Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
204/16.4T8STR.E1
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
MOTIVAÇÃO
Data do Acordão: 02/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: REVOGADA
Sumário: I – Do(s) contrato(s) de trabalho a termo celebrado(s) com fundamento no acréscimo excepcional da actividade da empresa [artigo 140.º, n.º 1 e 2, alínea f)] deve(m) constar, o(s) motivo(s) justificativos do(s) mesmo(s), com indicação do(s) facto(s) concreto(s) que o(s) integra(m);
II – Tal necessidade de justificação via permitir ao trabalhador, e ao próprio tribunal em caso de litígio, a verificação da conformidade da situação concreta com a tipologia legal, e até a adequação da justificação invocada com a duração estipulada para o contrato;
III – Não se mostram suficientemente justificados, por vaga e genérica a cláusula neles inserta, os contratos de trabalho a termo em que se afirma que os mesmos são celebrados ao abrigo da alínea f) do n.º 2 do artigo 140.º do CT “para efeitos de acréscimo de trabalho motivado pelo crescimento de pedidos de fornecimento do serviço de Televisão e Banda Larga e ainda o rejuvenescimento e especialização técnica do grupo de trabalho, prevendo-se que tal acréscimo se encontre suprido, ao fim de 12 meses”;
IV – Em conformidade, devem os contratos em causa ser considerados sem termo, pelo que a denúncia dos mesmos por parte da empregadora, sem precedência de procedimento disciplinar, configura um despedimento ilícito.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 204/16.4T8STR.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
1. BB (Autor/recorrente) e
2. CC (Autor/recorrente)
intentaram, na Comarca de Santarém (Santarém – Inst. Central – 1.ª Sec. Trabalho – J2) a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra DD, S.A. (Ré/recorrida), pedindo que se declare ilícita a cessação dos seus contratos de trabalho, operada por esta, e a condenação da mesma a (i) pagar-lhes as retribuições vencidas e vincendas desde o despedimento até à data do trânsito da sentença que declarou essa ilicitude, (ii) e a reintegrá-los com a categoria e antiguidade que lhe compete ou a pagar-lhes as correspondentes indemnizações de antiguidade, contadas até ao trânsito da mesma sentença, se porventura vierem a fazer essa opção.
Alegaram para o efeito, muito em síntese, que foram admitidos ao serviço de uma antecessora da Ré – o 1.º em 24 de Maio de 2011 e o 2.º em 22 de Março de 2011 –, mediante contratos de trabalho com a duração de 12 meses, que se renovaram sucessiva e automaticamente por iguais períodos, tendo ainda em 2014 sido objecto de “renovação extraordinária” por mais um ano.
Os contratos de trabalho transmitiram-se entretanto para a Ré, a qual lhes comunicou unilateralmente a cessação dos mesmos, com efeitos quanto ao 1.º Autor em 23 de Maio de 2015 e quanto ao 2.º Autor em 21 de Março de 2015: porém, tal cessação configura um despedimento ilícito, uma vez que os contratos não apresentam qualquer justificação concreta, nem contêm a descrição concreta da actividade “precisamente determinada e não duradoura” que pudessem sustentar a motivação para a aposição do termo nos contratos, o mesmo acontecendo com as respectivas renovações, sendo certo que sempre desempenharam as mesma funções – de “Técnico Especialista 1” – e que logo que cessados os seus contratos foram substituídos nos mesmos postos de trabalho por outros trabalhadores.
Tendo-se procedido à audiência de partes e não se tendo logrado obter o acordo das mesmas, contestou a Ré, alegando, também muito em síntese, que nos contratos de trabalho se mostra suficientemente concretizada a justificação do recurso à contratação temporária dos Autores e que tal justificação é válida.
Pugnou, por consequência, pela improcedência da acção.

Por acordo das partes foi fixada a matéria de facto considerada relevante, e em 26-06-2016 foi proferido saneador-sentença, que julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos.

Inconformados com o assim decidido, os Autores interpuseram recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões:
«I - Os AA, aqui Recorrentes, foram admitidos, através de contratos de trabalho a termo certo, respectivamente, em 24/05/2011 e 22/03/2011.
II - Contratos que se renovaram, sucessivamente, em 2012, 2013 e 2014.
III - As justificações que foram adoptadas nos contratos a termo certo limitam-se a fazer a remissão abstrata para a lei, baseando-se em meras conjecturas, estimativas e previsões.
IV - Nenhuma justificação foi apresentada para as sucessivas renovações dos mesmos contratos, para além do que consta nos contratos iniciais.
V - A Ré procedeu à denúncia dos referidos contratos de trabalho a termo resolutivo com efeito a partir, respectivamente, de 23/05/2015 e 21/03/2015.
VI - Em qualquer caso, a Ré continuou a sua mesma actividade programada para além da data da cessação dos respectivos contratos.
VII - Confessando, também, por essa via, que a actividade profissional dos AA correspondia e corresponde a necessidades permanentes da Ré, tendo em consideração o modo como está organizada a sua actividade económica e empresarial.
VIII - Absolvendo a Ré, o Tribunal “a quo” violou por erro de interpretação e aplicação o estatuído, “inter alia”, no art. 141º, nº 1, alª. e) e nº 3, e, 147º, nº 1, alªs. a) e c) do Código do Trabalho de 2009.
IX - Violou, ainda, a douta sentença recorrida, o estatuído no art. 53º da Constituição e a Directiva nº 1999/70/CE, do Concelho de 28/06, respeitante ao acordo quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo.
X - Decidiu contra a Jurisprudência unânime dos Tribunais da Relação e do STJ.
XI - Sendo certo que de acordo com a previsão do art. 8º, nº 3 do Código Civil: - “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”.
XII - Deve, por consequência, revogar-se a douta Sentença recorrida, condenando-se a Ré a reintegrar os AA nos seus postos de trabalho, como trabalhadores efectivos do quadro de pessoal da Ré, com todas as demais consequências legais “ex vi” do estatuído no art. 147º, nº 1, alªs a) e c) do CT, incluindo o pagamento integral dos vencimentos vencidos e vincendos, com os respectivos juros moratórios, por imperativos não só de mera legalidade, mas também da mais elementar Justiça».

A recorrida respondeu ao recurso, a pugnar pela sua improcedência.
Para tanto nas contra-alegações que apresentou formulou as seguintes conclusões:
«A) O Saneador-Sentença proferido pelo Douto Tribunal a quo absolveu a Recorrida dos pedidos formulados pelos Recorrentes e considerou “ (…) que o motivo e o prazo apostos no contrato e nas renovações são verdadeiros e, consequentemente, o contrato a termo celebrado entre os Autores [Recorrentes] e a Ré [Recorrida] é válido e cessou nos termos legais, por caducidade”.
B) Não se conformando com esta Decisão, vierem os Recorrentes apresentar recurso de Apelação daquela decisão, todavia, as alegações apresentadas carecem de total fundamento de facto e de Direito.
C) Os Recorrentes utilizam expressões abstratas e conclusivas e não alegam, nem provam, qualquer facto que as concretize.
D) Além de que, os argumentos expendidos pelos Recorrentes no presente recurso são os mesmos já utilizados, nos presentes autos, pelos Recorrentes mas na petição inicial.
E) Em suma, alegam os Recorrentes que a cláusula contratual constante dos contratos de trabalho a termo certo que celebraram com a Recorrida “não justifica, manifestamente, o motivo real da contratação a termo certo resolutivo” e que “… tal cláusula limita-se a indicar as actividades que são pela sua natureza própria, permanentes e, até, a razão de ser da existência da Ré.”, contudo, não indicam qualquer facto que concretize tais entendimentos.
F) Em contradição total com os Recorrentes, demonstra a Recorrida que o motivo justificativo da contratação a termo que consta da redação das cláusulas contratuais consubstancia efetivamente uma necessidade de acréscimo transitório e temporário da atividade da Recorrida, e que tal justificou plenamente o recurso à contratação a termo dos Recorrentes.
G) Tal demonstração é feita com o recurso à matéria de facto dada como assente pelas partes, a qual foi fixada por acordo entre os Recorrentes e a Recorrida, e aceite por todos.
H) Destacam-se, pois, os factos 9 a 15 da matéria de facto assente e que se dá por reproduzida.
I) Dos supra indicados factos resultou claramente a necessidade temporária e excecional de acréscimo de atividade da Recorrida - acréscimo de trabalho motivado pelo crescimento de pedidos de fornecimento do serviço de Televisão e Banda Larga, textualmente concretizada nas cláusulas dos contratos de trabalho a termo certo celebrados entre as partes.
J) Mais resultou provado daqueles factos, a existência de uma plena correspondência entre as atividades para as quais os Recorrentes foram contratados e a real necessidade da Recorrida de reforço da mão-de-obra nas áreas funcionais das Energias e Sistemas Auxiliares e das Operações de Resolução de Avarias Técnicas, naquela zona geográfica de Santarém, que visou dar resposta aos pedidos de fornecimento de serviços, precisamente indicados no texto contratual.
K) Desta forma, encontra-se claramente refutada a argumentação dos Recorrentes constante das expressões abstratas e conclusivas que proferem, incluindo a alegação de que o Tribunal a quo terá ignorado os factos na apreciação que fez.
L) Conclui, mui doutamente, o Tribunal a quo que «Face ao teor de tal cláusula, não pode deixar de se considerar que a justificação do termo aposto neste contrato obedece ao formalismo legal, encontrando-se o motivo justificativo do termo expressamente referido – crescimento de pedidos de fornecimento do serviço de Televisão e Banda Larga, com invocação da relação entre a justificação invocada e o termo estipulado – tempo do acréscimo de clientes e supressão do mesmo.»
M) Decorre, ainda, do douto Saneador-Sentença proferido pelo Tribunal a quo a necessidade legal de se comprovar a verificação da: i) conformidade entre a situação concreta descrita na cláusula contratual e a realidade; e ii) adequação da justificação face à duração estipulada do contrato a termo.
N) Igualmente, através dos factos provados e aceites por acordo das partes, ficou demonstrada a existência da total conformidade entre a fundamentação indicada no texto contratual e a realidade, estando, assim, verificado aquele requisito.
O) No que respeita à adequação da duração estipulada no contrato e o termo do mesmo, importa atender (conforme fez o V. Douto Tribunal da Relação de Évora, em Acórdão datado 03/11/2009, proferido no âmbito do processo n.º 751/08.1TTSTB.E1), que à data da contratação a termo certo a Recorrida não tinha - nem podia ter – a exata noção da duração da aludida necessidade temporária de acréscimo de atividade, pelo que também este requisito se encontra preenchido.
P) Assim se contesta, uma vez mais, a argumentação dos Recorrentes de que “…tal motivação se baseia em mera conjectura, estimativa ou previsão …”.
Q) Por fim, rejeita-se, igualmente, por não se entender, a menção dos Recorrentes a qualquer necessidade de configurar uma “tarefa meramente ocasional” para sustentação da aposição do termo certo aos contratos em crise, na medida em que o motivo justificativo da contratação dos Recorrentes foi o acréscimo excecional de atividade da Recorrida, previsto no artigo 140.º, n.º 2, alínea f) do Código do Trabalho e não na alínea g) da mesma norma do Código do Trabalho (execução de tarefa ocasional).
R) Em matéria de Direito, os Recorrentes apresentaram um conjunto de jurisprudência que, sem exceção, não tem qualquer correspondência fáctica que suporte uma interpretação analógica com a factualidade dos presentes autos.
S) Por todo exposto, soçobram as alegações e conclusões de facto e de Direito expendidas pelos Recorrentes nas alegações de Recurso.
T) Motivo pelo qual, outra conclusão não seria possível senão aquela a que chegou o Douto Tribunal a quo «… o contrato a termo celebrado entre as partes é formalmente válido».
U) Nestes termos, e com o mui douto suprimento de Vossas excelências, venerandos Juízes desembargadores, deve ser julgada totalmente improcedente o presente recurso de apelação com todas as devidas e legais consequências, assim se fazendo inteira, JUSTIÇA!».

O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Remetidos os autos a este tribunal, e nele recebidos, a Exma. Procuradora-Geral Ajunta emitiu douto parecer, que não foi objecto de resposta, no sentido da procedência do recurso, para o que desenvolveu a seguinte argumentação:
«Não verdade, verifica-se, pois, que no contrato celebrado entre os A.A. e a R. e no que diz respeito à indicação do motivo que determinou a sua celebração do respectivo contrato, não se referem concretamente os factos e as circunstâncias que integram o motivo que justificou a sua celebração, sendo certo que a indicação em causa não se pode resumir a uma referência vaga e genérica, não sendo atendível a indicação do motivo justificativo da celebração dos contratos a termo em causa, sendo, por isso, nula a cláusula do termo resolutiva aposta.
Assim, o contrato de trabalho firmado entre os A.A. e a R. deve considerar-se celebrado “ab initio” por tempo indeterminado (sem termo)».

Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do CPC, com remessa de projecto de acórdão aos exmos. juízes desembargadores adjuntos, e realizada a conferência, cumpre decidir.

II. Objecto do recurso
Sabido como é que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4 e artigo 639.º, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), no caso a questão essencial a decidir centra-se em saber se os contratos de trabalho a termo se mostram ou não suficientemente motivados e, em caso afirmativo, se essa motivação é válida; ou seja, está em causa apurar da validade formal e substancial dos contratos de trabalho a termo.

III. Factos
Na 1.ª instância, com base no acordo escrito das partes, foi dada como provada a seguinte factualidade:
1. Os Autores celebraram contratos de trabalho a termo certo, com a duração de 12 meses, com a antecessora da Ré, para lhe prestarem a sua actividade profissional com início desde: 1.º Autor 24 de Maio de 2011 e 2.º Autor 22 de Março de 2011.
2. Os Autores outorgaram com a antecessora da Ré contratos e estágio profissional, com a duração de 12 meses que vigoraram durante o ano que antecedeu a celebração dos contratos referidos no ponto n.º 1.
3. Os referidos contratos de trabalho a termo certo foram celebrados com a empresa EE, SA. que foi incorporada por fusão na FF, SA., em 29.12.2011.
4. Em 29.12.2014, a FF, SA., com o número único de matrícula e pessoa colectiva …, alterou a sua denominação para DD, SA..
5. Os referidos contratos de trabalho a termo certo foram renovados, sucessiva e automaticamente por períodos iguais aos inicialmente estabelecidos, renovando-se uma terceira vez, mas a título extraordinário e por escrito, em 24.05.2014, no caso do 1.º Autor e em 22.03.2014, no caso do 2.º Autor.
6. Os Autores foram admitidos a termo certo com a categoria profissional de “Técnico”, auferindo, ultimamente, a retribuição-base mensal:
1º A – 828,41 €, acrescida de subsídio de alimentação;
2º A – 823,38 €, acrescida de subsídio de alimentação.
7. Ultimamente tinham ambos a categoria profissional de “Técnico Especialista 1”.
8. Ambos desempenhavam sem interrupção as mesmas funções.
9. Nos escritos que consubstanciam e titulam esses contratos, o motivo justificativo da sua celebração indicado na cláusula 2ª é o seguinte:
“1 – O presente contrato de trabalho a termo certo é celebrado por motivo de necessidades temporárias da Primeira Contraente, com fundamento na alínea f), do n.º 2, do artigo 140.º, do Código do Trabalho, para efeitos de acréscimo de trabalho motivado pelo crescimento de pedidos de fornecimento do serviço de Televisão e Banda Larga e ainda o rejuvenescimento e especialização técnica do grupo de trabalho, prevendo-se que tal acréscimo se encontre suprido, ao fim de 12 meses”.
10. Os Autores foram contratados a termo certo, nas datas indicadas no ponto n.º 1, para exercerem as funções na Direcção de Operações da Ré (Direção de Field Operations).
11. O 1.º Autor exercia as funções na área das Energias e Sistemas Auxiliares, na zona geográfica de …e realizava as suas actividades, concretamente, nas infra-estruturas auxiliares (isto é repartidores), com as seguintes tarefas principais:
- Operação, manutenção e instalação de sistemas de alimentação de energia;
- Operação, manutenção e instalação de sistemas de climatização e ventilação;
- Instalações eléctricas em salas técnicas afectas a equipamentos de telecomunicações;
- Sistemas de baterias e grupos electrogéneos de socorro, Unidades UPS, entre outras.
12. Em 2011 houve um aumento do número de pedidos de fornecimento de serviços de televisão e de instalações de televisão digital terrestre e televisão e banda larga, na nova modalidade M40, o que implicou naquela área geográfica, um aumento considerável do número de pontos de atendimento de clientes (isto é armários técnicos/de equipamentos de rua) para permitir a necessária cobertura aos pedidos de fornecimento de serviços.
13. A Ré teve necessidade de reforçar a mão-de-obra na zona de …, na área das energias, infra-estruturas e sistemas auxiliares, sem a qual não seria possível efectuar as instalações dos pontos de atendimento de clientes e responder aos pedidos de fornecimento de serviços, indicado no ponto n.º 12.
14. O 2.º Autor foi contratado para exercer funções na Zona de …, na área das operações de cliente, que se concretizaram, essencialmente, nas seguintes tarefas:
- Resolução de avarias do SFT (Serviço Fixo de Telefone), ADSL, …Cobre e … Fibra, que dependendo do tipo de anomalia, poderia resultar na substituição de pequenos troços de cabo RAD (rede acesso e distribuição), intervenção na RIC (rede interna do cliente) e/ou equipamento terminal;
- Ensaio do circuito, face aos resultados identificação do problema/avaria e resolução da mesma;
- Excepcionalmente, instalações/reinstalações de …Cobre ou Fibra.
15. Também nesta área operacional de resolução de avarias foi necessário reforçar a mão-de-obra na zona geográfica de …, para dar resposta a tal acréscimo de actividade e ao número de solicitações de serviços de televisão e banda larga na modalidade M4O.
16. A Ré denunciou os referidos contratos, nos respectivos termos de vigência, conforme cartas de comunicação de não renovação juntas aos autos, com efeitos a partir de 23.05.205 para o 1.º Autor e 21.03.2015 para o 2.º Autor.
17. A Ré pagou aos Autores as compensações por caducidade dos contratos de trabalho a termo, bem como os respectivos créditos laborais emergentes da cessação dos mesmos.

IV. Fundamentação
É sabido que a Lei Fundamental consagra a garantia à segurança no emprego (artigo 53.º).
Tal princípio envolve, como assinalam Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra Editora, pág. 711), não só o direito a não ser despedido sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos, mas também todas as situações que se traduzam em injustificada precariedade da relação de trabalho: daí que seja necessário um motivo justificativo para a contratação a termo; «[o] direito à segurança no emprego pressupõe assim que, em princípio, a relação de trabalho é temporalmente indeterminada, só podendo ficar sujeita a prazo quando houver razões que o exijam, designadamente para ocorrer a necessidades temporárias da entidade empregadora e pelo período de tempo estritamente necessário à satisfação dessas necessidades».
Por isso, considerando que o contrato de trabalho a termo é por natureza precário, o que contraria o aludido princípio constitucional de “segurança no emprego” – ou, se se quiser, constitui um desvio àquele princípio – exigem-se requisitos quer de ordem material (relacionados, na sua essência, com as situações que legitimam a celebração de contratos a termo – cf. artigo 140.º do Código do Trabalho) quer de ordem formal (que impõem que os contratos observem determinado formalismo – cfr. artigo 141.º do mesmo compêndio legal), tendo como consequência a não observância de tais formalismos considerarem-se os contratos celebrados por tempo indeterminado.
Assim, e concretamente quanto aos requisitos de ordem material que constam do artigo 140.º tanto o podem ser para satisfação das necessidades temporárias das empresas (n.º s 1 e 2), como por razões ligadas à política de fomento do emprego ou até de fomento do investimento (n.º 4 do artigo).
Ao caso em apreço interessa apenas a 1.ª situação: a exigência legal de justificação para a celebração do contrato – através da indicação expressa dos factos que integram o motivo da contratação a termo, consagrada na alínea e) do n.º 1 e no n.º 3 do artigo 141.º, com referência aos n.ºs 1 e 2 do artigo 140.º –, visa permitir a verificação ou controle da conformidade da situação concreta com a tipologia legal das situações excepcionais que consentem tal contratação, da veracidade da justificação invocada e da adequação da duração convencionada para o contrato (cfr. acórdão do STJ de 19-05-2010, Proc. n.º 604/08.3TTSTB.E1, disponível em www.dgsi.pt).
Considera-se sem termo o contrato de trabalho em que falte, entre outros, o motivo justificativo [alínea c) do n.º 1 do artigo 147.º].
Tendo em conta a referida natureza excepcional dos contratos de trabalho a termo, impõe-se que o motivo justificativo do contrato a termo seja indicado no documento que suporta o próprio contrato, sob pena de se considerar nula a estipulação do prazo e, nessa medida, tornar o contrato por tempo indeterminado; estão em causa exigências formais (ad substanciam) que condicionam a admissibilidade da aposição do termo e assentam na necessidade de tutelar a segurança jurídica e, em última análise, a segurança no emprego (por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23-01-2002, Proc. n.º 503/01, de 08-05-2002, Proc. n.º 3172/01, de 03-03-2005, Proc. n.º 3952/04, de 18-06-2008, Processo n.º 936/08 e de 28-04-2010, Proc. n.º 182/07.0TTMAI.S1, todos da 4.ª secção, o 1.º, 4.º e 5.º disponíveis em www.dgsi.pt).
Como se escreveu no sumário do referido acórdão de 18-06-2008 (Proc. n.º 936/98), «[a] indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade ad substantiam, pelo que a insuficiência de tal justificação não pode ser suprida por outros meios de prova, donde resulta que o contrato se considera celebrado sem termo, ainda que depois se venha a provar que na sua génese estava uma daquelas situações em que a lei admite a celebração de contratos de trabalho a termo. [] Isto significa que só podem ser considerados como motivo justificativo da estipulação do termo os factos constantes na pertinente cláusula contratual».
Este entendimento não é contrariado pela circunstância de se estabelecer no artigo 140.º, n.º 5, que a prova dos factos que justificam a celebração do contrato a termo cabe ao empregador. Esta norma, regulando sobre a repartição do ónus da prova, não prejudica a exigência da explicitação no contrato do motivo justificativo da contratação a termo; o que decorre da norma é tão só que sendo questionada a efectiva existência do fundamento enunciado para a contratação do trabalhador a termo, cabe ao empregador provar que o mesmo se verifica, mas não que se prove na acção judicial o fundamento cuja enunciação se omitiu ou se fez constar com mera referência aos fundamentos enunciados no artigo 140.º.

No caso em apreciação consta da cláusula 2.ª dos contratos, como motivo justificativo dos mesmos, que são celebrados «(…) por motivo de necessidades temporárias da Primeira Contraente, com fundamento na alínea f), do n.º 2, do artigo 140.º, do Código do Trabalho, para efeitos de acréscimo de trabalho motivado pelo crescimento de pedidos de fornecimento do serviço de Televisão e Banda Larga e ainda o rejuvenescimento e especialização técnica do grupo de trabalho, prevendo-se que tal acréscimo se encontre suprido, ao fim de 12 meses».
Ora, pergunta-se: tal motivo justificativo obedece ao prescrito na lei, maxime na alínea f) do n.º 2 do artigo 140.º e alínea e) do n.º 1 e n.º 3, estes do artigo 141.º?
A 1.ª instância, com o aplauso da recorrida, respondeu afirmativamente a tal questão.
Respiga-se da sentença a seguinte fundamentação:
«Analisando o contrato dos autos constata-se que o mesmo foi “(…) celebrado por motivo de necessidades temporárias da Primeira Contraente, com fundamento na alínea f), do n.º 2, do artigo 140.º, do Código do Trabalho, para efeitos de acréscimo de trabalho motivado pelo crescimento de pedidos de fornecimento do serviço de Televisão e Banda Larga e ainda o rejuvenescimento e especialização técnica do grupo de trabalho, prevendo-se que tal acréscimo se encontre suprido, ao fim de 12 meses”.
Destarte, do contrato celebrado entre as partes consta como motivo da aposição do termo, “o contrato é celebrado com fundamento na alínea f), do n.º 2 do artigo 140.º do Código do Trabalho, para efeitos de acréscimo de trabalho motivado pelo crescimento de pedidos de fornecimento do serviço de Televisão e Banda Larga (…), o qual se estima ter a duração estabelecida de 12 meses”.
Face ao teor de tal cláusula, não pode deixar de se considerar que a justificação do termo aposto neste contrato obedece ao formalismo legal, encontrando-se o motivo justificativo do termo expressamente referido – crescimento de pedidos de fornecimento do serviço de Televisão e Banda Larga, com invocação da relação entre a justificação invocada e o termo estipulado – tempo do acréscimo de clientes e supressão do mesmo.
Assim, o contrato a termo celebrado entre as partes é formalmente válido»
Os recorrentes rebelam-se contra tal entendimento, argumentando, no essencial, que o motivo justificativo aposto nos contratos a termo é abstracto, genérico, conclusivo, sem qualquer referência a factos concretos.
Vejamos.

Na análise da questão não poderá deixar de ter-se presente que o que se visa com a necessidade de fazer constar do contrato de trabalho a termo o motivo justificativo do mesmo, com menção dos factos concretos que o integram é, ao fim e ao resto, permitir ao trabalhador, e até ao próprio tribunal em caso de litígio, a verificação da conformidade da situação concreta com a tipologia legal e até a adequação da justificação invocada com a duração estipulada para o contrato: dito de forma directa, está em causa permitir ao trabalhador, e ao tribunal quando chamado a intervir, averiguar se é verdadeiro o motivo alegado para a celebração do contrato.
Ora, para tal terão que constar do contrato de trabalho os factos concretos que permitam ao trabalhador apreender a realidade invocada e aferir da veracidade da mesma, o que não pode ser satisfeito através de expressões genéricas, vagas ou abstractas.
No caso em apreço, o motivo justificativo dos contratos é o crescimento de pedidos do fornecimento do serviço de televisão e banda larga e ainda o rejuvenescimento e especialização técnica do grupo de trabalho: trata-se de uma justificação vaga.
Com efeito, por um lado, não se faz qualquer concretização, designadamente temporal e quantitativa, sobre a ordem dos pedidos de serviços em causa: sendo do conhecimento público que a aqui recorrida se dedica à actividade em causa, afigura-se óbvio, tendo em conta a própria concorrência no sector (v.g., por virtude de campanhas promocionais), que os pedidos de instalação dos serviços vão variando/flutuando ao longo dos tempos, podendo nuns meses serem superiores à média, noutros meses serem inferiores: ora, o afirmar-se que existe o crescimento de pedidos de fornecimento de serviço de televisão e banda larga, sem qualquer referência concreta, designadamente temporal e quantitativa, é vago, não permitindo aferir da veracidade de tal fundamento; diremos que tal motivo invocado tanto se pode compatibilizar com um acréscimo temporário de actividade, como com um acréscimo não temporário.
Mas, por outro lado, também não se lobriga em que é que se traduz em concreto a referência a “rejuvenescimento e especialização técnica do grupo do trabalho” com a contratação dos aqui recorrentes, quando o que está em causa é uma necessidade temporária e excepcional da empresa.
É certo que dos contratos consta que se prevê que o acréscimo de actividade se encontre suprido ao fim de 12 meses: porém, fica-se sem perceber qual a relação entre a necessidade de rejuvenescimento e especialização da equipa técnica do grupo de trabalho e o acréscimo excepcional de tal actividade; isto quando se afigura, tendo em conta a actividade da aqui recorrida, que a necessidade de aperfeiçoamento e especialização técnica assume na mesma carácter de normalidade.
Tudo para afirmar a vacuidade da referência não só em relação ao crescimento dos pedidos de fornecimento de serviços de televisão e de banda larga, como também de rejuvenescimento e especialização técnica do grupo de trabalho.
No fundo, a cláusula justificativa do termo aposto no contrato é de tal forma vaga e genérica, que não permite a verificação externa da conformidade entre os invocados acréscimos de pedidos de fornecimento de televisão e de banda larga e o acréscimo excepcional da actividade, bem como da necessidade de rejuvenescimento da equipa técnica, nem entre essas justificações e a duração estipulada para o contrato, de 12 meses.
Para a validade do contrato de trabalho a termo era necessário que se explicitasse, diremos minimamente, que aumento de actividade teve a Ré/recorrida que justificasse a contratação dos Autores/recorrentes, o porquê de se prever que esse aumento é meramente temporário, bem como em que medida estes vão suprir as necessidades de rejuvenescimento e especialização da equipa técnica e pelo período indicado.
E, como se afirmou, constituindo a indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo uma formalidade ad substantiam, a insuficiência de tal justificação não pode ser suprida por outros meios de prova, donde decorre que o contrato se considera celebrado sem termo [cfr. artigo 141, n.º 1, alínea e) e n.º 3 e artigo 147.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código do Trabalho].
Por isso, ainda que se pudesse admitir que existia motivo para a celebração dos contratos de trabalho a termo – última questão a decidir que havia sido supra equacionada –, sempre os contratos teriam de se considerar sem termo, por falta de concretização do motivo justificativo da sua celebração.
E assim sendo, como se entende, queda prejudicada a análise da referida (última) questão equacionada (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

Considerando-se os contratos celebrados sem termo, a sua denúncia por parte da Ré/recorrida (cfr. facto n.º 16) equivale a um despedimento, obviamente ilícito, por não precedido de procedimento disciplinar [artigo 381.º, alínea c) do Código do Trabalho].
Em consequência, e em conformidade com o disposto no artigo 389.º n.º 1, alínea b), do compêndio legal em referência, os trabalhadores/recorrentes têm direito a ser reintegrados na empregadora recorrida (já que não se localiza nos autos que até ao saneador-sentença tenham optado pela indemnização de antiguidade), sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.
Além disso, e em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 390.º, têm direito às retribuições que deixaram de auferir desde o despedimento/denúncia dos contratos pela empregadora até ao trânsito em julgado da presente decisão, deduzido, no entanto e por força da lei, o subsídio de desemprego de que, porventura, haja beneficiado durante aquele período e que a Ré/recorrida deve entregar à Segurança Social [cfr. artigos 389.º, n.º 1 b) e 390º n.ºs 1 e 2, ambos do Código do Trabalho], relegando-se a liquidação das mencionadas retribuições para incidente próprio dado que, de momento, se desconhecem os valores a deduzir às mesmas nos referidos termos.
Anote-se que acolhemos a interpretação no sentido que a imperatividade do regime legal atinente à dedução dos rendimentos de trabalho por actividade iniciada após o despedimento e até ao encerramento da discussão em 1.ª instância [artigo 390.º, n.º 1, alínea a), do Código do trabalho] não dispensa o empregador de alegar e provar que o trabalhador os auferiu; sem essa alegação e prova não é possível operar/determinar a referida dedução; já em relação à dedução do subsídio de desemprego constitui matéria de conhecimento oficioso, já que se trata de uma prestação do Estado, substitutiva da retribuição, que, uma vez recuperada, tem que ser devolvida à Segurança Social, não redundando, por isso, num qualquer benefício para o empregador (cfr. neste sentido, por todos, embora no âmbito do anterior regime legal, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2012, Recurso n.º 154/06.2TTMTS.C.P1.S1].
Ora, no caso, não se mostra provado, nem sequer alegado, que os trabalhadores tenham auferido rendimentos por actividade iniciada posteriormente ao despedimento e até ao saneador-sentença.

Aqui chegados só nos resta concluir pela procedência das conclusões das alegações de recurso, devendo, em consequência, revogar-se a sentença recorrida e condenando-se a Ré nos termos referidos.

Vencida no recurso, deverá a Ré/recorrida ser condenada nas custas respectivas, em ambas as instâncias (artigo 527.º, do Código de Processo Civil).


V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o recurso interposto por (1) BB e por (2) CC e, em consequência:
1. Revoga-se a sentença recorrida, na parte em que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré dos pedidos e, em sua substituição, declara-se ilícito o despedimento promovido pela Ré DD, consubstanciado na declaração de denúncia dos contratos, com efeitos a partir de 23-05-2015 para o 1.º Autor e a partir de 21-02-2015 para o 2.º Autor e, em consequência, condena-se a mesma Ré a:
i. reintegrar os Autores, sem prejuízo da respectiva categoria profissional e antiguidade;
ii. pagar aos Autores as retribuições que este deixaram de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, retribuições essas deduzidas, no entanto e por força da lei, do subsídio de desemprego de que, porventura, os Autores hajam beneficiado durante aquele período de tempo e que a Ré deve entregar à Segurança Social, relegando-se a liquidação das mencionadas retribuições para incidente próprio, dado que, de momento, se desconhecem os valores a deduzir às mesmas nos referidos termos.
Custas em ambas as instâncias pela Ré/recorrida.
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Évora, 16 de Fevereiro de 2017
João Luís Nunes (relator)
Alexandre Ferreira Baptista Coelho
Moisés Pereira da Silva