Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
185414/12.0YIPRT.E1
Relator: ABRANTES MENDES
Descritores: INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
Data do Acordão: 11/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: As relações jurídico-administrativas não devem ser definidas segundo critério estatutário, reportado às entidades públicas, mas segundo um critério teleológico, reportado ao escopo subjacente às normas aplicáveis.
Decisão Texto Integral: Apelação n. 185414/12.0YIPRT.E1 - (2.ª Secção)

Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Na acção especial nos termos do DL n.º 269/98, pendente no 1.º Juízo Cível da Instância Local da comarca de Beja, em que é A. (…) – Empresa Municipal de Aguas e Saneamento de Beja, E.E.M., sendo R. (…), veio a demandante interpor recurso da decisão proferida de fls. 44 a 46 dos autos, através da qual foi julgada verificada a excepção da incompetência absoluta do Tribunal tendo, em consequência, sido a Ré absolvida da instância.
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A recorrente apresentaria as competentes alegações em cujas conclusões sustenta, em síntese:
1. A relação controvertida, tal como é apresentada pela recorrente na injunção que deu origem aos presentes autos, não tem natureza administrativa mas civil, sendo as partes pessoas de direito privado.
2. Referindo-se o litígio a um incumprimento contratual no âmbito de um contrato de fornecimento onde nenhuma das partes goza do jus imperii, nos termos do disposto no art. 64.º do NCPC, art. 18.º da LOTJ e art. 1.º, n.º 1, do ETAF, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, deverá ser revogada a decisão proferida, considerando-se competente o Tribunal Cível de Beja.

Não foram produzidas contra alegações.
Tudo visto e ponderado, cumpre decidir:
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas pelos recorrentes, como resultava dos arts. 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1, do Cód. Proc. Civil e continua a resultar das disposições conjugadas dos arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2 e 639º do N. Cód. Proc. Civil (cfr. a título de exemplo os Acórdãos do S.T.J. de 2/12/82, BMJ nº 322, pág. 315; de 15/3/2005, Proc. nº 04B3876; de 11/10/2005, Proc. nº 05B179; de 25-5-2010, Proc. nº 8254/09.0T2SNT.L1.S1; e de 30-6-11, Proc. nº 527/05.8TBVNO.C1.S1, todos publicados nas Bases de Dados Jurídicos do ITIJ) a questão a dirimir prende-se em saber se, in casu, é a jurisdição administrativa ou comum a competente para julgar a presente acção.

Perante a excelência de considerandos aduzidos na douta decisão recorrida, pouco mais haverá a acrescentar relativamente à questão em litígio, devendo, no entanto, desde já, referir-se que é a própria recorrente quem, no requerimento de injunção, se denomina como entidade empresarial municipal que se dedica à gestão e exploração dos sistemas públicos de captação, tratamento e distribuição de água para consumo e bem assim dos sistemas públicos de drenagem e tratamento de águas residuais (ver art. 1.º).
Um tal contexto, como se sustenta na douta decisão apelada, seria razão mais do que suficiente para se concluir que se está na presença de uma relação de natureza administrativa, atenta a natureza pública do fim prosseguido.
Sempre se dirá, no entanto, na esteira da posição de Mário Aroso de Almeida, que as relações jurídico-administrativas não devem ser definidas segundo critério estatutário, reportado às entidades públicas, mas segundo um critério teleológico, reportado ao escopo subjacente às normas aplicáveis.
Daí que a determinação do domínio material da justiça administrativa continue a passar pela distinção material entre o direito público e o direito privado, tendo de considerar-se relações jurídicas públicas aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido.
Também Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, perante a mesma problemática, acabam por sustentar a natureza administrativa sempre que um dos sujeitos, pelo menos (seja ele público ou privado), actue no exercício de um poder de autoridade, com vista à realização de um interesse público legalmente definido (v. Acórdão do TC nº 746/96, de 29 de Maio), ou que esse sujeito actua no cumprimento de deveres administrativos, de autoridade pública, impostos por motivos de interesse público (v. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 2002, p. 137)”.
Assinale-se ainda a posição do Prof. Freitas do Amaral que define a relação jurídica administrativa como sendo “aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a administração”. Temos, assim, que a relação jurídica administrativa se caracteriza por conferir à administração uma posição de superioridade jurídica sobre os particulares, investindo aquela em poderes de autoridade (ius imperii), enraizados no princípio da prevalência do interesse público.
Sendo indubitável que a competência do tribunal se afere em função não só do pedido como também da causa de pedir, dentro de todo o contexto exposto, e atenta a jurisprudência citada na decisão recorrida, parece-nos, salvo o devido respeito, que a mesma não merece censura.

Deste modo, sem necessidade de quaisquer outros considerandos, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação interposta, confirmando a decisão proferida.
Custas pela recorrente.
Notifique e Registe.
Évora, 05 de Novembro de 2015
António Sérgio Abrantes Mendes

Luís Manuel da Mata Ribeiro

Sílvio José Teixeira de Sousa