Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
190/16.0PBSTR-A.E1
Relator: BEATRIZ MARQUES BORGES
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 11/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1 - Em princípio, só a condenação em pena de prisão efetiva pode revelar que as finalidades que estiveram na base de uma decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas, pois a condenação em pena de multa ou em pena substitutiva supõe um juízo de prognose ainda favorável ao agente pelo tribunal da segunda condenação.

2 - Não podia o Tribunal a quo servir-se de um juízo de prognose favorável, para fundamentar um juízo de prognose desfavorável e nessa sequência revogar uma suspensão de pena anterior.

3 - É ilógica a revogação da suspensão com base na aplicação de uma pena de prisão também ela suspensa, porque o juízo de prognose favorável teve então de ser mais forte para, ainda assim, suspender posteriormente essas outras várias penas.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
1. Da decisão
No Processo Abreviado n.º 190/16.0PBSTR da Comarca de Santarém, Juízo Local Criminal de Santarém, Juiz 2, foi proferido despacho que decidiu a revogação da suspensão da execução da pena de dez meses de prisão, em que o arguido (...) havia sido condenado (por sentença proferida em 15.6.2016, transitada em 5.9.2010 e relativa a factos praticados em 29.2.2016), determinando-se o cumprimento da mesma.

2. Do recurso
2.1. Das conclusões do arguido
Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“2. O Tribunal a quo considerou que, no caso em apreço, a formulação de um juízo favorável ao Arguido está irremediavelmente comprometido, o Arguido não apresenta condições pessoais que com o mínimo de segurança e credibilidade permitam ao Tribunal formular um juízo de prognose favorável ao mesmo, no sentido de que o Arguido beneficiando da suspensão da execução da pena não voltará a praticar outros crimes.
3. Fundamentando tal decisão nos seguintes factos: Registo criminal do arguido, sendo que durante o período da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos cometeu três crimes, sendo dois de igual natureza.
4. Contudo, e apesar de tais factos corresponderem à verdade, não são os mesmos impeditivos de, no caso em concreto, (e salvo o devido respeito por melhor e superior entendimento) ser possível, ainda, fazer-se um juízo de prognose favorável no sentido de que o Arguido.
5. Beneficiando da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada nos presentes autos, não volte a praticar outros crimes.
6. Contudo, entende o ora Recorrente que deveria o Douto Tribunal a quo ter dado uma nova oportunidade ao ora Recorrente de, cumprindo com os termos de plano de reinserção social a implementar, se exmur ao cumprimento da pena de prisão a que foi condenado.
7. Efectivamente, no caso concreto, as condenações sofridas e referidas no Douto Despacho reportam-se à prática de crimes que remontam ao mês de Maio de 2017.
8. Ou seja, a crimes cometidos há mais de dois anos atrás.
9. Tendo o arguido sido já condenado em pena suspensa depois de se encontrar em cumprimento de pena de prisão efetiva, tendo o Coletivo do Tribunal de Santarém em Julho passado formulado juízo de prognose favorável relativamente ao arguido.
10. Por outro lado, a prática dos crimes pelos quais o Arguido foi condenado (quer a prática do crime pelo qual foi condenado nos presentes autos, quer os que foram praticados durante o período da suspensão) tiveram na sua génese a dependência do Arguido do consumo de produtos de estupefacientes.
10. Atualmente, e há mais de seis meses a esta parte, que o Arguido não consome qualquer produto estupefaciente, tendo voluntariamente abandonado tais consumos.
11. Tudo isto de livre e espontânea vontade.
12. O esforço do ora Recorrente de se manter "limpo" de drogas e afastado da criminalidade parece-nos, salvo o devido respeito por melhor opinião, bem evidenciado no percurso feito pelo Arguido nos últimos meses e que é merecedor de um juízo de prognose favorável, positiva, de que o Arguido será capaz de conduzir o seu futuro de acordo com as normas legais, não praticando crimes.
13. Pese embora, o Arguido se encontre preso preventivamente, mantém comportamento institucional adequado.
14. Todo o "trabalho" desenvolvido pelo Arguido nestes últimos meses no combate à sua toxicodependência e na luta à sua ressocialização, quer social quer profissional, ficará seriamente comprometido.
15. E disso não temos dúvidas, com a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos presentes autos.
16. É certo que o ora Recorrente encontra-se, atualmente, em cumprimento de pena, contudo encontra-se perto de atingir o marco dos dois terços.
17. Porém, e porque quer de facto, manter-se "limpo e livre" do consumo de quaisquer substancias estupefacientes o psicotrópicas.
18. Requerendo, ainda, como condição/Obrigação de tal substituição ser o ora Recorrente obrigado a efetuar a acompanhamento técnico.
19. Apetece-nos perguntar, então, se no caso em apreço o Arguido não merece uma nova oportunidade por parte do Tribunal - que arguido merecerá?'
20. Que circunstancias concretas deveria apresentar o caso em apreço para que o Arguido pudesse beneficiar da manutenção da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada?
21. Parece-nos, salvo o devido respeito que é sempre muitíssimo, que o Tribunal a quo, entendeu que o simples cometimento de um crime no período da suspensão e a respectiva condenação, são suficientes para se concluir que as finalidades que estavam na base daquela suspensão não foram alcançadas ...
22. A personalidade do arguido adequa-se perfeitamente à sua vivência em sociedade, sendo pessoa de trato fácil, e bem inserido familiarmente, não sendo conhecido pela sociedade como uma pessoa perigosa ou com laivos de perigosidade.
23. Ora, a pena deve respeitar os limites estabelecidos na lei, sendo feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, considerando-se a finalidade das penas indicada no artigo 40° do Código Penal, havendo ainda de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, possam depor a favor ou contra o arguido, nomeadamente, as exemplificadamente indicadas no artigo 71°, n° 2 do Código Penal.
24. Com efeito, toda a pena tem como suporte axiológico normativo uma culpa concreta, significando este princípio não só que não há pena sem culpa, mas também que a culpa decide da medida da pena, ou seja, a culpa não constitui apenas pressuposto e fundamento da validade da pena, mas afirma-se como limite máximo da mesma.
25. E, sendo que a pena, além de dever ser uma retribuição justa do mal praticada, deve contribuir para a reinserção social do agente, de modo a não prejudicar a sua situação senão naquilo que é necessário e deve dar satisfação ao sentimento de justiça e servir de elemento dissuasor relativamente aos elementos da comunidade - neste sentido Acórdão do STJ, de 24/11/93, in C. P. Anotado, Leal Henriques/Simas Santos, Vol. I, pág. 567 (Sublinhado nosso).
26. A condenação do arguido, ora recorrente, na revogação da suspensão da pena de prisão, não realiza, salvo o devido respeito, no caso concreto, nenhum dos fins das penas, como também não contribui para a reinserção social do ora Recorrente, bem pelo contrário como vimos.
27. Em consequência, em nome da Justiça e da Equidade impõe-se tendo em conta o caso concreto, a personalidade do arguido, as suas condições de vida e o esforço e vontade que demonstra em não voltar a praticar crimes e a tratar definitivamente o seu problema aditivo que a pena de prisão, deve manter-se suspensa na sua execução.
28. Razão pela qual, se impõe a revogação da decisão preferida nos presentes autos pelo Douto Tribunal de 1.ª Instância, e a sua substituição por outra que decrete a manutenção da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada, nos termos do art.° 56°, n" 1, alínea b) do CP e, ainda, nos termos do art. 50° Código Penal.
Nestes termos, e nos mais em Direito consentidos que vós, Venerandos Juízes Desembargadores, muito doutamente suprireis, se requer seja o presente RECURSO JULGADO PROCEDENTE nos, exatos termos, supra expostos, com todas as legais consequências que dai advenham.
Devendo assim, ser proferida DECISÃO QUE REVOGUE E SUBSTITUA A DECISÃO AGORA RECORRIDA, E EM CONSEQUÊNCIA MANTENHA A SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO a que o Arguido ora Recorrente foi condenado no âmbito do presente processo (…).”.


2.2. Das contra-alegações do Ministério Público
Motivou o Ministério Público defendendo o acerto da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos (transcrição):
“1. O recorrente foi condenado na pena de 10 meses de prisão, cuja execução foi suspensa por um ano, suspensão essa acompanhada com regime de prova, em harmonia com o disposto no artigo 53.º do Código Penal pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, e, no decurso do período de suspensão da execução da pena aplicada ao arguido nos presentes autos, o recorrente foi condenado, por decisão proferida no processo n.º 464/17.3PBSTR que correu termos neste Tribunal – Juízo Central Criminal 3, transitada em julgado a 23.09.2019, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão (em cúmulo jurídico) pela prática, entre outros de três crimes de condução de veículo sem habilitação legal;
2. Procedeu-se à audição do arguido, tendo este prestado declarações, desculpabilizando a sua conduta com o uso de estupefacientes (cocaína e heroína) e os efeitos que a mesma provoca nas pessoas;
3. O Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da pena;
4. Os fundamentos alegados pelo arguido em nada abalam os fundamentos em que se alicerçou o despacho recorrido, tanto mais que, pelo facto de o arguido não ser mais consumidor e ter bom comportamento no cumprimento na prisão preventiva e no cumprimento da pena, não significa que nos presentes autos não possa ser revogada a suspensão;
5. Preceitua, o artigo 56.º, número 1, alínea a) do Código Penal, que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o arguido infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social;
6. Não obteve sucesso no caso concreto a suspensão na sua função preventiva especial, não se tendo revelado aquela ameaça de pena suficiente para que o recorrente orientasse a sua conduta como se pretendia, na trilha desejável do comportamento socialmente integrado e legalmente conforme, já que do registo criminal resulta que continuou a adoptar comportamentos similares (três vezes) e pelos quais foi condenado.
7. As finalidades preventivas, ínsitas nos artigos 50.º, número 1 in fine e 40.º, número 1, ambos do Código Penal, que sustentaram a decisão de suspensão estão, irreversivelmente, comprometidas;
8. O discurso do arguido foi, uma vez mais, no sentido da desculpabilização do seu comportamento escudando-se no uso de estupefacientes, revelando, como os demais factos pelos quais veio a ser condenado no decurso da suspensão da pena de prisão aplicada, o insucesso da pena substitutiva que lhe foi aplicada na realização das finalidades de ressocialização do agente;
9. A conduta do arguido perante a Justiça não alterou apesar de todos os meios de apoio que foram colocados ao dispor do arguido, com vista à sua ressocialização;
10. A decisão recorrida não violou qualquer norma jurídica, antes efectuou uma correcta aplicação das normas contidas nos artigos 40.º, 50.º, 55.º e 56.º, n.º1, alínea a) do Código Penal e deverá, pois, ser mantida a decisão recorrida.”.

2.3. Do parecer do MP em 2.ª instância
Na Relação o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser julgada a improcedência total do recurso interposto pelo arguido.

2.4. Da tramitação subsequente
Foi observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Objeto do recurso
De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95 o objeto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respetiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

2. Questão a examinar
Analisadas as conclusões de recurso a questão a conhecer é:
- Apreciar se a revogação da suspensão da pena de prisão não realizou o fim das penas nem contribuiu para a reinserção social do arguido.
3. Apreciação
3.1. Da decisão recorrida
Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra decidido pela instância recorrida (transcrição):
“Nos presentes autos, por sentença (cfr. fls. 81 a 87), transitada em julgado em 05 de Setembro de 2016 (cfr. fls. 101), o arguido (…), foi condenado na pena de 10 meses de prisão, cuja execução foi suspensa por um ano, suspensão essa acompanhada com regime de prova, em harmonia com o disposto no artigo 53.° do Código Penal.
Entretanto, no decurso do período de suspensão da execução da pena aplicada ao arguido nos presentes autos, o mesmo foi condenado, por decisão proferida no processo n.? 464/17.3PBSTR que correu termos neste Tribunal - Juízo Central Criminal 3, transitada em julgado a 23.09.2019, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão (em cúmulo jurídico) pela prática, entre outros de três crimes de condução de veículo sem habilitação legal.
Os factos por cuja prática o arguido foi condenado no referido processo foram praticados nos dias 16 de Abril de 2017, 06 e 08 de Maio de 2017 ou seja, durante o prazo de suspensão da execução da pena que lhe foi imposta no presente processo.
Preceitua o artigo 56.°, n.? 1, alínea b) do Código Penal que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam ser, por meio dela, alcançadas.
Conforme decorre inequivocamente da leitura do normativo legal transcrito, a simples condenação por crime doloso cometido durante o período de suspensão da execução da pena não implica automaticamente a revogação dessa suspensão, sendo necessário que, com o cometimento do novo crime, o arguido revele que as finalidades que estavam na base daquela suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Assim, tendo como assente que a revogação da suspensão da execução da pena de prisão nunca é uma consequência automática da conduta do condenado e sempre depende da constatação de que as finalidades da puruçao se encontram comprometidas, a fazer mediante as diversas indagações que se julguem pertinentes no pressuposto de que a prisão constitui sempre ultima ratio, foram tomadas declarações ao arguido nos termos do artigo 495.° n.º 2 do Código Processo Penal.
Assim, com tal comportamento, o arguido demonstrou um total desinteresse pela condenação a que foi sujeito e que a mesma não foi suficiente para dizer que o arguido interiorizou o desvalor da conduta.
Ora, o arguido reiterou, por três vezes, na prática do mesmo crime durante o período da suspensão, verificando-se assim que os objectivos que estiveram subjacentes à suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido não foram, de todo em todo, alcançados, através de tal suspensão, já que a mesma não foi suficiente para fazer com que o mesmo não voltasse a delinquir e a conseguir interiorizar o desvalor da sua conduta.
Não desconhecemos que a revogação da suspensão da pena de prisão tem carácter de ultima ratio. Todavia, e no caso vertente, trata-se de uma análise conjunta de todo o comportamento do arguido. O comportamento do arguido revela que este apresenta uma falta de consciência crítica perante à actividade ilícita. O arguido apresenta um alheamento absoluto da responsabilidade pela condenação sofrida e indiferença pela gravidade intrínseca do seu comportamento, o que traduz um ostensivo e reiterado desrespeito pelos valores tutelados pelas normas jurídicas violadas.
Afigura-se-nos que, a esperança de, por meio da suspensão, manter o arguido afastado da criminalidade, foi totalmente gorada. A verdade é que o arguido reiterou na prática do mesmo crime, e com este comportamento o arguido infirmou o juízo de prognose que esteve subjacente à suspensão da execução da pena em que foi condenado. Ao voltar a delinquir o arguido revelou uma personalidade desconforme ao Direito.
Trata-se de uma violação grosseira, ostensiva e injustificada da condição imposta. Face ao exposto, e em suma, conclui-se que, com o seu comportamento o arguido infirmou o juízo de prognose que esteve subjacente à suspensão da execução da pena em que foi condenado.
Assim sendo, ao abrigo do disposto no artigo 56.° n.º 1 alínea b) do Código Penal, decido pela revogação da suspensão da execução da pena em que o arguido (...) foi condenado nestes autos, determinando-se o cumprimento da mesma.
Notifique. Após trânsito;
Remeta boletim ao registo criminal;
Comunique ao estabelecimento prisional onde o arguido se encontra em cumprimento de pena à ordem de outro processo.
Oportunamente requisite CRC actualizado do arguido.”.

3.2. Da apreciação do recurso interposto pelo arguido
Pretende o recorrente a alteração do despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, dando-se-lhe uma nova oportunidade.
Alega terem as condenações, que conduziram à revogação da suspensão da pena de prisão, sido praticadas há mais de dois anos e em julho de 2019 o tribunal já emitira um juízo de prognose favorável à sua libertação. Acresceria que os crimes cometidos teriam sido cometidos numa altura em que estava dependente de drogas e à data já havia ultrapassado tal situação.
Estando preso preventivamente com comportamento adequado a sua inserção social, trato fácil e não perigoso, aconselhariam a manutenção da suspensão que contribuiria para a sua reinserção social e serviria como elemento dissuasor perante os membros da comunidade.
Vejamos.
O arguido foi condenado, em 15 de junho de 2016, numa pena de dez meses de prisão suspensa na sua execução por um ano, pela prática de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal. Esta decisão transitou em julgado no 5.9.2016 e reporta-se a factos praticados em 29.2.2016.
Em 16 de abril de 2017, 6 e 8 de maio de 2017 o recorrente cometeu três novos crimes de condução sem habilitação legal. Pela prática destes três crimes e de quatro furtos qualificados foi condenado, no processo 464/17, na pena única de três anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução por igual período.


No despacho recorrido, para se fundamentar a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, apenas se faz referência ao citado processo 464/17 e não a quaisquer outros.
Nos apontados autos 464/17, como foi atrás mencionado, a pena aplicada foi suspensa na sua execução e, para além de ser posterior à deste processo, assenta num juízo de prognose favorável mais recente.
Não podia, contudo, o Tribunal a quo servir-se de um juízo de prognose favorável, para fundamentar um juízo de prognose desfavorável e nessa sequência revogar uma suspensão de pena anterior.
Em princípio, só a condenação em pena de prisão efetiva pode revelar que as finalidades que estiveram na base de uma decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas, pois a condenação em pena de multa ou em pena substitutiva supõe um juízo de prognose ainda favorável ao agente pelo tribunal da segunda condenação (cf. neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque, "Comentário do Código Penal", 2015, 3.ª ed. atualizada, pág. 317, anot. 8 ao art.º 56.º; e M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio, "Código Penal, Parte geral e especial, com notas e comentários", Almedina, 2018, pág. 382, anot. 1 ao mesmo preceito legal).
Como se salienta no ac. TRL de 12-4-2012, CJ, 2012, II-135: o cometimento de novo crime no período de suspensão da execução da pena sancionado com pena de prisão novamente suspensa, significa não se terem frustrado as finalidades de ressocialização em liberdade que presidiram à suspensão inicial e, por isso, não deve ser revogada. De outro modo, o sistema de aplicação das penas tornar-se-ia incoerente.
Com idêntico entendimento podem ser consultados: o Acórdão do TRC de 28.3.2012, proferido no processo 29/09.3GAAVZ-A.C1, relatado por Olga Maurício; o Acórdão do TRP de 2.12.2009, no proc. 425/06.8PTPRT.P1, relatado por Manuel Soares; o Acórdão do TRE de 6.1.2015, proferido no processo 23/08.1GCFAR.E1 em que foi relatora Ana Barata de Brito, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.; o Acórdão da RP de 9.12.2015 publicado na CJ, 2015, V-202.
É ilógica a revogação da suspensão com base na aplicação de uma pena de prisão também ela suspensa, porque o juízo de prognose favorável teve então de ser mais forte para, ainda assim, suspender posteriormente essas outras várias penas.
Por outras palavras revogar a suspensão anterior com base em várias outras penas suspensas posteriores levaria ao absurdo de se acolher a ideia de quanto maior e mais atual é o juízo de prognose favorável mais motivos haveria para considerar que, afinal, no processo em apreciação, menor seria o juízo de prognose favorável.
Para a revogação da suspensão interessa apenas o que se passou depois da suspensão e não antes, sendo certo que o despacho recorrido apenas remete para a sentença proferida no processo 464/17.
Assim, se o tribunal que julgou o processo 464/17, entendeu dispor de elementos que lhe permitiram manter um prognóstico favorável, não decretando a prisão efetiva, não há razão para subverter esse prognóstico neste processo 190/16.
Tem, assim, o recorrente razão.

III. DECISÃO
Nestes termos e com os fundamentos expostos:
1. Concede-se provimento ao recurso interposto pelo arguido, revogando-se a decisão recorrida, mantendo-se consequentemente suspensa a execução da pena nos termos declarados na sentença proferida nos presentes autos.
2. Sem custas.

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP consigna-se que o presente Acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelos signatários.
Évora, 10 de novembro de 2020.

Beatriz Marques Borges - Relatora
Martinho Cardoso