Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
294/07.0TAEVR.E1
Relator: ANA BARATA DE BRITO
Descritores: AUXÍLIO À IMIGRAÇÃO ILEGAL
CRIME DE PERIGO
CONSUMAÇÃO
TENTATIVA
Data do Acordão: 01/06/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Legislação Nacional: ART. 183º/2, LEI N.º 23/2007
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE 3 DE DEZEMBRO DE 2009
Sumário: 1. O crime de auxílio à imigração ilegal do artigo 183º/2 da Lei n.º 23/2007 é um crime de perigo quanto ao bem jurídico e um crime material ou de resultado quanto ao objecto da acção.
2. Embora não se exija, para a consumação, que o imigrante chegue ao concreto local de destino nacional acordado com o agente ou que o nosso país o aceite, o tipo compreende a efectiva introdução ou penetração do estrangeiro em Portugal.
3. Se o agente facilita ou favorece a entrada, o trânsito ou a permanência do estrangeiro no território nacional, mas a entrada não chega a ocorrer, há apenas “tentativa”.
Decisão Texto Integral:
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA



15

Processo n.º 294/07.0TAEVR.E1

Acordam na Secção Criminal:
1. No Processo nº 000/00.0VVV do 2º juízo do Tribunal Judicial de L foi proferida sentença em que se decidiu condenar o arguido MHPR como autor de um crime de auxílio à imigração ilegal do artigo 134.ºA/2 do Decreto-Lei nº 244/98, de 8 de Agosto, com a redacção do Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, presentemente, punido pelo artigo 183º/2 da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão suspensa na execução, subordinada a suspensão à obrigação de o arguido entregar ao “Capela - Centro de Apoio à População Emigrante de Leste Europeu e Amigos” a quantia de € 2.500 (dois mil e quinhentos euros), devendo comprová-lo nos autos no prazo máximo de 6 (seis) meses.
Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo, em síntese: inexiste prova dos factos dados como provados na sentença, que lhe diziam respeito (já que grande parte deles lhe serão alheios); a única prova contra si produzida em julgamento consistiu na transcrição da gravação de uma chamada telefónica, da qual pouco se retira; as duas testemunhas ouvidas em julgamento nada revelaram saber contra si, para além do que constava já da gravação telefónica e dos contratos apreendidos. Invoca, por último, existir uma contradição entre os factos provados com os números 13., 14. e 15. e o facto não provado em d).
O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando genericamente pela improcedência.
Neste Tribunal, a Sra. Procuradora-geral Adjunta pronunciou-se também genericamente no sentido da improcedência.
Colhidos os Vistos, teve lugar a conferência.

2. Na sentença consideraram-se os seguintes factos provados:
“1. A partir do início de 2005 e até 12 de Abril de 2006, GV– que sabia existirem muitas pessoas nessa situação – engendrou uma forma de enriquecer à custa de muitos cidadãos moldavos que pretendiam vir trabalhar para Portugal, sem conhecerem a língua e os trâmites legais para o efeito;
2. A fim de alcançar esse seu desiderato, a arguida, GV, reuniu as condições para a obtenção de vistos de trabalho para centenas daqueles cidadãos, a troco de dinheiro pago por estes, normalmente, € 2.000 (dois mil euros) e, a partir de Novembro de 2005, € 2.500 (dois mil e quinhentos euros);
3. Os ditos vistos de trabalho eram passados na Embaixada de Portugal, na Roménia, no âmbito de processo que se iniciava em Portugal e que dependia, principalmente, da obtenção de um documento que continha uma promessa fictícia de contrato de trabalho neste país;
4. A dita GV organizou, para o efeito, um grupo de indivíduos da sua confiança e que, juntamente com ela, passaram a tomar parte na correspondente actividade que, de início, se repartia em três ramos;
5. Um desses ramos – composto por BC, NA e IT, coadjuvados por outras pessoas – tratava dos necessários trâmites e contactos com imigrantes na Moldávia;
6. O outro desses ramos – composto por – tratava, sob a direcção, de GV, da documentação em Portugal;
7. Já o último desses três ramos era composto por, sendo este quem orientava a actividade dos dois primeiros e que estava em permanente contacto com GV, cujas indicações seguia;
8. A totalidade dos elementos biográficos e documentais de cada um dos imigrantes interessados na aquisição do visto de trabalho era canalizado, por elementos do grupo, até GV;
9. A citada GV providenciava pelo tratamento e encaminhamento desses dados até à reunião de todo o processo consular necessário à obtenção do visto de trabalho;
10. Mais controlava todo o processo, contactando com todos os elementos do grupo, a fim de esclarecer quem tinha angariado quem e para que – dado o elevado número de imigrantes envolvido – não ocorressem erros, descoordenações ou atrasos nos processos;
11. Os ditos GV, Joaquim Vieira Sequeira, Andrei Mestesug e Marin Cebotari contactavam, por outro lado, outros indivíduos para a prossecução de tal actividade;
12. Os indivíduos em causa tratavam-se, nomeadamente, de empresários ligados à construção civil e à agricultura que estivessem dispostos a vender promessas de contrato de trabalho (falsas) e com quem insistiam para que assinassem tantas promessas de contrato de trabalho quantas as necessárias;
13. As pessoas contactadas elaboravam, por seu turno (e a troco de quantias que rondavam os € 300 (trezentos euros) a € 600 (seiscentos euros) por cada um deles), documentos que continham as falsas promessas de trabalho que serviam – apenas – para a obtenção dos respectivos vistos de trabalho;
14. Isso faziam, porém, sem pretender assumir compromisso algum;
15. O aqui arguido, MHPR, foi um dos empresários que se prestou a agir da forma descrita em 13 e 14;
16. À data, o aqui arguido, MHPR, já se dedicava à actividade agrícola e estava registado nas entidades competentes como empresário em nome individual;
17. Aliás, foi, precisamente, no âmbito dessa actividade profissional que conheceu GV, com a qual acordou na elaboração de promessas de trabalho com as características e fins acima descritos;
18. Assim, e em data não, concretamente, determinada, mas, seguramente, pouco tempo antes de Setembro de 2005, GV entregou ao arguido, MHPR, os elementos de identificação de indivíduos moldavos;
19. Após, e na posse desses elementos, o arguido, MHPR, fez redigir as promessas de contrato de trabalho e assinou-as;
20. Isso aconteceu, concretamente, com as promessas de contrato de trabalho que fazem parte dos processos de visto consular referentes a XXXXXXXXXXXX, datadas de 10 de Novembro de 2005, as quais o arguido, MHPR, assinou na qualidade de entidade empregadora com o CAE 01111 Cerealicultura;
21. Ao fazê-lo, o arguido, MHPR, comprometeu-se a admitir ao seu serviço estas pessoas, como trabalhadores agrícolas, em várias propriedades sitas no concelho de L;
22. Isso aconteceu em área desta comarca de L, onde o arguido, MHPR, e GV residiam, respectivamente, em Ruivas (Odiáxere) e na Rua Prof. Gaspar dos Reis, n.º 4, R/Ch. Esq.;
23. O arguido, MHPR, recebeu – em troca – quantias monetárias que não foi possível, concretizar;
24. Já na posse do documento que continha a falsa promessa de trabalho e dos elementos de identificação do emigrante interessado (que eram fornecidos pela cópia da página biográfica do correspondente passaporte, se necessário por meio de envio da Moldávia e via fax da mesma), tornava-se imprescindível, em primeiro lugar, obter o parecer favorável do Instituto do Emprego e Formação Profissional, essencial para desencadear o processo da concessão do visto de trabalho ao imigrante;
25. A arguida GV criou, por assim ser, no Centro de Emprego do I.E.F.P. de L uma relação privilegiada com CJ;
26. Aliás, só após a criação de tal relação e a apresentação de alguns dos restantes colaboradores a este, passou a delegar naqueles a tarefa de entrega de documentação naquele centro;
27. O dito CJ agilizou, repetidamente, os procedimentos necessários à emissão dos pareceres favoráveis solicitada pelos outros colaboradores de GV, deu prioridade à documentação aí levada por elementos do grupo e ignorou as irregularidades que foi detectando nos documentos apresentados;
28. Isso fez por causa da relação de privilégio criada com tais pessoas, sabendo perfeitamente que as promessas de contrato de trabalho (que estavam na base das declarações de manifestação de interesse da entidade empregadora na contratação de cidadão estrangeiro que lhe eram levadas para tratamento e emissão de parecer favorável pelos vários elementos do grupo) eram fictícias e que apenas visavam a obtenção de vistos de trabalho para cidadãos moldavos;
29. Mas nada fez para a tanto obstar;
30. Ao invés, o dito CJ continuou a tratar de forma célere os correspondentes formulários como se fossem verdadeiros;
31. Já na posse das declarações favoráveis emitidas pelo I.E.F.P., vulgarmente, designadas por ROT, os colaboradores de GV de seus nomes XXXXXXXXXXXXXX apresentavam – de acordo com as indicações da primeira - os pedidos de parecer favorável, devidamente, acompanhados do documento que continha a falsa promessa de contrato de trabalho, junto da Inspecção Geral do Trabalho;
32. Isso faziam, mormente, junto da Delegação de P do I.D.I.C.T., sendo frequente revezarem-se nessa tarefa ou pedirem a colaboração de outras pessoas;
33. Aos elementos do grupo que se encontravam habitualmente na Moldávia (de seus nomes NA, BC e IT) coube-lhes, juntamente com outros indivíduos, realizar contactos com os cidadãos moldavos interessados que aí se encontrassem e remeter para Portugal cópia dos respectivos passaportes;
34. A citada GV manteve frequentes contactos com BC, a fim de se certificar que o mesmo desempenhava as tarefas que lhe couberam (e que se traduziram não só nas dos restantes elementos do grupo residentes na Moldávia, mas também na tarefa de “correio” entre a Moldávia e Portugal);
35. O ramo que se encontrava na Moldávia, GVe Anatólio Monteiro tratavam, por via telefónica, da marcação da data para entrega dos processos junto da Embaixada de Portugal na Roménia (e aquele ramo moldavo até da própria entrega dessa documentação e posterior recolha do visto, que ocorria também naquela embaixada);
36. Mais forjavam a documentação sempre que necessário à obtenção dos vistos de forma célere, concretamente, assinando como se dos trabalhadores se tratassem;
37. Isto tudo foi concertado por GV, VVVVVV;
38. Mas os objectivos do grupo começaram a ficar comprometidos porque a Embaixada de Portugal em Bucareste estranhou a quantidade de contratos-promessa de trabalho elaborados por estas pessoas e, por suspeitar da falsidade da documentação, decidiu suspender os respectivos processos consulares;
39. A citada GV decidiu, entretanto, desfazer-se da maioria dos documentos que a implicam em toda a actividade descrita;
40. Isso fez no dia 10 de Abril de 2006, em virtude de ter estranhado a demora na obtenção dos vistos e alertada pelas respostas que foi obtendo junto da embaixada no sentido de que a situação dos vistos estava sob investigação, deitando em contentores de lixo doméstico, entre o mais, os seguintes documentos:
- o contrato-promessa de trabalho firmado entre o aqui arguido, MHPR, e a trabalhadora moldava EO;
- sete folhas brancas, de tamanho A4, contendo, entre o mais, os seguintes dizeres manuscritos: “Budeac Oleg – A1808585 – 16.07.71”; “BO – 16.07.71 – MH”;
- (…..)
Foram consignados como factos não provados:
“a) A dita GV é que propôs ao arguido, MHPR, a elaboração das aludidas promessas de contrato de trabalho, tendo este se limitado a aceitar uma sua proposta;
b) (….)
E, na sentença, motivou-se assim a matéria de facto:
“A convicção do tribunal, quanto à matéria de facto provada teve por base a análise crítica de toda a prova produzida em audiência e constante dos autos, segundo juízos de experiência comum e de acordo com o princípio da livre apreciação, em conformidade com o preceituado no artigo 127.º do Código de Processo Penal. Vejamos em que termos.
A este nível, e desde logo, o tribunal valorou as declarações do arguido, MHPR, mas – apenas e só – na parte em que o mesmo esclareceu o tribunal acerca da sua condição socioeconómica, profissional e familiar e na parte em que confirmou: ter diligenciado pela redacção das promessas de contrato de trabalho que se encontram juntas aos autos – junto de pessoa cuja identificação não soube/quis esclarecer – e tê-las subscrito; a entrega das mesmas a GV, com o propósito de os respectivos beneficiários puderem obter vistos, e o recebimento de dinheiro por parte desta; que nunca chegou, afinal, a receber qualquer dos cidadãos estrangeiros a quem “prometera” trabalho; e, finalmente, que já tinha, anteriormente, tido ao seu serviço cidadãos estrangeiros em situação irregular no país, os quais o ajudaram durante 2 (dois) ou 3 (três) dias. Ao invés, e no mais, não foi possível acreditar nas suas palavras, em virtude de se terem revelado inconsistentes e até inverosímeis. Isto, desde logo, porque, se é certo que começou por dizer que não sabe que é feito de GV, sua cliente regular no mercado da “Reforma Agrária” e pessoa de quem tinha, inclusivamente, o contacto telefónico, não é menos verdade que a condenação da mesma em 9 (nove) anos de prisão e a sua condição de reclusa de há 4 (quatro) anos a esta parte foram alvo de muitos comentários e profusa divulgação não só nesta cidade de L, mas, inclusivamente na comunicação social (que até se referia ao caso como um “mega” julgamento). Mais nos dizem, por outro lado, as regras da experiência comum e da lógica que, caso tivesse sido – como o arguido, Mário Henrique, afirmou – a vontade de passar a contratar de forma lícita a justificar a sua conduta, não deixaria a notícia de que já não viriam trabalhar para si as primeiras 3 (três) mulheres a quem prometera trabalho de o ter levado a comunicar esse facto à I.G.T. (ou a qualquer outra das entidades que tiveram parte nestes processos). A verdade é, porém, que não fez qualquer semelhante comunicação, tendo-se limitado a subscrever novas propostas, sem ter dado baixa das primeiras (e, de resto, em data anterior à data em que tomou conhecimento da chegada destas pessoas a Itália). Pois bem. As mesmas regras dizem-nos, por outro lado, que, caso tivesse sido a notícia de que “as três mulheres” beneficiárias das primeiras promessas haviam, afinal, chegado a Itália a justificar que o arguido, MHPR, tivesse subscrito a segunda leva de promessas, não teriam estas sido datadas e entregues no I.D.I.C.T. em data anterior à do recebimento de tal notícia. Ademais, e se estivéssemos perante uma necessidade “urgente”, seria normal – perante um contratempo – que o arguido, Mário Henrique, evidenciasse algum aborrecimento ou ansiedade, mas – como resulta da transcrição da escuta telefónica feita a conversa que este manteve com GV– era esta quem se mostrava aborrecida por não estarem, ainda, prontas as segundas promessas gizadas. A isto acresce, por outro lado, que também não é conforme às regras da experiência comum e da lógica que seja a pessoa que se presta a fazer um favor a outra a custear as despesas incorridas e a entregar dinheiro a esse outro que lhe veio pedir o favor em causa. Mas as contradições não se ficaram por aí, já que o arguido, Mário Henrique, admite ter sido ele próprio a pedir dinheiro a GV, tendo – em todo o caso – alegado que pediu € 30 (trinta euros) por cada promessa, ascendendo a não menos de € 55 (cinquenta e cinco euros) as despesas que suportou.
Posto isto. Mais se valoraram os depoimentos prestados pelos dois inspectores-adjuntos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras arrolados pelo Ministério Público, de seus nomes NNNNNN e HHHHHH os, os quais esclareceram a este tribunal em que é que se traduziu a sua intervenção nestes autos, a investigação que levaram a cabo e o que resultou da mesma. Isso fizeram de forma que nos pareceu séria e consistente, tendo até estas pessoas revelado a preocupação de esclarecer o que recordavam e o que não guardavam já na lembrança, por um lado, e o que se sabiam e aquilo que não podiam, pura e simplesmente, confirmar, por outro lado.
Posto isto. A primeira das 3 (três) testemunhas arroladas pelo arguido, MH de seu nome CCC, afirmou-se amiga deste há muitos anos, tendo esclarecido, por outro lado, o tribunal a respeito: (1) da sua condição socioeconómica, profissional e familiar, (2) de que só tem conhecido 2 (duas) pessoas a trabalhar consigo, o que acontece desde há cerca de 10 (dez) anos atrás e (3) da ideia que fazem do arguido, MHPR, as pessoas que privam consigo. Já a segunda, YYYYYYY, sua amiga e, desde há cerca de 3 (três) anos, contabilista, confirmou, igualmente, que actividades profissionais são exercidas por este homem e que só lhe conheceu 2 (duas) pessoas a trabalhar para si. - A última, RRRRR, esclareceu, finalmente, que (1) já o tem ajudado nos trabalhos do campo, (2) só lhe conhece dois trabalhadores e, finalmente, que (3) – tanto quanto sabe – o amigo nunca experimentou dificuldades na contratação de trabalhadores porque “há muita gente disponível”. Mereceram a credibilidade do tribunal, sendo certo que denotaram alguma falta de isenção (que – observe-se - resultou clara do afã com que se apresentaram para “defender o amigo”, mas não terá – em todo o caso - inquinado a veracidade das suas afirmações).
A este passo, e para que melhor se compreenda o sentido da decisão proferida, é forçoso deixar claro que a importância dos seus depoimentos para a formação da convicção do tribunal resultou, principalmente, do facto de terem afirmado, peremptoriamente, que nunca lhe conheceram outros colaboradores, a não ser um casal que já trabalha consigo há mais de 10 (dez) anos, que sempre lhe conheceram produção agrícola e, finalmente, que nunca lhe ouviram falar de quaisquer “problemas” na contratação de terceiros. Isto porque tornou, ainda, mais evidente a inconsistência surpreendida no relato do aqui arguido. Afinal, e porque se tratam de pessoas que acompanham de perto a sua actividade, não teriam estas pessoas deixado de ouvir falar de outros que tivessem colaborado na mesma ou das dificuldades experimentadas pelo amigo. A isto acresce que – também – das suas palavras resulta claro que o arguido, Mário Henrique, não terá precisado nunca de mais do que a colaboração (ocasional) de um amigo e que tem mantido sempre a mesma actividade, razão pela qual não é crível que tenha experimentado a necessidade – urgente – descrita.
Posto isto. A convicção do tribunal formou-se – por outro lado – a partir da análise conjugada:
- das certidões extraídas dos autos que, sob o número 0/05.0BBBB, correm termos neste 2.º Juízo de L e, designadamente, dos seguintes documentos ali copiados:
- o acórdão condenatório proferido nesses outros autos, contendo descrição do que se apurou ser, efectivamente, o “modus operandi” deste grupo de pessoas;
- os autos de busca e apreensão lavrados pelas entidades que levaram a efeito a investigação, onde se encontram elencados os objectos/documentação apreendida, com indicação do local exacto onde o foi (e cuja análise permite concluir que (1) os documentos que a dita GV detivera e que diziam respeito ao arguido, MHPR, foram encontrado no contentor do lixo, o que – até porque chegou a ser encontrada alguma documentação relativa à contratação de cidadãos moldavos nos quartos ocupados por GV e seus colaboradores, documentação essa que os mesmos optaram por não jogar no lixo – não sucederia, caso tais documentos não fossem comprometedores e, consequentemente, elucidativos no que tange à ilicitude das suas condutas, e que (2) entre esses documentos encontrava-se, entre o mais, uma notificação da Inspecção Geral do Trabalho dirigida a MHPR, contendo original certificado pelo IGT de um contrato de trabalho celebrado entre este e trabalhador estrangeiro, com parecer favorável do IGT – Portimão), o que também denota que o arguido, MH, não iria, afinal, levantar, pessoalmente, os documentos;
- os relatórios de vigilância – também – elaborados por essas entidades, dando conta de que presenciaram a operação de “despejo” da aludida documentação nos contentores do lixo existentes na Rua Prof. GR, em L;
- a transcrição da intercepção telefónica realizada com referência à conversa mantida, em 9 de Dezembro de 2005, entre GV e o arguido, MHPR, da qual resulta claro que (1) só nessa data - e já depois de ter “mandado” fazer os segundos contratos - ficou a saber se já estava “tudo bom” com as “outras três mulheres” (e, em concreto, que tinham acabado de chegar a Itália), o que torna evidente que não tem cabimento a justificação dada para a assinatura das segundas promessas (a saber, a de que só as assinou por ter sido informado de que as beneficiárias das primeiras haviam tido problemas em Itália) ou – sequer – a alusão a tais “problemas” que estas pessoas tivessem experimentado em Itália, já que se está “tudo bom”, é evidente que não existiram “problemas”, (2) não ficou aborrecido com a situação ou denotava qualquer ansiedade pelo facto de não ter, afinal, pessoas para trabalharem para si, o que, seguramente, aconteceria, caso tivesse necessidade (e, designadamente, necessidade urgente) das mesmas, (3) é, afinal, a GVquem evidencia maior pressa na obtenção dos contratos, o que – também – não sucederia se estivesse só a fazer um favor ao aqui arguido, (4) alguém (de nome S) terá colaborado na “recolha” das necessárias assinaturas, e, finalmente, que (5) o arguido, MHPR, recebia dinheiro por isto e era a arguida GV que lho dava, já depois de tudo estar tratado, o que, por seu turno, torna evidente que não falamos de dinheiro para despesas (e, de resto, não se compreenderia – repita-se - que alguém – in casu, GV- se prestasse a fazer um favor ao arguido, Mário Henrique, a pedido deste, e, ainda, lhe desse dinheiro);
- a transcrição da intercepção telefónica realizada, com referência à conversa mantida, em 22 de Fevereiro de 2006, por Anatólio Monteiro – que se faz passar pelo aqui arguido, MHPR - com um funcionário consular, no decurso da qual o primeiro indaga acerca dos vistos de BBBBB, esclarecendo o segundo que só no dia vinte e oito poderá confirmar se estão prontos;
- dos denominados “processos de vistos consulares” (concedidos e suspensos) dos quais fazem parte:
- as “promessas” a que se vem fazendo referência, cuja leitura permite concluir que as primeiras trabalhadoras deveriam iniciar funções em Novembro de 2005 e que pretendiam vir de autocarro (e não de avião, como se aventou possível em sede de audiência de discussão e julgamento), mas os segundos já só eram esperados em Fevereiro do ano seguinte (e que, consequentemente, não só não deveria ser, efectivamente, urgente a sua vinda para o nosso país, como – também – não devem, afinal, ter feito qualquer voo com “escala” em Itália);
- os formulários preenchidos pelos vários beneficiários das promessas feitas, cuja análise permite concluir, por seu turno, que – também – os segundos começaram a diligenciar pela sua vinda para Portugal, ainda, antes de o aqui arguido, Mário Henrique, ter sabido que as três primeiras trabalhadoras haviam chegado a Itália;
- da documentação das finanças, dando conta da actividade exercida pelo aqui arguido, MHPR, e respectivo CAE.
- Mais atendeu – finalmente – o tribunal, e no que concerne ao passado criminal do arguido, MHPR, ao certificado de registo criminal junto aos autos.
Isto justificou a factualidade dada como provada.
Já a factualidade dada como não provada ficou a dever-se, por seu turno, a falta de prova bastante que permita considerá-la de outro modo no que tange à vertida nas alíneas a) a e) supra e à circunstância de ter sido feita prova de que tudo se passou diversamente – pelas razões a que vimos fazendo alusão – no que concerne à vertida nas demais alíneas.
Isto porque, se é certo – no que a essas primeiras alíneas concerne – que nenhum dos inquiridos pôde confirmar tais factos com segurança e que nenhum documento, afinal, os atesta, não é menos verdade que a versão fáctica dada pelo arguido, Mário Henrique, para explicar o sucedido foi, efectivamente, infirmada pelos demais elementos probatórios carreados para os autos.
A final, e como já tivemos oportunidade de salientar, resulta da análise de tais escritos conjugada com a dos formulários que integram os processos consulares juntos aos autos e, finalmente, com a transcrição da conversa mantida pelo mesmo com GVque:
- a segunda “leva” de promessas foi subscrita, ainda, antes do arguido, Mário Henrique, ter tido conhecimento do destino das “mulheres” a quem prometera trabalho;
- o arguido, MH, não comunicou a qualquer entidade que tais pessoas não viriam, afinal, trabalhar consigo ou – sequer – mostrou aborrecimento;
- a dita GV entregou-lhe dinheiro por conta dessas promessas.
- Ademais, as testemunhas que arrolou confirmaram ao tribunal que:
- não é do seu conhecimento que o arguido, MH, haja contratado outras pessoas, para além do casal (de estrangeiros) que há vários anos trabalha por sua conta, o que, certamente (e porque falamos da sua contabilista, de um amigo que o ajuda na agricultura e de uma sua cliente e amiga de há longos), não sucederia, caso isso acontecesse (e o mesmo tivesse, sazonalmente, uma necessidade “urgente” de mão de obra adicional para o ajudar na sua exploração agrícola e enfrentasse dificuldades em virtude de não a conseguir);
- e, finalmente, que o mesmo conta com a ajuda de amigos como a testemunha de nome Rogério Pacheco Paixão para esses trabalhos, não tendo dificuldade em consegui-la.
Justificou-se – por assim ser – a factualidade dada como não provada.”

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios do art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal (AFJ de 19.10.95), as questões a apreciar são as seguintes:
- (a) Contradição entre factos provados e não provados
- (b) Impugnação da matéria de facto.
A estas, na sequência da procedência parcial do recurso da matéria de facto), acrescerão, subsequentemente:
- (c) Integração jurídica dos factos
- (d) Escolha e medida da pena.

(a) Da contradição entre factos provados e não provados
Invoca o recorrente a existência de uma contradição na decisão recorrida entre os factos dados como provados em 13., 14. e 15. e o facto dado como não provado em d). Procede, assim, à arguição do vício da sentença previsto no art. 410º/2-b) do Código de Processo Penal.
Os enunciados descritivos dos factos em crise apresentam, na sentença, a seguinte redacção: “13. As pessoas contactadas elaboravam, por seu turno (e a troco de quantias que rondavam os € 300 (trezentos euros) a € 600 (seiscentos euros) por cada um deles), documentos que continham as falsas promessas de trabalho que serviam – apenas – para a obtenção dos respectivos vistos de trabalho; 14. Isso faziam, porém, sem pretender assumir compromisso algum; 15. O aqui arguido, MHPR, foi um dos empresários que se prestou a agir da forma descrita em 13 e 14”, por um lado, e “d) As quantias que recebeu como contrapartida oscilaram, seguramente, entre os € 300 (trezentos euros) e os € 600 (seiscentos euros) por cada promessa assinada”, pelo outro.
A contradição insanável da fundamentação e da fundamentação e da decisão ocorre quando a fundamentação da decisão recorrida aponta no sentido de decisão oposta à tomada, ou no sentido da colisão entre os fundamentos invocados. É uma “incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a decisão probatória e a decisão. Ou seja, há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os factos provados e os não provados se contradigam entre si ou de forma a se excluírem mutuamente” (Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 2007, p. 71).
Concretamente, a contradição invocada situar-se-ia no plano da factualidade, pretendendo-se que o facto não provado sinalizado colidiria irremediavelmente com os factos provados também indicados.
Mas esta “contradição insanável” é apenas aparente e ela não compromete a decisão.
Reconhecendo-se, é certo, a forma menos feliz que foi escolhida para tratar a matéria de facto em crise, mantém-se ainda viável retirar da sentença uma descrição global de acção, imputada ao arguido, suficientemente compreensível, coerente e lógica.
Assim, toda a factualidade (a provada e a não provada), designadamente a colocada agora em crise, permite perceber que o que se afirma na sentença em sede de descritivo de acções (da acção do recorrente) é que as pessoas contactadas por GV e outros arguidos já julgados (pessoas entre as quais se encontra o arguido, mas que foram muitas outras mais) – que eram empresários ligados à construção civil e à agricultura dispostos a vender promessas de contrato de trabalho falsas – elaboravam a troco de quantias que rondavam os € 300 a € 600, documentos que continham falsas promessas de trabalho que serviam para a obtenção de vistos de trabalho, o que faziam sem pretender assumir compromisso algum; que o arguido, ora recorrente, foi um dos empresários que se prestou a agir da forma descrita em 13. e 14., e que, relativamente a ele, não se provou que as quantias recebidas tenham efectivamente oscilado entre os 300 e 600 €.
Ou seja, resulta da matéria de facto provada que o recorrente “vendeu” promessas de trabalho “falsas”, mas fê-lo, ainda de acordo com os factos da sentença (os provados em cotejo com os não provados) por contrapartida monetária não concretamente determinada. Daí ter-se consignado como não provado que “as quantias que recebeu como contrapartida oscilaram, seguramente, entre os € 300 (trezentos euros) e os € 600 (seiscentos euros) por cada promessa assinada”. E dai também se ter consignado expressamente no facto 23., em que o recorrente não revela atentar, que “o arguido, MHPR, recebeu – em troca – quantias monetárias que não foi possível, concretizar”.
Sendo este o sentido racional e lógico que, apesar das deficiências, é ainda possível retirar do conjunto dos enunciados linguísticos descritivos da acção, conclui-se que inexiste o apontado vício da contradição insanável suscitado em recurso.

(b) Da impugnação da matéria de facto
O recorrente impugna a matéria de facto argumentando inexistir prova dos factos descritos em 15, 18, 19, 20-24 e 45-55.
Procede, para tanto, a pontuais transcrições de excertos dos depoimentos dos inspectores JP e HM.
Estas transcrições são, de facto, reveladoras de um conhecimento limitado, por parte das testemunhas, sobre a concreta actuação do arguido. Daí pretender o recorrente que a prova contra ele produzida se reduziria à transcrição de uma escuta telefónica, da qual nada de útil se retiraria.
Mas resulta claro que a conduta imputada ao arguido se conexiona com outras, e que a acção dos senhores inspectores no âmbito do inquérito que deu depois origem aos presentes autos se desenvolveu no quadro de uma investigação que abarcou uma actividade global muito mais ampla e complexa e que abrangeu muitos outros arguidos. Daí que a questão da suficiência da prova nunca se resolveria com a linearidade pretendida.
A análise da prova não pode, pois, processar-se de um modo secto e descontextualizado, muito menos num caso como o presente.
Assim, e começando por balizar a margem de actuação da 2ª instância em matéria de facto, recorda-se que a impugnação da decisão na parte relativa à matéria de facto se pode processar por uma de duas vias: através da arguição de vício de texto previsto no art. 410º nº2 (dispositivo que consagra um sistema de reexame da matéria de facto por via do que se tem designado de revista alargada), ou por via do recurso amplo ou recurso efectivo da matéria de facto, previsto no art. 412º, nºs 3, 4 e 6 do Código de Processo Penal.
O sujeito processual que discorda da “sentença de facto” e dela recorre pode, assim, optar pela invocação ou de um erro notório de facto, que é o erro evidente e visível, patente no próprio texto da decisão recorrida (os vícios da sentença podem também ser conhecidos oficiosamente, independentemente de arguição e mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito, conforme acórdão uniformizador de 19.10.95), ou de um erro não notório de facto, que é aquele que a sentença, por si só, não demonstra.
No primeiro caso, a discordância traduz-se na invocação de um vício da sentença e o recurso é considerado como sendo ainda em matéria de direito; no segundo, o recorrente terá de se socorrer de provas produzidas ou examinadas em audiência.
O recurso de facto, seja qual for a via de impugnação adoptada, tem sempre na base uma discordância relativamente às conclusões a que o tribunal de julgamento chegou ao nível da factualidade, e essa discordância materializa-se, em recurso, na invocação de um erro de julgamento. No presente caso, o recorrente socorre-se da prova produzida em audiência para procurar demonstrar o invocado erro de julgamento.
A pretensão do recorrente obriga, pois, a ir além do mero exame da sentença. Mas será sempre a partir deste que se conhecerá do recurso.
A fundamentação da matéria de facto encontra-se supra transcrita (em 2.).
Da análise do texto da sentença resulta logo que a afirmação de que a prova se teria reduzido a uma transcrição de conversação telefónica não corresponde à realidade.
O exame crítico da prova é claríssimo e exaustivo no que respeita à explicação da convicção relativa à quase totalidade dos factos provados. E quanto a estes – mais precisamente a todos os factos provados à excepção do descrito em 48. – a sentença enuncia todas as provas examinadas e procede, adequadamente, a uma sua análise detalhada e individual e, depois, ao exame global das provas, como sempre se impõe.
Assim, mostram-se particularmente bem avaliadas a prova pessoal, a prova por escuta telefónica e a prova documental.
A primeira incluiu as declarações do arguido, que minuciosamente se analisaram no contexto das restantes provas, tudo de acordo com regras de lógica e de experiência de vida, justificando-se clara e detalhadamente porque razão as razões do arguido não convenceram. Estas esbarraram com os sinais fortes e claros de provas de sentido contrário que, pari passu, se foram avaliando na sentença.
Dispensamo-nos de repetir aqui um percurso de análise que se mostra claro e coerente, sem saltos ou incongruências, e que não sai minimamente abalado por se ter afirmado, agora em recurso, contra tudo o que se evidencia com clareza na sentença, que a prova teria consistido apenas numa escuta telefónica.
E esta alegação – inverídica e, logo, inconsequente – não coloca o tribunal de recurso na posição de ter de repetir a justificação dos factos efectuada em 1ª instância.
Os recursos são sempre remédios jurídicos, que visam detectar e corrigir erros de julgamento. Constatando-se logo, da leitura do recurso e da leitura da sentença, que não são invocadas nem detectadas desconformidades entre a prova produzida e a percepção que dela foi feita, que inexistem provas proibidas ou produzidas fora dos procedimentos legais, e que o tribunal justificado adequadamente na sentença as opções que fez na valoração dos contributos probatórios, atribuindo valor positivo ou negativo às provas de um modo sempre racionalmente justificado, de acordo com regras de lógica e de experiência comum e com respeito pelo princípio do in dubio pro reo, cumpre confirmar a decisão da matéria de facto, sem mais considerandos.
E assim se decide relativamente a todos os factos, exceptuando no entanto o descrito em 48., como adiantámos.
Na verdade, este ponto de facto impugnado pede melhor análise. E o recurso da matéria de facto acabará aqui por proceder. Já que a alegação de que inexistiu prova do ponto de facto especificado apresenta-se fundada.
Defende o arguido que não foi produzida prova de que os estrangeiros referidos em 20. tenham chegado a Portugal, ou seja, que EC, EO, MC, IS, OB e VCD, qualquer um deles, tenham realmente entrado no nosso país.
O Ministério Público, nas duas instâncias, não responde nem se pronuncia sobre este concreto ponto de facto especificado em recurso. Em suma, não refuta a alegação do arguido.
Na sentença figura como provado que “o arguido, MHPR, fez redigir as promessas de contrato de trabalho e assinou-as” e que “isso aconteceu, concretamente, com as promessas de contrato de trabalho que fazem parte dos processos de visto consular referentes a EC, EO, MC, datadas de 1 de Setembro de 2005, e IS, OBe VCD, datadas de 10 de Novembro de 2005, as quais o arguido, MHPR, assinou na qualidade de entidade empregadora com o CAE 01111 Cerealicultura” (são os factos constantes de 19. e 20.)
Estes factos encontram-se suficientemente justificados na sentença, particularmente por prova documental. Tudo isto é exaustivamente fundamentado no exame crítico da prova, como se disse. Aliás, a sentença actual é a reformulação de sentença anterior, anulada por deficiente fundamentação da matéria de facto na sequência da interposição de recurso.
De igual modo se encontram suficientemente demonstrados os factos descritos em 44. a 47.: “44. A actuação acima descrita – praticada por aquele grupo de indivíduos, entre os quais se inclui o arguido, MHPR – deu azo a que inúmeros cidadãos estrangeiros conseguissem obter vistos de trabalho em Portugal; 45. Mais ocasionou que alguns desses cidadãos entrassem e permanecessem no nosso país dentro das condições legais exigidas, mas preenchidas de forma fraudulenta, facto de que todos tinham pleno conhecimento; 46. O arguido, MHPR, ajudou, concretamente (e por via das promessas que subscreveu), EC, MC, EO, IS, OB e VCa obter vistos de trabalho em Portugal; 47. A verdade é, porém, que os dois últimos viram os seus vistos suspensos por razões alheias à sua vontade e alheias à vontade do aqui arguido, MHPR, e do grupo a que se vem fazendo referência”.
Já assim não sucede, porém, com o facto descrito em 48.: “Ao agir da forma descrita, o arguido, MHPR, ajudou a introduzir em Portugal, de forma reiterada, pessoas sem visto de trabalho válido (ou qualquer outro documento que legalizasse essa entrada ou permanência)”.
A sentença não resolve esta questão suscitada pelo arguido. Não explica como se considerou provado que as pessoas que o arguido (este arguido) ajudou (na obtenção de vistos de trabalho em Portugal), e que foram EC, MC, EO, IS, OBe VC, tenham chegado a entrar no país.
De acordo com os factos provados, foram estas as pessoas “ajudadas” por este arguido e, quanto a elas, a sentença não fornece explicação para a asserção de que pelo menos uma delas tenha chegado a entrar em Portugal.
“Ajudar a introduzir” pressupõe a efectiva introdução (no país). E, lida a sentença, fica sem se perceber de que prova terá resultado o convencimento de que os estrangeiros em causa terão chegado a entrar em Portugal. E, note-se, serão apenas estas as pessoas que respeitam à actividade objectivamente imputável ao recorrente. Muitos dos factos provados não lhe dizem directamente respeito (como o recorrente alega em recurso), mas não é censurável a sua inclusão na matéria de facto, pois favorece a melhor compreensão do episódio de vida em apreciação.
Acresce que da própria sentença resulta que duas dessas pessoas não chegaram a entrar no país (como se lê na própria matéria de facto provada). Na motivação da matéria de facto afirma-se que outras três chegaram a Itália e nada mais se acrescenta. E desconhece-se, por último e ainda conforme a sentença, o efectivo destino da sexta.
É hoje incontroverso que a livre apreciação da prova se conecta com o exame crítico da sentença, estando liberdade de valoração e motivação de facto insoluvelmente ligadas. “Motivar, na sua aproximação mais óbvia, é justificar a decisão adoptada para que possa ser controlada do exterior (Perfecto Andrés Ibañez, Sobre a Formação Racional da Convicção Judicial, Julgar nº 13, p. 167).
Ao motivar, o tribunal tem de dar a conhecer “as razões – necessariamente racionais e objectivas – da decisão (…) O tribunal dará cumprimento à norma, tendo em conta o art. 205º da CRP, ao identificar as provas que foram produzidas ou examinadas em audiência e ao expor as razões de forma objectiva e precisa porque é que determinadas provas serviram para alicerçar a convicção e porque é que outras não serviram (…) Ela destina-se a justificar, de forma racional e objectiva, a convicção formada” (Sérgio Poças, Sentença Penal – Fundamentação de Facto, Rev. Julgar, nº3).
Do exposto resulta que o exame crítico da prova não cumpre as suas finalidades no que respeita ao ponto de facto ora em análise, pois não esclarece como se chegou à prova do facto descrito em 48.. Ocorreria, pois, e novamente, a nulidade de sentença por falta de fundamentação da matéria de facto (art. 379º/1-a) do Código de Processo Penal), agora só quanto a este concreto ponto de facto.
No entanto, o recurso efectivo da matéria de facto apresenta a virtualidade de permitir também preservar a sentença nos casos em que o juiz de julgamento não terá sabido exprimir-se devidamente. Ou seja, preservá-la tanto nas situações em que a primeira instância julgou bem (de facto) mas fundamentou deficientemente a convicção (de facto), completando-se então essa fundamentação, como nos casos em que não julgou bem de facto, procedendo então à correcção da matéria de facto. Na verdade a Relação, porque também em contacto com as provas, pode hoje superar as deficiências de fundamentação da sentença, confirmando a boa decisão (de fundo) apesar das eventuais deficiências (de forma), ou proceder desde logo à correcção da matéria de facto porque o acesso às provas assim o permite. Oportunidade que esvazia em muito as valências da nulidade de sentença decorrente de um imperfeito exame crítico da prova (arts 379º/º1-a) e 379º/2 do Código de Processo Penal).
Como assertivamente se nota no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.01.2011 (Rel. Manuel Braz), “a partir da revisão de 98 do CPP, a consagração plena de um duplo grau efectivo de jurisdição em matéria de facto, torna muito menos valiosas as razões que levaram o legislador a instituir um sistema de motivação da decisão proferida sobre matéria de facto de modo a possibilitar o seu efectivo controlo. Estando ao alcance dos recorrentes o recurso amplo em matéria de facto, o que verdadeiramente relevará é verificar se ocorreu ou não um erro de julgamento da matéria de facto e já não tanto a apreciação da correcção formal da explicitação da convicção adquirida pelo tribunal”.
Assim, no presente caso, não só a sentença não explica como se provou o facto descrito em 48., como o acesso à prova permite constatar (pois assim resulta da análise das provas indicadas em recurso e de todas as outras - art. 412º/6 do Código de Processo Penal) que em julgamento não foi produzida prova bastante do facto impugnado.
Este juízo de insuficiência de prova ora constatado adensa-se mesmo através da consulta de outros elementos do processo. Elementos que indicam também que estas pessoas nunca foram ouvidas no processo, nem em inquérito, nem em julgamento, ao contrário de muitos dos outros estrangeiros introduzidos no país por acção de outros arguidos já condenados (como se constata, por exemplo, de fls. 49 a 71).
Assim, nem a sentença explica a convicção de “provado” quanto ao facto especificado em 48., nem esse resultado se retiraria das provas especificadas ou de outras examinadas em audiência.
Pelo que é de concluir, desde já, que o erro de julgamento ocorreu quanto ao facto descrito no ponto 48. “Ao agir da forma descrita, o arguido, MHPR, ajudou a introduzir em Portugal, de forma reiterada, pessoas sem visto de trabalho válido (ou qualquer outro documento que legalizasse essa entrada ou permanência)”, o qual, assim, deixa de constar dos factos provados da sentença, passando para os factos não provados, o que se decide.

(c) Da integração jurídica dos factos
O arguido não impugnou a sentença em matéria de direito, limitando-se a pedir a absolvição, na sequência da pretendida procedência do recurso em matéria de facto.
Da procedência parcial deste importará retirar as consequências jurídicas que se impõem, e apenas na estrita medida do que resulta da alteração (redução) da matéria de facto provada.
O arguido foi condenado como autor de um crime de auxílio à imigração ilegal do artigo 134.ºA/2 do Decreto-Lei nº 244/98, de 8 de Agosto, com a redacção do Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, que continua a ser punido pelo artigo 183º/2 da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho.
Escreveu-se, para tanto, na sentença:
“Ao arguido, MHPR, vem imputada a prática, como autor material, de um crime de auxílio à imigração ilegal (que estava previsto e era punido, então, pelo artigo 134.º-A do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, e o é, presentemente, pelo artigo 183.º, número 2, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho).
O artigo 134.º-A do Decreto-Lei 244/98, de 8 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, previa o seguinte:
“ 1- Quem favorecer ou facilitar, por qualquer forma, a entrada ou o trânsito ilegais de cidadão estrangeiro em território nacional é punido com pena de prisão até 3 anos.
2 - Quem favorecer ou facilitar, por qualquer forma, a entrada, a permanência ou o trânsito ilegais de cidadão estrangeiro em território nacional, com intenção lucrativa, é punido com pena de prisão de 1 a 4 anos”.
Hoje, e, desta feita, no artigo 183.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, prevê-se, igualmente, que:
“ 1- Quem favorecer ou facilitar, por qualquer forma, a entrada ou o trânsito ilegais de cidadão estrangeiro em território nacional é punido com pena de prisão até 3 anos.
2 - Quem favorecer ou facilitar, por qualquer forma, a entrada, a permanência ou o trânsito ilegais de cidadão estrangeiro em território nacional, com intenção lucrativa, é punido com pena de prisão de 1 a 4 anos”.
A noção de “ilegalidade” da entrada/permanência e trânsito de cidadão estrangeiro em território nacional encontrava-se, por seu turno, plasmada no artigo 136.º do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto (e, identicamente, encontra-se – hoje – no artigo 181.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho), onde se previa:
“ 1 - Considera-se ilegal a entrada de estrangeiros em território português em violação do disposto nos artigos 9.º, 10.º, 12.º e 13.º e nos n.os 1 e 2 do artigo 25.º.
2 - Considera-se ilegal a permanência de estrangeiros em território português quando esta não tenha sido autorizada de harmonia com o disposto no presente diploma ou na lei reguladora do direito de asilo , bem como quando se tenha verificado a entrada ilegal nos termos do número anterior ”.
A verdade é que, como se pode ler no acórdão proferido no âmbito dos autos que, sob o número 2/05.0zffar, correm termos neste 2.º Juízo de L, se é certo que “(…) a actividade fulcral em apreço era a de prévia obtenção de vistos de trabalho” e, como tal, “aqueles que os obtiveram e entraram em Portugal não poderiam formalmente ser considerados ilegais”, não é menos verdade que:
“(…) tal apenas formalmente se verifica , já que no que à entrada diz respeito e para a mesma “ devem igualmente os estrangeiros ser titulares de visto ”, para além de válido, “ adequado à finalidade da deslocação” e sobretudo “concedido nos termos do presente diploma ”, conforme dispõe o nº 1 daquele artº 13º.
É fora de qualquer dúvida que os vistos, com base em promessas de contrato de trabalho ou contratos de trabalho fictícios e por isso de forma fraudulenta, não foram concedidos nos termos da lei (desta ou de qualquer outra).
Também relativamente à permanência dos mesmos dispensa a lei o mesmo tipo de definição formal, bastando que aquela não tenha sido autorizada de harmonia com o disposto na lei em apreciação.
Como seguramente não foi e pelo mesmo motivo, já que eram falsas as promessas de contrato de trabalho ou os contratos de trabalho que serviam de base à obtenção dos vistos de trabalho.
Para dissipar qualquer tipo de dúvida (já que a obtenção de visto de trabalho ou outro por forma fraudulenta terá sempre de ser considerada ilegal) basta atentar no que dispõem os artos 27º , 36º e 37º daquele diploma , dos quais resulta a exigência de prévio controlo por parte do Estado com vista a que o visto seja concedido para o fim efectivamente pedido e por forma a que o imigrante tenha real oportunidade no mercado de trabalho e na comunidade onde se vai inserir, com as vantagens daí advindas para todos
A este propósito, e pela sua clareza, permitimo-nos, ainda, citar a anotação – ao artigo 183.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, cuja redacção – repita-se – é idêntica à do artigo 134.º-A daquele outro diploma legal, de Júlio A. C. Pereira e José Cândido de Pinho, a páginas 631 do seu “Direito de Estrangeiros – Entrada, Permanência, Saída e Afastamento”, em edição da Coimbra Editora do ano de 2008, onde se esclarece o seguinte:
“A verificação da prática do crime de auxílio à imigração ilegal carece da demonstração de requisitos subjectivos e objectivos. A acção material criminosa reside no “favorecimento” e na “facilitação”. O modo da acção não é definido: qualquer um serve (“por qualquer forma”: n.ºs 1 e 2; podemos incluir aqui, por exemplo, obtenção de documento fraudulento; protecção ao esconderijo ou acolhimento em casa do agente, etc). O objecto da acção é a “entrada”, o “trânsito” (n.º 1) ou a “permanência” (n.º2) ilegais, consoante os casos, noções cuja verificação casuística concreta há-de buscar-se no disposto no art. 181.º, supra. O sujeito activo é qualquer pessoa. O sujeito passivo é um cidadão estrangeiro. O elemento subjectivo consiste na consciência de prestar ilicitamente ajuda a cidadão estrangeiro entrar, permanecer e transitar, ilegalmente, no nosso país. Para a prática do crime não é essencial a obtenção de um benefício económico, embora como resulta do n.º 2, também possa concorrer uma intenção lucrativa, que funcionará como elemento subjectivo que agrava a moldura penal abstracta.”
Ademais, e como – também - se pode ler na aludida anotação:
“Para além de prevenir e reprimir os crimes de auxílio à imigração, o preceito também está predestinado a servir de travão ao crime de tráfico de pessoas, dada a conexão parcial dos seus elementos.”
Isto porque, se “é verdade que o crime de tráfico de seres humanos não está fatal e necessariamente relacionado com o crime de auxílio. Isto é, não depende de favorecimento e de facilitação à entrada de estrangeiros ilegais, pois que até ocorre com cidadãos nacionais, com outros residentes legais e até com visitantes de outras nacionalidades”, não é menos certo que “não raras vezes, as pessoas vítimas deste auxílio (em inglês, “human smuggling”) acabam por se tornar concomitantemente vítimas de tráfico de seres humanos, para os mais diversos fins: exploração sexual de mulheres, trabalho e serviços forçados, pornografia infantil e pedofilia, etc, tudo isto em variadíssimas situações de fraude, servidão involuntária e escravatura, entre outras formas de atropelo à dignidade da condição humana
Afinal, e como se pode ler, desta feita, em acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Dezembro de 2009, disponível em www.dgsi.pt, no acto: “singular de ajuda à imigração ilegal (…) está (…) em causa a necessidade de disciplinar a forma como se processa o trânsito de pessoas entre Estados e, nomeadamente, o interesse que tem o estado em que tal fluxo obedeça a regras e disciplinas próprias. O controle da entrada ou saída de pessoas do território nacional deriva também de obrigação comunitárias que o nosso País assumiu por força dos compromissos vigentes. Em causa está não só a necessidade de regulação e controle do estado, como também a de evitar a situação de precariedade social e económica, quando não a própria fragilidade física, em que ficam aqueles que recorrem a instrumentos ilegais para assegurar a sua entrada no espaço nacional”.
Aliás, noção disto teria o arguido, MH, que fez questão de saber se tinha corrido “tudo” bem com as três mulheres a quem prometera trabalho.
Mostra-se provado que, com o intuito de receber contrapartidas pecuniárias, o arguido, MHPR, subscreveu falsas promessas de contrato de trabalho, ajudando, pois, a que diversos cidadãos estrangeiros (in casu, moldavos) obtivessem os vistos de que necessitavam para entrar no nosso país.
Ademais, e concomitantemente, ficou demonstrado que tais pessoas nunca chegaram a trabalhar para o aqui arguido, MH, ou – sequer – alguém pensou que tal pudesse acontecer, o que o mesmo sabia.
Importa, pois, concluir que o arguido, MHPR, cometeu o crime de auxílio à emigração ilegal pelo qual vinha acusado, previsto e punido, então, pelo artigo 134.º-a, número 2, do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, e que, consequentemente, se impõe a sua condenação.”
Da norma incriminadora resulta que o “auxílio à imigração ilegal” (no caso, a alteração da lei no tempo não é relevante) assume a natureza de crime de perigo abstracto, na modalidade prevista nos nºs 1 e 2, presumindo a lei que “as situações de favorecimento ou facilitação de entrada, trânsito ou permanência (…) ilegais do cidadão estrangeiro envolvem só por si o perigo de serem violados os direitos fundamentais deste, senão mesmo a sua dignidade como ser humano, a par da política imigratória” (Albano Pinto, Comentário das Leis Penais extravagantes, Org. P.P. Albuquerque, José Branco, I, p. 81).
Basta, pois, a prova de uma das condutas descritas nos nºs 1 e 2 da norma incriminadora para que o agente deva ser punido, pois “o perigo surge como objectivamente imputável à sua realização, sendo por isso inerente à própria conduta” (loc. cit.).
O crime realiza-se independentemente do bem jurídico chegar a ser efectivamente violado.
Tratando-se de um crime de perigo quanto ao bem jurídico, é já, porém, um crime material ou de resultado quanto ao objecto da acção.
A consumação exige, pelo menos, a entrada do imigrante no país.
Não basta pois considerar-se, como se consignou na sentença, o que para a realização completa do crime se apresentaria ali como suficiente: “mostra-se provado que, com o intuito de receber contrapartidas pecuniárias, o arguido subscreveu falsas promessas de contrato de trabalho, ajudando, pois, a que diversos cidadãos estrangeiros (in casu, moldavos) obtivessem os vistos de que necessitavam para entrar no nosso país. Ademais, e concomitantemente, ficou demonstrado que tais pessoas nunca chegaram a trabalhar para o aqui arguido, Mário Henrique, ou – sequer – alguém pensou que tal pudesse acontecer, o que o mesmo sabia. Importa, pois, concluir que o arguido, MHPR, cometeu o crime de auxílio à emigração ilegal”.
A consumação do crime implica a introdução ou penetração no território nacional, embora não se exija que o imigrante chegue a um concreto local de destino (acordado com o agente) ou que o país o aceite. Não basta que o agente facilite ou favoreça a entrada, o trânsito ou a permanência do estrangeiro no território nacional, sendo necessário que a entrada ocorra efectivamente para que se alcance a consumação (assim, Albano Pinto, loc. cit., p. 96).
A alteração ora operada na matéria de facto provada tem como consequência que o arguido deverá ser punido pelo crime (da condenação) mas na sua forma tentada. Pois apenas ficou demonstrada a prática dos actos de execução do crime que decidiu cometer (art. 22º do Código Penal).

(d) Da escolha e medida da pena
O arguido não recorreu da pena mas, face ao disposto nos arts. 23º, nºs 1 e 2 e 73º, nº 1-a) e b) do Código Penal, há que proceder ao reajustamento da pena concreta na nova moldura abstracta.
A pena encontra-se justificada assim na sentença:
“Ao crime de auxílio à imigração ilegal – com intenção lucrativa – corresponde uma moldura penal abstracta no máximo de 4 (quatro) anos de prisão e um mínimo de 1 (um) ano de prisão, conforme resulta do preceituado no artigo 134.º-a, número 2, do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro.
Hoje a moldura penal aplicável ao ilícito em causa é idêntica – cfr. o artigo 183.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho.
Assim sendo, e considerando o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, MHPR, cumpre – apenas e só – fixar a medida concreta da pena a aplicar ao mesmo, dentro da moldura penal abstracta e fazendo apelo aos critérios dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal.
A este propósito, e, desde logo, dispõe o artigo 40º do Código Penal que a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Mas – para que se consiga alcançar tal desiderato – é forçoso ter presente que são elevadas as exigências de prevenção geral que se fazem sentir neste caso.
Isto porque a prática do tipo de ilícito criminal que está em causa nestes autos constitui um factor de insegurança social, face à situação de crise económica que atravessamos e que torna, particularmente, vulneráveis a generalidade das pessoas e, designadamente, aquelas que se vêem forçadas a abandonar o seu país em busca de trabalho.
Ao invés, e no que diz respeito às exigências de prevenção especial, importa ponderar que, se é certo que o arguido, MHPR, não reconhece a prática dos factos pelos quais vem acusado ou – sequer – a gravidade dos mesmos, tendo optado por vitimizar-se e, ao mesmo tempo, admitir, sem qualquer pejo, que chegou, por mais de uma vez, a contratar “ilegais” para trabalhar consigo, não é menos verdade que: tudo se passou há mais de 4 (quatro) anos atrás e o arguido, MH, não regista quaisquer antecedentes criminais; e o grupo a que o arguido prestou colaboração já foi “desmantelado”, o que torna improvável que a situação se repita.
A medida concreta da pena apura-se, por outro lado, de acordo com o preceituado no artigo 71.º do Código Penal “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, atendendo “ a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele”.
Importa, pois, considerar que, não obstante a intensidade do dolo do agente – que é directo – e o grau de ilicitude dos actos em causa (que é elevado, já que foram 6 (seis) as pessoas que o mesmo se prestou a “ajudar” e a sua condição económica não era tão deficitária quanto isso, tendo sido, afinal, a ganância a justificar a sua actuação) ou até a sua postura em juízo de vitimização persistente, se divisam a favor do arguido, MHPR, os factos: de se mostrar familiar e socialmente bem integrado; e de exercer – há alguns anos – esta mesma actividade profissional de agricultor e, até à presente data, não registar quaisquer condenações.
Assim sendo, e ponderando todos os factores supra referidos, entendo adequada a aplicação ao arguido, MHPR, de uma pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão
Isso não significa, porém, que se deva ter por afastada a suspensão da execução da pena de prisão.
A este propósito, e na sua redacção actual (que é mais favorável ao arguido, MHPR, em virtude de já não ser possível – hoje - fixar o período de suspensão da execução de uma pena de prisão em mais do que a sua duração, razão pela qual será aplicado ao caso em apreço), dispõe o artigo 50.º do Código Penal que: (…)
A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão da execução de pena de prisão é o afastamento do arguido, no futuro, do cometimento de novos crimes.
A suspensão da execução de pena de prisão trata-se, em suma, de uma medida de cariz pedagógico e fortemente ressocializador, cuja aplicação pressupõe que o julgador esteja em condições de poder concluir que, daí em diante, o arguido irá pautar o seu comportamento pela observância estrita das regras da vida em sociedade (ou seja, que o mesmo irá conduzir a sua vida de acordo com as normas jurídico-penais) e permite evitar o desmembramento da estrutura familiar em que o arguido se encontra inserido.
A este propósito, e pela sua clareza, recorde-se o que, a propósito deste instituto, ficou escrito no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Abril de 2004, que se encontra disponível em www.dgsi.pt:
A suspensão de execução da pena, enquanto medida com espaço autónomo no sistema de penas da lei penal, traduz-se numa forte imposição dirigida ao agente do facto para pautar sua a vida de modo a responder positivamente às exigências de respeito pelos valores comunitários, procurando uma desejável realização pessoal de inclusão, e por isso também socialmente valiosa.”
A análise do caso dos autos permite constatar que o arguido, MHPR, é, afinal, um homem de trabalho e de família, respeitado na comunidade e respeitador das pessoas com que priva (que terá, por mais de uma vez, sucumbido à tentação de obter vantagem económica através do “atropelo” das normas legais vigentes em matéria de direito de estrangeiros).
Importa, em nosso entender, por que assim é – e ponderados, essencialmente, os efeitos nefastos das medidas detentivas – que o mesmo beneficie de uma oportunidade de se ressocializar em liberdade.
Pelo exposto, e com o intuito de sensibilizar o arguido para as normas jurídicas a que a mesma sabe encontrar-se vinculada, bem como fazer com que as respeite e assimile a sua obrigatoriedade, sob pena de cumprimento de pena de prisão efectiva, decido suspender a execução desta pena pelo período de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, em conformidade com o preceituado no artigo 50.º, números 1 e 5, do Código de Processo Penal, com a redacção que, actualmente, tem.
À luz do preceituado nos artigos 50.º, números 2, 3 e 4, e 52.º, número 1, do Código Penal, e, com o objectivo de reforçar o efectivo cumprimento das finalidades que com a aludida suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido se procuram atingir, julgo adequado subordinar a dita suspensão de execução de pena de prisão ao cumprimento da obrigação de entregar ao “Capela – Centro de Apoio à População Emigrante de Leste Europeu e Amigos”, i.p.s.s., a quantia de € 2.500 (dois mil e quinhentos euros), devendo comprová-lo nos autos no prazo máximo de 6 (seis) meses, a contar do trânsito em julgado desta sentença”.
Na determinação concreta da nova pena parte-se, como se sabe, dos preceitos nucleares dos arts 40º e 71º, nº1 do C.P., que suscitam a adequada ponderação dos princípios da culpa e da prevenção, no quadro constitucional da proibição do excesso.
Partindo das finalidades da pena, há que considerar que “a finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral”, devendo a pena “ser medida basicamente com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto” e o limite mínimo da moldura de prevenção geral será em concreto definido “pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode estender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica”. A pena deve ser medida pelo juiz “em função das exigências de protecção das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e que têm no processo um papel primordial”. E “os limites de pena assim definida pela necessidade de protecção de bens jurídicos não podem ser desrespeitados em nome da realização da finalidade de prevenção especial, outra finalidade em nome da qual a pena é medida”, sendo aqui o “desvalor do facto valorado à luz das necessidades individuais e concretas de socialização” do agente. À culpa fica reservado o papel de “incontestável limite de medida da pena assim encontrada” (Anabela Rodrigues, A determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, p. 570-576).
A nova moldura penal (pena especialmente atenuada – art. 73º, nº 1-a) e b) do Código Penal) é agora de 1 mês a 3 anos e 8 meses de prisão.
Os recursos (quer em matéria de facto, quer em matéria de direito) não são re-julgamentos da causa mas, tão só, remédios jurídicos. Assim, também em matéria de pena, o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico.
Daqui resulta que a Relação deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detecta incorrecções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância, na interpretação ou aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. A Relação não decide como se o fizesse ex novo, como se inexistisse decisão de 1ª instância.
Dentro desta margem de actuação, assumem-se como aceitáveis os elementos de ponderação e as razões já identificadas na sentença, que não oferecem reparo significativo, pelo que se passa ao reajustamento da pena dentro da nova moldura, a processar à luz do quadro legal valorativo a que fizemos referência.
Procede-se à redução da pena de prisão aplicada, que se fixa agora em 10 meses.
O tribunal concluíra já – e fazendo-o então à luz de uma moldura penal e de uma pena mais gravosas – que a prisão não era necessária à garantia das finalidades da punição.
Mas a nova pena de 10 meses de prisão, para além da execução suspensa, consente substituição ainda por pena de multa e por prestação de trabalho a favor da comunidade (arts. 43º, nº 1, 58º, nº 1 e 50º do Código Penal). Não sendo indiferente a opção por qualquer delas, não se vislumbra no caso qualquer fundamento que obste à substituição da prisão desde logo por multa (substituição menos gravosa). Multa que o arguido, laboralmente inserido, se apresenta em condições de pagar. A opção por esta pena de substituição importará, naturalmente, a revogação da sentença na parte em que se determinara o pagamento de indemnização como condicionante da suspensão da execução da prisão.
Para concluir, procede-se à substituição da pena de 10 meses de prisão por 240 dias de multa (critério da equivalência normativa, arts. 43º,1 e 2, 47º e 71º do Código Penal, vide Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 366/7, e Sónia Fidalgo, Jurisprudência crítica Ac. STJ 21.07.2009, RPCC ano 20, nº1, p. 149), à razão diária de 7,50€, perfazendo a multa total de 1.800,00 €.

4. Face ao exposto, acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:
Julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência,
- alterar a matéria de facto de acordo com o que consta em 2.b);
- alterar a qualificação jurídica dos factos provados para (um) crime de auxílio à imigração ilegal (do art. 134.ºA/2 do Decreto-Lei nº 244/98, de 8 de Agosto, na redacção do Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, presentemente, punido pelo artigo 183º/2 da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho) mas na forma tentada;
- reduzir a pena para 10 meses de prisão, substituída agora por 240 dias de multa a 7,50€/dia, (multa total de 1.800,00);
- confirmar, no mais, a sentença.
Sem custas.

Évora, 06.01.2015
(consigna-se que, embora o recurso tenha sido interposto em 10.08.2011, só em 06.10.2014 foi distribuído nesta Relação e em 14.11.2014 concluso para decisão à relatora)
(Ana Maria Barata de Brito)
(Maria Leonor Vasconcelos Esteves)