se adequado fixar em 6 (seis) meses de prisão a pena por cada um dos anteditos crimes.

Face ao acabado de tecer, importa alterar a pena unitária, fazendo nela reflectir as penas parcelares, ora, encontradas, ver art.º 77.º, do Cód. Pen.
E como bem o referiu o Tribunal recorrido, apesar do número já significativo de crimes- dezasseis no total -, conexionados em maior ou menor grau, constituindo um complexo delituoso de gravidade mediana. O ilícito global, composto por dezasseis crimes de abuso sexual de crianças, todos eles praticados com dolo directo, não revela, no caso concreto, uma inclinação criminosa, mas antes uma pluriocasionalidade.
Assumindo o agente abertamente os factos de que se encontra acusado, denotando arrependimento e assumindo uma postura de autocrítica, procurando tratamento psiquiátrico, revela uma preocupação pelos direitos dos seus semelhantes, em particular os menores ofendidos.
Sendo que a sequência dos factos praticados pelo arguido não revela uma autoria em série, sendo que esta deve considerar-se, em princípio, como fator agravante da pena, o que no caso vertente não se verifica, tanto mais que o arguido não é portador de tendência criminosa.
Pelo que se mostra adequado fixar a pena única em 6 (seis) anos e 3 (três) meses de prisão.

Quanto á requerida suspensão da pena, a mesma não se mostra viável, face ao que se dispõe no art.º 50.º, n.º1, do Cód. Pen.


Termos são em que Acordam, em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, Decidem:
1. Absolver o arguido RGMP da prática, como autor material, de 3 (três) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 1, do Código Penal, em que fora condenado;
2. Condenar, ora, o arguido RGMP pela prática de 3 (três) crimes de Importunação Sexual de Criança, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 3, al.ª a), do Cód. Pen., na pena de 5 (cinco) meses de prisão, por cada um;
3. Condenar, ora, o arguido RGMP, em cúmulo jurídico na pena única de 6 (seis) anos e 3 (três) meses de prisão.
4. No mais manter o Acórdão recorrido, nos seus precisos termos.

Sem custas, por não devidas.

(Texto elaborado e revisto pelo relator).
Évora, 7 de Abril de 2015
(José Proença da Costa)
(Gilberto Cunha)





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[1] Ver, Acórdão do S.T.J., de 21 de Março, de 2007, no Processo n.º 07P024.
[2] Ver, Federico Isasca, in Alteração Substancial dos Factos e Sua Relevância no Processo Penal Português – 2.ª Edição (2.ª reimpressão), 2003, págs 97 e 100.
[3] Ver, Objecto do Processo Penal, págs.290.
[4] Ver, Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, n.º 7/2008, de 25.06.2008, no D.R. 146 SÉRIE I de 2008-07-30. Sobre esta temática ver, ainda, Ivo M Barroso, Ob. Cit., págs. 290 a 324 e os Acórdãos do S.T.J., de 13-07-2011, no Processo n.º 451/05.4JABRG.G1.S1, 3.ª Secção, de 12-05-2011, no Processo n.º 14125/08.0TDPRT.P1.S1, 5.ª Secção e de 16-06-2009, no Processo n.º 106/09.Oyflsb, 3.ªSecção.
[5] Ver, Maria do Carmo Saraiva de Menezes Silva Dias, in Notas Substantivas Sobre Crimes Sexuais com Vítimas Menores de Idade, in Revista do CEJ, XV, págs. 228-230. No mesmo sentido, veja-se o Acórdão da Relação do Porto, de 6.05.2009, no Processo n.º 598/06.0JAPRT.P1.
[6] Ver, a respeito, José Mouraz Lopes, in Os Crimes Contra a Liberdade e Autodeterminação Sexual no Código Penal, págs. 116-117 e Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, págs. 474.
[7] Ver, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, págs. 533.
[8] Ver, Acórdão da Relação do Porto, de 9-03-2011, no Processo n.º 329/09.2PBVRL.P1.
[9] Ver, Acórdão da Relação do Porto, de 16-12-2009, no Processo n.º 48/07.4GAAMM.P1.
[10] Ver, Acórdão deste Tribunal, de 7.01.2014, no Processo n.º 59/11.5GDPTG.E1.
[11] Ver, As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 306-307.
[12] Ver. Ac. Relação de Coimbra, de 10.03.2010, no Processo n.º1452/09.9PCCBR.C1.