Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1517/17.3T8FAR.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
CONTRATO DE ADESÃO
APÓLICE DE SEGURO
RESPONSABILIDADE CIVIL
Data do Acordão: 10/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I - Sendo o contrato de seguro em apreciação um contrato de adesão, a interpretação das suas cláusulas deve obedecer às regras gerais estabelecidas nos artigos 236.º e seguintes do Código Civil, mas com as especificidades decorrentes dos artigos 7.º, 10.º e 11.º do regime das Cláusulas Contratuais Gerais aprovado pelo DL n.º 446/85, de 25/10.
II - Abrangendo a apólice o pagamento das indemnizações devidas por responsabilidade civil decorrente de actos ou omissões do Segurado ou seus comissários, no âmbito do exercício da sua actividade, deve entender-se que o objecto seguro foi a responsabilidade civil emergente do normal funcionamento e exploração do estabelecimento, sendo este o único entendimento que um declaratário normal colocado na posição da Segurada poderia retirar das mesmas
III - A responsabilidade civil decorrente da exploração de uma actividade como a da Segurada não se confunde com a responsabilidade civil do proprietário do imóvel.
IV - Tratando-se de um seguro facultativo, o contrato em apreço não abrange, porque não foi contratada, a responsabilidade civil decorrente dos danos causados a terceiros pela queda parcial do telhado do prédio em que a actividade da Segurada tem lugar.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 1517/17.3T8FAR.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1]
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I – RELATÓRIO
1. BB instaurou a presente acção declarativa com processo comum contra CC-Companhia de Seguros, SA, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 13.933,29€, acrescida dos juros de mora à taxa legal vencidos desde a citação até efectivo e integral pagamento, para ressarcimento dos danos verificados no seu veículo em consequência do sinistro ocorrido na garagem da tomadora do seguro e que a ré recusou pagar.

2. Regularmente citada, a ré contestou, alegando, em síntese, que os danos cujo ressarcimento é reclamado pelo A. nos autos não estão garantidos pela apólice de seguro, a qual só garante a responsabilidade extra contratual que seja imputável ao segurado no exercício da actividade ou na qualidade expressamente referida nas condições especiais ou particulares da apólice; que os mesmos sempre estariam excluídos da garantia, nos termos do artigo 6.º, n.º 3, alínea a) das Condições gerais da apólice; e impugnando a descrição do sinistro apresentada pelo A. bem como os danos e valores por este indicados.

3. O autor respondeu à matéria da excepção, invocando a violação dos deveres de comunicação e de informação por parte da ré ao tomador de seguro.

4. Realizada a audiência prévia, o conhecimento da invocada excepção foi relegado para a decisão final, foi proferido despacho saneador tabelar quanto aos pressupostos processuais, tendo ainda sido identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

5. Após a audiência final foi proferida sentença onde se decidiu julgar improcedente, por não provada, a presente acção, absolvendo-se a Ré CC-Companhia de Seguros, SA, do pedido.
6. Inconformado, o Autor apelou, finalizando as alegações de recurso com as seguintes conclusões [transcrição]:
«1-O Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais é aplicável às cláusulas que integram as “Condições Gerais da Apólice”, encontrando-nos, no caso do contrato de seguro celebrado entre a recorrida e a segurada “DD, Lda.”, perante um contrato de seguro padronizado, com as características da pré-elaboração, da generalidade e da rigidez, indicadas como caracterizadoras das “cláusulas contratuais gerais”, submetido, assim, ao regime das cláusulas contratuais gerais, constante do citado Decreto-lei n.º 446/85, como comummente sucede com os contratos de seguro.
2- Ao invocar a violação dos deveres de comunicação e de informação á segurada, por parte da recorrente, relativamente á aludida cláusula constante no Ponto 19º do acervo factual dado como provado, competia á recorrida o ónus de prova dos elementos alusivos à comunicação e informação dessa cláusula.
3- A referida comunicação não pode ser meramente parcelar ou sumária e exarada no exacto momento da assinatura do contrato, devendo antes abranger a totalidade do clausulado, com a antecedência necessária a uma cabal apreensão, interiorização e possibilidade de reponderação - normalmente na fase de negociação ou pré-contratual - e efectivada de modo adequado, tendo-se em conta, designadamente, a importância do contrato, a sua extensão e complexidade das suas cláusulas.
4- Na estrita sequencia lógica do que vem de ser dito, não é legítimo extrair do mero facto das cláusulas gerais constarem do contrato a conclusão de que a parte aderente delas teve conhecimento (adequado), nem bastando, neste contexto, a pura notícia da existência de cláusulas contratuais gerais”, competindo ao proponente que redigiu as cláusulas e que delas pretende prevalecer-se o ónus de prova dos elementos alusivos à comunicação e informação – e não sobre o aderente o ónus de alegação e prova de que as cláusulas em causa não lhe foram previamente comunicadas e/ou esclarecidas”.
5- Não satisfaz tal exigência probatória, a mera remissão para o teor da apólice junta da fls. 94. ss , como acontece na respectiva fundamentação de facto produzida pelo Tribunal a quo, não resultando de tal motivação outro qualquer contributo probatório, seja de natureza documental, seja de natureza testemunhal.
6- Tal fundamentação é, pois, manifestamente insuficiente para dar como provada a comunicação da citada clausula á segurada, o que equivale a dizer que a recorrida não fez qualquer prova de ter cumprido os seus deveres de comunicação e informação, relativamente á clausula constante no Ponto 19º do acervo factual dado como provado e, como tal, deve que a mesma deve ser excluída do contrato em questão e retirado o Ponto 19º do acervo factual dado como provado, como se pede e se espera.
7- No caso vertente, estando provado que os danos ocorridos no veículo automóvel do recorrente foram causados pela queda parcial do tecto ou cobertura da garagem que a segurada da recorrida explora na sua actividade comercial, estamos perante um facto ilícito (artigo 483º, nº 1,1ª parte do Código Civil: violação de um direito subjectivo de outrem).
8- No enquadramento jurídico dos denominados “deveres no tráfico” ou “deveres de prevenção de perigo”, é possível estabelecer áreas de responsabilidade por omissão no domínio de uma esfera de vida espacio-fisicamente determinada e decorrente da assunção de uma actividade, impondo aos sujeitos deveres que evitem perigos ou afastem riscos, mormente no exercício de uma actividade comercial ou profissional.
9- Na projecção desses deveres, o artigo 492º, nº1 do Código Civil estabelece os danos originados pela ruína de edifício ou de outras obras, podem e devem presumir-se ser causa da omissão daquele dever, por parte da pessoa que criou e mantém a concreta situação de perigo e que estava obrigado a assumir as cautelas e tomar as providências necessárias para evitar danos.
10- Consagra-se, no citado preceito legal, uma presunção de culpa permitindo que a mesma seja ilidida por prova em contrário, ou seja, cabe ao proprietário ou do possuidor demonstrar que agiu com a diligência devida ou que, ainda que tivesse actuado diligentemente, os danos teriam ocorrido da mesma forma.
11- É inócuo que o recorrente não tenha alegado, na sua petição inicial, que a queda da cobertura desse armazém se tenha ficado a dever a falta ou má conservação do imóvel, se essa falta veio a ser suprida, ao abrigo do Principio da Aquisição Processual, pela contestação apresentada pela recorrida, designadamente, ao exarar no artigo 8º daquela sua peça processual, que “o colapso da cobertura do armazém provém da má conservação dessa estrutura”.
Mais ainda que assim não fosse,
12-No caso sub judice, a segurada da recorrente tinha a afectação material do imóvel em causa, ou seja, que o utilizava no exercício da sua actividade de exploração de Garagens e Parque de Estacionamento, assumindo o risco e a responsabilidade pelas utilidades extraídas desse mesmo imóvel, tendo assumido expressamente a responsabilidade pelo sinistro em apreciação.
13-O abatimento de tal cobertura da garagem, enquanto uma parte componente ou integrante do imóvel, consubstancia uma ruína, para os efeitos do citado artigo 492º do Código Civil.
14- À luz de uma “presunção ampla de ilicitude” que se deve ter por consagrada no artigo 492º, nº1 do Código Civil, cabia ao recorrente a prova do evento, ou seja, a queda do telhado da garagem onde se encontrava parqueado a viatura do recorrente), danificando o seu veiculo automóvel, que cumpriu, incumbindo á recorrida o ónus de alegar e provar que não foi por culpa da sua segurada, que ocorreu a ruína do edifício ou obra, designadamente, por ausência de vícios de construção ou defeitos de conservação, que não cumpriu.
15- Há, pois, que concluir pela culpa presumida da segurada da recorrida, reportada ou ao vicio de construção ou ao defeito de conservação, caso não de demonstre a existência de caso fortuito ou de força maior ou a culpa do lesado.
16-Ainda que assim não fosse, ou seja, que a culpa presumida no referido preceito legal não dispense a demonstração da ilicitude (a ruína do edifício ou obra se deveu a vícios de construção ou defeitos de conservação), não se mostrando provada a existência de qualquer fenómenos extraordinários (v.g. terramoto, ciclone, furação), a ruína parcial da aludida garagem, só por si, segundo os próprios ensinamentos da vida e o curso típico dos acontecimentos, indicia o incumprimento de deveres relativos á construção ou manutenção de edifícios por parte da segurada da recorrida, funcionando, aqui, a chamada “prova de primeira aparência”, presunção judicial ou de facto, conferindo um juízo de probabilidade seria ou bastante desse facto.
17- Não cumprindo o recorrido tal ónus da prova, há que concluir pela culpa presumida, reportada ou ao vicio de construção ou ao defeito de conservação. (…)
18- A cobertura do estabelecimento faz parte integrante do imóvel arrendado ao segurado da recorrida, o que vale dizer que estamos perante um dano provocado por uma coisa imóvel.
19- É aplicável ao caso dos autos a modalidade especial de responsabilidade delitual ou extra-contratual prevista no artigo 493º, nº1 do Código Civil, porquanto na veste de arrendatária do estabelecimento / garagem em causa, que o utilizava no seu comércio e exploração de garagem e parque de estacionamento, retirando dai as inerentes vantagens (maxime, patrimoniais), deve preocupar-se com os seus perigos, impendendo sobre si o dever de o vigiar e a obrigação de avisar o proprietário/locador de molde a que este ordenasse as devidas obras de conservação e a evitar a ocorrência de algum sinistro.
20- O artigo 493º, nº1 do Código Civil, consagra, para além de uma presunção de culpa, uma presunção de ilicitude, com o sentido de que tendo ocorrido danos, se presume que tenha ocorrido incumprimento dos deveres de vigilância e de zelo por parte das pessoas que se encontram vinculadas.
21- Impendia, pois, sobre a segurada da recorrida, a adopção das medidas mínimas de segurança e cuidado, designadamente ao nível preventivo, que se mostrassem possíveis e necessárias de acordo com as circunstâncias concretas do caso, que não alegou ter cumprindo.
22- Em face da ocorrência de danos na viatura automóvel do recorrente, provocados pelo abatimento da cobertura da garagem, cabia ao segurado ilidir essa presunção, tal como acontece na hipótese prevista no artigo 492º, nº1 do Código Civil, mediante a prova da inexistência de culpa ou mostrando que esses mesmo danos se teriam igualmente verificados, mesmo sem culpa.
23-O evento de caso fortuito só releva inteiramente se o agente se comportar como “ um impotente e minúsculo espectador”, pelo que estando em discussão a formulação de um juízo de valor relativamente á actuação do obrigado no cumprimento do seu dever de vigilância, tal implica que se confronte o circunstancialismo anómalo (Inundação, tempestade, tremor de terra, etc.) e a sua imprevisibilidade, com o cumprimento de dever de diligência do obrigado a evitar a lesão ou dano de outrem, de forma a poder comparar com aquele que teria sido adoptado por um Bonus Pater Famílias.
24-Partindo do evento que constitui a causa directa do dano (abatimento parcial da cobertura da garagem de que a segurada do recorrido utiliza na sua actividade comercial de exploração de garagens e estacionamento de viaturas automóveis), é patente a recorrida não alegou, sequer, ter cumprido os seus deveres de guarda e vigilância que lhe cabiam, enquanto arrendatária e entidade exploradora do estabelecimento/armazém em causa, ou seja, que adoptou todas as cautelas e providências que estavam ao seu alcance, no sentido de evitar ou, pelo menos, dificultar, a ocorrência de um facto desta natureza.
25- Designadamente, que exerceu uma actividade de vistoria e / ou fiscalização técnica periódica ao estado de conservação e funcionamento desse armazém, em termos de aquilatar o estado de conservação dessa mesma cobertura e a sua segurança.
26- É de palmar evidencia, que os que telhados e coberturas de armazéns, normalmente mais expostos aos elementos da natureza (sol, chuva), são susceptíveis de uma deterioração mais acentuada, carecendo, como tal, de especiais as medidas de conservação e protecção.
27- Acresce que do acervo factual dado como provado não consta a existência de qualquer fenómeno meteorológico de natureza excepcional ou imprevisível (tromba de água, ciclone, tornado, tremor de terra), com as características da força maior ou caso fortuito,
28- Como também não há registo nos autos acerca da existência de quaisquer outros danos verificados nesse mesmo dia, em móveis ou imóveis sitos na cidade de Faro ou, mesmo, na zona ou no bairro em que aquele estabelecimento se localiza.
29- A alusão á existência de uma “intempérie”, cingida á fundamentação de direito, descarnada de factos concretos que o comprovem e sustentem o invocado, designadamente estarmos perante um fenómeno meteorológico de natureza excepcional, que causou outros danos na cidade ou na zona onde o estabelecimento se situa, acrescido ao facto da recorrida não ter alegado ou feito prova da sua segurada ter cumprido os seus deveres de vigilância e cautela, com referencia á bitola do comerciante medianamente competente e cuidadoso na condução dos seus negócios, inviabiliza por completo a possibilidade de ajuizar pela existência de uma caso fortuito ou de força maior.
30- É, pois, forçoso concluir que a queda dessa cobertura do armazém se deveu, não a qualquer facto fortuito ou de força maior, mas presuntivamente á omissão das medidas de vigilância e segurança, em termos de mera culpa ou negligência.
31- Encontrando-se em vigor á data do sinistro em apreço, o contrato de seguro titulado pela apólice de responsabilidade civil nº 30047732, mediante o qual a recorrida garante o pagamento das indemnizações emergentes de responsabilidade civil decorrentes de actos ou omissões que sejam exigíveis á segurado, por danos patrimoniais e/ou extra-patrimoniais causados a clientes ou terceiros, no âmbito da sua actividade comercial de “Oficina/Reparação de Veículos a Motor/Estações de Serviços/Garagens / Parque de estacionamento”, com o limite de responsabilidade civil de Euros: 100.000 (cem mil euros) e tendo o sinistro em apreço ocorrido por violação, por parte da segurada, dos mencionados deveres de deveres de vigilância e controle da garagem, tida como “ local de risco”, que utiliza na sua actividade comercial, constitui-se a recorrida na obrigação de indemnizar o recorrente pelos invocados danos, de que essa conduta (omissiva) foi causa adequada.
32- Mais ainda que por absurdo, que tivéssemos de considerar a existência de qualquer cláusula que excluísse a aludida cobertura dos danos casualmente ligados ao funcionamento desse mesmo estabelecimento, tendo presente a aludida cobertura base da apólice , as características da actividade comercial desenvolvida pela segurada e as legítimas expectativas que lhe foram criadas , não se podia deixar de considerar a mesma “nula”, na exacta medida em que inviabiliza a cobertura natural de riscos do tipo de seguro ajustado com a segurada, frustrando o objectivo assumido que a segurada visava atingir com o tipo de contrato utilizado
33- traduzindo-se, mesmo, num evidente esvaziamento do objecto do contrato de seguro em apreço, retirando-lhe qualquer utilidade ou interesse prático.
34- Deve, pois, o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, a recorrida ser condenada a pagar ao recorrente a quantia total de Euros 13.933,29 (treze mil, novecentos e trinta e três euros e vinte e nove cêntimos), a que acresce juros de mora á taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, referentes ao valor dos danos causados na sua viatura automóvel, em virtude da queda do referida cobertura da garagem».

7. A Ré apresentou contra-alegações pugnando pela manutenção da decisão proferida.

8. Observados os vistos, cumpre decidir.
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II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[3], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, as questões colocadas para apreciação no presente recurso são as de saber se o ponto 19 da matéria de facto provada deve ser excluído da mesma por violação do dever de comunicação daquela cláusula de exclusão da responsabilidade; se os factos provados integram a responsabilidade civil decorrente do disposto no artigo 492.º ou 493.º do Código Civil[4].
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III – Fundamentos
III.1. – De facto
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1- Encontra-se registado em nome do A. BB o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca BMW, modelo X5 (X Serie), matrícula ...-CE-….
2- No dia 5 de Maio de 2016, o veículo referido em 1 encontrava-se estacionado no estabelecimento comercial sito na Rua …, nº …, União das Freguesias da Sé e São Pedro, concelho de Faro, detido pela sociedade DD, Lda. à qual o A., à data, pagava a avença mensal de 80,00€ para ali estacionar a sua viatura na garagem coberta.
3- O imóvel onde funcionava a garagem coberta encontrava-se à data arrendado à sociedade DD, Lda.
4- O objecto social da sociedade DD, Lda., é indústria de garagens e estação de serviço e o comércio de combustíveis.
5- No mesmo dia 05.05.2016, entre o período da manhã e a hora do almoço, a cobertura da referida garagem ruiu parcialmente fazendo cair um conjunto indeterminado de telhas e hastes de madeira sobre a viatura do autor provocando danos em toda a sua estrutura exterior e revestimento.
6- Além do veículo do autor, foi igualmente atingido pela derrocada o veículo automóvel de marca Renault.
7- Na sequência dessa ocorrência, a garagem em causa foi isolada pelos Serviços da Protecção Civil Municipal de Faro, que fez deslocar ao local os seus responsáveis e técnicos.
8- Por razões de segurança foi vedado o acesso ao local por um período de 2 semanas.
9- A gerência da mencionada DD, Lda., assumiu a responsabilidade pelo sucedido dando conta ao autor que dispunha de seguro para cobertura dos prejuízos.
10- A sociedade DD, Lda., tinha celebrado com a ré seguro de responsabilidade civil de exploração da actividade de oficina de reparação de veículos a motor, estação de serviço e garagem, titulado pela apólice nº 30047732, vigente entre 23.12.2015 e 23.12.2016, que incluía a cobertura dos danos decorrentes da sua actividade de Garagens/Parque de estacionamento/Comércio de retalho de gás/Oficina de Reparação de Automóveis, com o capital de responsabilidade civil de 100.000,00€.
11- Por carta de 15 de Julho de 2016, da qual o autor tomou conhecimento, a ré informou a gerência da “DD, Lda.” que os danos em apreço não se encontravam garantidos pela citada apólice de seguro e remeteu para a carta que lhe foi enviada nessa data.
12- A reparação dos danos verificados no veículo do A. foi orçada em 13.933,29€ pela Caetano Baviera Faro, a solicitação do autor, e em 13.005,55€ pela GEP, a solicitação da ré.
13- O veículo encontra-se parqueado desde Junho de 2016 num parque privado.
14- O A. adquirira o veículo em Fevereiro de 2016.
15- À data do sinistro o valor venal/comercial do veículo era de cerca de 14.000,00€.
16- O artigo 2º das Condições Gerais de Apólice, nº 22, dispõe que: “a apólice garante a responsabilidade extracontratual que seja imputável ao segurado no exercício da actividade ou na qualidade expressamente referidas nas condições especiais ou particulares da apólice”.
17- De acordo com o artigo 3º das Condições Gerais – 22: “o âmbito da garantia abrange o pagamento de indemnizações que sejam legalmente exigíveis ao segurado decorrentes de lesões corporais ou materiais causados a terceiros em consequência de actos ou omissões do segurado, bem como dos seus empregados, no exercício da actividade ou na qualidade expressamente referida nas condições especiais”.
18- Nas condições particulares foram acordadas as coberturas nos termos das Condições Especiais 215 (garagem/parque de estacionamento) e 221 (Estabelecimento comercial/armazém/escritório/consultório médico).
19- Nos termos do art. 6º/1-t), das Condições Gerais-22: “estão excluídos todos os danos indirectos ou seja que não sejam consequência imediata e directa do acto ou omissão do segurado”.
20- O artigo 6º/3-a) das Condições Gerais exclui da garantia da apólice os danos causados a bens ou objectos de terceiros que sejam confiados ao segurado para guarda, utilização, trabalho ou outro fim.
21- O valor dos salvados do veículo do A. era de 5.000,00€.
E foram considerados não provados os seguintes factos:
a) Pelas 8h30m, o autor se tenha deslocado ao estabelecimento onde parqueou o veículo;
b) O colapso parcial do telhado da garagem tenha ocorrido pelas 16h20m do dia 05.05.2016;
c) O veículo referido em 6 fosse propriedade de Sofia …;
d) O autor tenha adquirido o veículo pelo valor de 16.000,00€;
e) À data do sinistro o valor de mercado/venal do veículo do autor fosse de 15.000,00€;
f) O veículo se encontrasse em bom estado de conservação e fosse utilizado pelo autor nas suas deslocações diárias entre a cidade de Faro, onde reside, e o aeroporto internacional de Faro, onde trabalha, bem como nas suas saídas de lazer/pessoais;
g) No dia seguinte à ocorrência, o autor se tenha deslocado às instalações da Ré em Faro para resolver a questão da responsabilidade pela reparação do veículo;
h) O autor tenha entregue à ré toda a documentação que lhe foi solicitada e tenha ficado a aguardar resposta que lhe foi prometida que seria dada com brevidade;
i) Nas semanas subsequentes o autor se tenha deslocado por várias vezes às instalações da ré e lhe tenha sido dito que o processo estava em fase de apreciação pelos serviços centrais em Lisboa;
j) O colapso da estrutura do armazém tenha sido consequência da má conservação dessa estrutura;
k) O edifício não tivesse obras de manutenção há mais de 10 anos;
l) A estrutura do telhado não tivesse bases de sustentação capazes de suportar o respectivo peso, por estarem podres.
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III.2. – O mérito do recurso
O ora Recorrente instaurou a presente acção visando o ressarcimento pelos danos provocados na sua viatura na sequência da derrocada parcial do telhado da garagem onde a mesma se encontrava parqueada.
Mostrando-se provado que no dia 5 de Maio de 2016, o veículo pertencente ao Autor encontrava-se estacionado no estabelecimento comercial sito na Rua …, nº …, União das Freguesias da Sé e São Pedro, concelho de Faro, detido pela sociedade DD, Lda. à qual o A., à data, pagava a avença mensal de 80,00€ para ali estacionar a sua viatura na garagem coberta, e que nesse dia a cobertura da referida garagem ruiu parcialmente fazendo cair um conjunto indeterminado de telhas e hastes de madeira sobre a viatura do autor provocando danos em toda a sua estrutura exterior e revestimento, cuja reparação foi orçada em 13.933,29€ pela Caetano Baviera Faro, a solicitação do autor, e em 13.005,55€ pela GEP, a solicitação da ré, dúvidas não existem da ocorrência de um evento danoso, não imputável ao lesado, que lhe confere o direito a ser indemnizado por quem estiver obrigado o reparar o dano comprovadamente sofrido.
Efectivamente, dispõe o artigo 562.º do CC que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, estabelecendo o princípio geral da obrigação de indemnizar, independentemente da fonte dessa obrigação.
Em comentário a este preceito ensinam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA[5] que «estabelece-se neste artigo, como princípio geral quanto à indemnização, o dever de se reconstituir a situação anterior à lesão, isto é, o dever de reposição das coisas no estado em que estariam se não se tivesse produzido o dano (princípio da reposição natural). Assim, um automóvel danificado deve ser consertado …». E prosseguem «a indemnização por outra forma, como seja em dinheiro (art. 566.º) ou em renda (art. 567.º) tem carácter excepcional, embora seja a forma mais vulgar de indemnizar, por impossibilidade de reconstituir o estado anterior à lesão (…).
Assente que o Autor tem direito a ser indemnizado, a questão principal que os autos convocam - e prévia às que o Apelante coloca no seu recurso -, está em saber se é a Ré Seguradora quem está obrigada à reparação do dano sofrido no património daquele.
Sabido é que existem diversas fontes da obrigação de indemnizar, exemplificativamente elencadas por ANTUNES VARELA[6], de entre as quais avulta a responsabilidade por factos ilícitos, cujos princípios gerais foram convocados pelo Autor na petição inicial, imputando a responsabilidade pela ocorrência do sinistro à sociedade DD, Lda., por esta não ter «tomado as medidas necessárias para acautelar a segurança das viaturas dos seus clientes, que aceita recolher e parquear nas suas instalações, como qualquer comerciante prudente e zeloso, colocado no circunstancialismo do caso concreto, o faria (artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil), violando o dever objectivo de cuidado, constituiu-se na obrigação de indemnizar o autor pelos danos de que o facto foi causa adequada (artigos 483.º, 487.º, n.º 2 e 562.º do Código Civil)».
Porém, como a indicada sociedade comercial, cuja gerência - na alegação efectuada pelo Autor nos artigos 8º a 10.º da petição inicial -, assumiu a responsabilidade pelo sucedido, dando-lhe conta de que dispunha de seguro para cobertura dos prejuízos, identificando a apólice de responsabilidade civil de exploração, pela qual transferiu para a Ré «a cobertura dos danos decorrentes da sua actividade de “Garagens/Parque de estacionamento/Comércio de Retalho de Gás/Oficina de Reparação de Automóveis”, com o capital de responsabilidade civil de Euros 100.000,00 (cem mil euros)», o autor passou a tratar o assunto directamente com a Ré tendo sido informado da decisão por esta tomada de recusar assumir a responsabilidade, e pela indicada sociedade comercial de que o fundamento invocado foi o de se tratar, na óptica da seguradora, «de responsabilidade civil do proprietário do imóvel», juntando o autor o documento n.º 4, onde tal recusa da ora Ré na assumpção de responsabilidade pelo sinistro vinha fundamentada nestes termos.
Pese embora tal fundamentação apresentada pela Ré, o ora Autor, invocando que aquela sociedade lhe transmitiu «que desconhecia por completo qualquer limitação ou exclusão de responsabilidade no contrato de seguro que havia celebrado, que nunca lhe foi comunicado pela ré nos vários anos em que aquela apólice se mantém em vigência, deixando claro que havia celebrado o mencionado contrato de seguro, para cobrir, precisamente, a eventual produção de danos decorrentes da mencionada actividade comercial, pelo que não lhe competia reparar os invocados danos» (artigos 16.º a 19.º da p.i.), louvando-se na previsão do artigo 140.º, n.ºs 2 e 3 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, invocou que a ré se obrigou para com a segurada a substituir-se a esta na regularização amigável ou litigiosa de qualquer sinistro abrangido pelo respectivo contrato, e que lhe assiste o direito de demandar directamente a ré (artigos 23.º a 26.º da p.i.), o que fez.
A Ré contestou invocando, para o que ora importa, que o sinistro está excluído da cobertura da apólice, em apertada síntese, porque o objecto seguro é a responsabilidade civil extracontratual do segurado emergente do exercício da actividade contratada, e que o colapso da estrutura do armazém que terá causado os danos invocados pelo A não provém da actividade da segurada, mas da má conservação dessa estrutura do armazém, que, obviamente, nada tem a ver com a actividade de exploração do estabelecimento comercial em causa.
Mais alegou que o edifício não pertencia à segurada e estava arrendado a esta ou a um seu gerente Nuno C…, sendo que a conservação do edifício (prédio urbano) não cabe ao arrendatário, mas ao proprietário (artº 1031º b) e 1074º do Código Civil), sendo que o mesmo não tinha obras de manutenção há muito mais de dez anos, sendo obrigatório o proprietário (senhorio) efectuar obras de manutenção de oito em oito anos, como estipula o artº 89º nº 1 do DL 555/99, tendo sido por causa da falta de manutenção que o telhado ruiu.
Invocou igualmente que a segurada não praticou qualquer facto voluntário, ilícito e culposo que tivesse provocado o desabamento do telhado ou os danos invocados pelo A, pelo que está excluída a sua responsabilidade por factos ilícitos (artº 483º do Código Civil), também não lhe cabe qualquer responsabilidade pelo edifício porque compete ao seu senhorio e proprietário a sua manutenção, e, de qualquer forma, essa nunca seria uma responsabilidade emergente do exercício da sua actividade.
Finalmente ainda aduziu que mesmo que se considerasse que o A invoca responsabilidade contratual, por cumprimento defeituoso do contrato de recolha do veículo do A, também essa nunca estaria coberta pela apólice em causa nos autos.
Apesar de ter respondido à contestação, o Autor centrou essa resposta na nulidade de qualquer cláusula de exclusão, por violação do dever de comunicação, não tendo requerido qualquer modificação subjectiva da instância, mormente, a intervenção principal da sociedade segurada e do senhorio.
Efectuámos deliberadamente este excurso pela tramitação processual neste momento para salientar que, não estando naturalmente em causa a legitimidade da Ré, a qual se mostra assegurada por via do clausulado do contrato de seguro e do indicado preceito do Regime Jurídico do Contrato de Seguro o Autor, a primeira questão que importa abordar é precisamente a colocada pela Seguradora relativamente ao âmbito do contrato de seguro, porquanto, só se concluirmos que o evento danoso se encontra abrangido pela sua cobertura, importará apreciar as demais questões colocadas pelo Apelante.
Para o efeito, sendo pacífico que o contrato de seguro em causa se encontrava plenamente vigente à data da verificação do sinistro, e que o mesmo se encontra reduzido a escrito num instrumento, a apólice de seguro, que constitui o documento escrito que exprime um contrato de seguro[7], cumpre proceder à respectiva interpretação, tendo presente que o contrato de seguro em apreço é ainda um contrato de adesão, uma vez que o tomador do seguro dispõe apenas da possibilidade de aderir ou rejeitar em bloco o conjunto de cláusulas contratuais gerais padronizadas, prévia e unilateralmente elaboradas pela seguradora, a elas se aplicando, portanto, o disposto na Lei das Cláusulas Contratuais Gerais[8].
Sendo o contrato de seguro em apreciação um contrato de adesão, a interpretação das suas cláusulas deve obedecer às regras gerais estabelecidas nos artigos 236.º e seguintes do Código Civil, mas com as especificidades decorrentes dos artigos 7.º, 10.º e 11.º do regime das Cláusulas Contratuais Gerais aprovado pelo DL n.º 446/85, de 25/10[9].
Este tem sido o entendimento preconizado pelo nosso mais Alto Tribunal, cuja jurisprudência tem vindo a afirmar que «a interpretação das cláusulas do contrato de seguro deve observar o disposto nos arts. 236.º a 238.º do CC e no tocante às cláusulas gerais e especiais - por terem a natureza de cláusulas contratuais gerais -, o disposto no DL n.º 486/85, de 25-10. Deste último diploma legal ressalta o disposto no seu art. 7.º, pelo qual as cláusulas particulares devem prevalecer sobre o conteúdo das cláusulas especiais e gerais.
Assim, interpretada a cláusula particular com recurso à teoria da impressão do declaratário e com auxílio ao conteúdo de determinada cláusula especial do mesmo, tem o sentido daquela cláusula particular obtido de prevalecer sobre a cláusula geral de exclusão de garantia que colida com aquela»[10].
Em suma, na interpretação do contrato em apreço importa considerar que:
- Em princípio, e por força do disposto no n.º 1 do artigo 236.º do CC que consagra a doutrina da impressão do destinatário, deve prevalecer “o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”;
- Porém, precisamente porque estamos em presença dum contrato formal e em obediência ao preceituado no n.º 1 do artigo 238.º do CC, a declaração não poderá “valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”:
- As cláusulas gerais inseridas no contrato de seguro têm que ser interpretadas “sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam”, devendo o conteúdo das cláusulas particulares prevalecer sobre o conteúdo das cláusulas especiais e gerais conforme estatuem os artigos 7.º e 10.º, n.º 1, da LCCG;
- De acordo com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LCCG, o respectivo sentido apura-se em função de um aderente, isto é, tomador do seguro normal colocado na posição do aderente real, e sem a ressalva prevista na última parte do n.º 1 do artigo 236.º do CC[11];
- Por último, deve ainda atender-se a que o declaratário é, no seguro, o tomador médio, sem especiais conhecimentos jurídicos, e que na interpretação do contrato deve tomar-se em consideração o sentido que melhor corresponda à sua natureza e objecto (fim prosseguido pelas partes); havendo dúvidas, a interpretação deve ter em conta o sentido que resulte do conjunto das cláusulas contratuais[12].
Aplicando estas considerações ao caso em apreço, verificamos que a apólice respeita a um seguro de responsabilidade civil geral, portanto, a um seguro facultativo, identifica logo no rosto das respectivas condições particulares, o «Produto RC Exploração», indicando mais abaixo como objecto do seguro «RC Exploração», e actividade «Oficinas de Reparação Veic. a Motor, Estações Serviço, Garagens», assinalando-se as condições gerais 022 e a cobertura base das especiais 221 e 215.
Assim, das condições gerais avultam os artigos 2.º e 3.º referentes ao objecto do contrato e ao âmbito da garantia, os quais dispõem que “o presente contrato de seguro garante a responsabilidade extracontratual que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao segurado no exercício da actividade ou na qualidade expressamente referidas nas condições especiais ou particulares da apólice”, e “o pagamento de indemnizações que sejam legalmente exigíveis ao segurado por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais, decorrentes de lesões corporais e/ou materiais, causados a terceiros em consequência de actos ou omissões do segurado, bem como dos seus empregados (…) no exercício da actividade ou na qualidade expressamente referida nas condições especiais ou particulares da apólice”. (sublinhado nosso)
Portanto, é uma evidência que decorre da interpretação literal de cada uma destas cláusulas que apenas estão cobertos pela apólice os danos que resultem de acto ou omissão cometidos pela sociedade DD, Lda., ou pelos seus comissários, no exercício de qualquer área da sua actividade comercial, por outras palavras, o objecto do seguro é a responsabilidade civil decorrente da exploração da actividade de oficina de reparação de veículos a motor, estação de serviço e garagem.
Por seu turno, das condições particulares foram acordadas as coberturas nos termos das Condições Especiais 215 (garagem/parque de estacionamento) e 221 (Estabelecimento comercial/armazém/escritório/consultório médico), às quais se aplicam, de acordo com o respectivo artigo 1.º, as Condições Gerais do Seguro de Responsabilidade Civil Geral.
Destas, destaca-se pela clareza quanto ao âmbito da sua abrangência a estipulação da cobertura relativa às condições especiais do estabelecimento comercial/armazém (221), referindo-se ali expressamente que quando esta garantia seja expressamente contratada nas condições particulares, o Segurador garante o pagamento das indemnizações emergentes de responsabilidade civil extracontratual que, ao abrigo da lei civil, sejam exigíveis ao Segurado, por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a clientes ou a terceiros, ocorridos dentro das instalações identificadas nas condições particulares, cuja causa seja exclusivamente devida a quaisquer materiais, utensílios, decoração ou serviços que sejam considerados como integrando o funcionamento normal do estabelecimento e a ele pertencentes; e acto ou omissão doloso do Segurado ou de qualquer dos seus empregados no exercício da sua actividade e ao seu serviço.
Vistas as cláusulas pertinentes não temos qualquer dúvida em afirmar que o âmbito do contrato de seguro em apreço não abrange a situação ocorrida.
Efectivamente, aquilo que a Segurada contratou foi o pagamento das indemnizações devidas por responsabilidade civil decorrente de actos ou omissões do Segurado ou seus comissários, no âmbito do exercício da sua actividade, entenda-se actividade profissional e comercial que, no caso, coincide com o objecto da sociedade comercial. Conforme a primeira linha das condições particulares evidencia o objecto seguro foi a responsabilidade civil emergente do normal funcionamento e exploração do estabelecimento.
É isso mesmo que emerge da interpretação das cláusulas contratuais efectuada nos termos sobreditos, e é o único entendimento que se nos afigura que um declaratário normal colocado na posição da Segurada poderia retirar das mesmas. A responsabilidade civil decorrente da exploração de uma actividade como a da Segurada não se confunde com a responsabilidade civil do proprietário do imóvel. E o caso em apreço tem nesta sede o seu enquadramento, salvo se a ruína parcial do telhado do prédio onde o estabelecimento se encontra se ficou a dever a acção ou omissão da arrendatária, ou caso esta tivesse assumido tal responsabilidade no contrato de arrendamento. Porém, essa configura uma outra relação jurídica cuja apreciação não tem lugar nesta sede, atenta a forma como o Autor configurou a relação material controvertida, nos termos já acima referidos, não podendo agora a acção ser transmutada em outra com fundamento em outra causa de pedir e envolvendo outros sujeitos processuais.
Concluindo, tratando-se de seguro facultativo, o contrato em apreço não abrange, porque não foi contratada, a responsabilidade civil decorrente dos danos causados a terceiros pela queda parcial do telhado do prédio em que tal actividade tem lugar. De facto, se dúvidas houvesse que assim é, basta atentar nas condições especiais, concretamente na condição 201, para ver que para essa concreta garantia existe uma condição especial específica que abrange a responsabilidade civil do proprietário do imóvel por danos causados a terceiros. Portanto, dir-se-á: mesmo que a Segurada fosse também proprietária do imóvel e ali explorasse o seu estabelecimento, caso não tivesse contratado aquela específica cobertura do edifício, o contrato em apreço igualmente não acautelaria a sua responsabilidade civil decorrente do evento danoso que nos ocupa.
Nestes termos, há que concluir, como concluiu a sentença recorrida, ainda que por razões diversas das ali referidas, que a presente acção, instaurada apenas contra a Seguradora deve improceder, porque o contrato de seguro facultativo pelo qual a Segurada transferiu para a ora Ré a responsabilidade civil decorrente do exercício da sua actividade, não abrange a cobertura de danos como os que aqui estão em análise, decorrentes da queda parcial do telhado do edifício onde o estabelecimento se encontra instalado.
Pelo exposto, a Apelação improcede, ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas, e suportando o Apelante as custas do recurso, atento o princípio da causalidade vertido no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
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III.3 Síntese conclusiva
I - Sendo o contrato de seguro em apreciação um contrato de adesão, a interpretação das suas cláusulas deve obedecer às regras gerais estabelecidas nos artigos 236.º e seguintes do Código Civil, mas com as especificidades decorrentes dos artigos 7.º, 10.º e 11.º do regime das Cláusulas Contratuais Gerais aprovado pelo DL n.º 446/85, de 25/10.
II - Abrangendo a apólice o pagamento das indemnizações devidas por responsabilidade civil decorrente de actos ou omissões do Segurado ou seus comissários, no âmbito do exercício da sua actividade, deve entender-se que o objecto seguro foi a responsabilidade civil emergente do normal funcionamento e exploração do estabelecimento, sendo este o único entendimento que um declaratário normal colocado na posição da Segurada poderia retirar das mesmas
III - A responsabilidade civil decorrente da exploração de uma actividade como a da Segurada não se confunde com a responsabilidade civil do proprietário do imóvel.
IV - Tratando-se de um seguro facultativo, o contrato em apreço não abrange, porque não foi contratada, a responsabilidade civil decorrente dos danos causados a terceiros pela queda parcial do telhado do prédio em que a actividade da Segurada tem lugar.
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IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, na improcedência da apelação, em confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
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Évora, 18 de Outubro de 2018
Albertina Pedroso [13]
Tomé Ramião
Francisco Xavier

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[1] Juízo Local Cível de Faro, Juiz 2.
[2] Relatora: Albertina Pedroso;
1.º Adjunto: Tomé Ramião;
2.º Adjunto: Francisco Xavier.
[3] Doravante abreviadamente designado CPC.
[4] Doravante abreviadamente designado CC.
[5] In Código Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora 1982, págs. 545 e 546.
[6] In Das Obrigações em Geral, vol. I, 5.ª edição, Almedina 1986, págs. 834 e 835.
[7] Da redacção do artigo 426.º do Código Comercial, a doutrina e jurisprudência retiravam a interpretação dominante da exigência de forma escrita na celebração do contrato de seguro. Entretanto, com a publicação do DL n.º 72/2008, de 16 de Abril cujo artigo 32.º, nº 1, veio consagrar que “a validade do contrato de seguro não depende da observância de forma especial”, ficou claro que a celebração do contrato de seguro não está sujeita a forma escrita. Porém, uma vez celebrado o contrato e se a forma escrita não tiver sido usada pelas partes, o segurador tem o dever de reduzir os respectivos termos a escrito e de entregá-lo ao tomador do seguro, em face do disposto no artigo 34.º da Lei do Contrato de Seguro. Cfr. em defesa de que o citado artigo 32.º da LCS não veio trazer novidade relativamente à disposição do artigo 426.º do Código Comercial, MARGARIDA LIMA REGO, in Temas de Direito dos Seguros, O Contrato e a Apólice de Seguro, 2.ª Edição, Revista e Aumentada, Almedina 2016, pág. 25 e nota de rodapé 29.
[8] Cfr. neste sentido, Acórdão do STJ de 11-03-2010, Processo n.º 1860/07.0TVLSB.S1; de 07-10-2010, Processo n.º 1583/06.7TBPRD.L1.S1; e de 19-10-2010, Processo n.º 13/07.1TBCHV.G1, todos disponíveis em www.dgsi.pt, e na doutrina, autora e obra citada, pág. 27.
[9] Doravante abreviadamente LCCG.
[10] Cfr. Inter alia, a título exemplificativo do que vem de afirmar-se, o Acórdão do STJ de 10-07-2008, Revista n.º 1846/08.
[11] Cfr., neste sentido, J. C. MOITINHO DE ALMEIDA, Contrato de Seguro, Estudos, pág. 118, e PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito dos Seguros, pág. 88.
[12] Cfr. J. C. MOITINHO DE ALMEIDA, loc. cit., pág. 124.
[13] Texto elaborado e revisto pela Relatora.