Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
777/17.4T8BJA.E1
Relator: MARIA ISABEL DUARTE
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO MUITO GRAVE
SANÇÃO ACESSÓRIA DE INIBIÇÃO DE CONDUZIR
NÃO SUSPENSÃO
Data do Acordão: 05/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Não é legalmente admissível a aplicação da suspensão da sanção acessória imposta pela prática de uma contra-ordenação muito grave.
Decisão Texto Integral: Proc. N.º 777/17.4T8BJA.E1
Reg. N.º 1008

Acordam, em conferência, na 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I - Relatório

1 - O arguido, ora recorrente, BB, (…), recorreu da decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, proferida em 23 de Setembro de 2015, que o condenou pela prática de uma contra-ordenação prevista e sancionável nos termos conjugados dos nos termos conjugados dos artigos 21º, nº 1 e 23º, alínea a) do Regulamento de Sinalização de Trânsito e dos artigos 138º e 146º, alínea n) todos do Código da Estrada, a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 (trinta dias).

1.1 - Na sequência de impugnação judicial daquela decisão administrativa, nos autos de recurso de contra-contra-ordenação n.º 777/17.4T8BJA, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja Juizo Local Criminal de Beja, foi proferida, em 06 de Outubro de 2017, sentença que manteve, na integra, a decisão administrativa recorrida.

2 - O citado arguido, inconformado, de novo, interpôs recurso dessa decisão judicial.
Na sua motivação apresentou as conclusões seguintes:
“1 - A sanção acessória de inibição de condução aplicada nos termos dos artigos 138.º, 146.º al. n) e 147 n.ºs 1 e 2 do Código da Estrada deve ser suspensa na sua execução pelo período que vier a ser aplicada, subordinada á frequência de uma acção de formação rodoviária.
2 - O recorrente confessou a infracção e demonstrou o seu arrependimento.
3 - A infracção grave averbada no seu registo de condutor estava no limite dos cinco anos referidos pelo n.º 3 do artigo 141º, do Código da Estrada.
4 - O recorrente não mais praticou qualquer outra contra-ordenação, sendo um condutor diligente e que necessita da carta para se deslocar diariamente para o emprego.
Termos em que deve proferir-se douto acórdão que anule a decisão recorrida, substituindo-a por outra que contemple, ao abrigo do disposto no n.º1 e 2 do artigo 141.º do Código da Estrada (C.E.), a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de condução pelo período que vier a ser aplicada, subordinada á frequência de uma acção de formação rodoviária.
Com o que se fará BOA JUSTIÇA”.

3 - O Digno Procurador-Adjunto, após ter sido dado cumprimento ao disposto no art. 411º n.º 6, do C.P.P., apresentou a sua resposta, concluindo:
“1 ° - Inconformado com a douta sentença que manteve a decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária proferida em 23 de Setembro de 2015 que aplicou ao arguido, ora recorrente, a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 (trinta) dias pela prática de uma contra-ordenação prevista e sancionável nos termos conjugados dos artigos 21°, nº1 e 23°, alínea a) do Regulamento de Sinalização de Trânsito e dos artigos 138° e 146°, alínea n), todos do Código da Estrada vem o arguido dela recorrer da não suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir.
2° - Alega, em síntese, que a Mma. Juiz a quo deveria ter suspendido a execução da sanção acessória de inibição de conduzir que lhe fora aplicada por ter prestado declarações credíveis, ter demonstrado arrependimento e por necessitar da carta de condução para as suas deslocações diárias para o trabalho.
3° - O arguido/recorrente cometeu a contra-ordenação prevista nos artigos 21°, n.º 1 e 23°, alínea a) do Regulamento de Sinalização de Trânsito sendo tal contra-ordenação classificada pela lei como muito grave e sancionada com coima e com sanção acessória de inibição de conduzir de acordo com o disposto nos artigos 138° e 146°, alínea n) do Código da Estrada.
4° - De acordo com o disposto no artigo 141°, nºs 1, 2 e 3 do Código da Estrada só "Pode ser suspensa a sanção de inibição de conduzir aplicada a contra-ordenações graves no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal faz depender a suspensão da execução das penas, desde que se encontre paga a coima, nas condições previstas nos números seguintes."
5° - Da simples leitura desta disposição legal resulta que pode ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada às contra-ordenações graves mas não às muito graves independentemente de se mostrarem reunidas as condições objectivas para tal suspensão.
6° - Ora, conforme resulta da matéria dada como provada da douta sentença recorrida o arguido praticou uma contra-ordenação muito grave o que, aliás, admitiu, pagou a coima e não contestou, pelo que forçoso é concluir, sem necessidade de maiores considerações, que em face do regime legal actualmente em vigor e que supra se enunciou, não é legalmente admissível a aplicação da suspensão da execução da medida em causa.
7° - Tendo a decisão da entidade administrativa já tomado em consideração que o arguido/recorrente preenchia os pressupostos legais para a aplicação da atenuação especial estatuídos no art.º 140° do Código da Estrada, motivo pelo qual condenou o arguido na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 (trinta) dias, bem andou a Mma. Juiz a quo ao manter tal decisão.
Por todo o exposto, deverá ser negado provimento ao recurso e mantida nos seus precisos termos a douta decisão recorrida.
Fazendo-se JUSTIÇA!”.

4 - O Digno Procurador-Geral Adjunto, junto deste tribunal, emitiu o seguinte parecer: “Concordo com o entendimento do Ministério Público na primeira instância, constante da Resposta de fls. 113 a 117, que aqui se dão por reproduzidas, ao recurso interposto pelo arguido da sentença condenatória. Sou do entendimento de que a sentença recorrida deve ser mantida.”.

5 - Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º n.º 2, C.P.P,

6 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

II - Fundamentação
2.1 - O teor da decisão recorrida, na parte que importa, é o seguinte:
“2.1. Factos Provados
Com relevância para o desígnio dos autos, são, os seguintes os factos a considerar:
1. No dia 08.01.2015, pelas 22.40h, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula …, na …, Vila Nova de Milfontes, e não cumpriu a indicação dada pelo sinal de cedência de passagem B2 – Paragem obrigatória na intersecção.
2. O arguido procedeu ao pagamento voluntário da coima.
3. Do registo individual de condutor respeitante ao arguido não consta averbada a prática de qualquer contra-ordenação.
4. O arguido é operário fabril residindo a 25 km do seu local de trabalho.
5. O arguido trabalha por turnos, não existindo transportes públicos que lhe permitam deslocar-se de casa para o trabalho durante o período da noite.

2.2. Factos Não Provados
Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa.

2.3. Motivação da Decisão de Facto
A convicção do Tribunal quanto aos factos dados como provados, assentou na análise crítica e integrada do teor do auto de contra-ordenação de fls. 5, do registo individual de condutor junto a fls. 7 e 8, bem como, nas declarações do arguido que se reputaram de credíveis.
Os factos constantes da decisão administrativa não foram impugnados pelo recorrente pelo que os mesmos se consideraram provados.”.

2.2 - O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na respectiva motivação, nos termos preceituados nos arts. 403º, n.º 1 e 412º n.º 1, ambos do C.P.P., sem embargo do conhecimento doutras questões que deva ser conhecida oficiosamente. São as conclusões que irão habilitar o tribunal superior a conhecer dos motivos que levam o recorrente a discordar da decisão recorrida, quer no campo dos factos quer no plano do direito.
Ora, as conclusões destinam-se a resumir essas razões que servem de fundamento ao pedido, não podendo confundir-se com o próprio pedido pois destinam-se a permitir que o tribunal conhecer, de forma imediata e resumida, qual o âmbito do recurso e os seus fundamentos.
Contudo, como já afirmado, não nos devemos esquecer que estamos perante um procedimento contra-ordenacional.
O âmbito e efeitos do recurso dos processos de contra-ordenações mostram-se expressos no art. 75º, do citado D.L. n.º 433/82, de 27 de Outubro.
Na verdade, perante esta disposição legal, parece não se poder defender que o objecto do recurso é apenas a decisão recorrida, pois a decisão de recurso, quanto às questões cuja apreciação lhe seja pedida, é independente do conteúdo daquela decisão.
Existirá, no entanto, uma limitação legal do objecto do recurso a questões de direito, como deriva do mencionado art. 75º, n.º 1, do R.G.C.O.
As únicas possibilidades de recurso relativas a matéria de facto que dele resultam ocorrem nos casos do processamento das contra-ordenações juntamente com crimes, em que é aplicável o regime de recursos a que a estes couber (art. 78º, do R.G.C.O.).

2.3 - O objecto do recurso está limitado, portanto, aos fundamentos vertidos nas conclusões de recurso. A questão que se coloca à apreciação do Tribunal resumem-se a saber se a Mma. Juiz a quo deveria ter suspendido a execução da sanção acessória de inibição de conduzir, que lhe fora aplicada, pela prática de uma contra-ordenação muito grave, pois prestou declarações credíveis, demonstrou arrependimento e por necessita da carta de condução para as suas deslocações diárias para o trabalho.

2.4 - Análise do objecto do recurso e da questão suscitada pelo recorrente.
O arguido/recorrente cometeu a contra-ordenação prevista nos artigos 21°, n.º 1 e 23°, alínea a) do Regulamento de Sinalização de Trânsito.
Essa contra-ordenação é classificada pela lei, como muito grave, e é punida com coima e com sanção acessória de inibição de conduzir de acordo, nos termos preceituados nos artigos 138° e 146°, alínea n) do Código da Estrada.
A questão equacionada exige a análise de determinados preceitos legais, nomeadamente os arts. 138º, 141º nºs 1 a 3 e 146º, al. n), do CE
O terceiro desses preceitos - Artigo 146.º, sob a epígrafe “Contra-ordenações muito graves”, preceitua:
“No exercício da condução consideram-se muito graves as seguintes contra-ordenações:
(…)
n) O desrespeito pelo sinal de paragem obrigatória nos cruzamentos, entroncamentos e rotundas;
(…)”.
O primeiro, o artigo 138.º, sobre a epígrafe “Sanção acessória”, prescreve:
“1 - As contra-ordenações graves e muito graves são sancionáveis com coima e com sanção acessória.
2 - Quem praticar qualquer acto estando inibido ou proibido de o fazer por sentença transitada em julgado ou decisão administrativa definitiva que aplique uma sanção acessória, é punido por crime de desobediência qualificada.
3 - A duração mínima e máxima das sanções acessórias aplicáveis a outras contra-ordenações rodoviárias é fixada nos diplomas que as prevêem.
4 - As sanções acessórias são cumpridas em dias seguidos.”.
O citado art.º 141°, nºs 1, 2 e 3 do C E, sobre a epígrafe, “Suspensão da execução da sanção acessória” estabelece:
"1.Pode ser suspensa a sanção de inibição de conduzir aplicada a contra-ordenações graves no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal faz depender a suspensão da execução das penas, desde que se encontre paga a coima, nas condições previstas nos números seguintes.
2. Se o infractor não tiver sido condenado, nos últimos cinco anos pela prática de crime rodoviário ou de qualquer contra-ordenação grave ou muito grave, a suspensão pode ser determinada pelo período de seis meses a um ano.
3. A suspensão pode ainda ser determinada pelo período de um a dois anos, se o infractor, nos últimos cinco anos, tiver praticado apenas uma contra-ordenação grave, devendo, neste caso, ser condicionada, singular ou cumulativamente:
a) À prestação de caução de boa conduta;
b) Ao cumprimento do dever de frequência de acções de formação, quando se trate de sanção acessória de inibição de conduzir;
c) Ao cumprimento de deveres específicos previstos noutros diplomas legais."

A simples leitura do art. 141º, demonstra que pode ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada às contra-ordenações graves, mas não às muito graves, independentemente de se mostrarem preenchidas as circunstâncias objectivas que são pressuposto dessa suspensão.
Pois que, o n.º 3 limita-se a agravar o período e as condições de suspensão da execução da inibição de conduzir para os infractores que, nos últimos 5 anos, tiverem praticado apenas uma contra-ordenação grave.
A matéria de facto provada, constante da sentença recorrida, demonstra que o arguido/recorrente cometeu uma contra-ordenação muito grave.
O recorrente arguido pagou voluntariamente a coima e não contestou.
A conclusão implícita é a de que não é legalmente admissível a aplicação da suspensão da sanção acessória imposta pela prática de uma contra-ordenação muito grave
Conclui-se, assim, que a decisão recorrida, ao recusar a suspensão da execução da inibição de conduzir aplicada ao arguido, não violou o disposto no artigo 141º, do Código da Estrada.
Neste mesmo sentido, pronunciou-se o Ac. do TRL, de 18-12-2007, proferido no Proc. N.º 9345/2007-5, tendo entendido que: “É certo que o n.º 1 do artigo 141º, do Código da Estrada, ao dispor que pode ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada a contra-ordenações graves no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei geral faz depender a suspensão da execução das penas, remete para a norma do artigo 50º do Código Penal.
Esta remissão não é, obviamente, para todos os pressupostos de que o artigo 50º, n.º 1, faz depender a suspensão da execução da pena de prisão.
A suspensão da execução da pena prevista no artigo 50º, n.º 1, do Código Penal, assenta em pressupostos formais e em pressupostos substanciais (cfr. neste sentido Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, páginas 342 e 343).
Assim, tendo como referente a actual redacção do artigo 50º, n.º 1, do Código Penal, constitui pressuposto formal da suspensão da execução da pena de prisão que a medida desta não seja superior a 5 anos.
Sob o ponto de vista substancial a suspensão pressupõe que o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Ora o conteúdo que o n.º 1 do artigo 141º, do Código da Estrada, importa do artigo 50º, n.º 1, do C. Penal, é exclusivamente o relativo aos pressupostos materiais da suspensão da execução da pena.
Quanto aos pressupostos formais da suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir, eles são definidos pelo artigo 141º, do Código da Estrada.
Sob o ponto de vista lógico, o tribunal só averiguará se os pressupostos materiais estão reunidos depois de dar por verificados os formais”.
Acresce que o Tribunal Constitucional já se pronunciou, diversas vezes, por unanimidade, nomeadamente, nos Acs. n.ºs 603/2006, 604/2006, 629/2006, 6/2007, e 32/2007, disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc) entendendo que a norma do artigo 141º, n.º 1, do Código da Estrada, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, interpretada no sentido de a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir abranger, apenas, as contra-ordenações graves, não é orgânica, ou materialmente inconstitucional.
Por fim se dirá a sentença recorrida analisou, pormenorizadamente, os fundamentos da impugnação da decisão administrativa, considerou-os totalmente improcedentes e decidiu acertadamente. Fê-lo de modo isento de qualquer vício ou nulidade que a afecte na sua legalidade e validade.
Improcede a pretensão do recorrente.

III - Decisão
Por tudo o exposto, sem necessidade de mais considerandos, acordam em negar provimento ao recurso e, em consequência, mantêm a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro unidades de conta e legais acréscimos.
(Processado por computador e integralmente revisto pela relatora que rubrica as restantes folhas).

Évora, 08/05/2018
Maria Isabel Duarte (relatora)
José Maria Simão