Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2034/19.2T8PTM.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
PRIVACIDADE
RESERVA DA VIDA PRIVADA
CORREIO ELECTRÓNICO
CORRESPONDÊNCIA
MEIOS DE PROVA
PROVA ELETRÓNICA
PROVA PROÍBIDA
PROVA
Data do Acordão: 06/04/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – Não se verifica a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil ex vi art. 77.º do Código de Processo de Trabalho, quando o tribunal se pronuncia sobre um pedido insuficientemente formulado, estando, nesse caso, em apreciação uma situação de eventual improcedência do pedido e não de inexistência do pedido.
II – As mensagens de WhatsApp trocadas entre dois trabalhadores de uma empresa, no âmbito da sua relação pessoal e privada, não podem ser utilizadas pela entidade patronal, em processo disciplinar dirigido contra um deles, por se encontrarem protegidas pelos direitos constitucionais de reserva da intimidade da vida privada e da confidencialidade da mensagem pessoal.
III – Acresce que nem mesmo o destinatário de tais mensagens, em face do disposto no art. 78.º do Código Civil, aplicável a estes novos modelos de comunicação, poderia, de seu livre arbítrio, tornar públicas mensagens cujo grau de expectativa do seu emissor fosse a de que as mesmas se mantivessem na esfera privada.
IV – Não tendo a entidade empregadora participado por qualquer meio dessa troca de mensagens, nem lhe sendo as mesmas dirigidas, atentas as regras da experiência comum e da normalidade da vida, é de presumível que a vontade do emissor de tais mensagens fosse a de que as mesmas se mantivessem privadas (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral:
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
E… (A.) intentou a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, manifestando, por via da apresentação do requerimento a que alude o artigo 98.º - C do Código de Processo do Trabalho, a sua oposição ao despedimento promovido por “P…, Lda.” (R.), ambos devidamente identificados nos autos.
Realizada a audiência de partes, não foi possível resolver por acordo o litígio.
Seguiu-se a regular tramitação processual, tendo sido marcada audiência prévia, na qual não foi possível a conciliação das partes. Por o tribunal a quo considerar estarem reunidas as condições necessárias para proferir de imediato decisão, foi dada a palavra aos ilustres mandatários das partes para, querendo, alegarem, o que fizeram.
De seguida foi considerado não se justificar a realização da audiência de discussão e julgamento, tendo sido, posteriormente, proferido saneador-sentença, em 02-03-2020, na qual foi fixado o valor da causa em €8.244,61, com o seguinte teor decisório:
Pelo exposto, considera-se a presente ação procedente e em consequência:
1. Declara-se a ilicitude do despedimento do autor E…;
2. Condena-se a ré P…, Ldª no pagamento ao autor de uma indemnização em substituição da reintegração, de valor equivalente a quarenta dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano ou fração de antiguidade até à data do trânsito em julgado da decisão (consignando-se que a antiguidade do autor remonta ao dia 04 de março de 2013 e que a retribuição a atender é de € 950,00 mensais), acrescida dos juros, calculados à taxa legal, desde o trânsito em julgado da decisão, até integral pagamento;
3. O valor constante do ponto 2 deverá ser fixado em liquidação, a efetuar em sede de eventual execução de sentença, por a sua fixação depender da data do trânsito em julgado da decisão.
Custas a cargo da ré (cf. artigo 527º do Código de Processo Civil).
Não se conformando com esta decisão, veio a R. interpor recurso, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem:
1. A tomada de conhecimento do teor das mensagens de WhatsApp, enviadas pelo Recorrido a outro trabalhador da Recorrente, por parte da entidade patronal, não implica qualquer violação ou devassa de comunicações privadas;
2. A Recorrente foi informada pelo próprio destinatário das referidas mensagens, no exercício do seu direito à liberdade de expressão, sobre o teor das mesmas;
3. O Recorrido admitiu perante a gerente da Recorrente ter escrito tais mensagens, afirmando, de forma clara e agressiva, na presença de terceiros, que reiterava tudo quanto havia escrito;
4. A Recorrente poderia e devia, no exercício do poder disciplinar que lhe cabe, ter usado o teor das mensagens em causa como prova do comportamento reprovável do A., as quais, enquanto tal, não enfermam de qualquer nulidade;
5. A douta decisão recorrida, que declarou a ilicitude do despedimento e condenou a Ré ao pagamento de uma indemnização ao A., afigura-se prematura, sendo que cabia ao Tribunal a quo garantir a tramitação normal do processo, permitindo à Recorrente a produção de toda a prova relevante, designadamente a testemunhal, a produzir em sede de audiência de julgamento.
6. O Recorrido, em sede de contestação ao articulado motivador, mesmo após ter sido convidado ao aperfeiçoamento, não fez qualquer pedido de indemnização, pelo que, ainda que, por mera hipótese de raciocínio, o despedimento venha a ser declarado ilícito, não tem o A., aqui Recorrido direito a qualquer indemnização, uma vez que a não peticionou.
7. Ainda que se entenda pela confirmação da condenação da Ré, aqui Recorrente, ao pagamento de uma indemnização ao A., deverá a mesma ser reduzida pelo seu limite mínimo.
Nestes termos, E nos demais de direito que Vs. Exas. doutamente suprirão, deverá a douta sentença recorrida ser revogada, admitindo-se a prova indicada, e ordenando-se o prosseguimento dos autos, com vista à prolação de sentença após julgamento;
Caso assim não se entenda, deverá a douta decisão recorrida ser alterada, sendo a Ré absolvida do pagamento de qualquer indemnização, por não peticionada;
Ainda que se entenda pela confirmação da condenação da Ré, aqui Recorrente, ao pagamento de uma indemnização ao A., deverá a mesma ser fixada à razão de quinze dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano ou fracção de antiguidade, Só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.
Contra-alegou o A., pugnando pela improcedência do recurso, devendo ser mantida a sentença recorrida, apresentando as seguintes conclusões:
A- Os presentes autos foram e bem decididos pelo tribunal recorrido com base no facto de estarmos perante um processo disciplinar baseado apenas numa única prova, a qual não é tampouco admissível, por ser violadora da reserva própria da vida privada, assente, toda ela em mensagens privadas enviadas através da aplicação Whatsapp.
B- Pelo que não existe mais nenhuma outra prova que não seja essas mensagens que, ainda assim não ficou sequer provado que foi ora recorrido, pessoalmente, a enviar essas mensagens, pelo que dúvidas não restaram ao tribunal “a quo” para considerar o despedimento ilícito.
C- A Ré discorda da decisão mas, salvo o devido respeito, sem razão, pois as mensagens de Whatsapp nem são sequer dirigidas à Ré, que continua a confundir a entidade patronal do Autor, com a qual nunca teve qualquer litígio, com a herdeira (D. Sharon) do antigo dono da Ré.
D- Por outro lado, as mensagens enviadas através da aplicação Whatsapp, não foram escritas pelo Autor, visavam a herdeira do antigo dono da Ré, a qual não aceitou que o seu pai tivesse legado um dos seus restaurantes ao Autor.
E- A Ré sabe que não podia aceder, como acedeu, às referidas mensagens, enviadas para um terceiro, através da aplicação do Whatsapp e ainda que não podia fazer uso das mesmas como o fez.
F- As provas apresentadas pela recorrente foram “fabricadas” pela Ré de modo a poder obter um pretexto para despedir o Autor, caso contrário, o terceiro envolvido na obtenção dessa mensagens não teria sido poupado a um processo disciplinar, como aconteceu, pois tratou-se de um “sermão encomendado”.
G- Ao contrário do alegado pela Ré no seu recurso, nunca foi confirmado que foi o Autor a enviar essas mensagens.
H- O acórdão da Relação do Porto, citado pela recorrente, refere-se, no modesto entendimento do Autor, à necessidade de apreciar “todas as provas” constantes dos autos, o que não acontece neste caso, pois só existia uma única prova no processo que eram as mensagens.
I- Pelo que, salvo o devido respeito, muito bem andou o tribunal recorrido ao decidir como
decidiu, o que aliás vem no seguimento do anteriormente também já decidido pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora, citado pelo Autor no seu articulado motivador. (TRE – Acordão datado de 28/03/2019, processo nº 747/18).
J- Finalmente, quanto à indemnização atribuída ao Autor, também nessa matéria a decisão do tribunal recorrido não merece censura, pois o tribunal recorrido condenou nos exactos termos peticionados e na proporção que entendeu ser adequada.
K- Pelo que, salvo o devido respeito, deve a decisão recorrida ser mantida nos precisos termos em que foi proferida pelo tribunal “a quo”.
L- Devendo, em consequência, ser o presente recurso considerado improcedente, por não provado.
TERMOS EM QUE: Deve a decisão anteriormente proferida ser mantida nos precisos termos proferidos. Porém, V. Excelências decidirão como de costume.
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito devolutivo, e, após a subida dos autos ao Tribunal da Relação, foi dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do art. 87.º do Código de Processo do Trabalho, tendo o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitido parecer, pugnando pela improcedência do recurso, devendo ser mantida na íntegra a decisão recorrida.
Não foi oferecida resposta ao parecer.
Tendo sido mantido o recurso nos seus precisos termos, foram colhidos os vistos legais, cumprindo agora apreciar e decidir.
II – Objecto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das partes, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Excesso de pronúncia;
2) Valor das mensagens de WhatsApp como meio de prova;
3) Insuficiência do pedido de indemnização; e
4) Excessivo quantum indemnizatório.
III – Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:
1. O autor foi admitido ao serviço da ré em 04.03.2013, com a categoria profissional de «controlador» e o vencimento base mensal de € 950,00.
2. Por carta datada de 28.05.2019, foi remetida ao autor a «nota de culpa» reproduzida a fls. 93 e ss. (cf. fls. 91), sendo-lhe simultaneamente comunicada a respetiva suspensão preventiva, por se reputar inconveniente a sua manutenção no local de trabalho;
3. O autor, remeteu à ré a «resposta à nota de culpa» reproduzida a fls. 97 e ss., por carta colocada no correio em 12.06.2019 (cf. fls. 106);
4. Em 18.06.2019, a instrutora do processo designou o dia 26.06.2019 para proceder à inquirição da testemunha indicada pelo autor (cf. fls. 108), tendo comunicado a referida data ao autor por carta datada de 19.06.2019 (cf. fls. 109) e recebida a 21.06.2019 (cf. fls. 111).
5. Em 26.06.2019, a instrutora do processo disciplinar fez constar do mesmo ter sido contactada pelo mandatário do autor, que lhe comunicou prescindir o mesmo da inquirição da referida testemunha (cf. fls. 112).
6. Em 27.06.2019, a instrutora do processo disciplinar procedeu à inquirição das testemunhas indicadas pela ré empregadora (cf. fls. 114 a 119).
7. Por carta datada de 24.07.2019, a ré empregadora comunicou ao autor o «aditamento à nota de culpa» que constitui o documento de fls. 126-127, recebida em 25.07.2019 (cf. fls. 128).
8. O autor apresentou «resposta ao aditamento à nota de culpa», nos termos que constam do documento de fls. 130 e ss., remetido em 08.08.2019 e recebido pela ré em 09.08.2019.
9. Em 09.08.2019, a instrutora do processo designou o dia 14.08.2019 para proceder à inquirição da testemunha indicada pelo autor (cf. fls. 137), tendo comunicado a referida data ao autor por carta datada desse mesmo dia (cf. fls. 138) e recebida a 14.08.2019 (cf. fls. 140).
10. Em 21.08.2019, a instrutora do processo designou nova data para proceder à inquirição da referida testemunha, no caso 29.08.2019 (cf. fls. 142), tendo comunicado essa data ao autor por carta datada de 22.08.2019 (cf. fls. 143) e recebida a 30.08.2019 (cf. fls. 146).
11. Por carta datada de 29.08.2019, recebida pelo autor a 06.09.2019 (cf. fls. 153 e 155), a instrutora do processo disciplinar comunicou ao autor a falta de comparência da testemunha pelo mesmo indicada.
12. Em 30.08.2019, a instrutora do processo disciplinar elaborou o relatório final do mesmo, nos termos que constam de fls. 156 e ss., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, propondo a final a sanção disciplinar de «despedimento sem indemnização ou compensação».
13. Nessa mesma data, a ré empregadora proferiu decisão final, aplicando ao autor a sanção de despedimento sem indemnização ou compensação (cf. fls. 177).
14. O referido relatório, bem como a decisão final, foi comunicado ao autor por carta datada de 30.08.2019.
15. Na «nota de culpa» remetida ao autor, mencionada em 2 supra, os factos imputados ao autor reportam-se ao envio de mensagens a um outro trabalhador, K…, através da aplicação Whatsapp, cujo teor terá sido revelado por este último à gerente da ré, S….
16. No relatório final do processo disciplinar os factos dados como provados correspondem à transcrição das referidas mensagens trocadas através da aplicação Whatsapp, aditando-se que a gerente da ré empregadora confrontou o autor com o teor de tais mensagens, tendo o mesmo dito manter tudo quanto havia afirmado.
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se (i) houve excesso de pronúncia; (ii) as mensagens de WhatsApp podem ser utilizadas como meio de prova; (iii) o pedido de indemnização formulado pelo Apelado é insuficiente; e (iv) o quantum indemnizatório atribuído mostra-se excessivo.
1 – Excesso de pronúncia
No entender da Apelante, a sentença recorrida não podia ter atribuído qualquer indemnização ao Apelado, uma vez que não foi formulado por este qualquer pedido de indemnização, ou seja, considera que houve excesso de pronúncia na sentença recorrida.
Assim, e apesar de não o ter expressamente alegado, a Apelante veio invocar a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil ex vi art. 77.º do Código de Processo de Trabalho.
Dispõe o art. 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil, que:
1 - É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

Regula o art. 608.º do Código de Processo Civil que:
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.
2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Relativamente à nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil, conforme bem esclareceu o Prof. Alberto dos Reis, em Código de Processo Civil Anotado[2]:
(…) resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (…), as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (…) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas.

Na realidade, importa não confundir questões colocadas ao tribunal para decidir e fundamentos ou argumentação, sendo que o tribunal apenas se encontra vinculado às questões invocadas pelas partes (tendo de proferir decisão relativamente a todas, com excepção daquelas que tenham ficado prejudicadas por decisões anteriormente tomadas e não podendo decidir de outras a não ser que sejam de conhecimento oficioso), já não aos fundamentos/argumentações invocados.
E isto é assim quer quanto à circunstância de o tribunal não se encontrar obrigado a pronunciar-se sobre toda a argumentação apresentada pelas partes quer quanto à circunstância de poder apresentar argumentação diversa da invocada.
Conforme bem esclarece o acórdão do STJ, proferido em 16-02-2005, no âmbito do processo n.º 05S2137, consultável em www.dgsi.pt:
2. O excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal conhece de questões que não tendo sido colocadas pelas partes, também não são de conhecimento oficioso.
3. As questões não se confundem com os argumentos, as razões e motivações produzidas pelas partes para fazer valer as suas pretensões.
4. Questões, para efeito do disposto no n.º 2 do art. 660.º do CPC, não são aqueles argumentos e razões, mas sim e apenas as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.

Apreciemos.
No caso em apreço, o Apelado requereu ao tribunal a quo que a Apelante fosse condenada a pagar-lhe uma indemnização nos termos legais decorrentes da ilicitude do despedimento, a qual deveria ser fixada entre 15 e 45 dias com base na retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo ou fracção de antiguidade, pelo que, desde logo, resulta dos articulados apresentados pelo Apelado que foi por este, não só formulado pedido de indemnização, como estabelecido um valor mínimo e máximo relativo à indemnização que lhe deveria ser atribuída.
Assim, nunca poderíamos estar perante uma situação de excesso de pronúncia, uma vez que o pedido se mostra formulado pelo Apelado, razão pela qual foi apreciado na sentença recorrida.
Nesta conformidade, diferentemente do alegado pela Apelante nunca poderíamos estar perante uma situação em que o tribunal a quo se pronunciou sobre pedido não peticionado, antes sim, quanto muito, sobre pedido ao qual foi dada procedência, apesar de se encontrar insuficientemente formulado. Porém, a procedência de pedido insuficientemente formulado é situação diversa de ausência de pedido.
Pelo exposto, por inexistir qualquer situação de nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil ex vi art. 77.º do Código de Processo de Trabalho, improcede, nesta parte, a pretensão da Apelante.
2) Valor das mensagens de WhatsApp como meio de prova
Segundo a Apelante, a tomada de conhecimento do teor das mensagens de WhatsApp, enviadas pelo Apelado a outro trabalhador da Apelante, por parte da entidade patronal, não implica qualquer violação ou devassa de comunicações privadas, visto que a Apelante foi informada pelo próprio destinatário das referidas mensagens, no exercício do seu direito à liberdade de expressão, sobre o teor das mesmas.
Alegou igualmente que o Apelado admitiu perante a gerente da Apelante ter escrito tais mensagens, afirmando, de forma clara e agressiva, na presença de terceiros, que reiterava tudo quanto havia escrito, pelo que a Apelante poderia e devia, no exercício do poder disciplinar que lhe cabe, ter usado o teor das mensagens em causa como prova do comportamento reprovável do Apelado, as quais, enquanto tal, não enfermam de qualquer nulidade.
Alegou, por fim, que a decisão recorrida, que declarou a ilicitude do despedimento e condenou a Apelante ao pagamento de uma indemnização ao Apelado, afigura-se prematura, sendo que cabia ao tribunal a quo garantir a tramitação normal do processo, permitindo à Apelante a produção de toda a prova relevante, designadamente a testemunhal, a produzir em sede de audiência de julgamento.
Decidamos.
A sentença recorrida sobre esta matéria apresentou a seguinte fundamentação:
Concluindo-se pela regularidade formal do procedimento disciplinar, importa tomar posição quanto à validade da prova recolhida, designadamente no que se refere à licitude da utilização de mensagens trocadas entre dois trabalhadores para punir um deles – tanto mais que as mesmas constituem a única prova recolhida pelo empregador para sustentar a sua decisão (A circunstância de o trabalhador, mais tarde, ter ou não confirmado a autoria de tais mensagens irreleva a este respeito, na medida em que sempre constituiria um facto dependente da validade da prova com a qual alegadamente foi confrontado).
Nos termos previstos no artigo 22º, nº 1 do Código do Trabalho, “o trabalhador goza do direito de reserva e confidencialidade relativamente ao conteúdo das mensagens de natureza pessoal e acesso a informação de carácter não profissional que envie, receba ou consulte, nomeadamente através do correio eletrónico”.
Tal disposição constitui afloramento da regra geral relativa ao respeito pela intimidade da vida privada.
Com efeito, dispõe a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (aprovada em Roma em 04.11.1950), no seu artigo 8º, sob a epígrafe «Direito ao respeito pela vida privada e familiar», que:
1. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.
2. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção de infrações penais, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros”.
Por seu turno, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (proclamada pelo Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão em Nice, em 07 de dezembro de 2000), dispõe no seu artigo 7º, sob a epígrafe «Respeito pela vida privada e familiar», que: “Todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações”.
A obrigatoriedade do respeito pela privacidade dos cidadãos contra ingerências na sua correspondência e comunicações tem sido recorrentemente enunciada quer pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (vd., entre outros, os acórdãos do TEDH: Margareta e Roger Andersson c. Suécia, Copland c. Reino Unido, Halford c. Reino Unido e, especialmente, Bӑrbulescu c. Roménia - Acessível em http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-177082), quer pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (vd., a título de exemplo, o acórdão TJUE nos processos apensos C-293/12 e C-594/12 - ECLI:EU:C:2014:238, consultável em http://curia.europa.eu).
Resulta também da Constituição da República Portuguesa, que a qualquer cidadão nacional é reconhecido o direito à reserva da vida privada e à inviolabilidade do sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada, conforme decorre do disposto nos respetivos artigos 26º e 34º.
O Código Civil, no artigo 80º, estabelece que todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem, sendo a extensão da reserva definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas. Mais estipula que o destinatário de cartas-missivas de natureza confidencial deve guardar reserva sobre o seu conteúdo, não lhe sendo lícito aproveitar os elementos de informação que por tal via tenham chegado ao seu conhecimento, e que a publicação das mesmas só pode ser realizada com o consentimento do seu autor ou com o suprimento judicial desse consentimento (cf. artigos 75º e 76º).
E quanto às cartas-missivas não confidenciais, o destinatário só pode fazer uso das mesmas em termos que não contrariem a expectativa do seu autor (cf. artigo 78º).
Às «cartas-missivas» mencionadas no Código Civil têm de equiparar-se a generalidade das comunicações escritas, hoje em dia comuns, que não existiam à data em que aquele diploma legal entrou em vigor, já que o âmbito de proteção da norma claramente abrange todos os suportes que possam configurar-se como comunicações trocadas entre os sujeitos.
Os trabalhadores, como quaisquer cidadãos, têm uma expectativa legítima de privacidade nas suas comunicações pessoais e, por isso, a sua correspondência não pode ser lida pelo seu empregador (sobretudo, como foi o caso, quando se trata de mensagens que não foram enviadas através da rede informática da ré ou, sequer, de meios informáticos da ré).
Nesta matéria, a nossa jurisprudência e doutrina tem-se pronunciado maioritariamente no sentido de que a esfera de proteção a atribuir deve ter em conta a expectativa de privacidade com a qual o trabalhador possa legitimamente contar, bem como a natureza do meio utilizado (Vd., a propósito, o artigo de Alice Pereira Campos, “Infrações disciplinares em redes sociais on lineem Direito e Justiça, Estudos dedicados ao Professor Doutor Bernardo da Gama Lobo Xavier, Volume I, pág. 111 e seguintes.).
O tipo de comunicação em causa nos autos (mensagens trocadas através da aplicação Whatsapp - Basta ver a descrição relativa à privacidade que nessa plataforma se faz, dizendo-se que todas as comunicações ali inseridas são privadas, encriptadas e que nem mesmo a sociedade gestora da aplicação as pode ler) é semelhante às mensagens de texto de telemóvel (SMS) e ao serviço Messenger: tem um carácter privado, pois não é expectável (ao contrário do que ocorre noutros serviços, mais densos, como o Facebook, o Twitter ou o Instagram) que as mensagens sejam visualizadas por mais ninguém além dos seus destinatários.
Tendo as mensagens natureza pessoal, não só o empregador não pode aceder às mesmas, como não podem servir, sem mais, como meio de prova de infrações disciplinares (Neste sentido, Alice Pereira Campos, loc. cit., pág. 119).
Concluindo, como princípio o empregador não deve poder aceder, por qualquer meio, ao conteúdo de mensagens de natureza pessoal do trabalhador, transmitidas através de rede que não inclua o próprio empregador no círculo ou esfera de contactos do trabalhador (Vd. Maria Regina Redinha, “Redes Sociais: Incidência Laboral” in Prontuário de Direito do Trabalho, nº 87, pág. 40).
Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28.03.2019 (Proferido no processo nº 747/18.5T8PTM.E1 e acessível em www.dgsi.pt), “Quanto à tutela da inviolabilidade dos meios de comunicação, a mesma tem, necessariamente, de ser interpretada de acordo com a estonteante evolução dos meios de comunicação no mundo em que vivemos.
A vida é dinâmica e a interpretação e aplicação do direito tem de se adaptar e atualizar, sem que se desvirtue ou adultere a regra jurídica vigente.
O dever de sigilo constitucionalmente protegido reporta-se, quer à proibição de violação ou devassa das comunicações privadas, quer ao dever dos terceiros que a elas tenham acesso de não as divulgar, respeitando, assim, a sua natureza sigilosa.
Qualquer prova obtida mediante abusiva intromissão na vida privada, na correspondência ou nas telecomunicações é nula, de harmonia com o preceituado no nº 8 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
Ainda que esta norma se referia às garantias do processo criminal, entende-se que a mesma tem igualmente aplicabilidade ao procedimento disciplinar, tendo em consideração a sua finalidade sancionatória.
Assim sendo, o conteúdo das mensagens de Whatsapp não pode servir como meio de prova nestes autos. Não releva para o caso que as aludidas mensagens tenham sido mostradas à gerente da ré por um outro trabalhador, já que também esse ato constitui uma violação das comunicações enviadas pelo autor, cuja reserva deveria ter sido respeitada – como decorre das disposições legais já mencionadas acima.
O direito à prova não é um direito absoluto e o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, na vertente do direito à produção de prova, não pode sobrepor-se ao direito à privacidade e à reserva da intimidade dos cidadãos.
Não se provando, por isso, qual o teor das mensagens (porque o Tribunal não poderia, sem violar o direito do autor, perpetuar essa violação expondo mais uma vez as mesmas), perde qualquer relevância saber se elas têm, ou não, o sentido alegado pela ré.
Por outras palavras, não vai o Tribunal pronunciar-se sobre a questão de saber se o teor das mensagens constitui, ou não, um motivo substancial para justificar um despedimento.
Na verdade, basta concluir que, não sendo admissível tal prova, nenhuma outra existe que possa fundamentar a decisão de despedimento e, em consequência, queda a decisão da empregadora absolutamente imotivada.

Diga-se, desde já, que concordamos na íntegra com a argumentação tecida.
Na realidade, conforme já foi decidido por este tribunal[3], no citado acórdão proferido em 28-03-2019, no âmbito do processo n.º 747/18.5T8PTM.E1:
Sendo um grupo privado e fechado, restrito aos pilotos da base de Faro, afigura-se-nos que existiria uma expetativa de privacidade por parte dos membros do grupo.
É certo que num relacionamento virtual em rede, qualquer utilizador minimamente informado sabe que a expetativa de privacidade pode frustrar-se, pois é sempre possível que a informação que circule no grupo seja conhecida, quer por intrusão ilícita na mesma, quer por acesso indireto, através dos membros do grupo (que podem mostrar as mensagens a um terceiro).
Ou seja, a expetativa de privacidade nas redes on line, nunca poderá ser absoluta.
Mas é esperável, no âmbito de um grupo de restrito, privado e fechado, como era o caso, que se conte com a discrição dos seus membros.
Existe um princípio de confiança subjacente à circunstância de se ter optado por um grupo privado e fechado.
Ademais, sobre a “Política de privacidade do WhatsApp, pode ler-se nas suas definições:
«O respeito pela sua privacidade faz parte do nosso ADN. Desde que iniciámos o WhatsApp que foi nossa intenção criar os nossos Serviços com base em princípios de privacidade sólida.
(…)
As suas mensagens. Não guardamos as suas mensagens quando lhe prestamos os nossos Serviços. Assim que as suas mensagens (incluindo as conversas, fotografias, vídeos, mensagens de voz, ficheiros e informações de partilha da localização) são entregues, elas são eliminadas dos nossos servidores. As suas mensagens são armazenadas no seu próprio dispositivo. Se uma mensagem não puder ser entregue de imediato (por exemplo, se estiver offline), podemos mantê-la nos nossos servidores até 30 dias enquanto tentamos entrega-la. Se a mensagem não for entregue, após 30 dias será eliminada. Para melhorarmos o desempenho e entregarmos mensagens multimédia de uma forma mais eficiente, como quando uma fotografia ou vídeo popular está a ser partilhado por muitas pessoas podemos guardar esse conteúdo nos nossos servidores por mais tempo. Também oferecemos uma encriptação ponto a ponto nos nossos Serviços, que está ativada por predefinição quando o utilizador e as pessoas a quem envia mensagens utilizam uma versão da nossa aplicação após o dia 2 de abril de 2016. A encriptação ponto a ponto significa que as suas mensagens são encriptadas de forma a não poderem ser lidas por nós nem por terceiros»
Depreende-se do texto que o WhatsApp se trata de uma aplicação cujas mensagens apenas se destinam a ser visualizadas pelos seus destinatários.
Assim sendo, as mensagens do apelado no aludido grupo WhatsApp situar-se-iam no plano da clássica «esfera da vida privada (…), que abrange factos que cada um partilha com um núcleo limitado de pessoas» Acórdão da Relação do Porto citado., não estando em causa o «domínio inviolável e intangível da vida privada» Idem., mas também não estando em causa «a esfera da vida pública ou da vida normal de relação, envolvendo factos suscetíveis de serem conhecidos por todos, que respeita à participação de cada um na vida da coletividade.» Idem.
(…)
Nesta conformidade, tendo as mensagens em causa sido emitidas num ambiente privado, e tendo como destinatários os membros do grupo restrito, afigura-se-nos que as mesmas tem carácter pessoal e privado e, como tal, a apelante não poderia fazer uso de tais mensagens para efeitos disciplinares, porque tal lhe estava vedado pelo protegido direito de reserva da intimidade da vida privada e pela tutela legal e constitucional da confidencialidade da mensagem pessoal.

Dir-se-á ainda a este respeito, e quanto à situação concreta, que as mencionadas mensagens apenas tinham como destinatário K…, também trabalhador da Apelante, tratando-se, assim, de um núcleo de mensagens privado e fechado, composto apenas por duas pessoas, dele não fazendo parte como destinatária nem a Apelante nem a sua legal representante, não tendo estas criado ou participado em tal núcleo de mensagens.
Acresce que nem mesmo o destinatário de tais mensagens, em face do disposto no art. 78.º do Código Civil (aplicável a estes novos modelos de comunicação), poderia, de seu livre arbítrio, tornar públicas mensagens cujo grau de expectativa do seu emissor fosse a de que as mesmas se mantivessem na esfera privada.
Ora, no caso em apreço, não só não resultou provado que a referida troca de mensagens tivesse sido fomentada pela entidade empregadora ou que a mesma tivesse qualquer intervenção na mesma, sendo, por isso, facilmente presumível, atentas as regras da experiência comum e da normalidade da vida, que o Apelado tivesse a legítima expectativa de que tais mensagens se mantivessem privadas e secretas entre si e o respectivo destinatário, como, resulta, inclusive, do teor de tais mensagens a expressa manifestação dessa vontade por parte do Apelado[4].
Por outro lado, a alegada confissão do Apelado perante a legal representante da Apelante e duas testemunhas, quando foi confrontado com tais mensagens, de que foi ele próprio quem as enviou e que as mantinha, de nada serviria, em sede de julgamento, porque sendo nula a utilização de tais mensagens como meio de prova e não tendo o Apelado reproduzido expressa e directamente, nessa situação, às pessoas que se encontravam ali presentes, o seu teor, tendo-se limitado a dizer que as mantinha, sempre se desconheceria o seu teor, sendo, por isso, impossível ao tribunal averiguar do sua eventual gravidade.
Nesta conformidade, nesta parte, improcede na íntegra a pretensão da Apelante.
3) Insuficiência do pedido de indemnização
Conforma já se mencionou supra, importa apreciar se o pedido de indemnização formulado pelo Apelado se mostra ou não suficiente.
Consta, assim, dos articulados que o Apelado requereu ao tribunal a quo que a Apelante fosse condenada a pagar-lhe uma indemnização nos termos legais decorrentes da ilicitude do despedimento, a qual deveria ser fixada entre 15 e 45 dias com base na retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo ou fracção de antiguidade. Deste modo, o Apelado formulou um pedido de condenação da Apelante no pagamento de uma indemnização, em virtude da ilicitude do despedimento, entre um mínimo e um máximo, mas sem formular um valor concreto.
Ora, para além de ser possível formular pedidos genéricos nos termos do art. 556.º do Código de Processo Civil, na situação em apreço, não só o pedido de indemnização requerido, apesar de não ter um valor concreto, possui um mínimo e um máximo, como, resultando tal indemnização do disposto no art. 391.º, n.º 1, do Código do Trabalho, importa atentar que de tal disposição legal resulta expressamente que compete ao tribunal (e não ao trabalhador) determinar o montante indemnizatório “entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude”.
Pelo exposto, bem andou o tribunal a quo ao ter apreciado, nos termos do citado n.º 1 do art. 391.º do Código do Trabalho, o pedido de indemnização formulado e ao ter fixado, de acordo com os critérios estabelecidos nesse artigo, as bases de cálculo para apuramento do valor indemnizatório a atribuir ao Apelado.
Nesta conformidade, também nesta parte improcede a pretensão da Apelante.
4) Excessivo quantum indemnizatório
Segundo a Apelante, ainda que se entenda pela confirmação da sua condenação ao pagamento de uma indemnização ao Apelado, deverá a mesma ser reduzida pelo seu limite mínimo, uma vez que não se registou por parte da Apelante qualquer comportamento abusivo que justifique tais valores, contrariamente ao comportamento do Apelado, altamente difamatório e atentatório dos deveres de respeito e lealdade para com a sua entidade patronal.
Dispõe, sobre este assunto, o art. 391.º, n.º 1, do Código do Trabalho que:
1 - Em substituição da reintegração, o trabalhador pode optar por uma indemnização, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º

Apreciemos, então.
Na sentença recorrida, o tribunal a quo justificou o montante da indemnização atribuída nos seguintes termos:
Ter-se-á em conta a antiguidade do trabalhador, contada desde 04.03.2013 à data do despedimento em 06.09.2019, ou seja, 6 anos, 6 meses e 3 dias.
Verifica-se, por outro lado, que na fixação do valor de referência da indemnização por antiguidade relevam, por um lado, o valor da retribuição e, por outro, o grau da ilicitude.
Como referido no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06.07.2011 (proferido no processo nº 1584/07.8TTLSB.L1-4, acessível em www.dgsi.pt): “A referência à retribuição funciona como um factor de equidade na fixação do montante indemnizatório, de modo a evitar que a natural variação dos níveis de remuneração dos trabalhadores, em função da categoria, qualificação e responsabilidade profissional, possa introduzir desequilíbrios e desvirtuar o carácter ressarcitório da obrigação, que, por regra, deverá ter em conta também a situação económica do lesado – art. 494.º do Cód. Civil. Ao fazer intervir na medida da indemnização o grau de ilicitude do despedimento, o legislador parece ter pretendido distinguir o índice de censurabilidade que a conduta da entidade empregadora possa ter revelado no que se refere ao respeito pela dignidade social e humana do trabalhador visado”.
Na esteira do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.03.2008 (proferido no processo nº 07S050, acessível em www.dgsi.pt), a retribuição deverá ser um fator de variação inversa, ou seja, quanto menor for, mais elevada deve ser a indemnização; a ilicitude da conduta do empregador, constitutiva da justa causa, é um fator de variação direta, sendo mais elevada a indemnização quanto maior for a ilicitude.
Atendendo ao que se provou – que o autor auferia uma retribuição de valor médio, tendo em conta o panorama nacional, que se pauta, todavia, por remunerações reconhecidamente baixas, no confronto com o custo médio de vida – este fator aponta para a fixação da indemnização no respetivo ponto médio, ou seja, 30 dias.
No que se refere ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, verificamos que o mesmo é claramente elevado, tendo em conta a leviandade com que foram violados direitos fundamentais do trabalhador, o que aponta para a fixação da indemnização num ponto acima do valor médio da moldura.
Termos em que se afigura equilibrada a fixação da indemnização em 40 dias de retribuição base (ou seja: € 950,00 ÷ 30 × 40 = € 1.266,80) por cada ano completo de antiguidade ou fração (fixada até ao trânsito em julgado da presente decisão – o valor provisório será de € 8.244,61 {ou seja: [(€ 1.266,80 × 6 anos) + (€ 1.266,80 ÷ 12) × 6 meses) + (€ 1.266,80 ÷ 365 × 3 dias)]}.

Nos termos do citado artigo 391.º do Código do Trabalho, os critérios para fixação dos dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo são apenas dois:
a) o valor da retribuição; e
b) o grau de ilicitude do comportamento do empregador.
No caso em apreço, o salário auferido pelo Apelado (€950,00) situa-se próximo da média nacional, pelo que se revela adequado que aponte para a fixação da indemnização próxima do seu ponto médio, isto é, dos 30 dias.
Por outro lado, quanto ao grau de ilicitude do comportamento da Apelante, revela-se este significativamente elevado, uma vez que a entidade empregadora não teve o mínimo de respeito pela utilização, em processo disciplinar, de mensagens escritas, pessoais e privadas, do Apelado, as quais bem sabia não lhe terem sido enviadas e que foram produzidas no âmbito da vida privada do trabalhador, inclusive, fora da rede informática da Apelante, bem como de qualquer meio informático pertencente a esta. Deste modo, a Apelante violou, de forma manifesta, os princípios constitucionais de reserva da intimidade da vida privada e da confidencialidade das mensagens pessoais, pelo que se concorda com a fixação da indemnização em 40 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade ou fracção.
Nesta conformidade, improcede a pretensão da Apelante também nesta questão, mantendo-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.
Notifique.
Évora, 4 de Junho de 2020
Emília Ramos Costa (relatora)
Moisés Silva
Mário Branco Coelho
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[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Moisés Silva; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho.

[2] Vol. V, p. 143.

[3] E subscrito não só pela presente relatora, como pelo primeiro adjunto.

[4] Na mensagem enviada alegadamente pelo Apelado no dia 25-04-2019, às 10h37m, consta expressamente “Fica só entre nós”.