Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1583/14.3TBSTB-A.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: PRESCRIÇÃO
QUOTAS DE AMORTIZAÇÃO
CAPITAL
JUROS
Data do Acordão: 01/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
Prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, nos termos do art.º 310.º, alínea e), do Código Civil).
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

Na Comarca de Setúbal (Setúbal – Instância Central – Secção de Execução – J1) B…, deduziu oposição por embargos à ação executiva para pagamento de quantia certa, que a ela e a Outros move a C…, S.A., invocando, designadamente a incompetência do tribunal, a prescrição e a sua não responsabilidade pela dívida de modo a concluir perla extinção da instância executiva.
A exequente veio contestar articulando factos, tendentes a concluir pela improcedência da oposição.
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Corrida que foi a tramitação processual veio a ser proferido saneador-sentença no qual se reconheceu a competência do tribunal para julgar a ação e se julgou procedente a arguida exceção da prescrição, absolvendo-se “a embargante do pedido exequendo” e, consequentemente declarou-se “extinta a execução”.
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Não se conformando com a decisão foi interposto pela exequente o presente recurso pelo qual pretende a revogação da decisão, tendo formulado as seguintes conclusões que se passam a transcrever:
1.º A apelante discorda da conclusão do Tribunal a quo de que é aplicável o prazo de prescrição de 5 anos previsto na alínea e), do artigo 310.º do Código Civil, quando, na sequência de falta de pagamento de uma, se vencem todas as restantes prestações, por força do artigo 781.º do mesmo Código.
2.º O acórdão uniformizador do STJ n.º 7/2009 determinou: «No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redação conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados.»
3.º Portanto, apenas se pode concluir que, na prática, apenas ocorre o vencimento antecipado do capital de cada uma dessas prestações, ou seja, o vencimento integral do capital vincendo.
4.º E, se nessas prestações antecipadamente vencidas, não há qualquer parcela de juros, não há como concluir que é aplicável às mesmas o prazo prescricional de 5 anos, previsto na alínea e), do artigo 310.º do Código Civil e apenas se pode concluir que, numa situação de vencimento antecipado das prestações, por aplicação do artigo 781.º do Código Civil, será aplicável o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309.º do mesmo Código, por inaplicabilidade de qualquer outra disposição.
5.º Tendo ocorrido o vencimento da primeira prestação não paga em 1987/01/08 e ocorrendo, nessa data, o vencimento das restantes prestações, por aplicação do artigo 781.º do Código Civil, a prescrição ocorreria a 2007/01/08.
6.º A embargada e aqui apelada foi citada no âmbito de anterior execução, tendo essa citação sido requerida a 2000/11/14, o que quer dizer que a interrupção da prescrição, por força do estabelecido no n.º 2, do artigo 323.º do Código Civil, ocorreria a 2000/11/19.
7.º A exequente e aqui apelante considerou o seu crédito vencido, por força do incumprimento e, ao abrigo do disposto na cláusula sétima do documento complementar à escritura de mútuo com hipoteca, que constitui o título executivo, a 2000/02/08, aquando da propositura da primeira ação executiva.
8.º Nessa data e com o vencimento antecipado, apenas foi vencido o capital vincendo, não acrescendo qualquer valor de juros remuneratórios.
9.º A partir dessa data de vencimento, passaram, sim, a vencer-se juros de mora, à taxa contratualizada, em face da sua falta de pagamento.
10.º Também nesta situação será inaplicável o disposto na alínea e), do artigo 310.º do Código Civil, uma vez que, não apenas deixa de haver quaisquer prestações como, ainda que assim não se entenda, das mesmas também não constaria qualquer parcela de juros, falecendo, desta forma, a possibilidade de aplicação daquela alínea.
11.º Também apenas se pode concluir pela aplicação do prazo de prescrição ordinário de 20 anos, estabelecido no artigo 309.º do Código Civil, o representaria o seu termo a 2020/02/08, não fosse a interrupção ocorrida com a citação da aqui apelada.
12.º Mantendo-se o capital em dívida, então terão, igualmente, que se considerar em vigor o juros vencidos, pelo menos até aos cinco anos anteriores à data da citação da executada e aqui apelada, acrescendo, naturalmente, os vencidos na pendência da execução, em face do estabelecido no n.º 1, do artigo 327.º do Código Civil.
13.º E, assim, apenas se pode concluir que o crédito exequendo não se encontra prescrito.
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Foram apresentadas alegações pela recorrida, pugnando pela manutenção do julgado.
Cumpre apreciar e decidir
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O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.
Tendo por alicerce as conclusões, a única questão que importa apreciar consiste em saber se ocorreu a prescrição do direito de crédito da exequente.
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No tribunal “a quo” foi tida em consideração, com interesse, a seguinte matéria de facto:
- Da escritura pública de compra e venda, mútuo com hipoteca e renúncia, dada à execução, celebrada no dia 7 de Fevereiro de 1986 e documento complementar que a constitui, de fls. 5 a 14 dos autos de execução e cujo teor aqui dou por inteiramente reproduzido, consta, além do mais, que a exequente concedeu aos executados um empréstimo de três milhões setecentos e noventa e seis mil escudos para aquisição da fração ali indicada.
- Tal empréstimo seria reembolsado em 300 prestações mensais, crescentes, a primeira com vencimento a 8 de Março de 1986; a taxa de juro contratual será a máxima legal em cada momento em vigor para este tipo de operações, sendo inicialmente de 26% ao ano, suportada pela forma seguinte: pelos mutuários 22%; pelo Banco de Portugal 3%; e pela Caixa 1%. Para garantia do empréstimo, respetivos juros e despesas, foi constituída hipoteca sobre a dita fração.
- As prestações acordadas deixaram de ser pagas a partir de 8 de Janeiro de 1987.
- Em 9 de Março de 2000, a exequente intentou, contra a ora embargante e o executado D…, a ação executiva que, atualmente, tem o n.º 3463/14.3 TBSTB.
- Neste referido processo, a executada foi citada editalmente, tendo a exequente requerido a sua citação edital no dia 14 de Novembro de 2000, vindo posteriormente a instância a ser considerada deserta.

Conhecendo da questão
A Mª Juiz do Tribunal “a quo”, considerou que o crédito da exequente se encontrava prescrito, por aplicação ao caso dos autos do prazo estabelecido no art.º 310º do C. Civil, ou seja, prescrição de cinco anos.
A exequente C…, S.A., sustenta que no caso em apreço não se aplica o prazo estabelecido no artº 310º, mas sim o prazo estabelecido no artº 309º do C. Civil, ou seja, prescrição de vinte anos.
Nos termos das alíneas d) e e) do artº 310º, prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais ainda que ilíquidos e as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.
A razão essencial desta prescrição de curto prazo é evitar que o credor deixe acumular excessivamente os seus créditos, para proteger o devedor contra a acumulação da sua divida.
Pelo que no que respeita a este prazo, já Manuel de Andrade ensinava: “a lei funda-se no intuito de evitar que o credor deixe acumular os seus créditos a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar”- Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 1972, pág. 452.
Esta prescrição dizia, por sua vez, Vaz Serra, “destina-se a evitar a ruina do devedor, pela acumulação das pensões, rendas, alugueres, juros ou outras prestações periódicas”- Prescrição e Caducidade, in BMJ, nº 107, pág.285.
Nos termos do disposto no nº 1 do artº 304º, do C. Civil, completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.
Por sua vez diz-nos o artº 298º, nº 1 do C. Civil que estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.
Da escritura pública de compra e venda, mútuo com hipoteca e renúncia, dada à execução, celebrada no dia 07/02/1986 e documento complementar que a constitui, consta, além do mais, que a exequente concedeu aos executados um empréstimo de três milhões setecentos e noventa e seis mil escudos para aquisição da fração ali indicada; tal empréstimo seria reembolsado em 300 prestações mensais, crescentes, a primeira com vencimento a 8/03/1986; a taxa de juro contratual será a máxima legal em cada momento em vigor para este tipo de operações.
No presente contrato de mútuo apenas existem dois tipos de prestações: juros e capital amortizável com juros, a pagar conjuntamente em prestações periódicas, pelo que qualquer deles se enquadra na previsão do artº 310º als. d) e e) do C. Civil, com um prazo de prescrição de cinco anos.
Consta do requerimento executivo que as prestações acordadas deixaram de ser pagas a partir do dia 8/01/1987. Assim, a partir desta data venceram--se todas as prestações acordadas, nos termos do artº 781º, do C. Civil, uma vez que não foi acordado regime diferente do referido neste preceito.
O facto de vencida uma quota e não paga, se vencerem todas as posteriores, “nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida” sendo que na aplicação do prazo de prescrição a que se alude na al. e) do artº 310º do C. Cível, não obsta a que o não pagamento de uma das prestações provoque o vencimento das restantes, não sendo de aplicar o prazo prescricional ordinário, de 20 anos, previsto no artº 309º do C. Civil (cfr. Ac. do STJ de 04/05/1993 in CJ tomo 2, 82; Menezes Cordeiro in Tratado de Direito Civil Português I, Parte Geral, tomo IV, 175).
Também, como é afirmado no Ac. do STJ de 27/03/2014 (processo 189/12.6TBHRT-A.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt) o débito concretizado numa quota de amortização mensal, em prestações mensais e sucessivas referentemente a um montante de capital mutuado enquadra-se na previsão legal do disposto no art.º 310.º, alínea e), do C. Civil, conforme se retira das considerações explicitadas por Ana Filipa Morais Antunes, insertas nos Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, volume III, página 47, onde expressamente se refere “…na situação prevista no artigo 310.º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordi­nário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amor­tização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diver­sas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respetiva liquidação em presta­ções autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fracionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objeto a totalidade do montante em dívida (…)
constituirão, assim, indícios reveladores da existência de quotas de amor­tização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas frações: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra”.
De tal resulta que o exequente a partir do dia 08/01/1987, passou a poder exercer o seu direito e consequentemente, iniciou-se o prazo de prescrição de cinco anos, nos termos do artº 306º, nº 1 do C. Civil.
Pelo que o seu crédito deve considerar-se prescrito desde o dia 08/01/1992.
Mas, ainda que se considerasse que vencimento de todas as prestações acordadas no mútuo em apreço apenas ocorreu com a citação para a execução aludida na conclusão 6ª (ação executiva intentada pela exequente, em 9 de Março de 2000, a, contra a ora embargante e o executado D…, atualmente, tem o n.º 3463/14.3 TBSTB), sempre a conclusão, como se salienta na decisão impugnada “seria a de que o crédito exequendo há muito que se mostra prescrito”.
Efetivamente aí foi consignado e passamos a transcrever por perfilharmos de tal entendimento que:
Neste referido processo, a executada foi citada editalmente, tendo a exequente requerido a sua citação edital no dia 14 de Novembro de 2000, pelo que a interrupção da prescrição ocorreu no dia 19 de Novembro de 2000 – art.º 323.º n.º 2 do Código Civil. Interrompeu-se, assim, o prazo de 5 anos em curso, tendo, naquele referido dia 19 de Novembro de 2000, começado a correr novo prazo de prescrição de 5 anos de todas as prestações vencidas no mútuo que serve de base à execução (e não outro prazo qualquer, nomeadamente de 20 anos, como é evidente, pois que a interrupção tem por efeito inutilizar o prazo em curso e começar outro idêntico a partir do ato interruptivo, conforme previsto no art.º 326.º n.º 2 do Código Civil, sendo certo, também, que ao caso não tem aplicação o disposto no art.º 311.º do diploma legal em apreço).
Impõe-se salientar que o novo prazo de prescrição de 5 anos começou, efetivamente, a correr, a partir do dia 19 de Novembro de 2000, uma vez que naquele referido processo n.º 3463/14.3 TBSTB a instância foi considerada deserta – art.º 327.º n.º 2 do Código Civil.
Por tal, não se verificando outras causas de suspensão ou de interrupção da prescrição sempre se havia de considerar prescrito o direito de crédito da exequente desde 19/11/2005.
Irrelevam assim os argumentos da apelante no sentido de prevalecer a aplicação de um prazo prescricional ordinário de 20 anos, pelo que se conclui que a obrigação assumida pela recorrida, no contrato, está abrangida pelo regime jurídico descrito no artº 310º, alíneas d) e e), do C. Civil, cuja prescrição é de cinco anos.
Não merece, pois, qualquer censura a sentença recorrida.
Nestes termos, a decisão recorrida é de manter, improcedendo, assim as conclusões formuladas pela recorrente.

DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Évora, 21-01-2016
Maria da Conceição Ferreira
Mário António Mendes Serrano
Maria Eduarda Mira Branquinho