Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
216/14.2TATVR.E1
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
IRRELEVÂNCIA
INJÚRIA
Data do Acordão: 02/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - Em matéria penal, a impugnação em matéria de facto apenas será relevante se da sua procedência resultar alteração da decisão de alguma das questões relativas à culpabilidade a que se reporta o art. 368.º do CPP, ou à determinação da sanção, a que se refere o art. 369.º, do mesmo diploma legal, sem o que a impugnação será inadmissível por irrelevância.

II - As palavras dirigidas a outra pessoa só preenchem o tipo de injúria p. e p. pelo art. 181.º do C. Penal quando devam considerar-se lesivas da honra ou consideração do visado, nas circunstâncias concretas em que foram proferidas, conforme entendimento corrente na jurisprudência.

III - Ao chamarem ao assistente “fascista” e “ditador” no decurso de assembleia geral de associação, a que aquele presidia, e demais circunstâncias que em conjunto caraterizam o contexto em que foram proferidas aquelas palavras, a conduta dos arguidos não atinge a ilicitude pressuposta na definição legal do tipo de injúria p. e p. pelo art. 181.º do C. Penal que lhes vinha imputado, pelo que não é típica.
Decisão Texto Integral:
Em conferência, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório

1. Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que correram termos na secção de competência genérica (J1) da Instância Local de Tavira da Comarca de Faro, A. constituiu-se assistente e deduziu acusação particular, que o MP acompanhou, contra JN, casado e JS, casado, a quem imputando a prática, por cada um dos arguidos, de um crime de injurias p. e p. pelo artigo 181°, n° 1, do Código Penal.

2. O assistente, deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos, pedindo que cada um deles seja condenado a pagar-lhe a título de indemnização a quantia de €7.000,00.

3. Realizada Audiência de Julgamento, o tribunal singular decidiu absolver ambos os arguidos do crime de injúrias p. e p. pelo artigo 181º, n.º 1, do Código Penal de que foram acusados e julgar improcedente por não provado o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente, A., assim, absolvendo os arguidos desse mesmo pedido.

4. Inconformado com a sentença absolutória, recorreu o assistente extraindo da sua motivação as seguintes

«CONCLUSÕES
O assistente, acompanhado pelo Ministério Público, acusou os arguidos JN e JS imputando-lhes, a cada um, factos suscetíveis de integrarem, em autoria material e na forma consumada, um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.°, n.º 1, do Código Penal. O assistente Tibério Martins Pinto deduziu também pedido de indemnização civil contra os arguidos, pedindo que cada um seja condenado a pagar-lhe, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 7.000,00.

O Tribunal recorrido julgou improcedente a acusação e, em consequência, absolveu os arguidos da prática do crime de injúrias, p. e p. pelo artigo 181° n.º 1 do Código Penal, pelo qual vinham acusados e julgou improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente, absolvendo os arguidos do mesmo.

Para tanto, o Tribunal a quo julgou a matéria de facto conforme se alcança dos artigos 3° e 4° das alegações.

O assistente não está de acordo e não aceita, com o devido respeito, a matéria factual dada como provada e não provada no sentido da absolvição dos arguidos da prática dos crimes pelos quais vinham acusados, pelo que a vem impugnar recorrendo da douta sentença e pretendendo que o Venerando Tribunal de recurso proceda ao reexame da matéria de facto.

Foram incorretamente julgados os seguintes pontos de facto:

Factos provados:

7. Em face de tal comunicação e depois do assistente afirmar repetidamente que "quem manda aqui sou eu" gerou-se um enorme alvoroço por parte do auditório que dirigindo-se ao presidente da mesa gritava: "vai-te embora, chulo, gatuno, fascista, ditador, vigarista, filho da puta!".

9. O arguido JN, que integrava o auditório, dirigindo-se ao assistente, gritou: vai-te embora!, ditador!, fascista!

10. O arguido JS, que também integrava o auditório, dirigindo-se ao assistente gritou: ditador!, fascista! vai-te embora!.

Factos não provados:

3.A identificação dos representantes dos associados com direito a voto, por si ou munidos de credenciais, não foi possível por causa do alvoroço gerado.

4.Durante todo o curso dos trabalhos da assembleia geral de 28 de Setembro de 2013, o arguido JN dirigiu-se ao assistente A. e proferiu, repetidamente, em voz alta as seguintes palavras: "ó gatuno, vai-te embora; Ó ditador; Ó chulo, demite-te; filho da puta; vigarista; aldrabão".

5. O arguido JS enquanto decorria a assembleia geral de 28 de Setembro de 2013 dirigiu-se ao assistente e disse, repetidamente, em alta voz e atitude agressiva, as seguintes palavras: " Vai-te embora ... Sai daí fascista ... tem vergonha chulo, gatuno".

6. Os arguidos JN e JS ao proferirem as expressões referidas em 9. e 10. dos factos provados agiram voluntária e conscientemente, bem sabendo que as expressões utilizadas ofendem a honra e consideração alheias, e que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Do pedido de indemnização:
7. O assistente sentiu-se profundamente magoado e triste, ofendido e achincalhado pelas palavras que lhe foram dirigidas pelo arguido JS e pelo arguido JN.

As provas concretas que impõem decisão diversa da recorrida são as declarações do assistente e os depoimentos das testemunhas, tanto as arroladas pela acusação como pela defesa:

No caso dos autos, com todo e o devido respeito, o recorrente considera que o Tribunal a quo não apreciou com objetividade crítica os depoimentos prestados em audiência pelas testemunhas, tendo em conta a falta de uniformidade e as divergências verificadas nos depoimentos prestados pelas testemunhas de defesa.
Os depoimentos das testemunhas arroladas pelo assistente foram isentos, objetivos e consentâneos na forma como descreveram o que se passou na Assembleia Geral, nomeadamente, as expressões injuriosas proferidas pelos arguidos. Da análise destes depoimentos, conclui-se que os mesmos foram prestados com isenção, com clareza e lógica, e sem contradições, revelando todos terem conhecimento, cujas razões bem expressaram, acerca do modo como decorreram os trabalhos na Assembleia Geral, nomeadamente, no que se refere à atuação dos arguidos. Tais declarações correspondem às prestadas pelo assistente A. (gravadas de 11.13.40 a 12.09.36, do dia 16-11¬2015); por AT (gravadas de 12.22.11 a 12.31.01, do dia 16-11-2015); por MM (cujas declarações se encontram gravadas de 14:33:30 a 15:03:48, do dia 10¬12-2015); por NR (gravadas de 15.03.49 a 15.47.06, do dia 10-12-2015); por MJ (cujas declarações se encontram gravadas de 15: 10:01 a 15:24:49, do dia 05¬01-2016); por FG (cujas declarações se encontram gravadas de 15:24:50 a 15:41 :57, do dia 05-01-2015) e por RT (cujas declarações se encontram gravadas de 15:41 :58 a 16:03:55, do dia 05-01-2015).

Em suma, todas as testemunhas arroladas pela acusação confirmaram que, desde o início dos trabalhos, o ambiente da assembleia geral era hostil em relação ao assistente; o assistente imputou aos arguidos as expressões chulo, gatuno, demite-te, fascista e ditador, as testemunhas MM e NR imputaram-lhes as seguintes expressões: vai-te embora, fascista, gatuno, ditador, MJ, apesar de não conseguir imputar tais expressões aos arguidos, refere que ouviu a assembleia dizer vai-te embora, vigarista, filho da puta; o FG, também não consegue imputar tais expressões aos arguidos, mas refere que ouviu vai-te embora, chulo, fascista; por fim, a testemunha RT que não consegue imputar quaisquer expressões ao arguido JS mas em relação ao arguido JN afirma que o mesmo, dirigindo-se ao assistente, disse aldabrão, vai-te embora, fascista. Não tem a certeza se este arguido também disse chulo.

É oportuno referir que o Sr. Agente da P.S.P., AT, confirmou que na altura em que chegou ao local o ambiente era tenso, havia uma grande gritaria e algazarra por todo o lado.

Acrescentou que o Dr. A., Presidente da Mesa da Assembleia Geral, lhe disse que não tinha condições de segurança para continuar com a assembleia.

Mais referiu que na sua opinião não existiam condições para continuar a assembleia por o ambiente ser tenso, haver muita gritaria, muita algazarra e muita confusão.

O seu depoimento foi claro, objetivo e isento uma vez que a sua participação decorre da sua atividade profissional (agente da P.S.P.).

Analisando cuidadosamente os depoimentos das testemunhas arroladas pelos arguidos, conclui-se que os mesmos não foram isentos, claros, lógicos e padecem de contradições entre si.

Vejamos o que cada uma das testemunhas afirmou relativamente ao modo como decorreram os trabalhos da Assembleia Geral realizada em 28 de Setembro de 2013 e, nomeadamente, no que se refere à atuação dos arguidos:

JM, cujas declarações estão gravadas de 10:50: 18 a 11 :37:38, do dia 15/01/2016, refere que a assembleia estava impaciente, descontente e havia muito burburinho. Afirma que as pessoas queriam era resolver a situação ... aquilo às vezes pode aquecer mais um bocadinho mas não passa ... não passa mais do que bocas por ali. O que se ouvia por alto era, epá, despacha-te nisso, vai-te embora, às páginas tantas como não saiu daquela cassete até começou-se a ouvir vai-te embora e tal, sai, coisas assim do género.

Por diversas vezes afirma que não se recorda de ter ouvido expressões ofensivas a ser dirigidas ao assistente e que o que se ouvia mais era vai-te embora, deixa continuar a assembleia.

Não se recorda quais eram as pessoas que estavam junto a si na assembleia!!

Não sabe dizer se ouviu ou não, no decorrer da assembleia, as pessoas vaiarem (uhuhuhuh) o assistente.

Afirma que as pessoas educadamente manifestaram-se!!

E que eu pessoalmente exaltei-me numa pacificamente, digamos assim!!

FP, cujas declarações estão gravadas de 11 :59:56 a 12:42:17, do dia 15/01/2016, afirma que estava a cerca de um metro e meio, dois metros de distância dos arguidos.
Refere que as pessoas gritavam rua e vai-te embora.

Perguntado se tinha ouvido a expressão ditador afirma estás a ser ditador, epá, aquilo o que se ouvia lá dentro sempre era rua, rua, rua, vai-te embora, rua que não fazes cá falta, não pode ser, não mandas aqui, não és tu que mandas aqui dentro, quem manda aqui é a assembleia, e toda a gente, parecia uma plateia tudo a gritar ao mesmo tempo a mesma coisa, rua e vai-te embora. Era o que se chamava, foi os nomes, disto ou daquilo, não. O que diziam era vai-te embora, rua, deixa a Federação vai-te embora, deixa a assembleia que é a gente quem manda aqui ...

Refere que na altura em que o assistente abandonava a sala, as pessoas continuavam a gritar vai-te embora, não fazes cá falta nenhuma, não és tu que mandas aqui, vai-te embora.

Afirma, ao contrário do que disse o arguido JN, que este não se levantou para dizer isto ou aquilo, a chamar nomes, nem a provocar, nada disso, nada. Reiterou, mais à frente no seu depoimento, que os arguidos não gritaram qualquer expressão, apenas faziam comentários com as pessoas que estavam por perto. Também ao contrário do que os arguidos referiram, afirma que estes estavam sempre sentados e quando não estavam sentados estavam de pé a olhar uns para os outros e nada disseram ao assistente.

Num discurso pouco claro e coerente, refere o seguinte: Podia existir essas expressões naquela altura de dizer vai-te embora, eu ... o que se ouvia é toda a gente era isso que eu estou a dizer vai-te embora, vai-te embora, rua e às vezes ... sei lá gatuno.

Afirma que na altura em que o assistente ligou e depois estava a sentir, a ficar com medo, ou alguma coisa. Haviam pessoas, eu por exemplo dizia que ninguém ... eu estava ali e dizia assim ninguém vai fazer mal a ninguém aqui, de certeza que toda a gente sabe o que está aqui a fazer, não vão agredir ninguém e as pessoas olhavam ... e ele sentiu-se ... possivelmente gatuno, epá ... e se calhar ditador, não digo que não tivesse ouvido no meio daquilo ditador, ou fascista, vai-te embora dai.

Refere também que esteve, durante o período de uma hora em que há o conflito, a controlar o que os arguidos faziam.

Por seu turno, AD, cujas declarações estão gravadas de 10: 12:58 a 10:36:25, do dia 29/01/2016, começa por referir que uma pessoa já se esqueceu do que ouviu quase tudo.

Diz que estava sentado quase para o fim das filas das cadeiras. Refere que o ambiente estava um bocado pesado e que umas pessoas diziam uma coisa, outros diziam outra. Uns falavam alto e diziam vai-te embora. Afirma que o vai-te embora, o está calado, o que é que fazes aqui, o uhuhuhuh, é o que se ouvia as pessoas dizer muita vez .... ouvi as pessoas dizerem epá não sejas fascista, não sejas assim, é o que eu ouvi assim com mais ...

AM, cujas declarações estão gravadas de 10:36:26 a 11 :01 :40, do dia 29/01/2016, refere que havia pessoas que, dirigindo-se ao assistente, diziam para ele se ir embora, para ele deixar continuar aquilo, para prosseguir com aquilo, não é, para. .. epá, diziam vá-se embora, epá, deixe isso, tenha vergonha, o fascismo já acabou, coisas desse género assim. Afirma que havia muita gente a chamar-lhe ditador e gatuno e que é possível que também tenham chamado chulo isso é capaz, sim, possivelmente sim.

Refere que esteve sempre sentado e que o arguido JN tinha uma cadeira para se sentar mas tal e qual como as outras pessoas ora se levantavam, ora se sentavam, não é. Levantava-se para dizer para o Dr. A. sair, para ele se ir embora, para deixar aquilo. A testemunha disse também que os arguidos estavam sentados atrás de si.

Apenas se recorda dos arguidos na assembleia porque poucas pessoas conhecia.

Mais tarde no seu depoimento, refere que é possível que durante a assembleia tenham dito "gatuno, vai-te embora, sai"

JP, cujas declarações estão gravadas de 11:01:42 a 11:21:03, do dia 29/01/2016, apesar de pouco se recordar do que se passou nesta assembleia, referiu que estava sentado na segunda fila, ligeiramente para o lado da porta, para o lado esquerdo e ao seu lado estava o arguido JN, não se recordando de ver o arguido JS. É notório que esta testemunha falta à verdade quando afirma que o arguido JN estava sentado ao seu lado, na segunda fila!!

PS, cujas declarações estão gravadas de 11 :40:50 a 12:32:04, do dia 29/01/2016, refere que esteve sempre com o arguido JS e que estavam no meio da sala, estando por perto o arguido JN.

Afirma que o arguido JS, dirigindo-se ao assistente, disse o que a maior parte das pessoas disseram "vai-te embora, sai dai, és um ditador" e acho que lhe chamou também fascista.

JF, cujas declarações estão gravadas de 14:40:01 a 15:09:01, do dia 17/03/2016, começa por explicar que foi um uma assembleia geral que eu nunca tinha visto tal coisa. Por o assistente não colocar as duas listas à votação acontece um borburinho, toda a gente começa exaltada, toda a gente começa a falar e gera-se muito barulho na sala e o que é que eu ouço? Ouço toda a gente "unhhh, uhhhh" gritar, uma gritaria "uhhhhh, uhhhhh, uhhhh, sai daqui, vai-te embora, tem vergonha, vai para casa, ditador, fascista", estas coisas que uma pessoa não sabe em coro, conjunto não se percebe nada. Umas pessoas estão sentadas, umas de pé, aquilo era um alvoroço uma coisa ensurdecedora, isto foi o que eu ouvi na posição onde eu estava.

Esclarece que estava mais ou menos ao meio da sala e depois havia muita gente de pé à volta, por trás.

Afirma que não ouviu as expressões gatuno e ladrão.

Refere que estava mais ou menos ao meio da sala, portanto, ali sensivelmente aqui ao meio e o sr. JS estava junto à porta, da porta de entrada, portanto, o sr. JS estava de pé, eu estava sentado lá nos bancos, estávamos a uns oito metros, nove. Estava na terceira ou quarta fila de cadeiras.

Apesar do arguido JS estar atrás da testemunha, afirma que este esteve sempre de pé, junto à porta da sala.

Mais tarde refere que não esteve sempre a olhar para os arguidos e, por isso, admitiu que mesmo que o JS tivesse dito algumas expressões das que ouviu é possível que não se tivesse apercebido.

JA, cujas declarações estão gravadas de 15:09:02 a 15:34:03, do dia 17/03/2016, referiu que esteve na mesa da Assembleia, ao lado do assistente e cada vez que este se tentava dirigir à assembleia, as pessoas começavam todas a fazer uhuhuh e aos gritos.

Refere que ouviu na assembleia a expressão "ditador", ouvi a expressão ... "vai-te embora", agora não me pergunte ... eu não lhe sei dizer quem é que dizia, porque era impossível com o barulho que havia na sala alguém saber se alguém chamou nomes a alguém ou se tinha sido alguém em particular. No entanto, mais tarde refere que se os arguidos tivessem dito alguma coisa ter-lhes-ia reconhecido a voz, apesar do barulho que existia!!!

Não sabe onde estavam os arguidos durante a assembleia.

JC, cujas declarações estão gravadas de 15:34:04 a 16:02:46, do dia 17/03/2016, afirmou que as pessoas chamavam fascista ao assistente, diziam-lhe vai-te embora, apupavam e assobiavam, situação que reconhece que não deveria ter acontecido. Refere, ao contrário de outras testemunhas, que os nomes que eram dirigidos ao assistente eram ditos por pessoas que se encontravam na parte da frente da sala e não de trás, local onde os arguidos se encontravam. Deste local apenas ouvia assobios e uhuhuh. No entanto, também admite que os arguidos possam ter proferido algumas expressões e não se ter apercebido.

Confirma que o que o assistente dizia era eu é que dirijo os trabalhos da assembleia.

DS, cujas declarações estão gravadas de 16:02:47 a 16:45:54, do dia 17/03/2016, admite que as pessoas, sem conseguir identificá-las, tenham dito, dirigindo-se ao assistente, vai-te embora, fascista e ditador.

Refere que viu várias vezes o arguido JS mas não se apercebeu do arguido JN que não sabe onde estava.

Tal como a testemunha anterior, afirma que o modo como a assembleia se dirigiu ao assistente não foi a mais correta.

Da análise do depoimento das testemunhas de defesa, resulta que os mesmos não foram consentâneos com as regras de experiência comum; apresentaram, entre si, depoimentos contraditórios; foram parciais e, de modo flagrante, tentaram todos que aos arguidos não fosse imputada qualquer injúria proferida contra o assistente.

Estas testemunhas, no que à matéria da acusação diz respeito, tiveram relatos muito diferentes de como a assembleia decorreu: uns apenas ouviram uhuhuh e vai-te embora; outros já conseguiram ouvir ditador e fascista.

No entanto, apenas PS imputa ao arguido JS as expressões ditador e fascista, acrescentando, no entanto, que este arguido não disse quaisquer expressões ofensivas dirigidas ao assistente.

É de notar que quase todas as testemunhas de defesa estiveram de olhos postos nos arguidos, afirmando que, com certeza, não disseram nada de ofensivo ao assistente.

Não é consentâneo com as regras da experiência comum que, perante uma assembleia tão atribulada, o foco das testemunhas de defesa inquiridas fossem os arguidos. Esta especial atenção, injustificada, para com os arguidos, não é credível. Apenas se justifica porque estas pessoas, amigas dos arguidos, os quiseram proteger em Tribunal.

Assim, deveria o Tribunal a quo dar relevância apenas às declarações do assistente e ao depoimento das testemunhas arroladas pela acusação, pelas razões supra referidas.

O tribunal recorrido, por outro lado, deveria ter dado como provado que O assistente sentiu-se profundamente magoado e triste, ofendido e achincalhado pelas palavras que lhe foram dirigidas pelo arguido JS e pelo arguido JN, matéria factual referente ao pedido de indemnização civil, atendendo às declarações do assistente e aos depoimentos das testemunhas do pedido de indemnização civil:

O assistente referiu que ouviu palavras como esta ... quatro palavras sra. Ora. Juíza, que eu nunca mais me esqueço na minha vida e eu nunca me esquecerei... "ó chulo, ó gatuno, demite-te, fascista, ditador" e eu comecei a tomar atenção e realmente reparei que no fundo da sala, do lado direito quase no fundo da sala, logo a seguir à entrada, estava o sr. JS que eu conheço bem e o sr. JN que eu também conheço bem, eram meus colegas e foram durante vários anos meus colegas dos corpos sociais da assembleia geral e eu disse para o N. "ó N. isto é ofensivo, se fazes o favor escreves" e então ouvi claramente estas quatro palavras, porque dava a impressão que o sr. JS e o Sr. JN já as traziam decoradas propositadamente. O sr. JN "ó gatuno, chulo, vai-te embora, demite-te fascista, ditador" e eu disse "N. escreve se faz favor", estas palavras eram repetidas ali logo a seguir ao momento em que eu fiz essa comunicação ... eh, não com muita frequência, mas eram ditas. O sr. JS diz precisamente a mesma coisa e eu pensei "mas esta gente está programada!, está programada para atentar contra a minha honra para me fazerem desistir disto tudo", que eu acho que é perfeitamente ilegítimo e o sr. JS na mesma ... hum, "ó gatuno, vai-te embora, ó gatuno, ó chulo, ó fascista, ó ditador vai-te embora", "então mas isto não me está a acontecer" e mais uma vez disse ao N. 'Já escreveste as palavrinhas ai?, isto é ofensivo, escreve N. se faz favor" e o N. estava quase apavorado, o JN assim "ó homem, escreve ... escreve nós temos que fazer uma ata disto tudo" .

Enfim, considerei que efetivamente houve ali um atentado à minha honra, à minha consideração, enquanto presidente da mesa da assembleia geral, enquanto homem, não enquanto advogado, sra. Ora. Juíza, mas enquanto homem. Porque aquilo que aconteceu na minha opinião foi uma manipulação de toda a gente no sentido de me agredir sob o ponto de vista psíquico. Causou-me um transtorno enorme, Meritíssima Juíza sob o ponto de vista mental, intelectual, sonhei várias vezes com isto, alguns sonhos profundamente desgostosos... lembro-me uma vez ... eu peço desculpa ao tribunal mas deixe-me fazer este desabafo sra. Ora .... eu cheguei a sonhar que via uma multidão enorme, muita gente cheia de sangue ... o sr. VP com a cara em sanguentada, o sr. JM e o sr. JS ainda estar ... não apareceu assim com essa ... e eu acordei muito aflito porque tinha uma arma na mão, mas não conseguia ver o ponto de mira sra. Ora. Juíza, para, enfim, travar a multidão, não conseguia e acordei terrivelmente ansioso porque... e já não dormi mais, enfim, essa noite, sobretudo essa, mas pesadelos foram frequentes, não é.

Por outro lado, AL, cujas declarações se encontram gravadas de 16:14:17 a 16:30:39, do dia 10/12/2015, amigo do assistente há vários anos, afirmou que este desabafou consigo que estava muito incomodado com o que aconteceu na assembleia e que as coisas estavam de tal maneira más que temeu até inclusive pela vida, não é, aquilo estava de facto muito muito mau, portanto, ele mais que uma vez ele desabafou isso, mas Mais refere que o assistente se sentiu humilhado; é uma pessoa respeitada e respeitadora e aquilo, acho que não lhe caiu muito bem, portanto, é uma pessoa que estava de facto a ... muito constrangido com essa ... com essa situação, portanto, por isso é que eu digo mais que uma vez ele me falou nisso, não é.

Sentiu que o assistente estava afetado com a situação em termos psicológicos, quando uma pessoa fala mais que uma vez numa situação é porque a coisa incomodou bastante e sentia-se um bocado mal com a situação que o entristeceu, ficou triste por causa... desgostos por causa dessa situação uma vez que era uma situação que ele não merecia, não é. Tem dado ... e tem dado muito no meio, não é, para a caça e para o ... e que gosta, é uma pessoa que gosta, vê-se que está naquela ... naquele meio por gosto, não é por mais nada, não é por dinheiro.

Mais refere que o assistente lhe disse que aqueles atos tinham sido praticados por pessoas que pertenciam à direção.

VM, cujas declarações se encontram gravadas de 16:30:41 a 16:47:59, do dia 10/12/2015, amiga do assistente há mais de vinte anos, afirmou que o mesmo lhe contou que numa assembleia qualquer da Federação de Caça, acho que houve um problema qualquer com umas listas e acho que ele como estava na mesa da assembleia foi enxovalhado por tudo o quanto era nome. E é o que ele diz "eu tenho 60 anos nunca tinha ouvido me chamarem tantos nomes", pessoas que supostamente, pronto, eram companheiros de caça. Acho que lhe chamaram fascista, ditador, chulo, entre outras coisas que acho que ainda lhe chamaram outros nomes piores, mas pronto, ele estava... não parecia a mesma pessoa diz que, pronto, "em tantos anos nunca pensou, com uma vida profissional que tem e tudo ser tão enxovalhado, tão achincalhado, numa coisa que, pronto, supostamente é um hobby, não é, e que todos eram companheiros uns dos outros".

Estava efetivamente muito, como é que eu hei-de dizer, olhe, foi a primeira vez que eu o vi com lágrimas nos olhos a contar uma situação que, pronto, para ele o transtornou profundamente.

Ele sente desconforto porque... eu pela maneira de ver, isto é assim, ele era respeitado nesse meio. Ninguém gosta de estar com os seus companheiros de caça que ainda por cima é um hobby e de repente vê-se numa situação que tem que chamar a polícia para o tirarem de dentro de uma sala, não é. E eu parto de um princípio que ele nunca lhe passou pela cabeça que fosse achincalhado da maneira que foi, porque aquilo pelos vistos, pelo que eu percebi, eram companheiros de caça.

Especificou que o assistente lhe contou que estava imensa gente na sala e que começou ... os ânimos começaram-se a alterar e que, pronto, muita gente lhe tinha chamado nomes, mas que havia pelo menos dois companheiros de caça que ele os reconheceu que efetivamente lhe chamaram imensos nomes, que o achincalharam. Porque acho que faziam isso repetidas vezes.

AMC, cujas declarações se encontram gravadas de 16:48:00 a 17:16:25, do dia 10/12/2015, amigo do assistente há cerca de 35 anos, referiu que o assistente lhe contou o que se passou na assembleia geral e que duas pessoas que eu, até pela ligação que tinham com o Dr. A., pensava que eram amigos, ou muito amigos, um que era o sr. JN e o sr. JS, que eu até pensava que eles tinham uma relação saudável, acho eu, pronto, o ofenderam bastante e chamaram-lhe tudo filho da puta e ladrão e gatuno e fascista, em plena assembleia geral. Esclarece que o assistente, quando se referiu aos factos, falou nestas duas pessoas que a testemunha se recorda porque estas pessoas ... sempre que se falava de caça ou na Associação de Caçadores …, porque o meu pai também é caçador e sempre ouvi o nome destas pessoas há anos ...

AHC, cujas declarações se encontram gravadas de 14:26:58 a 14:53:38, do dia 05/01/2016, amigo do assistente desde os tempos da faculdade, que referiu que o assistente não tem qualquer filiação partidária; é uma pessoa livre e que pensa pela cabeça.

AM, cujas declarações se encontram gravadas de 14:53:39 a 15:10:00, do dia 05/01/2016, amigo do assistente há cerca de 26/27 anos, que afirmou que o assistente lhe contou que lhe chamaram... chamaram-lhe ladrão, chamaram-lhe chulo, acho que até insultaram a mãe dele, por isso ele estava mesmo, ele estava muito, muito, muito, muito em baixo, nunca tinha visto o Dr. A. naquele estado ...
Esta testemunha refere que o assistente ficou abalado pelos nomes que lhe chamaram, por isso, ele não está habituado a que o insultem, a que o chamem fascista, ladrão, chulo, incluindo até a senhora sua mãe, sim é lógico que ninguém gosta que ameacem de morte ...

Assim, o Tribunal a quo havia de julgar provado que:

- Em face de tal comunicação gerou-se um enorme alvoroço por parte do auditório que dirigindo-se ao presidente da mesa gritava: "vai-te embora, chulo, gatuno, fascista, ditador, vigarista, filho da puta".

- A identificação dos representantes dos associados com direito a voto, por si ou munidos de credenciais, não foi possível por causa do alvoroço gerado.

- Durante todo o curso dos trabalhos da assembleia geral de 28 de Setembro de 2013, o arguido JN dirigiu-se ao assistente A. e proferiu, repetidamente, em voz alta as seguintes palavras: "Ó gatuno, chulo, vai-te embora; demite-te fascista, ditador".

- O arguido JS enquanto decorria a assembleia geral de 28 de Setembro de 2013 dirigiu-se ao assistente e disse, repetidamente, em alta voz e atitude agressiva, as seguintes palavras: "Ó gatuno, chulo, vai-te embora; demite-te fascista, ditador".

- Os arguidos JN e JS ao proferirem as expressões referidas agiram voluntária e conscientemente, bem sabendo que as expressões utilizadas ofendem a honra e consideração alheias, e que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

- O assistente sentiu-se profundamente magoado e triste, ofendido e achincalhado pelas palavras que lhe foram dirigidas pelo arguido JS e pelo arguido JB.

E, haveria de julgar não provado que:

- Em face de tal comunicação e depois do assistente afirmar repetidamente que "quem manda aqui sou eu" gerou-se um enorme alvoroço por parte do auditório que dirigindo-se ao presidente da mesa gritava: "vai-te embora, chulo, gatuno, fascista, ditador, vigarista, filho da puta!";

- O arguido JN, que integrava o auditório, dirigindo-se ao assistente, gritou: vai-te embora!, ditador!, fascista!;

- O arguido JS, que também integrava o auditório, dirigindo-se ao assistente gritou: ditador!, fascista! vai-te embora!.

Desta forma, alterando-se a douta decisão de facto nos termos acima expostos, devem os arguidos ser condenados pela prática do crime de injúrias, p. e p. pelo artigo 181.°, n.º 1, do Código Penal, na pessoa do assistente. Mais devem ser condenados a pagar ao assistente, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 7.000,00, no total de € 14.000,00.

Ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, o recorrente considera que as expressões dirigidas pelos arguidos à sua pessoa têm a virtualidade de causar dano à sua honra e consideração.

Aceitando-se a supra exposta impugnação da matéria de facto e, até apenas a matéria dada como provada pela sentença recorrida, verifica-se que no decurso de uma assembleia geral da Federação de Caçadores…, da qual o assistente era o Presidente da Mesa, os arguidos, dirigiram-lhe as seguintes expressões Ó gatuno, chulo, vai-te embora; demite-te fascista, ditador (ou tão só Vai-te embora, ditador, fascista).

É notório que as palavras dirigidas pelos arguidos ao assistente têm um elevado cariz ofensivo da sua honra e consideração. Não são meramente indelicadas ou grosseiras. Antes constituem um atentado à personalidade moral do assistente; contendem com o conteúdo ético da sua personalidade moral e atingem aquele que é o núcleo essencial das qualidades morais inerentes à dignidade da pessoa humana, colocando em causa o carácter, o bom nome e a reputação do assistente.

Nem se diga que o contexto em que foram proferidas as desonera de tal gravidade uma vez que, não concordando com a decisão do assistente de apenas colocar uma lista à votação, a assembleia, na qual se incluem os arguidos, poderia recorrer de tal decisão, como, aliás, se verificou no início da assembleia (conforme se constata da análise da ata da assembleia anexa à participação criminal).

Por outro lado, uma pessoa injúria outra, normalmente, quando discute com a mesma ou quando não concorda com alguma posição assumida por esta e estranho seria que uma pessoa decidisse injuriar outra se se desse bem com a mesma.

As expressões que foram dirigidas pelos arguidos ao assistente "gatuno"; "chulo"; "fascista" e "ditador", qualquer que seja o conceito de honra e consideração que se perfilhe, têm um significado, sem qualquer margem para dúvida, ofensivo da honra e consideração à luz dos padrões médios de valoração social, situando-se muito para além da mera violação das regras de cortesia e de boa educação e atingindo já o âmago daquele mínimo de respeito indispensável ao relacionamento em sociedade.

Assim: gatuno é aquele que rouba, um ladrão, larápio ou aquele que colhe lucros ilegitimamente, geralmente prejudicando alguém; chulo é aquele indivíduo que vive à custa de alguém ou que se aproveita economicamente de outra pessoa; fascista é uma pessoa que faz parte ou defende o estabelecimento do fascismo, um regime político caracterizado por medidas extremistas e autoritárias; ditador é um indivíduo arrogante que pretende impor aos demais a sua vontade.

Estas expressões foram utilizadas pelos arguidos com um sentido pejorativo e foram aptas a vexar e humilhar o assistente, possuindo idoneidade objetiva a fim de preencher o tipo incriminador em causa.

Os arguidos, para além de terem responsabilidades na Federação de Caçadores do Algarve por fazerem parte, desde há vários anos, dos respetivos órgãos sociais, conheciam o assistente e tinham, por isso, consciência que as expressões que lhe dirigiram eram ofensivas da sua honra e consideração, sabendo ainda que a sua atuação era proibida por lei.

Não entendendo nem decidindo assim, o Tribunal recorrido violou o disposto no artigo 181.°, do Código Penal.

Nestes termos e nos mais de Direito, deve conceder-se provimento ao recurso, modificando-se a douta decisão de facto, conforme supra exposto, e revogando-se a sentença recorrida, a substituir por outra em que os arguidos sejam condenados pela prática do crime de injúrias na pessoa do assistente.

Deverá ainda conceder-se provimento ao recurso na parte relativa à indemnização civil, condenando-se os arguidos a pagar ao demandante a quantia de € 7.000,00, no total de € 14.000,00.»

5. Notificados, o MP e o arguido José Seromenho apresentaram as suas respostas.

5.1.O MP pronuncia-se no sentido da procedência do recurso, considerando que face à prova produzida, se deveriam ter considerado preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo-de-ilícito imputado aos arguidos, condenando cada um deles como autor material do crime de injúria de que vinham acusados.

5.2. Diversamente, o arguido recorrente pronuncia-se no sentido da improcedência do recurso.

6. Nesta Relação, o senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da total improcedência do recurso, pelas razões que desenvolve.

7. Notificados nos termos do art. 417º nº2 do CPP, os interessados nada mais disseram.

8. A sentença recorrida (transcrição parcial):

«1. Factos provados

Da acusação:

1. No dia 28 de Setembro de 2013, entre as 16 horas e as 18 horas e 30 minutos, no auditório da Biblioteca Municipal de Tavira, na cidade de Tavira, teve lugar uma assembleia geral da FC-- com a seguinte ordem de trabalhos: eleição dos órgãos sociais para o próximo quadriénio.

2. A citada assembleia geral foi convocada pelo respectivo presidente da mesa da assembleia geral, o assistente A., sendo a convocatória enviada a todos os sócios da FC… assim como uma lista de pessoas concorrente às eleições com indicação dos nomes e dos respectivos cargos.

3. A lista em apreço, indicava o nome de A. para presidente da mesa da assembleia geral e o de JP para presidente e presidente da direcção.

4. VP, presidente da direcção da FCA, enviou a todos os associados da FC…, para efeitos de eleição na assembleia de 28 de Setembro de 2013, as listas A e B, pretendendo que ambas fossem postas a votação.

5. Antes do inicio da assembleia, à porta do auditório da biblioteca Municipal Álvaro de Campos, em Tavira, em face do elevado numero de presentes, alguns indivíduos da lista que indicava o nome de A. para presidente da mesa da assembleia geral e o de JP para presidente e presidente da direcção tentaram identificar os associados com direito a voto, por si ou munidos de credenciais de representação, processo que foi demorado e originou inúmeros protestos, levando a que fosse ordenada a entrada dos presentes para a sala sem identificação ou credenciação.

6. No decurso da assembleia o presidente da mesa, o assistente A., comunicou aos presentes que não colocaria à votação a lista A.

7. Em face de tal comunicação e depois do assistente afirmar repetidamente que "quem manda aqui sou eu" gerou-se um enorme alvoroço por parte do auditório que dirigindo-se ao presidente da mesa gritava: "vai-te embora, chulo, gatuno, fascista, ditador, vigarista, filho da puta!"

8. Ao mesmo tempo apupava o presidente da mesa gritando U!, U!, U!, U!, U!

9. O arguido JN, que integrava o auditório, dirigindo-se ao assistente, gritou: vai-te embora!, ditador!, fascista!

10. O arguido JS, que também integrava o auditório, dirigindo-se ao assistente gritou: ditador!, fascista! vai-te embora!.

11. O presidente da mesa em face do comportamento da assembleia referido em 7. e 8., solicitou a comparência no local da PSP e quando a PSP chegou abandonou a sala acompanhado dos agentes, referindo não ter condições para continuar a dirigir os trabalhos.
12. O arguido JN é armeiro, vive em casa própria e a esposa aufere o ordenado mínimo nacional

13. O arguido JN tem frequência do 1° ano de engenharia civil.

14. O arguido JS é reformado, aufere uma pensão de reforma de €328,50 mensais, a esposa aufere o ordenado mínimo nacional e vivem em casa dos filhos.

15. O arguido JS tem o 4° ano de escolaridade.

16. O arguido JN não tem antecedentes criminais

17. O arguido JS foi anteriormente condenado pela prática em 01-01-2008 de um crime de abuso de confiança fiscal p.p. pelo artigo 105°, n° 1, do RGIT.

Do pedido de indemnização:
18. O assistente A. é uma pessoa de elevados valores e princípios morais, respeitador e respeitado na sua vida pessoal e profissional.

19. O assistente é um individuo estimado e considerado no meio social em que vive e é dotado de elevada sensibilidade moral.

20. O assistente é advogado de profissão, com escritório em Faro, sendo muito conhecido na região do Algarve.

21. O assistente é considerado por colegas, magistrados, funcionários judiciais e clientes como um profissional empenhado, sendo por todos respeitado.

22. O assistente é também caçador e proprietário de matilhas de caça maior, conhecido de todos os caçadores, inclusivamente, na sua qualidade de presidente da mesa da assembleia geral da FC….

23. O assistente sentiu-se profundamente magoado e triste, ofendido e achincalhado pelas palavras que lhe foram dirigidas na assembleia.

24. O assistente ficou muito nervoso, triste, incomodado e sentiu uma vergonha profunda perante todos os que assistiram e vieram a saber do comportamento da assembleia.

2. Factos não provados

Da acusação:

1. VP, em colaboração com os arguidos e outros candidatos da lista A lograram convencer mais ou menos duzentas pessoas a estar presentes na assembleia geral de 28 de Setembro de 2013.

2. A média de presenças em assembleias gerais da FC--- foi de 60 sócios, com excepção das destinadas à eleição dos corpos sociais que foi de 70.

3. A identificação dos representantes dos associados com direito a voto, por si ou munidos de credenciais, não foi possível por causa do alvoroço gerado.

4. Durante todo o curso dos trabalhos da assembleia geral de 28 de Setembro de 2013, o arguido JN dirigiu-se ao assistente A. e proferiu, repetidamente, em voz alta as seguintes palavras: -ó gatuno, vai-te embora; Ó ditador; Ó chulo, demite-te; filho da puta; vigarista; aldrabão".

5. O arguido JS enquanto decorria a assembleia geral de 28 de Setembro de 2013 dirigiu-se ao assistente e disse, repetidamente, em alta voz e atitude agressiva, as seguintes palavras: " Vai-te embora... Sai daí fascista... tem vergonha chulo, gatuno".

6. Os arguidos JN e JS ao proferirem as expressões referidas em 9. e 10. dos factos provados agiram voluntária e conscientemente, bem sabendo que as expressões utilizadas ofendem a honra e consideração alheias, e que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Do pedido de indemnização:

7. O assistente sentiu-se profundamente magoado e triste, ofendido e achincalhado pelas palavras que lhe foram dirigidas pelo arguido JS e pelo arguido JN.

3. Motivação da decisão de facto

A CONVICÇÃO do tribunal quanto aos factos provados e não provados fundou-se genericamente na análise e apreciação de toda a prova produzida e examinada em audiência de julgamento à luz do princípio da normalidade e das regras da experiência comum, nomeadamente:

• as declarações prestadas pelo arguido JS que negou os factos constantes da acusação, nomeadamente que tivesse chamado as expressões aí referidas ao assistente, admitindo que as pessoas estavam aborrecidas com a forma como estava a ser conduzida a assembleia geral e que o barulho era infernal. Mais referiu desconhecer quem chamou a polícia, viu o assistente sair com a polícia, afirmando ainda que ninguém ameaçou o Dr. A.

• as declarações prestadas pelo arguido JN que também negou as expressões que lhe são atribuídas na acusação, referindo que só ouviu gritar "vai-te embora!" e "tem vergonha!" quando souberam que só ia a votação uma das listas.

as declarações prestadas pelo assistente A. que começou por explicar o porquê da convocação da assembleia, referindo depois a confusão gerada em consequência da demora no processo de identificação e credenciação das pessoas e a ordem dada para que as pessoas entrassem sem a prévia identificação a fim de obviar a mais demoras, o requerimento de esclarecimento apresentado sobre as listas que iam ser sujeitas a votação, a comunicação de que a lista A não seria posta a votação e o barulho ensurdecedor daí resultante por parte da assembleia, acabando por referir que ouviu claramente os arguidos gritarem" chulo", "gatuno", "fascista"," ditador" e "vai-te embora", afirmação que não se compagina com o enorme alvoroço e barulho ensurdecedor que se fazia sentir, em risco de se transformar "em palco de violência", e que o levou a solicitar a presença da PSP, não ficando claro que o assistente tenha conseguido identificar os arguidos (e só estes), no meio de uma multidão de cerca de 200 pessoas, como os autores de tais expressões.

• o depoimento prestado pela testemunha AT que confirmou ter-se deslocado ao auditório da Biblioteca Municipal de Tavira por volta das 18.00 horas por ter sido solicitada a presença da PSP e bem assim ter conduzido o Dr. A. ao exterior e que referiu que o ambiente estava muito tenso e confirmou o pro ferimento de palavras agressivas dirigidas às pessoas que estavam na mesa, não conseguindo concretizar as expressões ofensivas, nem identificar os autores das mesmas, por se encontrar centrado em conduzir o Dr. A. ao exterior, como referiu.

• o depoimento prestado pela testemunha MM que se limitou a declarar ter ouvido os arguidos chamar fascista, gatuno e ditador ao Dr. A. e gritar vai -te embora, embora sem explicar as circunstâncias em que foram proferidas tais expressões, acabando por confirmar que o Dr. A. comunicou que não ia submeter à votação uma das listas concorrentes, a lista A, e que a "coisa" se agravou com tal comunicação.

• o depoimento prestado por NR que declarou ter estado presente na assembleia desde o inicio até ao Dr. A. sair e explicou as razões pelas quais lhe foi pedido pelo Dr. A. para ficar sentado numa das extremidades da mesa e que referiu ter ouvido os arguidos chamarem fascista, gatuno, ditador e chulo quando o Dr. A. comunicou que não colocava a lista A a votação, afirmação que não se compagina com o enorme alvoroço e barulho ensurdecedor que se fazia sentir, em risco de se transformar "em palco de violência", e que levou o Dr. A. a solicitar a presença da PSP, não ficando igualmente claro que a testemunha tenha conseguido identificar os arguidos (e também só estes), no meio de uma multidão de cerca de 200 pessoas, como os autores de tais expressões.

• o depoimento prestado pela testemunha MJ que declarou ter procedido à identificação e credenciação das pessoas, o que veio a demorar muito por estarem muitas pessoas e fez com que o Dr. A. tivesse mandado entrar as pessoas para obviar a mais demoras. Mais referiu que estava muito ruido na sala e que quando o Dr. A. disse que só ia para eleições uma das listas, a assistência, dirigindo-se ao Dr. A., começou a apelidá-lo de: vigarista, filho da puta e de tudo e mais alguma coisa. Referiu ainda ter visto os arguidos de pé, mas não pode identificá-los como as pessoas que proferiram tais nomes.

• o depoimento prestado pela testemunha FG que declarou ser amigo dos arguidos e do Dr. A. e que explicou onde é que se encontrava (na fila da frente) e que confirmou os nomes dirigidos ao Dr. A. quando este falava (chulo, vai-te embora, fascista), mencionando que não conseguiu ver quem chamou esses nomes.

• o depoimento prestado pela testemunha RT que declarou ter estado presente junto à porta lateral que dava para a mesa e que referiu que a maior parte do tempo ouviu pouca coisa porque os ânimos estavam exaltados e o barulho era muito e que só na parte final, quando as pessoas foram desmobilizando, ouviu o Sr. JN dizer, dirigindo-se ao Dr. A.: vai-te embora, és um aldrabão, fascista, afirmação que não mereceu credibilidade, desde logo, porque a desmobilização das pessoas, a ter ocorrido, só se terá verificado após a chegada da PSP e condução do Dr. A. à saída (como resultou da prova produzida).

• o depoimento prestado pela testemunha JA que começou por explicar a ordem de trabalhos da assembleia e quem compunha a mesa da assembleia e que referiu que o Dr. A. não queria aceitar as duas listas concorrentes a votação, o que deixou as pessoas muito contrariadas, ao mesmo tempo que dizia "quem manda aqui sou eu"( o que se tomou até muito repetitivo), mais referindo que só ouviu as expressões "vai -te embora" e "estás aqui a mais", acrescentando que foram ditas outras coisas, que não se lembra agora, por variadas pessoas.

• o depoimento da testemunha FP que declarou ter estado presente na assembleia do dia 28 de Setembro com a finalidade da eleição dos órgãos sociais e referiu a exaltação dos ânimos e os motivos de tal exaltação, nomeadamente, porque o Dr. A. não queria receber uma das listas concorrentes ao mesmo tempo que dizia "quem manda aqui sou eu", apenas se recordando de ter ouvido dizer "vai-te embora", "Rua, Rua" (tudo ao mesmo tempo).

• o depoimento da testemunha AD que declarou ter estado na assembleia e explicou o descontentamento das pessoas em virtude de o Dr. A. não querer aceitar uma das listas concorrentes e que referiu recordar-se de terem chamado fascista ao Dr. A. e terem gritado "vai-te embora", "U!, U!,U!", não se recordando se os arguidos proferiram alguma daquelas expressões.

o depoimento da testemunha AM que referiu a revolta das pessoas em virtude de o Dr. A. pretender por à votação apenas uma das listas concorrentes (cerca de 90% das pessoas) e ter ouvido gritar "vai-te embora", "o fascismo já acabou", "sacana", "ditador", "gatuno", "chulo", admitindo que as pessoas tenham dito outras coisas piores, que a testemunha não ouviu, referindo ter ouvido o Sr. JN dizer "vai-te embora".

• o depoimento da testemunha JP, que declarou encontrar-se na 2a fila do lado da porta, do lado esquerdo, sentado ao lado do Sr. JN, e que limitou-se a dizer que o Dr. A. estava a ser um entrave à assembleia porque só queria levar a lista dele a votação, acrescentando que não ouviu quaisquer das expressões mencionadas na acusação.

• o depoimento da testemunha PS que declarou ter estado de pé à entrada da porta ao lado do arguido JS e que referiu que o Dr. A., praticamente, não deixou as pessoas falarem, repetindo, continuamente, "quem manda aqui sou eu", "eu é que sou o presidente" e seguidamente ria-se para as pessoas, referindo que ouve pessoas que não gostaram. Referiu também o descontentamento por parte dos associados quando o Dr. A. comunicou que só iria por a votação uma das listas concorrentes e a reacção das pessoas com a utilização das seguintes expressões: "ditador, fascista, vai-te embora, não estás aí a fazer nada".

Confirmou ainda ter ouvido o JS dizer também em reacção à referida comunicação: "fascista, ditador e vai-te embora", depois do Dr. A. dizer várias vezes "quem manda aqui sou eu". Ouviu também o Sr. JN dirigir-se ao Dr. A. e dizer "vai-te embora", acrescentando que não ouviu ninguém, mormente os arguidos, chamar "chulo, filho da puta e/ou gatuno". Mais referiu que os arguidos JS e JN estiveram sempre de pé pois no local onde estavam não havia cadeiras.

• o depoimento da testemunha JF que declarou, por sua vez, que estava toda a gente exaltada porque o Dr. A. só queria que fosse uma lista (a lista dele) a votação e dizia repetidamente que quem mandava ali era ele. Não se recorda de ter ouvido "chulo" e "gatuno", apenas ouviu chamar "fascista" e "ditador", mas não ouviu o JS chamar nomes, salientando que conhece as vozes das pessoas amigas mas não conseguiu identificar ninguém.

• o depoimento da testemunha JA que declarou ter estado presente na assembleia e integrar a mesa da assembleia como secretário e conhecer há muito os arguidos e que referiu ter ouvido as expressões "ditador, fascista e vai-te embora", mas não ouviu o arguido JS empregar tais expressões, referindo que o arguido tem uma voz inconfundível. Mais referiu que quando o Dr. A. comunicou que só ia a votação uma lista, a assembleia reagiu ruidosamente, proferindo as expressões supra referidas.

• o depoimento da testemunha JMC que confirmou ter estado presente na assembleia e que, no essencial, referiu ter ouvido as pessoas chamar "fascista" e "vai-te embora" (e outras coisas que não se podiam dizer) quando o Dr. A. comunicou que só ia por a votação a lista dele, não se tendo apercebido que o Sr. JS ou o Sr. JN tenham chamado nomes ao Dr. A..

• o depoimento da testemunha DS que declarou ter estado presente e que falou na lentidão na identificação e credenciação das pessoas, na posterior entrada das pessoas sem estarem identificadas e creditadas, na ordem de trabalhos da assembleia e nas listas concorrentes, e na comunicação do Dr. A. quanto à lista que ia ser posta à votação, altura em que a assembleia se manifestou com expressões como "fascista/ditador" e "vai-te embora".

Relativamente ao pedido de indemnização civil, teve-se em conta os depoimentos prestados pelas seguintes testemunhas:

• a testemunha AL que declarou conhecer o Dr. A. há muitos anos e que o Dr. A. é uma pessoa integra e respeitada no meio profissional e da caça, e que confirmou que Dr. A., em desabafo, lhe contou o que se passou na assembleia geral, mostrando-se humilhado, triste, desgostoso e constrangido com a situação.

• a testemunha VM que referiu ter estado no dia 8 de Outubro de 2013 com o Dr. A., altura em que o viu muito cabisbaixo ( não parecia o mesmo) e que este lhe confidenciou o que se tinha passado na assembleia e que se sentiu enxovalhado; mais referiu que foi ala vez que viu o Dr. A. com lágrimas nos olhos a contar uma situação que o transtornou. Referiu ainda que o Dr. A. é pessoal e profissionalmente respeitado, acrescentando que é uma pessoa extremamente calma e paciente e que não se ofende de ânimo leve.

• a testemunha AC que declarou ser colega e conhecer o Dr. A. há cerca de 35 anos (por ser amigo do filho), referiu que o Dr. A. é uma pessoa pura e com elevada sensibilidade moral, muito conhecido e respeitado quer na profissão quer na vida pessoal e um exemplo de urbanidade e que soube da história da assembleia geral e que o viu muito abalado e transtornado com o que se tinha passado.

• a testemunha AC que é amigo e colega do Dr. A. desde os anos 70 e que declarou ter uma relação de grande proximidade com o Dr. A. e que explicou que o Dr. A. é excelente pessoa, uma pessoa leal, que preza muito o seu bom nome e o seu amigo e comentou com ele o que se passou na assembleia e que a ser verdade o que contou qualquer pessoa se sentia humilhada e vexada.

• a testemunha AM que declarou conhecer o Dr. A. há 26 anos e ter com ele uma relação muito próxima, referiu-o como uma pessoa muito considerada no meio onde vive e trabalha e que depois da assembleia geral o viu muito em baixo, desanimado e envergonhado, pois nunca tinha sido insultado daquela maneira, dizendo-lhe que chegou a temer pela vida.

Teve-se ainda em atenção os CRC dos arguidos de fls. 290 a 292-verso e as declarações prestadas por estes sobre as respectivas situações profissionais, familiares e económicas, sendo de salientar que nada se apurou quanto à efectiva situação financeira e económica do arguido JN, atentas as contradições verificadas relativamente à situação profissional do arguido.

Concretizando:
As respostas à matéria descrita em 1. a 8. e 11. dos factos provados fundaram-se nos depoimentos prestados pela generalidade das testemunhas ouvidas e nas declarações prestadas pelo assistente.

Relativamente às respostas à matéria descrita em 9. e l0 dos factos provados, a convicção do tribunal fundou-se na análise conjugada dos depoimentos das testemunhas MM, AM e PS (que confirmou ter ouvido o arguido JS gritar ditador, fascista e vai-te embora e bem assim o Sr. JN dirigir-se ao Dr. A. e dizer "vai-te embora"), não tendo ouvido os arguidos (que estavam ao seu lado) chamar "chulo, filho da puta e/ou gatuno" ao presidente da mesa.

Relativamente a matéria de facto não provada, resultou da ausência de prova ou da falta de prova concludente sobre a mesma, sendo manifestas as contradições das testemunhas e a parcialidade e a inconsistência dos depoimentos e declarações prestadas.

Não se respondeu à demais matéria alegada (da acusação e do pedido de indemnização civil) por se tratar de matéria conclusiva e ou de direito ou por não revestir interesse à decisão da causa.

No que se refere ao pedido de indemnização civil, a convicção do tribunal quanto à matéria de facto provada e não provada resultou da análise dos depoimentos prestados pelas testemunhas ouvidas a tal matéria, sendo de salientar que o desgosto e humilhação experimentados pelo assistente resultou do comportamento da assembleia e não das expressões proferidas pelos arguidos, como claramente se alcança dos respectivos depoimentos.

4. Enquadramento jurídico-penal

Passando agora ao enquadramento jurídico-penal do circunstancialismo fáctico apurado.

Dispõe o artigo 181 ° n° 1 do C.P. que "quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias".

A honra é, pois, um bem jurídico pessoalíssimo e imaterial a que o legislador atribuiu dignidade penal.

A aplicação do artigo 180° nº1 do Código Penal exige elevada dose de ponderação, mormente nos casos em que se trata de definir os limites entre o direito de se expressar de forma livre e o direito à honra.

Para se determinar como e quando estaremos perante uma conduta violadora do direito à honra, deverá atender-se, simultaneamente a um critério subjectivo, que consiste no juízo valorativo que cada pessoa faz de si mesma, e também a um critério objectivo ou exterior, equivalente à representação que os outros têm sobre o valor de uma pessoa, o mesmo é dizer, a consideração, o bom nome, a reputação de que uma pessoa goza no contexto social envolvente.

Em sede de interpretação, o critério subjectivo da lesão deve ser temperado com um parâmetro objectivo recondutível ao sentimento médio de honra da comunidade.

Como refere Beleza dos Santos, RLJ "ofensivo da honra e consideração é aquilo que razoavelmente, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais".

"O significado das palavras, para mais quando nos movemos no mundo da razão prática, tem um valor de uso. Valor que se aprecia, justamente, no contexto situacional e que ao deixar intocado o significante ganha ou adquire intencionalidades bem diversas no momento em que apreciamos o significado", o que não significa que não haja palavras "cujo sentido primeiro e último é tido, por toda a comunidade falante, como ofensivo da honra e consideração" (Faria da Costa, m Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, p. 630) .

Quanto ao elemento subjectivo, traduz-se na vontade livre de praticar o acto com a consciência de que as expressões utilizadas ofendem a honra e consideração alheias, ou pelo menos são aptas a causar aquela ofensa, e que tal acto é proibido por lei Cfr. Ac. STJ, de 21/10/2009 - http://www.dgsi.pt/jstj.

Vejamos então se as palavras proferidas pelos arguidos são ofensivas da honra ou consideração do assistente.

Conforme se provou, no decurso da assembleia geral do dia 28 de Setembro de 2013, depois da recusa do presidente da mesa em por a votação as duas listas concorrentes às eleições e ter repetidamente frisado "quem manda aqui sou eu", gerou-se um enorme alvoroço por parte da assistência que, dirigindo-se ao presidente da mesa da assembleia, gritava: "vai-te embora", "chulo", "ditador", fascista, ao mesmo tempo que o apupava, gritando u!... u! ... u! ... u! ... u! ... u! ... u! ... u!

Em face de tal comportamento, o presidente da mesa solicitou a comparência da PSP e quando a P.S.P. chegou abandonou a sala acompanhado dos agentes, referindo não ter condições para continuar a dirigir os trabalhos.

Provou-se também que, no referido contexto, entre as pessoas que formavam a assembleia, os arguidos JS e JN gritaram, dirigindo-se ao assistente: "fascista, ditador, vai-te embora".

No caso em análise, as palavras em causa foram proferidas no contexto de grande alvoroço provocado pela comunicação feita pelo assistente de que só iria por a votação uma das listas concorrentes às eleições, excluindo assim da votação a outra, ao mesmo tempo de afirmava repetidamente "quem manda aqui sou eu".

No concreto condicionalismo em que foram ditas, tais expressões não deixam de ser compreensíveis como um modo desrespeitoso e incorrecto de os arguidos fazerem valer a sua indignação, não se revestindo no entanto de uma carga ofensiva evidente perante o homem médio da sociedade portuguesa.

Entendo, pois, que as expressões utilizadas pelos arguidos (fascista/ditador), perspectivadas no contexto em que foram proferidas, ou seja, no seio de uma assembleia geral polémica (em que os intervenientes tinham de acatar a decisão do presidente da mesa sobre as listas que seriam postas (ou não) a votação), não alcançam o patamar de gravidade que lhes poderia conferir dignidade penal, não se inscrevendo na área de tutela típica do artigo 181º do Código Penal.

Por outro lado, ainda que assim se não entendesse, também não se provou que os arguidos proferiram tais expressões, bem sabendo que as expressões utilizadas ofendem a honra e consideração alheias ou que pelo menos eram aptas a causar aquela ofensa e bem assim que a sua conduta era proibida e punida por lei - o que sempre afastaria, por falta do elemento subjectivo do tipo, a prática dos crimes de que vem acusados.

5. Pedido de indemnização civil
(…) »

Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso e poderes de cognição do tribunal ad quem.

É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.

Na sua motivação de recurso e respetivas conclusões, o assistente vem impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos do art. 412º nºs 3, 4 e 6, do CPP, relativamente aos pontos 7, 9 e 10 da factualidade provada e 3,4,5,6 e 7, da factualidade não provada – que contendem com o preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do crime de Injúria p. e p. pelo art. 181º do C.Penal - por entender que as provas que especifica impõem decisão oposta à recorrida, com a consequente condenação dos arguidos pelo crime de Injúria que lhes vinha imputado, bem como no pedido cível contra eles deduzido pelo assistente.

Subsidiariamente, alega o assistente que mesmo no caso de a impugnação em matéria de facto não proceder, os factos julgados provados na sentença recorrida são suficientes para integrar os elementos constitutivos do crime de Injúria, o que imporá a apreciação e decisão sobre a qualificação jurídica dos factos feita pelo tribunal a quo, caso a impugnação em matéria de facto improceda.

Há, pois, que decidir, antes de mais, a impugnação em matéria de facto, começando por delimitar o respetivo objeto com maior precisão.

2. Decidindo
2.1. Delimitação mais precisa da impugnação em matéria de facto.

a) Transcrevem-se de novo os pontos 3 a 7 da factualidade não provada e 7 a 10 da factualidade provada, por facilidade de exposição e leitura:

Factos não provados:
3. A identificação dos representantes dos associados com direito a voto, por si ou munidos de credenciais, não foi possível por causa do alvoroço gerado.

4. Durante todo o curso dos trabalhos da assembleia geral de 28 de Setembro de 2013, o arguido JN dirigiu-se ao assistente A, e proferiu, repetidamente, em voz alta as seguintes palavras: -ó gatuno, vai-te embora; Ó ditador; Ó chulo, demite-te; filho da puta; vigarista; aldrabão".

5. O arguido JS enquanto decorria a assembleia geral de 28 de Setembro de 2013 dirigiu-se ao assistente e disse, repetidamente, em alta voz e atitude agressiva, as seguintes palavras: " Vai-te embora ... Sai daí fascista ... tem vergonha chulo, gatuno".

6. Os arguidos JN e JS ao proferirem as expressões referidas em 9. e 10. dos factos provados agiram voluntária e conscientemente, bem sabendo que as expressões utilizadas ofendem a honra e consideração alheias, e que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Do pedido de indemnização:
7. O assistente sentiu-se profundamente magoado e triste, ofendido e achincalhado pelas palavras que lhe foram dirigidas pelo arguido JS e pelo arguido JN.»

Factos provados:
«7. Em face de tal comunicação e depois do assistente afirmar repetidamente que "quem manda aqui sou eu" gerou-se um enorme alvoroço por parte do auditório que dirigindo-se ao presidente da mesa gritava: "vai-te embora, chulo, gatuno, fascista, ditador, vigarista, filho da puta!"

8. Ao mesmo tempo apupava o presidente da mesa gritando U!, U!, U!, U!, U!

9. O arguido JN, que integrava o auditório, dirigindo-se ao assistente, gritou: vai-te embora!, ditador!, fascista!

10. O arguido JS, que também integrava o auditório, dirigindo-se ao assistente gritou: ditador!, fascista! vai-te embora!. »

b) Dos factos não provados, apenas conheceremos da impugnação relativamente aos pontos 4 a 7, pois a impugnação quanto ao ponto nº3 é irrelevante e nessa medida inadmissível.

Na verdade, como diz Damião da Cunha[1], “… o ponto de facto deve ter correspondência num «ponto» do dispositivo da sentença (nas questões que nela estão contidas). Pelo que (…) o «ponto de facto» que é impugnado (por ser considerado incorretamente decidido) é aquele que, se tivesse sido corretamente decidido (na ótica do recorrente), teria conduzido à alteração da decisão (absolutória ou condenatória) ou à alteração da medida da pena.”.

Significa isto que, em matéria penal, a impugnação em matéria de facto apenas será relevante se da sua procedência resultar alteração da decisão de alguma das questões relativas à culpabilidade a que se reporta o art. 368º do CPP, ou à determinação da sanção, a que se refere o art. 369º, ambos do CPP, sem o que a impugnação será inadmissível por irrelevância, pois a relevância da impugnação não pode deixar de constituir requisito implícito desta em conformidade, aliás, com a exigência geral de que recorrente tenha interesse em agir, imposta pelo nº 2 do art. 401º do CPP.

2.2. Assim, apreciaremos a impugnação apenas relativamente aos pontos 4 a 7 da factualidade não provada e, conjuntamente, a impugnação relativamente aos pontos 9 e 10 da factualidade provada, por se tratar de factualidade indissociável daquela. Porém, uma vez que o ponto 7 da factualidade não provada respeita apenas a pressupostos específicos do pedido cível, apenas se conhecerá da impugnação nessa parte se o recurso vier a proceder em matéria penal, levando à condenação dos arguidos.

Por outro lado, é patente que a expressão “vai-te embora” é insuscetível de constituir ofensa típica à honra e consideração de quem quer que seja pelo que não se considerará a mesma ao reportarmo-nos ao conteúdo do nº 9 dos factos provados e dos pontos nºs 4 e 5. dos factos não provados

2.2.1. Conhecendo da impugnação dos pontos 4 a 7 da factualidade não provada e dos pontos 9 e 10 da factualidade provada, importa atentar, antes de mais, que a pretensão estrita do assistente de que se julguem provados os pontos 4 e 5 da factualidade não provada e não provados os pontos 9 e 10 da factualidade provada, levaria a julgar-se provado, em sede de recurso, que os arguidos, dirigindo-se ao assistente, não se limitaram a gritar, “ditador” e “fascista”, conforme descrito em 9 e 10 da factualidade provada, mas antes que “ o arguido JN dirigiu-se ao assistente e proferiu, repetidamente, em voz alta - ó gatuno, vai-te embora; Ó ditador; Ó chulo, demite-te; filho da puta; vigarista; aldrabão" (ponto 4 dos factos não provados) e que “o arguido JS dirigiu-se ao assistente e disse, repetidamente, em alta voz e atitude agressiva, Sai daí fascista... tem vergonha chulo, gatuno" (ponto 5 dos factos não provados).

No entanto, resulta do texto da motivação de recurso e respetivas conclusões, que o assistente alega ter dito em audiência que tanto o arguido JN como o arguido JS lhe chamaram chulo, gatuno, fascista e ditador e que a testemunha RT ouviu o arguido JN chamar-lhe “aldrabão” e “fascista”.

Significa isto que das provas especificadas pelo assistente (as suas declarações e o testemunho de RT) apenas decorre, no máximo, a alegação que ambos os arguidos chamaram ao assistente chulo, gatuno, fascista e ditador, tendo o arguido JN chamado ainda ao assistente “aldrabão”, pelo que mesmo em face da motivação de recurso não tem suporte probatório o descrito para além disso no ponto 4 da factualidade não provada (que se pretende ver provado), ou seja, que o arguido JN chamou ainda ao assistente filho da puta e vigarista.

Assim, impõe-se julgar desde já improcedente a impugnação relativamente ao ponto 4 da factualidade não provada, na parte em que aí se afirma que o arguido JN dirigiu ao assistente as palavras filho da puta e vigarista.

2.2.2. Vejamos agora, se ao julgar provado que ambos os arguidos apenas chamaram ao assistente “ditador” e “fascista”, o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por inconsideração de prova produzida que impusesse julgar provado que o arguido JN chamou-lhe ainda “aldrabão”, chulo” e “gatuno”, e o arguido JS “chulo” e “gatuno”, conforme pode ler-se dos pontos 4 e 5 dos factos não provados.

A este respeito, resulta do confronto da apreciação crítica da prova com o teor da motivação de recurso, que o assistente assenta a sua alegação nos seguintes meios de prova diretos:

- Nas suas declarações em audiência, onde afirmou ter ouvido os arguidos chamarem-lhe “chulo”, “gatuno”, ”fascista” e “ditador”;

- No depoimento das testemunhas MJ e NR, por si arroladas, que declararam ter ouvido os arguidos chamarem ao assistente “gatuno”, ”fascista” e “ditador”;

- No depoimento da testemunha RT, por si arrolada, que declarou ter ouvido o arguido JN chamar ao assistente “aldrabão e “fascista.

Os depoimentos das restantes testemunhas especificadas pelo recorrente (AI, MM e FG) são irrelevantes para decidir a questão ora controvertida, pois afirmaram não ter ouvido aos arguidos qualquer das palavras que iam sendo proferidas por pessoas do auditório, confirmando apenas a parte não impugnada do teor do ponto 7 da factualidade provada, consensualmente aceite, ou seja, que gerou-se um enorme alvoroço por parte do auditório que dirigindo-se ao presidente da mesa gritava: "vai-te embora, chulo, gatuno, fascista, ditador, vigarista, filho da puta!" .

Ora, quanto à prova pessoa direta invocada pelo recorrente na sua motivação de recurso, pode ler-se o seguinte na apreciação crítica da prova.

Relativamente às declarações do assistente, diz o tribunal a quo que aquele referiu a confusão gerada na assembleia e o barulho ensurdecedor daí resultante, acabando por referir que ouviu claramente os arguidos gritarem" chulo", "gatuno", "fascista"," ditador" e "vai-te embora", afirmação que não se compagina com o enorme alvoroço e barulho ensurdecedor que se fazia sentir, em risco de se transformar "em palco de violência", e que o levou a solicitar a presença da PSP, não ficando claro que o assistente tenha conseguido identificar os arguidos (e só estes), no meio de uma multidão de cerca de 200 pessoas, como os autores de tais expressões.

Relativamente ao depoimento da testemunha MM, diz-se que esta se limitou a declarar ter ouvido os arguidos chamar fascista, gatuno e ditador ao Dr. A. e gritar “vai-te embora”, embora sem explicar as circunstâncias em que foram proferidas tais expressões, acabando por confirmar que o Dr. A. comunicou que não ia submeter à votação uma das listas concorrentes, a lista A, e que a "coisa" se agravou com tal comunicação.

Quanto à testemunha NR, que esta declarou ter ouvido os arguidos chamarem fascista, gatuno, ditador e chulo quando o Dr. A. comunicou que não colocava a lista A a votação, afirmação que não se compagina com o enorme alvoroço e barulho ensurdecedor que se fazia sentir, em risco de se transformar "em palco de violência", e que levou o Dr. A. a solicitar a presença da PSP, não ficando igualmente claro que a testemunha tenha conseguido identificar os arguidos (e também só estes), no meio de uma multidão de cerca de 200 pessoas, como os autores de tais expressões.

Relativamente ao depoimento da testemunha diz-se na apreciação crítica da prova que RT declarou ter ouvido o arguido JN chamar ao assistente “aldrabão e “fascista, mas como vimos, o tribunal a quo destaca que a testemunha referiu que a maior parte do tempo ouviu pouca coisa porque os ânimos estavam exaltados e o barulho era muito e que só na parte final, quando as pessoas foram desmobilizando, ouviu o Sr. JN dizer, dirigindo-se ao Dr. A.: vai-te embora, és um aldrabão, fascista, afirmação que não mereceu credibilidade ao tribunal recorrido, desde logo porque a desmobilização das pessoas, a ter ocorrido, só se terá verificado após a chegada da PSP e condução do Dr. A. à saída (como resultou da prova produzida).

Ora, conclui-se da apreciação crítica da prova que o tribunal a quo não reconheceu credibilidade às declarações e depoimentos de quem, em audiência, afirmou ter ouvido dirigir ao assistente as demais palavras eventualmente injuriosas ora em causa, ou seja, chulo, gatuno e aldrabão, por considerar, em síntese, que as condições em que o assistente e as testemunhas referenciadas afirmam ter ouvido estas últimas palavras não permitiram àquele tribunal a certeza exigível quanto às palavras que aquelas testemunhas e assistente terão ouvido aos arguidos e mesmo, quanto à testemunha NR, se as ouviu aos arguidos.

Ora, considerando estas circunstâncias e ainda a divisão da assembleia à volta das duas listas que se terão constituído para as eleições, bem como o interesse do assistente em fazer valer a pretensão cível que deduziu no processo, a decisão do tribunal a quo de julgar provado apenas que os arguidos proferiram as palavras “fascista e ditador”, com base em parte dos depoimentos de quem ouviu algumas das palavras imputadas aos arguidos, desconsiderando as declarações do assistente e os demais depoimentos referenciados, não merece reparo.

Na verdade, apesar de o assistente, e outra das testemunhas que arrolou, afirmarem que os arguidos proferiram ainda as palavras chulo e gatuno, (a testemunha MM apenas ouviu os arguidos chamaram-lhe gatuno, para além de fascista e ditador), não viola regra da experiência ou de outra natureza que o tribunal a quo o tenha julgado não provado, pelas razões já destacadas. Pelo contrário, esta decisão, mostra-se antes conforme com o princípio in dubio pro reo e com o parâmetro probatório “para além de toda a dúvida razoável” que enforma o princípio da livre apreciação da prova, por imposição dos princípios da culpa e da presunção de inocência, não se divisando erro de julgamento em matéria de facto que fundamentasse a procedência da impugnação contra o julgamento dos pontos 4 e 5 da factualidade não provada e 9 e 10 da factualidade provada, que, assim, improcede.

2.2.2. Vejamos agora a impugnação do ponto 6) da factualidade não provada, cujo teor, lembremo-lo, é o seguinte:

-“6. Os arguidos JN e JS ao proferirem as expressões referidas em 9. e 10. dos factos provados agiram voluntária e conscientemente, bem sabendo que as expressões utilizadas ofendem a honra e consideração alheias, e que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei”.

Decorre da sentença recorrida que a relevância deste ponto dos factos não provados é indissociável do entendimento de direito do tribunal a quo sobre a atipicidade, no plano objetivo, das expressões ditador e fascista proferidas pelos arguidos, pelo que apenas na hipótese de proceder o recurso em matéria de direito se imporá apreciarmos a impugnação contra o ponto 6 da factualidade não provada, tal como víramos já relativamente ao ponto 7 da factualidade não provada.

2.3. Apreciemos agora o recurso do assistente, em matéria de direito, ou seja, no que respeita à tipicidade e ilicitude das expressões ditador e fascista que lhe foram dirigidas por ambos os arguidos.

2.3.1. No essencial, afirma o tribunal a quo a este respeita que “”…as expressões utilizadas pelos arguidos (fascista/ditador), perspetivadas no contexto em que foram proferidas, ou seja, no seio de uma assembleia geral polémica (em que os intervenientes tinham de acatar a decisão do presidente da mesa sobre as listas que seriam postas (ou não) a votação), não alcançam o patamar de gravidade que lhes poderia conferir dignidade penal, não se inscrevendo na área de tutela típica do artigo 181º do Código Penal.”.

Contrapõe o assistente e recorrente, relativamente às expressões ditador e fascista:

Nem se diga que o contexto em que foram proferidas as desonera de tal gravidade uma vez que, não concordando com a decisão do assistente de apenas colocar uma lista à votação, a assembleia, na qual se incluem os arguidos, poderia recorrer de tal decisão, como, aliás, se verificou no início da assembleia (conforme se constata da análise da ata da assembleia anexa à participação criminal).

(…) As expressões que foram dirigidas pelos arguidos ao assistente "gatuno"; "chulo"; "fascista" e "ditador", qualquer que seja o conceito de honra e consideração que se perfilhe, têm um significado, sem qualquer margem para dúvida, ofensivo da honra e consideração à luz dos padrões médios de valoração social, situando-se muito para além da mera violação das regras de cortesia e de boa educação e atingindo já o âmago daquele mínimo de respeito indispensável ao relacionamento em sociedade. “.

2.3.2. Vejamos então.

a) No que agora importa, o tipo objetivo do crime de injúria p. e p. pelo art. 181º do C. Penal pode preencher-se mediante a imputação a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, de um facto, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra e consideração.

No caso concreto, não estamos perante a imputação de factos mas antes em face de palavras – “ditador e fascista” - dirigidas pelos arguidos ao assistente, que traduzem antes um juízo de valor sobre o seu caráter.

Podendo, à partida, enquadrar em sede de tipicidade ou de ilicitude[2] a questão da relevância penal das palavras proferidas, com que se confrontou, o tribunal a quo decidiu-a em sede de tipicidade ao considerar que não se mostra preenchido o tipo legal do crime de injúria p. e p. pelo art. 181º do C.Penal em virtude de as palavras proferidas não alcançarem o patamar de gravidade que lhes poderia conferir dignidade penal, como vimos, e em nosso ver bem.

Com efeito, tendo presente que “A conduta típica configura sempre a concretização de uma expressão paradigmática de danosidade social intolerável e, como tal, digna de tutela penal e carecida de tutela penal” (Costa Andrade, ob. cit. p. 218), situações há em que não se mostra sequer presente o juízo de ilicitude pressuposto e indiciariamente afirmado no tipo, na medida em que a conduta respetiva não se ajusta à afirmação de danosidade social que a descrição típica encerra.

b) No que concerne ao preenchimento do tipo legal de injúria previsto no art. 181º C.Penal, a questão de saber o que sejam palavras lesivas da honra e consideração está intrinsecamente ligada à definição do bem jurídico protegido com a incriminação que, por sua vez, tem o seu horizonte de referência na Constituição em sentido material, do que resulta uma adequação hermenêutica dos preceitos penais com o valor constitucional que tutelam (vd., por todos, Augusto Silva Dias, Alguns aspetos do regime jurídico dos crimes de difamação e de injúrias, AAFDL-1989, p.p. 16-24) .

O art. 26º nº1 da CRP consagra o direito ao bom nome e reputação, entre os vários direitos de personalidade, que representa um lado individual (o bom nome) e um lado social (a reputação), cujo conteúdo é constituído basicamente pela pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros, ou seja, a pretensão de não ser vilipendiado ou depreciado no seu valor aos olhos da comunidade, independentemente do reconhecimento real ou merecido de que uma pessoa goza ou deve gozar (vd Augusto Silva Dias, ob. e loc. cit.).

Assim, são lesivas da honra e consideração as palavras que violem o direito de cada um ao bom nome e reputação, com o referido conteúdo, pelo que é a esta luz que cumpre apreciar a tipicidade das palavras “ditador” e “fascista” dirigidas pelos arguidos ao assistente.

c) A este respeito, começamos por lembrar que o sentido gramatical comum do epíteto de fascista é o de designar pessoa com tendência para forte controlo autocrático ou ditatorial (independentemente de simpatia pelo fascismo enquanto regime político ou movimento político e filosófico) e ditador como o indivíduo autoritário, despótico (vd Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa), que pretende impor à demais a sua vontade.

No caso presente, a utilização de ambas as palavras representa, afinal, a repetição da mesma ideia ou juízo de valor negativo ou depreciativo sobre o caráter e personalidade do arguido, mas que no caso presente surge ligado à concreta atuação do assistente no momento dos factos.

d) No entanto, o preenchimento do tipo de injúria apenas se verifica quando as palavras em causa devam considerar-se lesivas da honra ou consideração do visado, nas circunstâncias concretas em que foram proferidas, conforme entendimento que temos por corrente na jurisprudência[3].

Ou seja, as palavras dirigidas a outra pessoa só terão típicas, se, sendo depreciativas, puder concluir-se que nas circunstâncias concretas em que foram dirigidas ao visado as mesmas violaram o direito de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros, ou seja, a pretensão de não ser vilipendiado ou depreciado no seu valor aos olhos da comunidade,

d.1. Ora, in casu, são diversos as circunstâncias ou fatores que levamos em conta ao concluir que as palavras “fascista” e “ditador”, no contexto em que foram proferidas, não ofendem a honra e consideração do assistente

Por um lado, aquelas palavras foram proferidas no decurso de assembleia convocada para eleição dos corpos diretivos de uma associação, o que constitui momento particularmente relevante da vida associativa, propício a discussões mais acaloradas e mesmo a tomadas de posição e manifestações exageradas e mesmo desrazoáveis, sob diferentes pontos de vista, quer individualmente, quer da parte de grupo organizados ou formados no calor do momento.

Por outro, a decisão de não submeter a votação uma lista de membros da associação – concretamente tomada pelo assistente - é uma das situações que, numa assembleia minimamente participativa, mais facilmente leva à exacerbação de pontos de vista e atitudes, não surpreendendo que seja particularmente visado quem assuma tal decisão, ou seja, in casu, o assistente.

Em terceiro lugar, resulta igualmente da factualidade provada que os arguidos proferiram as palavras oralmente, de forma espontânea e indignada, como muitos outros participantes na assembleia, sem que se provasse qualquer concertação entre eles, contrariamente ao constante da acusação particular, sendo certo que a confusão gerada na assembleia não era propícia à tomada de posições ordeiras e formalmente adequadas.

Tal como vemos suceder, aliás, Antes pelo contrário, tal como se vê com alguma frequência em assembleias de natureza idêntica e mesmo em assembleias de natureza bem distinta, como é o caso de Parlamentos um pouco por todo o mundo, em que deputados e outros dignitários cheguem a vias de facto e digam o que seria impensável noutras circunstâncias, dada a intensidade das emoções e conflitos que aí irrompem.

Por último, as palavras depreciativas proferidas pelos arguidos respeitam, na sua génese, à dimensão política da vida em sociedade, convocando na sua expressão formal o domínio mais geral das ideologias e dos regimes políticos (em vez do ataque direto e grosseiro à pessoa do visado), pelo que não obstante o sentido depreciativo com que foram ditas, apresentam um certo grau de adequação à natureza da assembleia onde tiveram lugar e à perceção/opinião dos arguidos e outros participantes na assembleia sobre a forma como o assistente exerceu as suas funções de presidente da assembleia geral no caso presente. Nesta perspetiva, a conduta dos arguidos convoca mesmo a ideia de adequação social, enquanto categoria relevante em sede de tipicidade penal, e o conteúdo e alcance da liberdade de expressão, que o art. 37º da CRP define como o direito que todos têm de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio – igualmente reconhecido pelo art. 19º da D.U.D.H. e pelo art. 10º da C.E.D.H. - , e que não se confunde nem se esgota na Liberdade de imprensa de que trata o art. 38º da CRP.

d.2. Em todo o caso, concluímos que ao chamarem ao assistente “fascista” e “ditador” no decurso de assembleia geral de associação, a que aquele presidia, e demais circunstâncias que em conjunto caraterizam o contexto em que foram proferidas aquelas palavras, a conduta dos arguidos não assume a ilicitude pressuposta na definição legal do tipo de injúria p. e p. pelo art. 181º do C. Penal que lhes vinha imputado, pelo que não é típica.

Com efeito, do conjunto da factualidade provada não resulta que a honra ou consideração do assistente, tal como a correlativa conduta dos arguidos, tenha potencialidade para, no caso concreto, ser sequer tomada como objeto de eventual apreciação, discussão e mesmo memória, por parte da comunidade local, face à impressividade de outros aspetos daquela reunião associativa, como seja eventualmente a atitude assumida coletivamente pela assembleia e a sua intensidade, as razões do assistente ao não admitir outra lista à eleição, ou mesmo a intervenção policial e, quem sabe, as sequelas daquela assembleia no futuro da associação de caçadores em causa.

Tudo aspetos inerentes a períodos mais agitados da vida das pessoas e das instituições sem que - expressando-nos agora fora do âmbito estrito da terminologia jurídica -, possa afirmar-se que no meio de todos aqueles eventos, os dois arguidos praticaram um crime contra a honra na pessoa do assistente, tal como considerou, e bem, o tribunal a quo, cuja decisão absolutória, assim, se mantem.

e) Fica, pois, prejudicado o conhecimento da impugnação relativamente aos pontos 6 e 7 da factualidade não provada, bem como a pretensão do recorrente em matéria cível, uma vez que dependiam da procedência da impugnação quanto aos demais factos e da condenação dos arguidos pelos crimes que lhes foram imputados.

III. dispositivo
Nesta conformidade, acordam os juízes da secção criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar total provimento ao recurso interposto pelo assistente, A., mantendo integralmente a sentença recorrida.

Custas pelo assistente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça devida – cfr arts. 515º nº1 b) do CPP e art 8º nº5 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) conjugado com a tabela III a que se refere este último preceito.

Évora, 7 de fevereiro de 2017

António João Latas

Carlos Jorge Berguete
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[1] José Manuel Damião Da Cunha, “ O Caso Julgado Parcial. Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção Num Processo de Estrutura Acusatória, Porto 2002, Publicações Universidade Católica, p. 529

[2] “Embora a questão não assuma especial relevo, uma vez que as consequências penais de um facto atípico e típico-justificado são as mesmas, é diferente a sua fundamentação jurídica - cfr C. Andrade, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal. Uma perspectiva jurídico-criminal, Coimbra Editora-1996 pp. 382 e 218.

[3] Vd, por todos, o Ac RP de 09.03.2011 (rel. Melo Lima) e acórdãos aí referidos, em cujo sumário pode ler-se:

“I. Só são crime as injúrias que, pela sua natureza e circunstâncias, sejam tidas na comunidade por graves.

II. A verificação do ilícito não se pode circunscrever ou limitar à valoração isolada e objectiva das expressões, exigindo-se que as mesmas sejam analisadas e valoradas em função do circunstancialismo de tempo, de modo e de lugar em que foram proferidas.

III - Não preenche a tipicidade (objectiva) do crime de injúria, do artigo 181.º, do CP, a expressão “Este advogado deve estar louco”, proferida pela executada no âmbito de uma diligência de restituição de posse de servidão de passagem, num momento em que surgiram divergências entre os intervenientes a respeito da configuração do leito dessa servidão.”.