Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2242/16.8TXLSB-N.E1
Relator: RENATO BARROSO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
PARECER DO CONSELHO TÉCNICO
NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 04/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. A liberdade condicional constitui uma forma de cumprimento da pena de prisão – ou, noutra perspectiva, um incidente dessa execução – assentando na ideia da ressocialização do recluso, acreditando-se que este já se encontra capacitado de competências internas e condições externas, as quais, em conjugação favorável, lhe permitirão a vida em meio livre de forma respeitadora para com os padrões societários, salvaguardando-se deste modo a expectativa da comunidade na manutenção da norma jurídica alvo de violação.
II. Na execução da pena de prisão deve ter-se em conta, a par da reintegração do agente na sociedade, a protecção dos bens jurídicos e a necessidade de segurança sentida pela comunidade, devendo por isso a libertação do arguido ser compatível com a necessária paz pública e ordem social, no fundo, com os critérios inerentes à denominada prevenção geral em sede de determinação da medida da pena.
III. As particulares circunstâncias do caso aconselham prudência e impõem a continuação da avaliação do comportamento do recluso, para apurar a sua real vontade e capacidade bastante para sustentar uma conduta normativa, não vulnerável a influências externas.
IV. O facto de o Conselho Técnico ter emitido, por unanimidade, parecer favorável à concessão da liberdade condicional, constitui um factor a considerar, a par dos demais elementos informativos que visam auxiliar a decisão judicial. Não tendo natureza vinculativa.
V. A circunstância de o tribunal recorrido não ter acolhido o sentido de tal parecer não constitui qualquer nulidade. E como decorre da motivação sustentadora do decidido não se verifica qualquer omissão de pronúncia.
Decisão Texto Integral:





Proc. 2242/16.8TXLSB-N.E1
2ª Sub-Secção

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


1. RELATÓRIO


A – Decisão Recorrida

No âmbito do Processo Gracioso de Concessão da Liberdade Condicional, nº 2242/16.8TXLSB, do Tribunal de Execução das Penas de Évora, Juízo de Execução das Penas, Juiz 1, em que é recluso AA, tendo este atingido os 2/3 da soma das penas que está a cumprir em 21/01/23, pelo arguido foi declarado que aceitava a liberdade condicional.
Pela DGSP e DGRSP foram elaborados os respectivos relatórios e em reunião para o efeito, o Conselho Técnico emitiu, por unanimidade, parecer favorável à eventual concessão da liberdade condicional.
Pelo M.P. foi lavrado parecer desfavorável á pretendida liberdade condicional.
Por fim, por decisão judicial de 30/01/23, foi decidido não conceder a liberdade condicional ao arguido.

B – Recurso

Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido para esta Relação, concluindo as respectivas motivações da seguinte forma (transcrição):
A. O presente recurso, a versar sobre os vícios decisórios e errada interpretação da norma legal (preenchimento cabal dos requisitos substanciais para a concessão da liberdade condicional), não pretende colocar em causa o exercício das mui nobres funções nas quais se mostram investidos os Ilustres julgadores, mas apenas exercer o direito de “manifestação de posição contrária” ou “discordância de opinião”, traduzido no legal e constitucionalmente consagrado direito de recorrer, não anteriormente exercido nas pretéritas decisões de não concessão, por o recorrente ter consciência da proporcionalidade e adequação do cumprimento de 2/3 da pena (mais de seis anos de prisão interrupta), ora alcançado;
B. O Tribunal a quo não alude ao parecer do Conselho Técnico, o qual foi favorável por unanimidade (referência 2672452), tratando-se de circunstancialismo deveras essencial para a boa decisão da causa que pelo menos deveria merecer uma nota, ainda que en passant, estando em causa nulidade por omissão de pronúncia/demissão ajuizativa;
C. Deverá ainda ser tido em conta o teor integral do email remetido ao Tribunal a quo e datado de 13 de Janeiro de 2023 a atestar que para além do próprio teor do contrato há ainda a confirmação levada a cabo pelos serviços do EP a atestar tal realidade, havendo alteração de perspectivas laborais resultantes de diversas tentativas e esforços para a obtenção de ocupação profissional, não se cingindo unicamente a uma via, sendo certo que do teor do douto relatório elaborado pela DGRSP, a fls. 4 ponto 2.1 in fine, já o mesmo havia colocado a possibilidade de trabalhar na construção civil, não podendo ser presumido ex ante um incumprimento e, por via disso, não concedida a liberdade condicional;
D. Vejamos o circunstancialismo que se julga relevante e que, salvo o devido respeito, permite e impõe a concessão da liberdade condicional pois o recluso I) reconhece minimamente a ilicitude da sua conduta (declarações prestadas pelo mesmo, pontos de facto 8 e 11 e teor do douto relatório elaborado pela DGRSP, a fls. 5 ponto 4; II) tem apostado na sua formação lectiva e profissional, tendo concluído o 9º em sede de reclusão, tendo já obtido a carta de condução e pretendendo prosseguir os estudos tendo em vista o 12º ano (ponto de facto 7); III) revela postura adequada sem qualquer registo disciplinar (pontos de facto a contrario); IV) tem adoptado postura laboral activa durante a reclusão (pontos de facto 3 e 4), trabalhando presentemente em brigada não custodiada no exterior ao serviço da Câmara Municipal de BB, com avaliação positiva de desempenho (ponto de facto 5); V) dispõe de apoio familiar de sua mãe, a qual pretende também apoiar por força dos problemas de saúde que a mesma padece, bem como namorada e relação com o filho menor (ponto de facto 9 e teor do referido no douto relatório elaborado pela DGRSP, a fls. 3 ponto 1.19; VI) não se prevêem dificuldades de integração no meio residencial [a contrario de toda a matéria de facto dada por provada) e teor do douto relatório elaborado pela DGRSP, a fls. 4 ponto 1.2); VII) foi já por diversas vezes testado em meio livre, quer durante a execução laboral quer durante as licenças de saída, não havendo qualquer anomalias, com trezes medidas de flexibilização da pena, as quais foram sempre cumpridas com êxito e sem registo de anomalias [pontos de facto a contrario, teor do douto relatório elaborado pelo EPR, página 6, ponto 5.6 e da ficha biográfica a fls. 5 e 6); e VIII) mostra-se ultrapassada a problemática aditiva, mostrando-se abstinente [pontos de facto a contrario e ausência de infracções disciplinares conotadas com consumos de estupefacientes conforme teor do douto relatório elaborado pela DGRSP, fls. 5 supra);
E. E daí as conclusões surgidas no douto relatório da DGRSP, a fls. 6 e 7 ponto 6, semelhantes às vertidas no douto relatório elaborado pelo Estabelecimento Prisional a fls. 7 e 8, ponto 7.1, e em ambos com parecer favorável à concessão!
F. Na douta decisão recorrida mostra-se efectivada uma, que se julga e com o devido respeito se cataloga, errada subsunção jurídica e interpretação legal disforme quer a diplomas de Direito internacional e à Constituição da República Portuguesa (maxime ao nível dos princípios da igualdade, proporcionalidade e subsidiariedade do Direito prisional) quer às regras e elementos (teleológico, histórico, sistemático e literal) da interpretação vertidos, desde logo, no art. 9 CC, uma vez que parece resultar todo um plus de exigências de prevenção especial positiva em desconsideração da factualidade dada por provada e que de per si permitirá a efectivação de juízo de prognose favorável;
G. O Tribunal a quo alicerça a recusa de concessão da liberdade condicional na conclusão de não satisfação das exigências de prevenção especial em nome de interiorização da censurabilidade de condutas bem como um percurso a efectivar tendo em vista a aquisição de competências que permitam uma vida estruturada quando ocorrer a restituição à liberdade e, se em abstracto até que se concorda que haverá sempre um percurso e margem para aprimorar tal interiorização, a tónica da discordância radica no facto de tal ter de ser efectivado necessariamente em contexto prisional pois na modesta óptica do recluso entende-se que tal finalidade poderá ser levada a cabo mediante o cumprimento de um plano de liberdade condicional;
H. A passagem do facto conhecido (unicamente a necessidade de aprofundar do desvalor das condutas delituosas, necessidade de consolidar o percurso laboral e adoptar comportamento de cumprimento de regras) não permite formular juízo decisório no sentido de serem ainda elevadas as exigências de prevenção especial positiva pois não pode o Tribunal a quo olvidar o percurso laboral e cumprimento normativo levado a cabo pelo recluso, com múltiplos testes em meio livre;
I. No que concerne ao obstáculo invocado para negação da liberdade condicional, o mesmo é unicamente aparente e não real, primando pela abstração e pouca ou nenhuma concretização e em violação do inerente acreditar no ser humano, não podendo o Tribunal a quo efectuar a passagem do facto conhecido para um juízo decisório de existência de ainda elevadas exigências de prevenção especial positiva, na medida em que a douta fundamentação do Tribunal a quo nunca terá a virtualidade de a fazer presumir, em preterição da mais elementar garantia de defesa do arguido, unindo o julgador o que o legislador expressamente desuniu;
J. O Tribunal a quo, para justificar tal recusa, agarra-se a uma convicção presuntiva ou grau de probabilidade sem qualquer suporte factual concreto, em violação dos direitos do arguido, da lei ordinária, da Constituição da República Portuguesa e toda uma imensidão de diplomas de Direito internacional, dado que para haver recusa da concessão sempre o Tribunal teria de justificar tal facto com base num existente, real e fundamentado juízo de prognose desfavorável, o qual nunca poderá assentar unicamente na exigibilidade de um percurso a efectuar ou interiorização a ocorrer;
K. Não poderá nunca justificar-se, nesta área do Direito, uma entorse aos princípios garantísticos, assente em presunções de culpabilidade e exigibilidade de prevenção especial positiva, de si mesmas desfavoráveis ao arguido, expressamente afastadas pelo relatório social, demais percurso prisional e factualidade provada, atento o recorte constitucional e legal, na medida em que se defende “prevenção sim, exagero repressivo não”, e nunca com violação do princípio da igualdade uma vez que existem casos de libertação a meio da pena em crimes semelhantes e duvida-se que qualquer desses casos o condenado tivesse um percurso mais favorável que o ora recorrente ou tivesse subjacente menor grau de exigência de prevenção especial positiva!
L. Entende-se terem sido violados os princípios da igualdade, proporcionalidade bem como do carácter de ultima ratio do Direito prisional que assim se vê convocado, para efeitos de manutenção da execução de uma pena de prisão, quando a danosidade material e juízo de prognose favorável se mostram in casu compatíveis com a sua libertação vinculada ao cumprimento de deveres e condições ou regime de prova, julgando-se que a simples censura de reversão de tal libertação e ameaça de retoma da execução da pena de prisão, após o cumprimento de parte da mesma e estigma associado, realizarão de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, mostrando o arguido já interiorizado o desvalor da sua conduta e a sociedade já contrafacticamente de novo acreditada nos valores da justiça e bens jurídicos violados, sendo certo que a se verifica substancial diferença entre colocação em liberdade “pura e simples” vs libertação condicional/condicionada;
M.A libertação condicional do recorrente é manifesta e claramente compatível com as exigências de prevenção especial positiva, único requisito alegadamente não preenchido, sendo o risco comunitariamente suportável dada a condenação, cumprimento de pena, postura de consciência crítica, perspectiva laboral existente e percurso prisional positivo permitirem prognosticar, com segurança bastante, a prossecução de vida socialmente útil e sem cometimento de novos crimes por parte do recluso, que não desiludirá a confiança de V/ Exas!
N. A Constituição da República Portuguesa estabelece no seu n.º 2 do art. 18º que “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”, ao passo que a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia enuncia vinculativamente para os Estados Membros no seu artigo 49.º, n.º 3 que “As penas não devem ser desproporcionadas em relação à infracção”, aqui se entendendo igualmente uma remissão para a execução das mesmas, sendo assim possível extrair, da conjugação destes preceitos, bem como de outros dispersos por demais legislação aplicável, o princípio da intervenção mínima do Direito prisional e da proporcionalidade das penas, não só na escolha e determinação, assim como na sua execução, mormente quando a reacção penal for privativa da liberdade;
O. A proporcionalidade é perspectivada a partir de três sub-princípios: I) idoneidade ou adequação, II) necessidade ou exigibilidade, ambos respeitantes à optimização relativa do que é factualmente possível, e III) proporcionalidade em sentido estrito ou da justa medida, o qual se reporta à optimização normativa, seja a propósito dos direitos, liberdades e garantias em geral, seja especificamente no que concerne às reacções penais, tendo de se buscar uma concordância prática entre tais realidades, não ferindo de morte qualquer delas;
P. A concessão de liberdade condicional não terá subjacente qualquer ideia unicamente correlacionada com o benefício por bom comportamento penitenciário, sendo para o recluso um verdadeiro direito subjectivo assente na sua responsabilização e esforço de reinserção social e na perspectiva do Tribunal um autêntico poder-dever de concessão verificados que estejam os seus pressupostos formais e materiais, como tem decidido o Tribunal Constitucional, mas sempre faltou igualmente o Tribunal a quo pronunciar-se sobre em que medida o cumprimento e divulgação de tais obrigações, regras de conduta e deveres não permitiria tal juízo de prognose favorável quando se mostra o recluso ininterruptamente preso há lapso temporal considerável (mais de seis anos);
Q. Estando em causa a avaliação por referência ao 2/3, marco temporal já relevante e significativo, após cumprimento ininterrupto e duradouro de prisão por parte de um condenado ainda deveras jovem e com idade bastante para inverter o seu percurso criminal, mostrando-se o remanescente da pena inferior a cinco anos, sem qualquer indulgência ou perdão (ficará todo ele abarcado pelo regime de liberdade condicional e sujeito ao cumprimento dos deveres e regras a que a mesma fique subjacente, sob pena de revogação!), conclui-se ser a presente situação como paradigmática para a aplicação de tal instituto, como se do eco da justiça se tratasse, a reclamar a concessão da liberdade condicional, no local e sujeito às condições a doutamente decidir por V/ Exas., aproveitando-se para sugerir as que se nos parecem adequadas: I) prossecução de actividade laboral, II) fixação de residência na morada indicada, III) abstinência de contacto com pessoas ou locais conotados com a prática delituosa e consumo/tráfico de estupefacientes, IV) prossecução de acompanhamento psicológico/tratamento bem como eventualmente V) regime de prova;
R. Normas jurídicas violadas: maxime arts. 61º n.os 2 a) e 3 e 64º n.º 1 CP; art. 2º n.º 1 CEP; art. 379º n.º 1 c) CPP; arts. 1º, 2º, 3º n.º 3, 8º n.os 1 e 2, 13º n.º 1, 17º, 18º n.os 1, 2 e 3, 27º, 32º n.º 1, 110º n.º 1, 202º n.os 1 e 2 e 204º CRP; art. 9º CC; art. 412º n.º 1 CPC; arts. 3º e 7º DUDH; Princípios violados e erroneamente aplicados: maxime da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, da dignidade humana, da subsidiariedade e da ultima ratio do Direito prisional bem como das finalidades inerentes aos fins das penas.
Destarte,
sempre com o V/ mui douto suprimento
requer-se, mui humilde e respeitosamente a V/ Exas., a procedência do presente recurso e a consequente revogação da douta decisão recorrida, atentos os vícios de que a mesma padece, como seja, nulidade por demissão ajuizativa/omissão de pronúncia face ao teor do parecer (favorável, por unanimidade!) do Conselho Técnico, errónea apreciação da matéria de facto pela não valoração integral do email remetido pelo Estabelecimento Prisional, a dar conta de verificação prévia dos pressupostos do contrato de trabalho, errada interpretação de normas legais e violação de princípios, devendo ao recorrente ser concedida a liberdade condicional em nome de um Direito que se queira justo, atento o preenchimento dos requisitos formais e materiais e possibilidade de execução de plano ou regime de prova deveras compatível com as exigências de prevenção e ressocialização.
A libertação não fará necessariamente e só por si o recluso mais feliz pois não é de felicidade que se fala, trata ou versa, mas antes de cabal exercício dos direitos de cidadania e perfeição globalizante das características inerentes ao ser-humano e firme propósito do recluso nesse sentido!
V/ Exas., seres humanos sábios, pensarão e decidirão necessariamente de forma justa, alcançando a costumada e almejada Justiça, na medida em que, citando Montesquieu e Milo Sweetman, a injustiça feita a um é uma ameaça dirigida a todos, devendo a justiça, tal como o relâmpago, causar a ruína de poucos homens mas o receio de todos! Todavia, nunca esquecendo que, acompanhando Emma Andievska
A justiça é a bondade medida ao milímetro!

C – Resposta ao Recurso

O M. P, junto do tribunal recorrido, respondeu ao recurso, manifestando-se pela sua improcedência, concluindo da seguinte forma (transcrição):

1 – Por sentença proferida no âmbito dos autos à margem referenciados, não foi concedida a liberdade condicional a AA, tendo este atingido o marco temporal dos 2/3 do somatório daspenas (9 anose 3 meses de prisão), quelhe foram aplicadas nos processos n ºs 918/12.8PZLSB, 857/14.8PZLSB e 262/16.1PZLSB, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, dois crimes de tráfico de menor gravidade e um crime de roubo.
2 – Atentos os elementos constantes dos autos, designadamente os referenciados nos relatórios da Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (serviço de educação/tratamento penitenciário e serviço de reinserção social), as declarações do condenado, o seu registo criminal e respectiva ficha biográfica, conclui-se que não é possível nem razoável efectuar um juízo de prognose positivo de que este uma vez em liberdade adopte um comportamento conforme à Lei Penal.
3 – Tais elementos foram valorados pelo julgador à luz do princípio da livre apreciação da prova.
4 – Na verdade, a falta de uma adequada interiorização crítica das suas condutas criminosas e suas consequências e da necessidade de cumprimento das penas, adequadamente conjugada com um percurso de ressocialização/reaproximação ao meio livre a carecer de maior consolidação, a existência de antecedentes criminais e penitenciários, o historial aditivo, e as dúvidas que se suscitam quanto à consistência do enquadramento laboral em meio livre, constituem-se como factores de risco de recidiva criminal por parte do recluso, risco esse que não é socialmente sustentável e impede a sua libertação condicional.
5 – Tendo, pois, em conta que não se mostram verificados os pressupostos materiais/ substanciais previstos no artigo 61º nºs 1, 2 al. a) e 3 do CP, não é legalmente admissível a concessão da liberdade condicional.
6 – Consequentemente, bem andou o Tribunal “a quo” ao não conceder aliberdadecondicional ao recorrente, tendosidoefectuadauma correcta e adequada ponderação dos factos e aplicação do direito, sendo certo que a decisão “sub judice” encontra-se devidamente fundamentada, não merecendo qualquer censura.
Nesta conformidade, deverão V.as Ex.as negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

D – Tramitação subsequente

Aqui recebidos, foram os autos com vista ao Exmº Procurador-Geral Adjunto, que militou pela improcedência do recurso.
Observado o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, foi apresentada resposta pelo arguido, reafirmando os seus argumentos.
Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A – Objecto do recurso

De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria), o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Assim sendo, a questão a decidir circunscreve-se a aferir da existência, ou não, dos pressupostos de que depende a concessão da liberdade condicional ao recluso/recorrente.

B – Apreciação
Importa, por isso, atentar na decisão da 1ª instância (transcrição):

II FUNDAMENTAÇÃO
A OS FACTOS
Julgo provados os seguintes factos com relevância para a causa:
1 – O recluso cumpre ou cumpriu sucessivamente as seguintes penas:
a) Pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão, aplicada no Proc. 918/12.8PZLSB da Secção Criminal (Juiz 1) da Instância Central de Lisboa, pela prática de dois crimes de tráfico de estupefacientes (um deles de menor gravidade). Cumpriu metade da pena desde 23/11/2016 a 6/7/2019;
b) Pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, aplicada no Proc. 857/14.8PZLSB do Juízo Local de Pequena Criminalidade (Juiz 5) de Lisboa, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade. Cumpriu metade desta pena de 6/7/2019 a 5/6/2020, tendo retomado a sua execução em 5/8/2022, com termo previsto para 5/7/2023;
c) Pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão, aplicada no Proc. 262/16.1PZLSB da Secção Criminal (Juiz 3) da Instância Central de Lisboa, pela prática de roubo. Cumpriu integralmente desde 5/6/2020 a 5/8/2022;
2 - O meio da soma das penas ocorreu em 5/7/2021, os 2/3 em 20/1/2023, prevendo-se os 5/6 para 4/8/2024, e o termo para 20/2/2026.
3 – O recluso começou a desenvolver actividade laboral, como faxina, em Julho de 2019, tendo-o feito de forma algo intermitente;
4 - Foi colocado em regime aberto para o interior em Fevereiro de 2021, altura em que passa a prestar serviço na brigada agrícola do Estabelecimento Prisional de Alcoentre, de onde veio transferido. Passa a regime aberto para o exterior em Agosto de 2021, altura em que é transferido para o Estabelecimento Prisional de Torres Novas;
5 - No Estabelecimento Prisional de Torres Novas integra brigada não custodiada ao serviço da Câmara Municipal de BB, com avaliação positiva do seu desempenho;
6 - Regista anterior prisão em França, aí condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes;
7 - No Estabelecimento Prisional onde agora se encontra concluiu o 9º ano de escolaridade, em RVCC, e pretende prosseguir os estudos tendo em vista o 12º ano. Frequentou a escola de condução e é já titular de carta de condução;
8 - Negando qualquer problemática aditiva, contextualiza os crimes cometidos nas más opções que tomou no passado, e na ambição de dinheiro;
9 – Em liberdade pretende ficar a viver em Portugal, próximo da progenitora, que pretende apoiar face aos problemas de saúde por que esta vem passando;
10 – Antes de preso, o recluso desenvolvia actividade laboral de forma irregular. Na medida em que não tinha concretas perspectivas de trabalho para o futuro, dias antes da data agendada para sua audição solicitou o apoio dos serviços do Estabelecimento Prisional para procurar um trabalho, na sequência do que foi inscrito no Centro de Emprego da sua futura zona de residência, tendo havido resposta de algumas entidades. Quando ouvido, aguardava marcação para algumas entrevistas e afirmava a quase certeza de um trabalho como operador de armazém. No entanto, vem a ser junta aos autos proposta de contrato de trabalho em empresa de construção civil;
11 - Sobre o desvalor do crime de tráfico de estupefacientes, referiu: “O tráfico de estupefacientes é grave porque inflige mal a outros, os consumidores roubam a família e desconhecidos, isso fazendo com que se deteriore a sua saúde e as próprias relações com os familiares. O tráfico de estupefacientes envolve muitos meios (polícia, tribunais)”. Ouvido em últimas declarações, referiu saber que o dinheiro do tráfico é ilícito e que é utilizado para o tráfico de armas e de pessoas, mas não conseguiu indicar outros prejuízos decorrentes da actividade do tráfico de estupefacientes, ou concretizar os identificados. Diz que o roubo é grave porque com o mesmo se faz mal a outras pessoas.

B CONVICÇÃO DO TRIBUNAL
Para prova dos factos descritos o tribunal atendeu aos seguintes elementos constantes dos autos, analisados de forma objectiva e criteriosa:
a) Certidão das decisões condenatórias e liquidação das penas, e ainda o cômputo da sua soma;
b) Certificado do Registo Criminal do recluso;
c) Relatório dos serviços de educação e ficha biográfica do recluso;
d) Relatório dos serviços de reinserção social;
e) Esclarecimentos obtidos em reunião do Conselho Técnico, realizado no dia 6/1/2023;
f) Declarações do recluso, ouvido em 6/1/2023.

C O DIREITO
Segundo o n.º 9 do Preâmbulo do D.L. 400/82 de 23 de Setembro, a liberdade condicional tem como objectivo “…criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão”. Este instituto tem, pois, uma “finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização” (Neste sentido, vide Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, p. 528.)
Segundo o art.º 61 do Código Penal, são pressupostos (formais) de concessão da liberdade condicional:
1 - Que o recluso tenha cumprido metade da pena e, no mínimo, 6 meses de prisão, ou dois terços da pena e, no mínimo, 6 meses de prisão, ou ainda 5/6 da pena, para os casos de penas superiores a 6 anos;
2 - Que aceite ser libertado condicionalmente;
São, por outro lado, requisitos (substanciais) indispensáveis:
A) Que fundadamente seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes;
B) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social (requisito que não se mostra necessário aquando dos 2/3 da pena, conforme resulta do disposto no n.º 3 do preceito em causa).
Relativamente a estes requisitos, resulta claro que o primeiro se prende com uma finalidade de prevenção especial, visando o segundo satisfazer exigências de prevenção geral (Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque in Direito Prisional Português e Europeu, Coimbra Editora, 2006, p. 356; também, António Latas – Intervenção Jurisdicional na Execução das Reacções Criminais Privativas da Liberdade – Aspectos Práticos in Direito e Justiça, Vol. Especial, 2004, p. 223 e 224, nota 32.)
Assim, e considerando que a condução da vida do libertado condicionalmente de modo socialmente responsável e sem o cometimento de novos crimes constitui o objectivo da liberdade condicional, a possibilidade de, no caso concreto, tal escopo ser efectivamente alcançado há-de revelar-se através dos seguintes aspectos:
1) As circunstâncias do caso (valoração do crime cometido - seja quanto à sua natureza, seja quanto às circunstâncias várias que estiveram na base da determinação concreta da pena, nos termos do art.º 71 do Código Penal – e da medida concreta da pena em cumprimento);
2) A vida anterior do agente (relaciona-se com a existência ou não de antecedentes criminais);
3) A sua personalidade (para além de uma valoração fundamentalmente estatística decorrente dos antecedentes criminais [quantos mais, mais se indicia uma personalidade não conforme ao direito e potencialmente não merecedora da liberdade condicional], considera-se a possibilidade de o recluso ter enveredado para um percurso criminoso por a isso ter sido conduzido, ou não, por circunstâncias que não controlou ou não controlou inteiramente);
4) A evolução desta durante a execução da pena de prisão (essa evolução deve ser perceptível através de algo que transcenda a esfera meramente interna psíquica do recluso, ou seja, através de padrões comportamentais temporalmente persistentes que indiciem um adequado processo de preparação para a vida em meio livre).
Deve sublinhar-se que a evolução positiva da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão não se exterioriza nem se esgota necessariamente através de uma boa conduta prisional, muito embora haja uma evidente identidade parcial.
Assim, os referidos padrões poderão revelar-se quer em termos omissivos (através da ausência de punições disciplinares ou de condutas especialmente desvaliosas, como o consumo de estupefacientes, quando não motive as referidas punições), quer activamente (através do empenho no aperfeiçoamento das competências pessoais – laborais, académicas, formativas) ao longo do percurso prisional do recluso.
*
No caso dos autos estão reunidos os pressupostos formais de que depende a concessão da liberdade condicional: o recluso já cumpriu os 2/3 da soma das penas, e continua a aceitar a liberdade condicional.
Mas o mesmo ainda não podemos afirmar quanto aos requisitos substanciais da liberdade condicional.
É certo que, pelo tempo de reclusão cumprido, estão já satisfeitas as exigências de prevenção geral sentidas no caso.
É também inegável que o recluso continua a apresentar uma postura regular, desenvolvendo actividade laboral de forma empenhada, estando ainda a usufruir das medidas de flexibilização da pena com sentido de responsabilidade.
O recluso dispõe de apoio familiar.
No entanto, não se regista significativa evolução do recluso no que respeita a uma mais profunda e efectiva tomada de consciência da gravidade e desvalor dos crimes cometidos, tudo nos levando a crer que o recluso pouco reflectiu sobre tal desde anterior avaliação.
Voltamos, pois, a frisar, a necessidade de se trabalhar com o mesmo estes aspectos, tanto mais se tivermos em conta os vários crimes de tráfico de estupefacientes que já praticou e que, como referido pelo próprio recluso, os mesmos foram cometidos também pela ambição de dinheiro fácil.
Acresce que, não se desvalorizando a iniciativa que teve, consideramos muito frágil e pouco consistente o projecto de vida futura que o recluso apresenta. De facto, o recluso apenas se preocupou com este aspecto do seu futuro a poucos dias de ser ouvido, pensamos nós que assim procurando criar mais condições favoráveis à sua libertação condicional. No entanto, tudo quanto foi apresentado não está assente em bases sólidas, pelo que, no fundo, acabaria por tratar-se de uma mera fachada, aparência de reintegração positiva, sem o mínimo de testagem e de certeza de alguma estabilidade. A pouca consistência resulta mesmo clara se atentarmos na certeza do recluso em que iria trabalhador como operador de armazém, quando depois se junta aos autos proposta de trabalho totalmente diferente. Com isto queremos dizer que o recluso há já muito que se deveria ter preocupado com a questão da sua futura integração laboral, aproveitando as licenças de saída ao exterior concedidas também para esse efeito – o que resultou evidente não ter acontecido.
O que se vem referindo não é de menor importância pois, como apurado, antes de preso o recluso não mantinha ocupação laboral regular, e veio a praticar os crimes numa perspectiva de lucro fácil.
Pelo que nos parece mais prudente continuar a avaliar o comportamento do recluso, designadamente permitindo que consolide hábitos de trabalho, mas também que adquira mais (e novas) competências que lhe servirão de mais valias, igualmente se desejando que seja mais proactivo em cuidar de criar condições para a sua vida futura.

III DECISÃO
Pelo que, não concedo ainda a liberdade condicional a AA.
X
Renovação da instância decorridos 12 meses sobre a presente data (isto é, 30/1/2024). X
Informe os serviços de reinserção social e o Estabelecimento Prisional que, apenas 60 (sessenta) dias antes da data indicada, deverão juntar aos autos os relatórios previstos no art.º 173 n.º 1-a) e b) do Código de Execução das Penas, juntando ainda o Estabelecimento Prisional a ficha biográfica do recluso.

A questão que se coloca é, como se disse, a de saber se o tribunal a quo actuou correctamente ao não conceder a liberdade condicional ao ora recorrente, decisão que assentou, em apertada síntese, no facto de entender não ser ainda possível formular um juízo de prognose favorável, o mesmo é dizer, não estar verificado o requisito material exigível pela al. a) do nº2 do Artº 61 do C. Penal.
Discorda o recorrente desta decisão, ancorando-se, fundamentalmente, em circunstâncias que, em seu entender, o tribunal recorrido não valorizou, como o facto de o Conselho Técnico ter emitido, por unanimidade, parecer favorável à concessão da liberdade condicional, a evolução da sua personalidade durante a execução da pena, apostando na sua formação lectiva e profissional, sem registos disciplinares nem quaisquer anomalias nas medidas de flexibilização de que já gozou, dispondo de apoio familiar, mostrando-se ultrapassada a problemática aditiva, com trabalho assegurado no exterior e apresentando já um reconhecimento da ilicitude dos crimes praticados.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, bem andou o tribunal a quo na sua decisão de indeferir, por ora, a liberdade condicional ao ora recorrente.
Sobre liberdade condicional, diz-nos o Artº 61 do C. Penal que:
“1. A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado
2. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.
3. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.
4. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo
que houver cumprido cinco sextos da pena.
5. Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.”
Existem assim duas modalidades distintas de liberdade condicional: a obrigatória e a facultativa.
Pela primeira, basta a verificação do requisito formal exigido pela lei, ou seja, é sempre concedida a liberdade condicional ao recluso condenado em pena de prisão superior a seis anos, logo que este tenha cumprido cinco sextos da pena.
Na segunda, para além da verificação dos requisitos formais – cumprimento de metade ou dois terços da pena e no mínimo seis meses – tem o juiz de se certificar de que estão reunidos os denominados requisitos materiais.
Como é consabido, o instituto da liberdade condicional, no âmbito do Código Penal de 1982, surgiu como uma das formas de combate ao efeito criminógeno das penas detentivas, procurando-se com o mesmo operar uma transição entre o cumprimento da pena dentro da prisão e a vida em sociedade após a libertação, ideia que ficou bem expressa no nº9 do Preâmbulo do D.L. n.º 400/82, de 23/09, que aprovou o Código Penal de 1982, onde se escreveu: “
Definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a liberdade condicional serve, na política do Código, um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão”
Já Figueiredo Dias defendia que no juízo de prognose para efeito de liberdade condicional “decisivo deveria ser, na verdade, não o «bom» comportamento prisional «em si» ─ no sentido da obediência aos (e do conformismo com) os regulamentos prisionais ─ mas o comportamento prisional na sua evolução, como índice de (re)socialização e de um futuro comportamento responsável em liberdade”.
Como diz Anabela Rodrigues, in A Fase de Execução das Penas e Medidas de Segurança no Direito Português, BMJ, 380, pag. 26, “A liberdade condicional tem como escopo criar um período de transição entre a reclusão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, de forma equilibrada, não brusca, recobrar o sentido de orientação social necessariamente enfraquecido por efeito do afastamento da vida em meio livre e, nesta medida, a sua finalidade primária é a reinserção social do cidadão recluso, sendo certo que, até serem atingidos os dois terços da pena, esta finalidade está limitada pela exigência geral preventiva de defesa da sociedade”.
Daí que, como se disse e não se tratando de uma situação de liberdade condicional obrigatória, importa que se considere, ao lado dos meros requisitos formais, o preenchimento dos pressupostos materiais, exarados nas als. do nº2 do Artº 61 do C. Penal e que supra se reproduziram.
Das mesmas resulta a exigência de um juízo de prognose antecipada, pelo qual se terá de concluir que o arguido, uma vez colocado em liberdade, pautará a sua conduta pelo respeito das normas comunitárias, pela sua integração no tecido social, não traindo assim a confiança que o instituto da liberdade condicional pressupõe.
A liberdade condicional facultativa, porque se trata de uma medida de carácter excepcional, que tem como objectivo a suspensão do cumprimento da pena aplicada, só deve ser concedida quando se considerar que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes e a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.
Na verdade, sendo a liberdade condicional um forma de cumprimento da pena de prisão – ou, noutra perspectiva, um incidente dessa execução – assenta na ideia da ressocialização do recluso, acreditando-se que este já se encontra capacitado de competências internas e condições externas, as quais, em conjugação favorável, lhe permitirão a vida em meio livre de forma respeitadora para com os padrões societários, salvaguardando-se deste modo a expectativa da comunidade na manutenção da norma jurídica alvo de violação.
Com efeito, também na execução da pena de prisão, como na sua determinação, se deve ter em conta, a par da reintegração do agente na sociedade, a protecção dos bens jurídicos e a necessidade de segurança sentida pela comunidade, devendo por isso a libertação do arguido ser compatível com a necessária paz pública e ordem social, no fundo, com os critérios inerentes à denominada prevenção geral em sede de determinação da medida da pena.
Descendo ao concreto da situação sub judice, tendo em conta que o arguido já atingiu os 2/3 da soma das penas que está a cumprir, releva apenas o critério da al. a) do nº2 da citada norma, ou seja, são somente as exigências de prevenção especial - seja negativa, no sentido do não cometimento de novos crimes, seja positiva, na asserção de reinserção social do condenado - que ditarão se o recluso está, ou não, em condições de beneficiar desta medida de flexibilização do cumprimento da pena.
Daí que, na análise da mencionada al. a) do nº2 do Artº 61 do C. Penal, importa aferir das circunstâncias do caso concreto, da vida anterior do agente, da sua personalidade e da evolução da mesma durante a execução da pena de prisão, devendo ser concedida a liberdade condicional quando se poder concluir que a pena já sofrida pelo condenado desempenhou um efeito inibidor da prática de novos crimes, em que as expectativas de reinserção social do arguido são inequívoca e manifestamente superiores aos riscos que a comunidade suportará com a antecipação da sua restituição à liberdade.
Ora, a aferição nesses termos efectuada pelo tribunal recorrido, quer nos pressupostos, quer nas conclusões, não merece a censura que lhe é assacada pelo recorrente.
O arguido encontra-se em cumprimento de três penas de prisão, uma de 5 anos e 3 meses (aplicada em cúmulo jurídico), outra, de 1 ano e 10 meses, e uma terceira de 2 anos e 2 meses de prisão, pela prática de três crimes de tráfico de estupefacientes, dois deles, de menor gravidade e um crime de roubo.
Se esta multiplicidade criminosa, por si só, já denuncia um comportamento gravoso, de ilicitude acentuada e assinalável desvalor social, não resulta dos autos, por outro lado, que o arguido tenha, sem peias, nem reservas, assumido a prática dos ilícitos em causa, quer de tráfico de estupefacientes, quer de roubo, e demonstrado um efectivo e real arrependimento pelo seu cometimento, no sentido de uma clara interiorização da censura imanente a uma actividade criminosa que é grave e censurável.
Com efeito, apesar de o condenado, no seu recurso, aparentemente, verbalizar um discurso autocrítico quanto a esta concreta postura criminosa - tal como o fez em declarações perante o tribunal recorrido - a verdade é que fica por esclarecer, em definitivo, se o mesmo, designadamente, em relação aos crimes de tráfico, é resultante de uma efectiva consciência da ilicitude desse comportamento e das suas consequências para as vítimas ou se, por outro lado, se alicerça na objectividade da sua reclusão e na sensação daí decorrente com vista a obter a pretendida liberdade condicional.
Não se trata aqui de qualquer arrependimento bíblico, mas apenas da certeza, tanto quanto for possível de adquirir, que no recluso existe um profundo sentido de autocrítica e um efectivo juízo de reprovação interior, para que se possa concluir que o arguido se arrepende dos factos que cometeu, no sentido de ter compreendido o respectivo desvalor social e o juízo de censura que emana dos ilícitos em causa, ou se tal arrependimento não seja, fundamentalmente, uma consequência do tempo de prisão que já leva cumprido, desculpabilizando-se, de certo modo, quer na sua vivência complicada e problemática, quer pela atribuição de responsabilidade ao meio em que então residia.
Tal como expressou a decisão recorrida, também este tribunal entende que a autocrítica do condenado necessita de uma evolução, no sentido de se focar menos nas consequências para si próprio - assim se revelando, de forma implícita, a sua imaturidade e a ausência de um efectivo juízo crítico em relação aos seus actos criminosos - e mais, nas que provocou em terceiros, pois só nesta dimensão é que se poderá concluir que o arguido está arrependido dos crimes que cometeu, pela assunção interior da gravidade ínsita neles, levando a crer que se afastará, em definitivo, da prática de futuros crimes.
Preocupação que é reforçada pela circunstância, nada despicienda, de o arguido, para além das penas que agora cumpre, registar, já, como se mencionou, um passado criminal com outras condenações, uma delas, em França, com cumprimento de pena de prisão pela prática, também ali, de um crime de tráfico de estupefacientes.
Compreende-se assim que o tribunal a quo assuma que o condenado ainda não tem uma total autocrítica, que é, como se sabe, o primeiro passo para se poder concluir, com razoabilidade, que aquele, colocado em liberdade, pautará o seu comportamento pela conformidade com os padrões comunitários.
É certo que o arguido tem apoio familiar e que o seu percurso prisional é positivo, sem registos disciplinares e com medidas de flexibilização da pena que se têm revelado frutuosas, o que se regista, mas que não constitui mais (ou não deveria constituir mais), do que seria de aguardar para alguém que cumpre pena pela prática de crimes dos quais verbaliza estar arrependido.
Por outro lado, como bem nota a decisão recorrida e apesar do que, a este propósito, é mencionado na argumentação recursiva, suscitam-se dúvidas sobre a natureza da oferta laboral apresentada ao arguido se lhe fosse concedida a liberdade condicional, tendo em conta que, se por um lado, se fala em operador de armazém, por outro, se refere trabalho em construção civil, o que denota, a frágil consistência de uma matéria que parece ter sido tratada à pressa pelo ora recorrente.
Fazendo nosso discurso da sentença sindicada:
“Consideramos muito frágil e pouco consistente o projecto de vida futura que o recluso apresenta. De facto, o recluso apenas se preocupou com este aspecto do seu futuro a poucos dias de ser ouvido, pensamos nós que assim procurando criar mais condições favoráveis à sua libertação condicional. No entanto, tudo quanto foi apresentado não está assente em bases sólidas, pelo que, no fundo, acabaria por tratar-se de uma mera fachada, aparência de reintegração positiva, sem o mínimo de testagem e de certeza de alguma estabilidade. A pouca consistência resulta mesmo clara se atentarmos na certeza do recluso em que iria trabalhador como operador de armazém, quando depois se junta aos autos proposta de trabalho totalmente diferente. Com isto queremos dizer que o recluso há já muito que se deveria ter preocupado com a questão da sua futura integração laboral, aproveitando as licenças de saída ao exterior concedidas também para esse efeito – o que resultou evidente não ter acontecido.”
Neste medida, importa ter presente que o recluso, antes de preso, desenvolvida actividade laboral de forma irregular e que a perspectiva do lucro fácil decorrente da actividade de tráfico foi, reconhecidamente, um dos motivos que o levou ao cometimento de tal ilícito, o que faz com que inexistem elementos suficientes que permitam concluir, com a confiança exigível, que o mesmo, em meio livre e perante eventuais fracassos, desapontamentos ou dificuldades do quotidiano, não volte a adoptar uma postura violadora das regras e padrões comunitários.
A prudência resultante das exigências da prevenção especial demanda a continuação da avaliação do seu comportamento, para apurar a sua real vontade e capacidade de apresentar uma conduta normativa, não vulnerável a influências externas.
Deste modo se entende, como o fez acertadamente a decisão recorrida, que é ainda devido algum tempo ao arguido para se poder concluir, com a segurança necessária, que o mesmo - por via da interiorização da prática criminal e de um adequado comportamento prisional - é merecedor da confiança para ser enviado ao estado natural do homem, a liberdade.
É na capacidade objetiva de readaptação à vida em liberdade por parte do arguido que, crê-se, existem ainda fundadas dúvidas que este adopte um comportamento socialmente responsável, sem recair na violação das normas, independentemente daquilo que a sorte, o destino, ou as suas próprias acções, lhe reservem.
As elevadas exigências de prevenção especial decorrentes das circunstâncias do caso, são reveladores, no seu conjunto, de um carácter contrário à normatividade, o qual não parece estar, ainda, suficientemente ultrapassado.
É certo que o Conselho Técnico emitiu, por unanimidade, parecer favorável à concessão da liberdade condicional, mas, como é amplamente ensinado pela Doutrina e Jurisprudência, tal parecer não tem natureza vinculativa, constituindo um mero elemento de informação com vista a auxiliar a decisão judicial.
Daí que, da circunstância de o tribunal recorrido não ter acolhido tal parecer não decorra qualquer nulidade, sendo certo que a justificação para assim proceder resulta da materialidade do decidido, não se verificando, por isso, a invocada omissão de pronúncia.
Deve, pois, o recorrente continuar a consolidar o processo de interiorização da culpa e do desvalor social da acção criminosa, reforçando a sua capacidade de controlo e de resistência ante as adversidades que no futuro irá necessariamente enfrentar, continuando a adoptar uma postura prisional sem falhas, mantendo a ocupação laboral em meio prisional e gozar de algumas saídas jurisdicionais, que assim lhe possibilitem, de alguma forma, flexibilizar o cumprimento da sua pena de prisão.
Tudo ponderado, inexiste motivo para alterar a decisão recorrida, que, ao contrário do invocado pelo recorrente, se mostra conforme ao Artº 61 nº2 al. a) do C. Penal.
Assim sendo, improcede o recurso.

3. DECISÃO

Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso e em consequência, manter a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça, atendendo ao trabalho e complexidade das questões suscitadas, em 3 UC, ao abrigo do disposto nos Artsº 513 nº1 e 514 nº1, ambos do CPP e 8 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa.
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Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos signatários.
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Évora, 18 de Abril de 2023
Renato Barroso (Relator)
Maria Fátima Bernardes (Adjunta)
Fernando Pina (Adjunto)