Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2738/13.3TBTVD-B.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: EXECUÇÃO
CAUÇÃO
GARANTIA BANCÁRIA
Data do Acordão: 03/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
I - No âmbito do processo de execução, a caução prestada pelo executado embargante com a finalidade de obter a suspensão da instância executiva enquanto não forem decididos os embargos, tem por função específica a de garantir o credor quanto aos riscos da suspensão, mormente os que eventualmente decorreriam da possível dissipação do seu património, de tal sorte que, sendo os embargos julgados improcedentes, o crédito do exequente possa ser tendencialmente pago pelo montante da garantia prestada.
II - Em face do actualmente estatuído no artigo 650.º, n.º 3, do CPC - que expressamente admite a garantia bancária como forma de prestação de caução com vista à atribuição de efeito suspensivo ao recurso -, pese embora não se encontre no elenco do n.º 1 do artigo 623.º do CC, a prestação de caução mediante garantia bancária é possível e, de um ponto de vista jurídico, constitui meio idóneo para acautelar os direitos do exequente.
III - Tendo a garantia bancária sido acordada entre os Executados e o Banco que a emitiu, sem prazo dependente da vontade das partes, vigorando até que o Juiz do processo determine o seu cancelamento, na vertente da cautela temporal o Banco Exequente encontra-se cabalmente assegurado.
IV - Resultando dos autos que o Banco Exequente tem garantido por via do valor a receber no âmbito do processo de insolvência dos mutuários o pagamento de parte substancial do valor da execução de que estes autos constituem apenso, violaria os princípios da adequação e da proporcionalidade que enformam o processo executivo, onerar os fiadores ora Executados com a prestação de uma dupla garantia do montante que já se encontra acautelado naqueles autos.
V - Ainda que o Tribunal considerasse que a garantia prestada era insuficiente, tal não daria lugar ao imediato indeferimento do requerimento mas antes à prolação de despacho de aperfeiçoamento que permitisse aos Executados reforçar a garantia prestada com o valor que fosse entendido pelo Tribunal e, apenas se tal não ocorresse, se justificaria julgar inidónea, por insuficiente, a caução prestada.
VI - Tendo os Requerentes calculado o valor da caução a prestar, numa previsão de conclusão do processo de embargos de executado, no pressuposto do cumprimento de todos os prazos assinalados por lei, tal tem a virtualidade de se tratar de um cálculo objectivo por contraponto à incerteza e arbitrariedade que decorreria da consideração de um outro qualquer período temporal. Basta ver que o Banco Exequente nem sequer adianta um concreto período alternativo, referindo-se a um período temporal mais dilatado, ou seja, usando um conceito subjectivo que, no limite, sempre tornaria impossível que qualquer caução fosse prestada com este desiderato.
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 2738/13.3TBTVD-B.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém[1]
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I. RELATÓRIO
1. Por apenso ao processo de execução acima identificado, os Executados AA e BB, vieram em 02.03.2017 deduzir incidente de prestação de caução, através de garantia bancária emitida pelo Banco CC, S.A., no valor de 118.294,14€, requerendo que tal caução seja julgada idónea e prestada e seja, em consequência ordenada a suspensão da execução, invocando, em apertada síntese, que:
- Não é razoável o prosseguimento da execução por valor superior ao devido ao Banco exequente, já que a quantia de 290.000,00€ lhe está seguramente destinada e apenas ainda não lhe foi transferida pela demora na prolação de despacho judicial no âmbito do processo de insolvência, ao qual nenhum dos intervenientes pode e deve ser responsabilizado e muito menos penalizado;
- Assim e sob pena de violação do princípio constitucional da proibição do excesso previsto no artigo 18º, nº 2 a execução não pode prosseguir pelo valor reclamado, e porque a presente prestação de caução, destinando-se a suspender a execução, só será necessária para cobrir a eventual insuficiência do valor de 290.000,00€ para pagamento integral do crédito do Banco exequente (na eventual improcedência dos embargos), o valor oferecido como caução é apurado nos termos que a seguir se discriminam:
A) €320.533,88 de capital + B) €71.403,26, de juros à taxa de 2,70% acrescido da sobretaxa de mora de 3% (Decreto-Lei nº 58/2013, de 8 de Maio) desde 02.06.2013 até 21.04.2017 (data previsível para resolução dos embargos de executados, considerando o prazo de contestação e o prazo previsto no artigo 607º do CPC), sem prejuízo do que se alegou em sede de embargos - €290.000,00 + C) €16.355,00: Despesas previsíveis com a execução calculadas nos termos do disposto no art.º 735º, nº3 do CPC = Total €118.294,14.

2. Notificado, o exequente Banco DD, S.A. respondeu, aduzindo que:
- A garantia prestada não é suficiente para caucionar e suspender os autos principais, pois a quantia exequenda, em 18/09/2013, data de instauração da ação executiva, era de 327.107,46€, e em 02/02/2017, na data de citação dos ora Caucionantes, de acordo com o cálculo provisório do Exmo. Senhor Agente de Execução, já seria de 343.462,83€;
- Sendo certo que, no âmbito dos processos de insolvência dos mutuários, o ora Requerido viu a totalidade do seu crédito reconhecido na data de apresentação da reclamação de créditos, no montante de 321.288,80€, e que o Requerido já logrou obter conhecimento do rateio parcial proposto pelo Exmo. Sr. Administrador de Insolvência no âmbito da Insolvência de EE, do qual resulta proposta de que receberá a quantia de 145.000,00€, tal proposta não foi ainda aprovada pelo Tribunal e no que concerne ao processo de Insolvência de FF, não foi ainda proposto qualquer rateio parcial, pelo que, entende o Requerido, ser prematuro, o abatimento de qualquer quantia à quantia exequenda, porquanto o mesmo ainda não recebeu qualquer valor;
- Ainda que assim não se entendesse, a garantia prestada continua a ser insuficiente, pois que, o cálculo efetuado pelos Caucionantes baseia-se em juros vincendos até dia 27/04/2017, prevendo que os embargos ficarão decididos em tal data, quando não se pode indicar com tal grau de certeza, pelo que os juros vincendos não estarão devidamente calculados, sendo certo que teriam sempre que ser calculados, tendo por base, um lapso temporal mais dilatado.
Concluiu, defendendo que a execução deve prosseguir os seus termos, comprometendo-se o Requerido, logo que receba alguma quantia por conta dos processos de insolvência, a comunicar aos autos e requerer a redução da quantia exequenda.

3. Por sentença proferida em 27.11.2017, foi julgado improcedente o incidente de prestação de caução, aduzindo-se em fundamento que:
«No caso dos autos, entende-se que a caução não se mostra idónea para garantir os fins da execução.
O valor da quantia exequenda é, sem prejuízo da sua actualização, de €327.107,46.
Nos termos do artigo 735.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, o valor a atender para a apreciação da idoneidade da caução é de €343.462,83 (correspondente à quantia exequenda acrescida de 5%).
Considera-se, assim, que uma caução no valor de €118.294,14 tal como é oferecida pelos executados é insuficiente para garantir os fins da execução, sendo que o montante que os executados entendem ser devido apenas é objecto de discussão no incidente de embargos de executado e não no presente incidente».

4. Inconformados, os Executados apresentaram o presente recurso de apelação, que terminaram com as seguintes conclusões[3]:
«B) Sem que tenha sido ordenada qualquer produção de prova decidiu o MM Juiz de Direito a quo pela inidoneidade da caução oferecida e prestada, desconsiderando a existência de uma garantia real – hipoteca sobre imóvel – da dívida reclamada na execução de que os presentes autos são apensos, não lhe assistindo razão ao MM Juiz de Direito como se demonstrará;
G) Revertendo para o caso que nos ocupa: existência de hipoteca voluntária a favor do Banco exequente, o facto de o imóvel ter sido vendido nos processos de insolvência dos proprietários e co mutuários, o facto de se conhecer qual o valor da venda e, ainda, por fim, o facto de se conhecer o valor que o Banco irá receber por força do rateio provisório já elaborado pelo Administrador de Insolvência (podendo vir ainda a receber outros valores aquando do rateio final), não podia nem devia ter sido ignorado para decidir da idoneidade/ suficiência do valor prestado a título de caução pelos aqui recorrentes para suspensão do prosseguimento dos autos de execução.
I) Mais a mais quando se mostra assente, quanto mais não seja por acordo, que o valor da venda do imóvel realizado nas insolvências reverterá a favor do Banco exequente e que este aceita que é já seguro que vai receber a quantia de €145.000 na insolvência de EE, aguardando tal desfecho também na insolvência de FF (cfr- artigos 18º e ss da resposta à contestação).
J) A demora no recebimento do valor devido ao Banco por atraso que não é imputável aos executados (aguarda-se despacho judicial) não pode nem deve servir para penalizar os executados aqui recorrentes, que por razão que lhes é totalmente alheia se vêm forçados (a acreditar na bondade da sentença recorrida) a ter de depositar a totalidade da quantia exequenda e acréscimos para evitar uma penhora no seu património, vendo o Banco exequente assim duplicadas as suas garantias.
K) Tal defesa do interesse do Banco, duplicando as garantias de pagamento do seu crédito, para além de não estar legalmente consagrada, - no mínimo - não se aconselha, pois se tem direito a receber o seu crédito, o mesmo não pode ser realizado à custa do princípio da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso (todos invocados em sede de petição inicial do incidente de prestação de caução) penalizando gratuitamente os executados e aqui recorrentes;
L) Concluindo, andou mal a sentença recorrida ao considerar que o fundamento dos requerentes para prestar como caução apenas parte da quantia exequenda e acrescido (juros e despesas) (diferencial entre o que o Banco vai receber por força da venda do imóvel hipotecado e a quantia exequenda e acrescido) não pode ser atendido em sede de incidente de prestação de caução mas tão só em sede de embargos de executado.
X) Ao decidir como decidiu o MM Juiz de Direito a quo violou o disposto nos artigos 733º/1, al. a),735º, nº 3, do CPC e ainda custa do princípio da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso (artigo 18º da CRP)».

5. Não foram apresentadas contra-alegações.

6. Observados os vistos, cumpre decidir.
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II.1. – Objecto do recurso
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[4], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, vistos os autos, a única questão a apreciar no presente recurso é a concernente à (in)suficiência da caução prestada pelos Embargantes, para suspender o prosseguimento da execução.
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II.2. – Factos relevantes
Para além da tramitação processual constante do relatório supra, importa ainda considerar na decisão do presente recurso[5], que:
1. No Requerimento Inicial do processo executivo de que os presentes autos constituem apenso, o Exequente Banco DD, S.A., invocou, para além do demais, ter celebrado, no âmbito da sua actividade, com FF e EE, em 23/08/2007, um contrato de mútuo com hipoteca e fiança, mediante o qual aquele emprestou a estes a quantia de € 350.000,00, no regime geral de crédito, da qual estes se confessaram devedores; para garantia de todas as responsabilidades assumidas, designadamente amortização do capital mutuado, pagamento de juros, encargos contratuais ou prémios de seguro que o Banco viesse a pagar em substituição dos mutuários, este constituíram hipoteca sobre o prédio urbano ali identificado; os Executados AA e BB, constituíram-se fiadores e principais pagadores de todas as obrigações emergentes para os mutuários do contrato, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia.
2. Mais invocou que, respectivamente, em 14 e 25.06.2013, os mutuários foram declarados insolventes no âmbito dos processos que identificou, sendo que os executados não cumpriram com o pagamento das obrigações assumidas, não tendo sido paga a prestação vencida em 02/06/2013, o que determinou o vencimento de toda a dívida, calculada em 13/09/2013 nos seguintes valores: Capital: € 320.533,88; Juros de mora calculados à taxa contratual de 2,701%, acrescidos da sobretaxa de 4%: € 6.061,19; Comissão: € 4,20; Seguro multiriscos: € 211,15; Seguro de vida: € 297,04, num total de € 327.107,46, que foi declarado como sendo o valor da Execução, aduzindo ainda que ao montante total em dívida acrescem juros e impostos legais até ao seu efectivo e integral pagamento.
3. Os Executados deduziram embargos, invocando a falta de título executivo e a falta de interpelação dos embargantes para cumprir a totalidade da obrigação, pedindo, em consequência, a respectiva absolvição do pedido executivo com a extinção da execução contra si movida pelo Banco exequente; e, subsidiariamente, invocando o valor mínimo que o Banco Exequente receberá pela venda no imóvel hipotecado no processo de insolvência, entendem que sempre deverá ser reduzida à quantia exequenda o valor de €290.000,00 que deve ser imputado àquela.
4. Os embargos foram liminarmente admitidos e no despacho saneador proferido concluiu-se pela exequibilidade do título executivo, circunscreveu-se o objecto do litígio à exigibilidade da obrigação exequenda aos executados/embargantes; enunciaram-se os temas de prova, entre os quais consta o “pagamento do crédito exequendo no processo de insolvência”, e determinou-se a notificação do Sr. Administrador da Insolvência para “juntar documento comprovativo da venda do bem imóvel que ateste a data e o valor de venda, a proposta de rateio final e/ou na sua impossibilidade vir esclarecer qual o valor previsível que o Banco DD, S.A. receberá a final da liquidação do activo no âmbito das insolvências dos mutuários, para além dos €290.000 já previstos no rateio parcial, e se já recebeu algum valor”.
5. O Senhor Administrador da Insolvência juntou a escritura da compra e venda do imóvel hipotecado outorgada em 31.03.2015, pelo preço de 340.000,00€, que ali declarou já ter recebido; e juntou igualmente as propostas de rateio parcial por si apresentadas, no valor de 147.500,00€, no âmbito do processo de insolvência n.º 3237/12.6 e de 145.000,00€, no âmbito do processo de insolvência n.º 163/13.5TBTVD, num total de 292.500,00€, a favor do Exequente.
7. A garantia bancária emitida em 14.03.2017, é uma garantia autónoma, à primeira solicitação, obrigando-se o Banco CC, S.A. a pagar à ordem do MMº Juiz de Direito da Execução toda e qualquer quantia que se mostre devida pela presente execução até àquele limite, sendo válida até o MMº Juiz do processo ordene o respectivo cancelamento.
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II.3. – O mérito do recurso
Conforme decorre do ponto 1. do Relatório os ora Recorrentes deduziram incidente de prestação de caução ao abrigo do disposto no artigo 733.º, n.º 1, alínea a), do CPC, com vista à suspensão do prosseguimento da execução até que sejam decididos os embargos de executado que àquela opuseram, invocando em substância, como fundamento do montante que para o efeito calcularam - para além do demais que ora não importa considerar -, que o Banco Exequente já tem garantida no âmbito do processo de insolvência dos mutuários a quantia que lhe caberá por via da venda do imóvel sobre o qual incidia a hipoteca a seu favor.
Sem que tenha sido sequer referida a questão suscitada a este respeito pelos Requerentes, a julgadora decidiu o incidente com base apenas na apreciação conjugada do preceituado nos artigos 785.º, n.º 3, e 751.º, n.º 7, do CPC, ponderando que sendo possível a substituição da penhora por caução idónea que garanta os fins da execução, e devendo atender-se para esse efeito ao critério do artigo 735.º, n.º 3, do mesmo código, atento o valor da quantia exequenda e a percentagem de 5% que, por isso, considerou dever acrescer àquela, concluiu pela inidoneidade da caução oferecida, desde logo porque o valor da quantia exequenda era manifestamente superior à caução prestada.
Mas isso mesmo sabiam ab initio os ora Recorrentes. E, por isso, motivaram as razões pelas quais consideravam suficiente o valor prestado. Se assim é, como pretendem os Recorrentes, ou não é, como defendeu o Recorrido, constitui precisamente o cerne da questão colocada à apreciação do Tribunal, isto porque, desde a dedução do incidente se evidencia que não estamos perante uma situação que encaixe na regra geral subjacente à decisão recorrida.
Vejamos.
Em primeiro lugar, cabe lembrar que o termo caução é, desde logo, sinónimo de garantia ou cautela; e, em segundo lugar, que a caução é considerada uma garantia para obrigações incertas, quer quanto à sua existência quer quanto ao seu âmbito[6].
Assim, na perspectiva do direito substantivo, a prestação de caução figura entre as garantias especiais de obrigações que o Código Civil[7] prevê, concretamente na secção I do Capítulo VI, encontrando-se regulada nos artigos 623.º a 626.º, dos quais resulta que a caução consiste «em toda e qualquer garantia que, por lei, decisão judicial ou negócio jurídico, é imposta ou autorizada para assegurar o cumprimento de obrigações eventuais ou de amplitude indeterminada»[8], servindo «normalmente, para tutelar a posição de uma pessoa a quem vão ser exigidos determinados sacrifícios, numa altura em que não seja possível ajuizar da sua justeza e dimensão. O beneficiário deve, pois, garantir a posição do sacrificado, para a eventualidade de o sacrifício se afirmar inútil ou de haver excesso da sua parte»[9].
De entre os normativos referidos importa destacar, pelo seu interesse para a questão a decidir, o artigo 623.º do CC, que rege sobre as formas de prestação de caução e onde se estatui que cabe ao tribunal apreciar a idoneidade da caução quando não houver acordo dos interessados; o n.º 2 do artigo 625.º, de acordo com o qual, na falta de prestação de caução, o direito do credor requerer o registo de hipoteca sobre os bens do devedor ou outra cautela idónea, limita-se aos bens suficientes para assegurar o direito do credor; e ainda o artigo 626.º que rege sobre a insuficiência ou impropriedade da caução, conferindo ao credor o direito de exigir o reforço da caução já prestada ou a prestação de uma outra quando, por causa que lhe não seja imputável, aquela se torne insuficiente ou imprópria.
No caso vertente, a prestação de caução foi requerida pelos executados, tendo como finalidade suspender a execução, isto porque, a dedução de embargos e a sua admissão liminar não suspendem o andamento da execução, nem a eventual penhora de bens dos executados, já que, em face do preceituado no artigo 733.º, n.º 1, alínea a), do CPC, o recebimento dos embargos só suspende o prosseguimento da execução se pelo embargante for prestada caução.
Assim, cremos ser pacífico afirmar que, no âmbito do processo de execução, a caução prestada pelo executado embargante com a finalidade de obter a suspensão da instância executiva enquanto não forem decididos os embargos, tem por função específica a de garantir o credor quanto aos riscos da suspensão, mormente os que eventualmente decorreriam da possível dissipação do seu património[10], de tal sorte que, sendo os embargos julgados improcedentes, o crédito do exequente possa ser tendencialmente pago pelo montante da garantia prestada.
Já do ponto de vista do processual, a prestação de caução corresponde a um dos processos especiais elencados no Livro V da codificação processual civil, encontrando-se a sua tramitação regulada no Título IV, concretamente nos artigos 906.º a 915.º.
Assim, sob a epígrafe “prestação espontânea de caução”, dispõe o artigo 913.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 915.º, que:
“1. Sendo a caução oferecida por aquele que tem a obrigação de a prestar, deve o autor indicar na petição inicial, além do motivo por que a oferece e do valor a caucionar, o modo por que a quer prestar.
2. A pessoa a favor de quem deve ser prestada a caução é citada para, no prazo de 15 dias, impugnar o valor ou a idoneidade da garantia.
3. Se o citado não deduzir oposição, devendo a revelia considerar-se operante, é logo julgada idónea a caução oferecida; no caso contrário, aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 908º e 909º”.
No caso vertente, como dito, os Requerentes deduziram o presente incidente de prestação espontânea de caução, por garantia bancária, visando obter a suspensão da execução, fazendo-o pela diferença entre o valor da quantia exequenda, e aquele que, em seu entender, se encontra já garantido pela venda do imóvel hipotecado no âmbito do processo de insolvência, e para o efeito invocando não ser proporcional que tenham de prestar caução pela quantia exequenda quando é certo que, pelo menos, 290.000,00€ se encontram já assegurados por via da venda do imóvel hipotecado.
Por seu turno, o Requerido deduziu oposição invocando que ainda nada recebeu no processo de insolvência e que, mesmo que se considere aquele valor, a garantia não é suficiente.
Assim, de harmonia com o preceituado no artigo 909.º, n.º 3, do CPC, sendo impugnada a idoneidade da garantia oferecida, o juiz profere decisão, após realização das diligências necessárias, aplicando-se o disposto nos artigos 294º e 295º; sendo a caução oferecida julgada inidónea, é aplicável o disposto no artigo seguinte, ou seja, devolve-se ao exequente o direito de indicar o modo de prestação da caução.
Acresce que, não havendo acordo quanto ao montante da garantia a prestar, em face do disposto no artigo 623.º, n.º 3, do CC, incumbe ao tribunal ajuizar da idoneidade e suficiência da garantia prestada, sendo que, na apreciação da idoneidade tem-se em conta a depreciação que os bens podem sofrer em consequência da venda forçada, bem como as despesas que esta pode acarretar (art.º 909º, n.º 2, do CPC).
Não sendo definidos na lei outros critérios para a avaliação da idoneidade da garantia, diz-nos o Supremo Tribunal de Justiça que é, porém, intuitivo «fazê-la coincidir com a segurança da sua suficiência para satisfazer a obrigação que por ela é caucionada.
Esta suficiência é, antes de mais, analisável no plano jurídico, na medida em que só existe se o meio oferecido for dos que a lei admite para o efeito.
Por outro lado, e já num plano fáctico, o juízo de idoneidade tem que ser formulado numa dupla perspectiva a da sua suficiência pecuniária e a da sua suficiência temporal. Efectivamente, uma caução a prazo só garante a obrigação enquanto vigorar, e já não a garante depois de se extinguir»[11].
Na situação em apreço a Requerida nada referiu quanto ao meio pelo qual os Requerentes prestaram a caução: uma garantia bancária, à primeira solicitação.
Sendo certo que este meio de prestação de caução não consta no elenco referido no n.º 1 do artigo 623.º do CC, não é menos certo que se enquadra de pleno na previsão do n.º 2 quanto à licitude do meio escolhido, havendo «que efectuar uma interpretação actualista da referida norma e nela inserir também a garantia bancária, que só não foi prevista nesse normativo por se tratar de negócio jurídico atípico com uso relativamente recente»[12].
Assim, em face do actualmente estatuído no artigo 650.º, n.º 3, do CPC, que expressamente admite a garantia bancária como forma de prestação de caução com vista à atribuição de efeito suspensivo ao recurso, dúvidas não existem em como a prestação de caução mediante garantia bancária é possível[13] e, de um ponto de vista jurídico, constitui meio idóneo para acautelar os direitos do exequente, tanto mais que tratando-se de garantia autónoma o garante não pode opor ao beneficiário os meios de defesa ou excepções decorrentes das suas relações com o devedor.
Questão diversa é a da avaliação da sua idoneidade na vertente da suficiência, em concreto, ou seja, se de um ponto de vista fáctico, a caução é suficiente quer numa perspectiva do seu montante quer na vertente temporal.
No caso em apreço, como vimos, a garantia bancária foi acordada entre os Executados e o Banco que a emitiu, sem prazo dependente da vontade das partes, vigorando até que o Juiz do processo determine o seu cancelamento. Portanto, deste ponto de vista, o Banco Exequente encontra-se cabalmente assegurado.
Vejamos, então, se o montante acautelado por esta via pelos Executados, é ou não suficiente para garantir o Exequente, apesar de ser inferior ao valor da execução.
A Senhora Juíza entendeu que não, como dito, por aplicação de simples cálculo aritmético fazendo acrescer ao valor da execução os 5% a que alude o artigo 735.º, n.º 3, do CPC, de acordo com o qual a penhora se limita aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, no caso concreto e por via do valor da execução, na indicada percentagem, considerando que «o que o montante que os executados entendem ser devido apenas é objecto de discussão no incidente de embargos de executado e não no presente incidente».
Ora, não tendo a apreciação da suficiência da caução no âmbito do presente incidente, qualquer reflexo na decisão dos embargos de executado em que a questão relativa ao montante da quantia exequenda será decidida, estando nesta sede em causa tão-somente verificar da suficiência da caução prestada com vista à suspensão da execução, não pode deixar de apreciar-se, nesta perspectiva, se a mesma é ou não suficiente para garantir o Exequente da demora na decisão dos embargos.
Deste modo, e tendo presentes os objectivos garantísticos da caução, em face da alegação dos Requerentes e da tramitação processual relevante supra descrita, aplicar sem mais o critério de cálculo perfilhado em 1ª instância não tem cabimento, porque se revela indiferente à questão substancial do montante da obrigação a garantir, não curando de, tanto quanto possível, fazer corresponder os dois valores: da obrigação e da caução[14].
Sendo este o critério certo, face aos princípios que norteiam o incidente de prestação de caução, é também o critério acolhido na acção executiva, sempre pautada por um critério de proporcionalidade, desde logo enunciado no preceito invocado pela Senhora Juíza: a penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda.
Assim, adaptando o que vem de afirmar-se ao caso concreto em apreciação, pese embora o valor da execução, o certo é que o Banco Exequente havia garantido o pagamento da quantia mutuada por banda dos mutuários por duas vias: a hipoteca sobre o imóvel e a fiança prestada pelos ora Executados.
Tendo os mutuários sido declarados insolventes, o imóvel foi vendido no âmbito daqueles autos, pelo valor de 340 000,00€, tendo sido proposto pelo Administrador de Insolvência que o rateio parcial a favor do Banco Exequente se faça pelo valor de 292.500,00€, sem prejuízo do que ainda se venha a apurar a seu favor em sede de rateio final.
Portanto, não há como escamotear que o Banco Exequente tem garantido por via do valor a receber no âmbito do processo de insolvência dos mutuários o pagamento de parte substancial do valor da execução de que estes autos constituem apenso. E, assim sendo, violaria os princípios da adequação e da proporcionalidade que enformam o processo executivo, onerar os fiadores ora Executados com a prestação de uma dupla garantia do montante que já se encontra acautelado naqueles autos.
Invocou o Exequente que se trata de um rateio provisório, ainda não validado por despacho judicial, o que por ora é certo, tanto quanto os autos espelham. Porém, não é menos verdade que, tal como o cálculo do valor final da execução se encontra por presunção das despesas prováveis, também neste caso a probabilidade de o Banco Exequente ali receber valor inferior ao proposto pelo Administrador da Insolvência será muito diminuta.
Ora, conforme os Apelantes sublinharam, a demora no recebimento do valor devido ao Banco por atraso que não é imputável aos executados (por se aguardar despacho judicial no âmbito do processo de insolvência) não pode consequentemente servir para os penalizar com o depósito da totalidade da quantia exequenda e acréscimos para evitar uma penhora no seu património, vendo o Banco exequente assim duplicadas as suas garantias.
Mais invocou o Exequente que, ainda que não se entendesse que a caução devia ser prestada nos termos que referiu, sempre a garantia prestada continuava a ser insuficiente, pois que, o cálculo efetuado pelos caucionantes baseia-se em juros vincendos até dia 27/04/2017, prevendo que os embargos ficarão decididos em tal data, quando não se pode indicar com tal grau de certeza, pelo que os juros vincendos não estarão devidamente calculados, sendo certo que teriam sempre que ser calculados, tendo por base, um lapso temporal mais dilatado.
Que dizer?
Em primeiro lugar que, mesmo que assim entendêssemos, tal não daria lugar ao indeferimento do requerimento mas antes à prolação de despacho de aperfeiçoamento que permitisse aos Executados reforçar a garantia prestada com o valor que fosse entendido pelo Tribunal e, apenas se tal não ocorresse, se justificaria julgar inidónea, por insuficiente, a caução prestada[15].
Em segundo lugar que a previsão de conclusão do processo de embargos de executado, no pressuposto do cumprimento de todos os prazos assinalados por lei, não podendo efectivamente ser indicada com tal grau de certeza, tem a virtualidade de ser efectuada de acordo com um cálculo objectivo por contraponto à incerteza e arbitrariedade que decorreria da consideração de um outro qualquer período temporal. Basta ver que o Banco Exequente nem sequer adianta um concreto período alternativo, referindo-se a um período temporal mais dilatado, ou seja, usando um conceito subjectivo que, no limite, sempre tornaria impossível que qualquer caução fosse prestada com este desiderato.
Pelo exposto, aplicando-se também a este respeito o já referido juízo de probabilidade, afigura-se-nos que a caução prestada pelos Executados ora Apelantes, é idónea e suficiente para garantir os fins a que se destina, impondo-se consequentemente a revogação da sentença recorrida, com as legais consequências.
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III.3 - Síntese conclusiva
I - No âmbito do processo de execução, a caução prestada pelo executado embargante com a finalidade de obter a suspensão da instância executiva enquanto não forem decididos os embargos, tem por função específica a de garantir o credor quanto aos riscos da suspensão, mormente os que eventualmente decorreriam da possível dissipação do seu património, de tal sorte que, sendo os embargos julgados improcedentes, o crédito do exequente possa ser tendencialmente pago pelo montante da garantia prestada.
II - Em face do actualmente estatuído no artigo 650.º, n.º 3, do CPC - que expressamente admite a garantia bancária como forma de prestação de caução com vista à atribuição de efeito suspensivo ao recurso -, pese embora não se encontre no elenco do n.º 1 do artigo 623.º do CC, a prestação de caução mediante garantia bancária é possível e, de um ponto de vista jurídico, constitui meio idóneo para acautelar os direitos do exequente.
III - Tendo a garantia bancária sido acordada entre os Executados e o Banco que a emitiu, sem prazo dependente da vontade das partes, vigorando até que o Juiz do processo determine o seu cancelamento, na vertente da cautela temporal o Banco Exequente encontra-se cabalmente assegurado.
IV - Resultando dos autos que o Banco Exequente tem garantido por via do valor a receber no âmbito do processo de insolvência dos mutuários o pagamento de parte substancial do valor da execução de que estes autos constituem apenso, violaria os princípios da adequação e da proporcionalidade que enformam o processo executivo, onerar os fiadores ora Executados com a prestação de uma dupla garantia do montante que já se encontra acautelado naqueles autos.
V - Ainda que o Tribunal considerasse que a garantia prestada era insuficiente, tal não daria lugar ao imediato indeferimento do requerimento mas antes à prolação de despacho de aperfeiçoamento que permitisse aos Executados reforçar a garantia prestada com o valor que fosse entendido pelo Tribunal e, apenas se tal não ocorresse, se justificaria julgar inidónea, por insuficiente, a caução prestada.
VI - Tendo os Requerentes calculado o valor da caução a prestar, numa previsão de conclusão do processo de embargos de executado, no pressuposto do cumprimento de todos os prazos assinalados por lei, tal tem a virtualidade de se tratar de um cálculo objectivo por contraponto à incerteza e arbitrariedade que decorreria da consideração de um outro qualquer período temporal. Basta ver que o Banco Exequente nem sequer adianta um concreto período alternativo, referindo-se a um período temporal mais dilatado, ou seja, usando um conceito subjectivo que, no limite, sempre tornaria impossível que qualquer caução fosse prestada com este desiderato.
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IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o presente recurso, revogando a sentença recorrida, e julgando-se idónea a caução prestada, determina-se a suspensão da acção executiva até à decisão do apenso de embargos.
Custas pelo Recorrido – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
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Évora, 22 de Março de 2018
Albertina Pedroso [16]
Tomé Ramião
Francisco Xavier

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[1] Juízo de Execução do Entroncamento - Juiz 1.
[2] Relatora: Albertina Pedroso;
1.º Adjunto: Tomé Ramião;
2.º Adjunto: Francisco Xavier.
[3] As quais, por não constituírem uma verdadeira síntese, se transcrevem apenas na parte necessária para a compreensão das questões suscitadas.
[4] Doravante abreviadamente designado CPC.
[5] Em face do que decorre do processo executivo e do apenso de embargos, cujo acesso electrónico foi solicitado pela Relatora.
[6] Cfr. LUIS MENEZES LEITÃO, in Garantias das Obrigações, 4.ª edição, Almedina 2012, pág. 91, nota de rodapé, 253.
[7] Doravante abreviadamente designado CC.
[8] Cfr. Autor, obra e pág. citados.
[9] Cfr. MENEZES CORDEIRO, in Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo IV.
[10] Cfr. a título exemplificativo, o Acórdão STJ de 11.06.2002, processo n.º 02B1767, onde se afirmou que «Já vem de longe o entendimento doutrinal e jurisprudencial, que se perfilha, de que a caução prestada como dependência dos embargos de executado (artº818º, n.º1, CPC), tendo como efeito a suspensão da execução, visa pôr o exequente a coberto dos riscos da demora no seguimento do processo».
[11] Cfr. Acórdão STJ de 09.07.1998, processo n.º 98A682.
[12] Cfr. Acórdão TRP de 28.06.2016, processo n.º 8220/15.7T8PRT-B.P1, com maior desenvolvimento quanto à comparação designadamente entre a garantia bancária e a fiança.
[13] Cfr. neste sentido, Acórdão STJ de 15.11.2017, processo n.º 13580/16.0T8LSB-C.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, como os demais referidos sem menção de outra fonte.
[14] Cfr. neste sentido, citado Acórdão STJ de 11.06.2002.
[15] Este entendimento de há muito vem sendo sufragado pelo Supremo Tribunal de Justiça, como exemplificativamente pode confirmar-se pelo Acórdão proferido em 14.02.1995, n.º convencional JSTJ00026567 de acordo com cujo sumário, «é aplicável no processo de caução - processo especial ou incidente de acção com processo ordinário - o despacho de aperfeiçoamento previsto no artigo 477, n. 1, do Código de Processo Civil».
[16] Texto elaborado e revisto pela Relatora.