Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
50/19.3T8LAG-F.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: PLANO DE INSOLVÊNCIA
PLANO DE PAGAMENTO
EMPRESÁRIO
Data do Acordão: 06/25/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O insolvente que não seja empresário não pode apresentar plano de insolvência mas apenas um plano de pagamentos.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 50/19.3T8LAG-F.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

Foi decretada a insolvência, por sentença de 18 de Outubro de 2019, de (…).
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O insolvente apresentou um plano de insolvência.
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Foi então proferido o seguinte despacho:
«O insolvente vem apresentar plano de insolvência ao abrigo do disposto no artigo 192.º do CIRE.
«O requerente é pessoa singular declarada insolvente por decisão proferida a 18 de Outubro de 2019.
«Não foi alegado, nem resulta dos autos que o devedor insolvente seja, ou tenha sido, empresário nos últimos três anos de uma grande empresa, situações às quais seria aplicável a possibilidade de apresentação de um plano de insolvência, como decorre, pela negativa, do regime previsto nos artigos 249.º e 250.º do CIRE.
«Por essa razão está-lhe vedada a possibilidade de apresentação de plano de insolvência a que aludem os artigos 192.º e seguintes do CIRE.
«Em face do exposto, por inadmissibilidade legal, indefiro ao plano de insolvência apresentado pelo devedor insolvente».
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Deste despacho recorre o insolvente alegando:
O Recorrente não preenchia os requisitos para apresentar um Plano de Pagamentos, pelo que, em alternativa, veio apresentar um Plano de Insolvência, ao abrigo do disposto no (Art.sº 192.º e ss do CIRE).
O plano de insolvência deve aplicar-se a qualquer devedor, incluindo-se pessoas singulares.
O Recorrente tem legitimidade de apresentar o seu plano de insolvência, o qual devia ter sido admitido pelo Tribunal a quo, ao abrigo do disposto no Art.º 193.º, n.º 1, do CIRE. O CIRE menciona o “devedor”, ou seja, nada na letra da lei indica restrições sobre quem tem legitimidade para a apresentação de um plano de insolvência. Entende o Recorrente que deverá proceder-se a uma interpretação extensiva da lei e não restritiva, pois só assim se garante a proteção dos interesses, quer do devedor, quer dos credores.
O Recorrente sempre estaria em tempo para apresentar o plano de insolvência.
Não sendo admissível, in casu, o plano de pagamentos no regime próprio dos devedores não titulares de empresas, sempre se imporia mandar seguir os trâmites de um plano de insolvência, permitindo, dessa forma, por via de uma eventual recuperação em vez de uma imediata liquidação, e mediante a aprovação dos credores, assegurar o direito destes, no respeito dos direitos do Insolvente, em situação similar ao que acontece com os devedores titulares de empresa, sob pena de, não o fazendo, se subverter o sentido dos mencionados normativos, que até pretendem salvaguardar mais aqueles, e, como tal, violando os princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana.
Invoca-se expressamente a inconstitucionalidade, por violação de tais princípios, da interpretação normativa segundo a qual nos processos de insolvência de pessoas singulares na acepção do n.º 1 do art.º 193.º do CIRE, não é admissível a apresentação de plano de insolvência.
Nesse sentido milita ainda o facto de, do lado dos credores, estarem em causa apenas direitos disponíveis, e, como tal, sendo de admitir que os mesmos possam a todo o tempo considerar e aceitar determinada proposta de pagamento dos respetivos créditos apresentada pelo devedor Insolvente.
Pelo que, violou o Tribunal a quo, o disposto no Art.º 193.º, n.º 1, do CIRE.
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O recorrente foi declarado insolvente porque, tendo dado o seu aval numa livrança, não realizou o seu pagamento nem dispõe de património suscetível de responder pela dívida sendo o seu passivo superior ao ativo.
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O recorrente começa por afirmar que não preenchia os requisitos para apresentar um plano de pagamentos (tinha de ser apresentado pelo devedor, ou no momento em que se apresenta à insolvência, ou, não tendo sido dele a iniciativa desse processo, no prazo da contestação, em alternativa a esta); pelo que, em alternativa, apresentou um plano de insolvência.
Defende que qualquer devedor pode apresentar este plano pois que o preceito que confere legitimidade ao devedor (art.º 193.º) não indica quaisquer restrições neste campo. Isto contraria o disposto nos art.ºs 249.º e 250.º tendo em conta que estes limitam a legitimidade de quem possa apresentar um plano de insolvência, reduzindo-a, no caso do devedor, apenas para “titular da exploração de qualquer empresa nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência”.
A contradição apontada é aparente.
O que se passa é que a lei apresenta um regime substantivo diferente para pessoas singulares que não sejam empresários (não tenha sido titular de qualquer empresa nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência» ou que não tenha dívidas laborais, os seus credores não sejam mais de 20 e o seu passivo não ultrapasse € 300.000,00) do que aquele que estabelece para as demais pessoas singulares ou colectivas.
Por isso se compreende que neste caso a lei expressamente recuse a aplicação dos preceitos respeitantes à inadmissibilidade de plano de insolvência e à administração pelo devedor (artigo 250.º; é esta, precisamente, a epígrafe do preceito). Com base neste entendimento, a jurisprudência é uniforme no sentido de as pessoas singulares declaradas insolventes e que não sejam empresários não poderem apresentar um plano de insolvência (neste preciso sentido, o ac. da Relação de Coimbra, de 7 de Setembro de 2010; veja-se, também, o ac. da Relação de Guimarães, de 12 de Julho de 2016, e o da Relação do Porto, de 13 de Outubro de 2015) mas apenas um plano de pagamentos (art.ºs 251.º e segs., CIRE).
Em sentido contrário pode apontar-se (e assim faz o recorrente) a opinião de Luís Carvalho Fernandes e João Labareda em anotação ao art.º 192.º (ao distinguirem o plano de insolvência das anteriores providências de recuperação de empresa). Escrevem estes autores: «o plano de insolvência assume carácter universal, podendo ser usado independentemente da natureza do devedor, seja ele ou não titular de uma empresa» (CIRE Anotado, 3.ª ed., QJ, Lisboa, 2015, p. 704). E não fazem, como também nota o recorrente, qualquer alusão aos art.ºs 249.º e 250.º. Mas é opinião que não tem assento legal como bem decorre destes últimos preceitos.
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Não obstante isto, defende ainda que, não sendo admissível, in casu, o plano de pagamentos no regime próprio dos devedores não titulares de empresas, sempre se imporia mandar seguir os trâmites de um plano de insolvência. Mas não porque já se viu que este plano é reservado a empresários.
Não vemos lei que assim o imponha ou, sequer, o permita. Pelo contrário, temos lei que o não permite.
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Por último, alega que aqueles preceitos, na interpretação segundo a qual nos processos de insolvência de pessoas singulares na acepção do n.º 1 do art.º 193.º do CIRE, não é admissível a apresentação de plano de insolvência, violam os princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana.
Mas não é assim. A diferença de regimes de insolvência entre empresários e não empresários radica exactamente no facto de as situações serem diferentes e demandarem soluções também diferentes entre si. A Constituição não impõe que a lei seja toda igual para qualquer caso nem o poderia fazer. O que a Constituição não permite é que se apliquem regimes diferentes a situações iguais – mas este não é o nosso caso.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pelo recorrente.
Évora, 25 de Junho de 2020
Paulo Amaral
Rosa Barroso
Francisco Matos

Sumário:
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