Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1362/16.3T8PTG.E2
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: ALIMENTOS A FILHOS MAIORES
REQUISITOS
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O direito e o dever de educação dos filhos mantém-se, mesmo depois de atingida a maioridade, durante o tempo em que tal for necessário para que o filho complete a sua formação profissional, na medida em que seja razoável exigir dos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete, conforme decorre do disposto no artigo 1880º do Código Civil.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1362/16.3T8PTG.E2 (2ª Secção Cível)


ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

No Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre (Juízo Local Cível – J1), foi instaurada em 09/11/2016, ação pela qual (…) demanda (…) peticionando a condenação deste numa quantia não inferior a € 350,00 mensais destinada a contribuição para o sustento e educação do filho de ambos (…), que atingiu a maioridade em 16/01/2011, que reside com a requerente, e frequenta o 2º ano do Curso (…) – Contabilidade no Instituto Politécnico de Portalegre.
Foi realizada a conferência a que alude o artigo 46.º, n.º 1, do RGPTC ex vi artigo 989.º, n.º 1 e 3, do NCPC, não se tendo chegado a acordo.
O requerido contestou e defendeu-se por impugnação e por exceção alegando que o jovem, com a sua idade, já devia ter completado a sua formação profissional, se tivesse tido aproveitamento escolar o que não acontece, sendo um adulto que prefere viver “à custa dos progenitores” ao invés de garantir o seu próprio sustento, como seria natural.
Foram juntos aos autos os relatórios sociais realizados às condições económico-sociais dos progenitores e do jovem, conforme o disposto no artigo 47.º, n.º 2, in fine, do RGPTC.
Realizado o julgamento veio a ser proferida sentença em cujo dispositivo se fez constar:
“Pelo exposto, de facto e de direito, decide-se julgar a presente ação PARCIALMENTE PROCEDENTE, POR PROVADA, e em consequência, CONDENA-SE o Requerido, (…) a pagar à Requerente, (…) a quantia global de 3.825,00 € (três mil, oitocentos e vinte e cinco euros), a título de contribuição para o sustento e educação do seu filho maior, (…), ao abrigo do disposto no artigo 989.º, n.º 3, do NCPC, devida durante 15 (quinze) meses, à razão mensal de € 255,00 (duzentos e cinquenta e cinco euros), desde a data de propositura da presente acção, em Novembro de 2016, até ao mês em que o jovem completou 25 anos de idade, em Janeiro de 2018.
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Inconformado com a sentença, veio o requerido, interpor recurso apresentando as respetivas alegações e terminando por formular as seguintes conclusões que se passam a reproduzir:
1.- O (…) é um jovem adulto que quando interpôs a presente ação tinha 23 anos e 9 meses;
2.- Hoje, com 25 anos completados há mais de dois meses, ainda não terminou qualquer formação académica, nomeadamente, profissionalizante.
3.- Não alegou, nem provou, apesar da sua maioridade, ter procurado trabalho, podendo-se presumir que nem sequer está inscrito no Centro de Emprego ou em qualquer entidade de procura ativa de trabalho;
4.- Apesar de usar óculos e de ter tido um acidente de bicicleta, há cerca de nove anos, não alega, nem prova qualquer incapacidade para o trabalho. Mas como se viu, também não estuda, ao menos, o suficiente para concluir a sua formação no tempo normal, Qualquer jovem que termine o ensino secundário no tempo normal e se inscreva num curso de 4 semestres/dois anos de duração, normal é que termine a sua formação, maxime, com cerca de 20 anos;
5.- O direito a que a Requerente se arroga nos presentes Autos não é sequer razoável porque o (…), por sua culpa exclusiva, não concluiu a sua formação no tempo normal de que dispunha para tanto (veja-se nesse sentido, Pires de Lima e Antunes varela, CC Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1995, Pág.. 338 e seguinte; Ac. STJ de 8/4/2008 -proc. 08A493, in site da DGSI; Ac. STJ, in BMJ 469, fls. 563; Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, 2002 em anotação ao Art. 1880º.

A recorrida apresentou alegações defendendo a confirmação do julgado.
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Cumpre apreciar e decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.
Tendo por alicerce as conclusões, a única questão que importa apreciar é a de saber se o Tribunal, em face dos factos provados, andou bem em condenar o requerido no pagamento de uma quantia a título de contribuição para o sustento e educação do seu filho.

Foram considerados provados, com relevância, os seguintes factos:
1. (…) nasceu a 16/01/1993, e é filho de (…) e de (…).
2. O (…) frequenta, atualmente, o 2º ano do “Curso (…) – Contabilidade” no Instituto Politécnico de Portalegre – Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Portalegre, no qual ingressou no ano lectivo de 2015/2016.
3. Este curso tem a duração de 2 anos, quatro semestres lectivos, a que correspondem 120 unidades de crédito, estando o jovem aprovado em Janeiro de 2018 em 51 unidades de crédito, tendo por concluir e aprovar 69 unidades de crédito.
4. A Requerente divorciou-se do Requerido em 1997 e vive com o seu filho.
5. A Requerente tem 52 anos e encontra-se desempregada desde 1992, subsistindo do rendimento social de inserção que aufere mensalmente no valor de € 317,36.
6. A Requerente encontra-se em acompanhamento psiquiátrico do Departamento de Psiquiatria do Hospital de Portalegre desde a data do falecimento do seu pai, há 9 anos atrás.
7. O jovem apresenta acuidade visual diminuída, necessitando de usar óculos.
8. O jovem sofreu um acidente de bicicleta aos 16 anos, tendo sido sujeito a cirurgia para colocação de um parafuso no braço esquerdo, que é o seu braço dominante, o qual ainda hoje não consegue esticar completamente, embora não o impeça de escrever.
9. A Requerente vive em casa arrendada pela qual paga a renda de € 300,00, tendo várias rendas em atraso.
10. A Requerente suporta ainda o pagamento mensal de água no valor de € 17,31, de luz no valor de € 96,75, e de € 57,69 de tv e internet, a qual é necessária à formação escolar do jovem, no valor global de € 171,75.
11. A Requerente paga ainda de propina mensal na ESTG a quantia de € 70,00.
12. A Requerente teve necessidade de adquirir a 19/10/2016 um computador para o jovem, no valor de € 1.089,79, o qual está a ser pago em prestações mensais de € 50,00.
13. O jovem não tem quaisquer bens ou rendimentos.
14. É a Requerente quem suporta todas as despesas com o sustento e educação do seu filho.
15. O Requerido tem 57 anos, é (…) de Portalegre, onde aufere o vencimento mensal de cerca de € 2.000,00, sendo o valor líquido de € 1.524,42.
16. O Requerido tem formação e faz trabalhos na área do desenho de construção civil, auferindo os respetivos honorários.
17. O Requerido vive com a sua atual esposa de 44 anos de idade, doméstica, e a filha de ambos, com 18 anos de idade, estudante do 12.º ano em Portalegre.
18. O Requerido suporta mensalmente as despesas de gás no valor de € 51,81, de luz no valor de e 90,00, de telefone no valor de € 70,00, despesas escolares no valor de € 50,00, e um crédito automóvel no valor de € 218,98, no montante global de € 480,79.
19. O Requerido e o seu agregado familiar não apresentam quaisquer problemas de saúde.

Conhecendo
A autora, enquanto progenitora que assume a título principal o encargo de pagar as despesas de sustento e educação de filho maior veio através da presente ação prevista no artº 989º, n.º 3, do CPC requerer do outro progenitor, ora recorrente, o pagamento de uma contribuição para tal sustento.
Dispõe o artº 1880º do CC, se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete. Por sua vez o artº 1905.º, n.º 2, do CC dispõe que para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.
De tal decorre que os progenitores são responsáveis pelo pagamento de alimentos aos filhos mesmo após os 18 anos, desde que estes ainda não tenham completado a sua formação profissional e pelo tempo normalmente necessário para o fazer, desde que seja razoável exigir ao progenitor aquela obrigação (cfr. também art. 1874.º, n.º 2, 1878.º, n.º 1, ambos do CC).
No âmbito do presente recurso, no essencial defende o recorrente que o direito a que a requerente se arroga não é razoável porque o seu filho (…), por sua culpa exclusiva, não concluiu a sua formação no tempo normal de que dispunha para o fazer, dando a entender que terá “chumbado” em alguns anos ou em algumas disciplinas, sem no entanto concretizar em que momentos da escolaridade tal terá ocorrido e as razões que conduziram a tal desiderato.
Estão vinculados à prestação de alimentos os ascendentes, sendo que serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los e na sua fixação atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentado prover à sua subsistência (artºs 2009º, n.º 1, al c) e 2004º, n.º 1 e 2, ambos do CC).
O direito e o dever de educação dos filhos mantém-se, mesmo depois de atingida a maioridade, durante o tempo em que tal for necessário para que o filho complete a sua formação profissional “na medida em que seja razoável exigir dos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete” conforme decorre do disposto no artº 1880º do CC.
O Julgador “a quo” ponderando, em face dos factos assentes, o requisito da razoabilidade, entendeu que não obstante a idade do filho e do seu aproveitamento escolar não ter sido regular tudo indica que terá “chumbado” no seu percurso académico, não havia abuso na pretensão da requerente, sendo a mesma razoável e de atender, salientando, designadamente, o seguinte, no que respeita à invocada irrazoabilidade decorrente da argumentação de o filho já há muito dever ter completado a sua formação escolar:
Contudo, apurou-se que o seu filho tem tido aproveitamento escolar, é certo que não é um bom aluno pois tem tido várias reprovações mas já completou quase metade dos créditos de que o curso é composto. Fê-lo em mais tempo do que está previsto mas tal circunstância não é à partida impeditiva do direito à contribuição.
Assim é dado que, nos termos do artigo 1880.º do Código Civil, não completada a formação profissional, “manter-se-á a obrigação” (sic), daqui decorrendo uma presunção dos pressupostos da obrigação alimentar a favor do filho maior, cuja elisão compete ao obrigado.
A este propósito veja-se o teor do Acórdão da Relação de Guimarães de 23-03-2010 (Proc. 484/05.0TCGMR.G1), in dgsi.pt, assim sumariado: «1) Os pais não são obrigados à prestação alimentar se, por culpa grave dos filhos maiores, estes não terminarem a sua formação técnico-profissional no tempo de duração normal; 2) Compete ao devedor de alimentos o ónus da prova de que a falta de aproveitamento escolar de um filho maior se deveu a um comportamento censurável deste em termos de cumprimento das obrigações escolares universitárias.».
Ora, a este respeito o Requerido nada alegou nem provou, limitando-se a concluir que, sete anos decorridos desde a maioridade, já devia ter terminado a sua formação profissional, a qual não valoriza por ser num instituto politécnico e não numa universidade.
Muitas razões podem ter contribuído para que o seu filho ainda esteja a estudar, sem que se possa concluir que existiu culpa grave ou comportamento censurável da sua parte, desde logo, falta de oportunidades profissionais que esperava obter com outra formação em que tenha investido primeiramente, doença física ou psicológica, falta de meios financeiros, falta de vagas, etc, etc.
Sendo que, como se viu, não é à Requerente que compete provar a razoabilidade da exigência da contribuição, mas ao Requerido, o que este não fez, sendo assim forçosa a conclusão de que a contribuição é devida.
Tal posição é de acolher. A razoabilidade a que se refere o artº 1880º do CC deve ser interpretada, sem demasiado rigor, no sentido de ser exigível a prestação alimentar mesmo na hipótese do alimentado haver reprovado, desde que essa reprovação não seja fruto de indolência ou preguiça (v. Ac. do TRP de 14/02/2006 no processo 038831, disponível em www.dgsi.pt). Donde cabe, efetivamente ao devedor de alimentos fazer a prova de que a falta de aproveitamento do seu filho, com idade inferir a 25 anos, se deveu a comportamento censurável deste, em termos de cumprimento das obrigações escolares (cfr. Ac. do STJ de 08/04/2018 no processo 08A493, disponível em www.dgsi.pt; DJ. H. Delgado Carvalho, em “O novo regime de alimentos devidos a filho maior ou emancipado; contributo para a interpretação da Lei nº 122/2015, de 1/9” pág. 6, in https://blogippc.blogspot.com/2015/09/o-novo-regime-de-alimentos-devidos.html)
No caso com que nos deparamos, nada nos diz (nada de concreto foi alegado pelo requerido, ora recorrente, para o esclarecimento de tal realidade), que a situação de menor produtividade escolar do filho das partes se deva a indolência ou preguiça da sua parte, de modo a poder-se censurá-lo e atribuir-lhe culpa grave no sucedido, por forma a considerar-se irrazoável a pretensão formulada, à luz do critério base relacionado com a atuação de filho, para impor aos pais a manutenção da obrigação de educação de filho maior – artigo 1880º, nº 1, do Código Civil, e a exigir-lhe, conforme parece defender o recorrente, que passe a angariar os seus próprios meios de subsistência.
Em suma, diremos que em face dos factos apurados, se mostra ajustada a decisão proferida.
Nestes termos irrelevam as conclusões do recorrente, sendo de julgar improcedente o recurso e de confirmar a sentença recorrida.

DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante (artº 527º, n.º 1 e 2, do CPC).

Évora, 28 de Junho de 2018

Maria da Conceição Ferreira

Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura

Maria Eduarda de Mira Branquinho de Canas Mendes