Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
139/22.1GTABF.E1
Relator: GOMES DE SOUSA
Descritores: CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
PENA DE PRISÃO
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Data do Acordão: 03/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. A execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes (artigo 42.º/1 CP).
II. A pena concreta deve fixar-se dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração - entre o ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos -, podendo e devendo atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo estes em último termo que a determinarão.
III. A pena concreta deverá, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade. Só deste modo e por esta via se alcançará a eficácia ótima de proteção dos bens jurídicos vulnerados.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório

No Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo Local Criminal ..., J... - correu termos o processo abreviado supra numerado, no qual é arguido:

AA, solteiro, nascido a .../.../1969, natural de ..., filho de BB e de CC, jardineiro, residente na Quinta ..., ... – ...,

imputando-lhe factos passíveis de integrar a prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro.


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Por sentença de 03-11-2022, na mesma data depositada, decidiu o tribunal recorrido:

a) CONDENAR o arguido AA, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 10 (dez) meses de prisão.

b) CONDENAR o arguido no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC, reduzida a metade, nos termos dos arts. 344.º, n.º 2, al. c), 513.º, n.º 1, e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e no art. 8.º, n.º 9, e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.


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Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões:

1. O Arguido foi condenado, como autor material de um crime de condução sem habilitação legal, previso e punido pelo artigo 3.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de janeiro, na pena de 10 (dez) meses de prisão;
2. O Arguido, ora Recorrente, entende que, face á factualidade dada como provada em juízo e ao Direito aplicável, a pena aplicada revela-se manifestamente excessiva.
3. Nos termos do artigo 3.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 3/98 de 3 de janeiro, ao crime de condução de veículo sem habilitação legal, corresponde uma pena de prisão de até 1 (um) ano ou pena de multa até 120(cento e vinte) dias.
4. O Mmº Juiz “a quo” entendeu que a pena de prisão pelo período de 10 meses afigurava-se adequada e suficiente ao caso concreto.
5. Atento o disposto no artigo 71.º do C.P., na fixação da medida da pena é necessário relacionar a culpa, a prevenção geral e a prevenção especial, tendo sempre em conta as circunstâncias agravantes e atenuantes, sob pena de se frustrarem as finalidades da punição, ou seja, a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
6. O Mmº Juiz a “quo” considerou que, pese embora o Arguido já tenha sofrido anteriores condenações pela prática de crime idêntico, já tendo sido inclusive condenado em prisão efetiva, não o impediram de praticar novos factos.
7. Considerou ainda o Mmº Juiz “ a quo” que tendo em conta as circunstâncias do caso em apreço, não era possível aplicar outras penas de substituição nem considerou a aplicabilidade da Pena de Prisão executada em Regime de Permanência na Habitação ainda que sem possibilidade de ausência para laborar.
8. O Arguido confessou, de forma espontânea e objetiva, os factos, colaborou com o Tribunal e revelou arrependimento.
9. Ficou ainda provado, conforme resultou das declarações do Arguido, que este trabalha como jardineiro, no entanto como não dispõe de título de condução, o mesmo conta com o auxílio de um colega de trabalho para, quando necessário, conduzir e transportá-lo aos locais onde realiza serviços e onde trabalha.
10. Afirmou ainda o Arguido que tem a mota para venda e que comprou uma bicicleta elétrica para se locomover sem incorrer em qualquer ilícito.
11. Não obstante ter crescido num contexto familiar atípico, o Arguido conseguiu conquistar a sua autonomia e independência financeira, residindo com a progenitora e esta ajudando nos demais afazeres.
12. Provou-se em sede de audiência de discussão e julgamento, que o arguido se encontra inserido, familiar, profissional e socialmente e confessou integralmente sem reservas a prática do crime.
13. Em sede da audiência de discussão e julgamento, foi solicitado à DGRSP, relatório social acerca das condições sociais, pessoais e económicas do Arguido, o qual foi bastante positivo, pois constatou-se que;
14. Em termos sociais e pessoais, o Arguido vive com a mãe, em casa térrea arrendada, detentora de adequadas condições de habitabilidade e sedeada em ..., encontrando-se a dinâmica relacional no seio familiar descrita como afetivamente investida e assente na normatividade relacional.
15. A irmã, residente em ..., tem vindo a constituir-se um importante pilar em termos relacionais e de apoio para o Arguido.
16. O Arguido tal como consta do relatório social, aos 20 anos de idade viria a registar uma reversão completa nos diferentes domínios da sua vida, altura compatível com o iniciar do consumo abusivo de estupefacientes, e subsequente processo de dependência.
17. O mesmo viria assim a estar na origem de diferentes contactos com o sistema da justiça, alguns pela prática de crimes da mesma tipologia ora em apreço, cumprindo, ao longo dos anos, algumas penas privativas de liberdade.
18. No cumprimento da sua última pena de prisão, o Arguido cessou o consumo de estupefacientes mantendo-se abstinente desde então, tendo como pilar a sua Irmã com quem confidencia e que o ajuda a caminhar na direção certa, estando em abstinência há já três anos!
19. Mais nos diz o relatório social do Arguido, que o mesmo padece de vários problemas, sendo acompanhado em diversas especialidades como médica de família e pneumologia.
20. Aliás é o Arguido pessoa de risco na contração do vírus Sars Cov 2, tendo de ter cuidados redobrados.
21. Resulta por fim do relatório social, que o Arguido aceita a intervenção do sistema de justiça e verbaliza compreensão e respeito pelos bens jurídicos em causa no tipo de crime em apreço.
22. Para além disto, dispõe ainda o Arguido, de enquadramento laboral, estabilidade económica e apoio familiar, o que a par da manutenção do quadro de abstinência, são passíveis de se constituírem como importantes fatores facilitadores do seu atual processo de reinserção.
23. O Arguido apresenta consciência crítica e responsabilidade pessoal.
24. O peso atribuído a estes factos e ao narrado no relatório da DGRSP junto aos autos deveria ter sido diferente, no sentido de aproximar a punição para uma pena ainda que Privativa da Liberdade no entanto em regime de Permanência na Habitação sem regime de ausência.
25. Uma vez que existe um distanciamento temporal entre os factos pelos quais o Arguido foi condenado em processos anteriores e os factos sub iudice, não deveria o Mmº Juiz “a quo” ter considerado tais antecedentes como agravantes e, acima de tudo, impeditivos da aplicação de uma pena privativa da liberdade em regime de permanência na habitação.
26. Consideramos a conduta do arguido, pese embora não seja primário na prática de crimes da mesma natureza, a verdade é que o fez devido a uma situação de força maior – para poder trabalhar- revelou sincero arrependimento pelo seu comportamento e mostra-se totalmente consciente da gravidade da sua conduta;
27. O Recorrente revelou a intenção de adotar um comportamento conforme o direito, uma vez que já tem o motociclo à venda, e tendo intenção de tirar a carta de condução, estando totalmente integrado e ressocializado na sociedade, pelo que se pode fazer um juízo de prognose favorável, no sentido de que a pena de prisão executada em regime de permanência na habitação será o bastante para aplacar as necessidades de prevenção geral e especial, e o bastante para repelir futuras condutas.
28. A sentença proferida nestes autos, viola assim por excesso, várias normas e princípios reguladores e estruturantes do Direito Penal.
29. Viola ainda o Tribunal a quo o imposto sobre a condenação do Arguido em Pena de Prisão executada em Estabelecimento Prisional, quando existem outras formas de evitar que não cometa mais crimes, especialmente nas teorias positivas que demonstram nas finalidades da punição que não seja feita em excesso, por consideração da culpa e das próprias finalidades da condenação e da pena a aplicar.
30. Assim sendo, considera-se que se violou o disposto no artigo 71.º n.º 2 do Código Penal e, por conseguinte, deverá ser alterada a pena de prisão executada em estabelecimento prisional pelo crime de condução sem habilitação legal, considerando-se adequada e suficiente a aplicação de pena de prisão executada em regime de permanência na habitação sem regime de ausência.
Termos em que e nos demais de Direito, deve ser dado provimento ao recurso, e em consequência ser o Arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º n.º 1 do Decreto Lei n.º 2/98 de Janeiro, sendo-lhe aplicada a Pena de Prisão em Regime de Permanência na Habitação.

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A Digna magistrada do Ministério Público no tribunal recorrido respondeu ao recurso defendendo o decidido, sem conclusões.

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O Exmº Procurador-geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Foi cumprido o disposto no artigo 417 n.º 2 do Código de Processo Penal.


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B - Fundamentação

B.1.1 - O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:

1. Em 9 de Maio de 2022, pelas 19H40, o arguido conduzia o ciclomotor de matrícula ..-OL-.., na Estrada Nacional ..., ao ..., em ..., área desta comarca, sem que possuísse qualquer título válido para o efeito.
2. Bem sabia, o arguido, que não lhe era permitido conduzir o referido veículo na via pública sem que para tal se encontrasse habilitado com a respectiva carta de condução, porém, querendo exercer a condução, não se absteve de praticar tais factos.
3. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei penal.
4. O arguido confessou integralmente os factos.
5. O arguido conduziu o ciclomotor referido em 1 porque não o foram buscar para o trabalho.
6. O arguido consentiu no cumprimento de pena de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica.
Das condições pessoais:
1. O arguido estudou até à 3ª classe.
2. É solteiro, tendo um filho com 29 anos de idade.
3. Aos 20 anos de idade o arguido iniciou o consumo abusivo de estupefacientes (heroína) e subsequente processo de dependência, que viria a estar na origem de diferentes contactos com o sistema de justiça, cumprindo ao longo dos anos cinco penas privativas de liberdade, ocorrendo a sua primeira reclusão aos 22 anos de idade.
4. No cumprimento da última pena de prisão, iniciada a 23/06/2016, o arguido cessou o consumo de estupefacientes, mantendo-se abstinente desde então.
5. O arguido foi colocado em liberdade 14/04/2020 na sequência da aplicação do perdão de pena.
6. Após a sua libertação AA passou a residir com a progenitora, em casa arrendada no valor de € 350,00 mensais, e integrou o mercado de trabalho, inicialmente no sector da construção civil e, desde há cerca de 2 anos, no sector da jardinagem, na empresa M..., Lda., enquadramento que mantém na actualidade.
7. O arguido sai da habitação pelas 7h30 horas e regressa pelas 19h00 horas, de segunda a sábado, tendo como único dia de folga o domingo, desenvolvendo a actividade profissional em diversos locais, consoante as necessidades da entidade patronal.
8. O arguido aufere um salário de €832.19/mês e a mãe uma reforma no valor de cerca de €500.00/mês.
9. Em termos de saúde, o arguido é acompanhado em diversas especialidades – médica de família e pneumologia.
10. A dinâmica relacional do arguido no seio familiar é descrita como afectivamente investida, sendo que a irmã, residente em ..., tem vindo a constituir-se um importante pilar em termos relacionais e de apoio daquele.
11. O arguido apresenta consciência crítica sobre os factos em causa.
12. A habitação do arguido reúne as condições para recurso a meios de vigilância electrónica e as pessoas maiores de 16 anos que com ele coabitam prestaram o seu consentimento.

Dos antecedentes criminais:
13. O arguido foi condenado:
13.1. No processo n.º ...1, que correu termos no ... Juízo do Tribunal Judicial ..., por decisão de 14.01.1992, pela prática a 19.02.1990 de um crime de receptação, na pena de prisão de 2 anos, suspensa na sua execução.
13.2. No processo n.º ...2, que correu termos no ... Juízo do Tribunal do Círculo ..., por decisão de 7.4.1992, pela prática a 2.9.1991 de um crime de furto qualificado, na pena de prisão de 18 meses, suspensa pelo período de 3 anos.
13.3. No processo n.º ...2, que correu termos no ... Juízo do Tribunal Judicial ..., por decisão de 5.6.1992, pela prática a 5.06.1992 de um crime de condução sem carta, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 200$00.
13.4. No processo n.º ...2, que correu termos no ... Juízo do Tribunal Judicial ..., por decisão de 19.03.1993, pela prática a 27.8.1992 de um crime de furto qualificado, na pena de prisão de 3 anos.
13.5. No processo n.º 159/93...., que correu termos no ... Juízo do Tribunal Judicial ..., por decisão transitada em julgado a 16.06.1993, pela prática a 15.5.1998 de um crime de furto de uso de veículo, na pena de prisão de 8 meses.
13.6. No processo n.º ...3, que correu termos no ... Juízo do Tribunal Judicial ..., por decisão de 14.01.1994, pela prática a 3.7.1992 de um crime de furto qualificado, na pena de prisão de 16 meses.
13.7. No processo n.º ...3, que correu termos no ... Juízo do Tribunal Judicial ..., por decisão de 21.º6.1994, pela prática a 8.6.1992 de um crime de furto qualificado e de um crime de introdução em lugar vedado ao público, na pena única de prisão de 2 anos.
13.8. No processo n.º 265/98...., que correu termos no ... Juízo do Tribunal Judicial ..., por decisão de 12.03.1999, pela prática a 10.5.1998 de um crime de furto qualificado, na pena de prisão de 2 anos e 6 meses de prisão.
13.9. No processo n.º 288/98...., que correu termos no ... Juízo do Tribunal Judicial ..., por decisão de 12.05.1999, pela prática a 20.5.1998 de um crime de detenção e uso de arma proibida, na pena de prisão de 7 meses de prisão.
13.10. No processo n.º 345/98...., que correu termos no 4. º Juízo do Tribunal Judicial ..., por decisão de 26.02.1999, pela prática a 11.7.1998 de um crime de furto qualificado e um crime de consumo de estupefacientes, na pena única de prisão de 5 anos e 3 meses de prisão.
13.11. No processo n.º 294/98...., que correu termos no ... Juízo do Tribunal Judicial ..., por decisão transitada em julgado a 12.04.2000, pela prática a 23.05.1998 de um crime de furto qualificado, na pena de prisão de 1 ano suspensa pelo período de 3 anos.
13.12. No processo n.º 298/98...., que correu termos no ... Juízo do Tribunal Judicial ..., por decisão transitada em julgado a 02.05.2001, pela prática a 23.05.1998 de um crime de furto qualificado, na pena de prisão de 2 anos e 9 meses de prisão.
13.13. No processo n.º 145/02...., que correu termos do Tribunal Judicial ..., por decisão transitada em julgado a 21.11.2003, pela prática a 23.08.2002 de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 210 dias de multa, à taxa diária de €2,50.
13.14. No processo n.º 1071/03...., que correu termos no ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial ..., por decisão transitada em julgado a 04.06.2004, pela prática a 19.01.2004 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 210 dias de multa, à taxa diária de €2,50.
13.15. No processo n.º 1066/03...., que correu termos no ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial ..., por decisão transitada em julgado a 12.07.2005 de três crimes de furto qualificado, praticados a 18.12.2003, a 20.12.2003 e 22.12.2003, três crimes de condução de veículo sem habilitação legal praticados a 26.12.2003 e 26.01.2004, dois crimes de desobediência qualificada, praticados a 26.12.2003, e de um crime de condução perigosa de veículo automóvel praticado a 26.12.2003, na pena de 10 anos de prisão.
13.16. No processo n.º 1094/03...., que correu termos no ... Juízo do Tribunal Judicial ..., por decisão transitada em julgado a 15.09.2005, pela prática a 16.12.2003 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €3,00.
13.17. No processo n.º 108/04...., que correu termos no ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial ..., por decisão transitada em julgado a 29.09.2005, pela prática a 25.01.2004 de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de desobediência, na pena única de 168 dias de multa, à taxa diária de €2,00.
13.18. No processo n.º 49/15...., que correu termos no Juiz ... da Instância Local Criminal ..., por decisão transitada em julgado a 03.07.2015, pela prática a 23.04.2015 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 10 meses de prisão, suspensa pelo período de 1 ano.
13.19. No processo n.º 673/15...., que correu termos no Juiz ... da Instância Local Criminal ..., por decisão transitada em julgado a 20.04.2016, pela prática a 11.09.2015 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 11 meses de prisão.
13.20. No processo n.º 26/16...., que correu termos no Juízo de Competência Genérica ..., por decisão transitada em julgado a 8.04.2016, pela prática a 16.12.2016 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 12 meses de prisão, substituída por 360 horas de trabalho a favor da comunidade.
13.21. No processo n.º 68/16...., que correu termos no Juízo de Competência Genérica ..., por decisão transitada em julgado a 01.06.2017, pela prática a 07.05.2016 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão.
13.22. No processo n.º 48/16...., que correu termos no Juízo de Competência Genérica ..., por decisão transitada em julgado a 7.11.2016, pela prática a 28.03.2016 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 13 meses de prisão, tendo sido posteriormente efectuado neste processo o cúmulo entre esta pena e as penas aplicadas nos processos 26/16...., 673/15...., fixando-se a pena única em 21 meses de prisão.
13.23. No processo n.º 2916/16...., que correu termos no Juízo Local Criminal ... – J..., por decisão transitada em julgado a 25.10.2017, pela prática a 24.10.2016 de um crime de falsidade de testemunho, na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de € 5,00.
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B.1.2 – Factos não provados: inexistem.

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B.1.3 – E apresentou a seguinte motivação de facto:

«A convicção do Tribunal quanto à factualidade dada como provada assentou na confissão integral, livre e sem reservas da mesma pelo arguido.
No que respeita às condições pessoais do arguido, o Tribunal valorou o teor do relatório social e as suas próprias declarações que se mostraram sérias.
Quanto aos antecedentes criminais, teve-se em consideração o certificado do registo criminal junto aos autos.»

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Cumpre conhecer

B.2 – Não se verificam quaisquer circunstâncias de conhecimento oficioso.

Mas impõe-se uma correcção factual na medida em que o facto provado sob 13.5 menciona – e por referência ao processo nº 159/93...., que correu termos no ... Juízo do Tribunal Judicial ... – à prática do ilícito a 15.5.1998, quando se pretenderia dizer 15.05.1988, conforme consta do CRC do arguido.

Haverá, portanto, que alterar tal facto no sentido indicado.

É, assim, questão suscitada pelo recorrente, a aplicação da pena de prisão efectiva imposta pela sentença recorrida ao invés do cumprimento da pena de permanência na habitação com vigilância electrónica, a pretendida pelo arguido.

O arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.º 1 do DL n.º 2/98, de 3-01, na pena de 10 meses de prisão, efectiva, vindo interpor recurso pretendendo, exclusivamente, a conversão da pena de prisão efectiva em regime de Permanência na Habitação, com meios de controlo técnico à distância.

Nos termos do disposto no artigo 42.º, nº 1 do CP, “A execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes».

A questão colocada no recurso centra-se, pois, em saber se no caso concreto a execução de tal pena se justifica no momento presente. Isto porquanto não está em causa nem a opção pela pena de prisão – mais que justificada pelo comportamento anterior do arguido – nem o seu quantum concreto.

As considerações doutrinais e jurisprudenciais feitas na sentença recorrida sobre o regime de permanência na habitação são certeiras e abstractamente doutas, mas o que importa considerar é o caso concreto.

Bem afirma Figueiredo Dias que «§ 304 A medida da necessidade de tutela de bens iurídicos não será pois um acto de valoração in abstracto (essa foi levada a cabo pelo legislador ao determinar a moldura penal aplicável: (…) mas um acto de valoração in concreto, de conformação social da valoração legislativa, a levar a cabo pelo aplicador à luz das circunstâncias do caso. Factores, por isso, da mais diversa natureza e procedência - e, na verdade não só factores do «ambiente», mas também factores directamente atinentes ao facto e ao agente concretos - podem fazer variar a medida da tutela dos bens jurídicos e da necessidade da pena» - in «Direito Penal Português – “As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, 1993, pag. 228.

E continua o mesmo Mestre: «§ 309 Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração - entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos -, podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socíalízação, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. Esta deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia óptima de protecção dos bens jurídicos” – aut. e ob. cit., pags. 230-231.

Descendamos ao caso em apreciação!

Trata-se de arguido de 53 anos de idade – realmente com um raro e assinalável percurso anterior, já suficientemente punido em sede de medida concreta da pena, muito próxima do seu limite máximo – mas o próprio tribunal reconhece como provado que:

4. O arguido confessou integralmente os factos.
5. O arguido conduziu o ciclomotor referido em 1 porque não o foram buscar para o trabalho.
6. O arguido consentiu no cumprimento de pena de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica.
Das condições pessoais:
1. O arguido estudou até à 3ª classe.
2. É solteiro, tendo um filho com 29 anos de idade.
3. Aos 20 anos de idade o arguido iniciou o consumo abusivo de estupefacientes (heroína) e subsequente processo de dependência, que viria a estar na origem de diferentes contactos com o sistema de justiça, cumprindo ao longo dos anos cinco penas privativas de liberdade, ocorrendo a sua primeira reclusão aos 22 anos de idade.
4. No cumprimento da última pena de prisão, iniciada a 23/06/2016, o arguido cessou o consumo de estupefacientes, mantendo-se abstinente desde então.
5. O arguido foi colocado em liberdade 14/04/2020 na sequência da aplicação do perdão de pena.
6. Após a sua libertação AA passou a residir com a progenitora, em casa arrendada no valor de € 350,00 mensais, e integrou o mercado de trabalho, inicialmente no sector da construção civil e, desde há cerca de 2 anos, no sector da jardinagem, na empresa M..., Lda., enquadramento que mantém na actualidade.
7. O arguido sai da habitação pelas 7h30 horas e regressa pelas 19h00 horas, de segunda a sábado, tendo como único dia de folga o domingo, desenvolvendo a actividade profissional em diversos locais, consoante as necessidades da entidade patronal.
8. O arguido aufere um salário de €832.19/mês e a mãe uma reforma no valor de cerca de €500.00/mês.
9. Em termos de saúde, o arguido é acompanhado em diversas especialidades – médica de família e pneumologia.
10. A dinâmica relacional do arguido no seio familiar é descrita como afectivamente investida, sendo que a irmã, residente em ..., tem vindo a constituir-se um importante pilar em termos relacionais e de apoio daquele.
11. O arguido apresenta consciência crítica sobre os factos em causa.
12. A habitação do arguido reúne as condições para recurso a meios de vigilância electrónica e as pessoas maiores de 16 anos que com ele coabitam prestaram o seu consentimento.

Por outro lado o Relatório para Determinação da Sanção menciona:

AA dispõe de enquadramento laboral, estabilidade económica e apoio familiar o que a par da manutenção do quadro de abstinência são passíveis de se constituírem como importantes fatores facilitadores do seu atual processo de reinserção.
Face ao presente envolvimento Judicial o arguido apresenta consciência critica e responsabilidade pessoal, aceitando em consonância eventual medida que lhe venha a ser aplicada.
Decorrente deste contexto afigura-se-nos estarem reunidos os requisitos a nível logístico/habitacionais, para a, eventual, instalação de meios de vigilância eletrónica.
Nestes termos, e caso o tribunal autorize o condenado a ausentar-se da habitação durante os períodos assinalados no ponto 1, uma vez inseridos os respetivos horários, o sistema de vigilância eletrónica, assinalará, em tempo real, as horas de saída e regresso do mesmo à habitação, cingindo-se o controlo ao cumprimento dos horários estipulados.

Este cenário actual e concreto – actualizado à data relevante, isto é, a da decisão condenatória - reduz sobremaneira a uma diminuta dimensão o anterior comportamento do arguido.

Sem esquecer o ilícito praticado nas suas reais características, a condução, ora criminalizada, de uma simples motorizada de 50 cc para ir para o trabalho.

O que revela um paradoxo social muito típico deste país, a criminalização sucessiva de condutas sociais anteriormente atípicas ou de simples obtenção para o cidadão comum – o título “dado” pelas Câmaras Municipais, como o arguido revela em interrogatório e de que era possuidor – num processo que se burocratiza e se torna mais oneroso, colocando-o na situação – como ocorre no caso em apreço – de ter acrescidas dificuldades que se reflectem no simples objectivo de pretender ir trabalhar, incapaz que está de se locomover.

Ora, fazendo apelo ao mesmo doutrinador, as circunstâncias da prática do ilícito também relevam. «§ 336 Toma-se aqui a «execução do facto» num sentido global e complexivo, capaz de abranger «o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente», «a intensidade do dolo ou da negligência» e ainda «os sentimentos manifestados na preparação do crime e os fins ou motivos que o determinaram» (art. 72.°-2, a), b) e c). A multidão dos factores aqui implicados desdobra-se, assim, por circunstâncias que pertencem ou ao tipo-de­ilícito ou ao tipo-de-culpa e que relevam para a medida da pena quer pela via da culpa, quer pela da prevenção.» - aut. e op. Cit., pag. 245.

É claro que todas estas são considerações sobre a medida da pena, mas verificados os requisitos para a Permanência na Habitação, designadamente o consentimento de todos os interessados e a verificação do requisito previsto na al. a) do art. 43º do CP [a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos], as necessidades de prevenção especial - eventualmente resultantes do comportamento anterior do arguido – esbarram nas reduzidas circunstâncias da prática do actual ilícito, baixa ilicitude e culpa reduzida.

Acresce que os motivos que conduziram o arguido à prática dos ilícitos criminais anteriores se mostram afastados.

Desde logo a idade. Depois, o abandono do consumo de estupefacientes, a confissão, a actual consciência crítica.

Ou seja, a necessidade da pena efectiva é hoje e face a este cenário, reduzida.

Naturalmente que o cumprimento da pena em regime de Permanência na Habitação sujeito a vigilância electrónica deverá prever a possibilidade de o recorrente poder continuar a trabalhar para obter o seu sustento, abrangendo o período entre a 07:30 e as 19:30 horas dos dias úteis e sábados entre as 07:30 e as 13 horas, em caso de trabalho efectivo ao Sábado.

O recurso é, pois, procedente nos termos expostos.


*

C - Dispositivo

Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em declarar procedente o recurso interposto e determinar:

- oficiosamente a correcção do facto dado como provado em 13.5 que se deverá ler: «13.5. No processo n.º 159/93...., que correu termos no ... Juízo do Tribunal Judicial ..., por decisão transitada em julgado a 16.06.1993, pela prática a 15.5.1988 de um crime de furto de uso de veículo, na pena de prisão de 8 meses;
- que o arguido cumpra a pena em regime de Permanência na Habitação sujeito a vigilância electrónica;

- com autorização de saída para o trabalho abrangendo o período entre a 07:30 e as 19:30 horas dos dias úteis e sábados entre as 07:30 e as 13 horas, em caso de trabalho efectivo ao Sábado.

Sem tributação.

Évora, 28 de Março de 2023.

(processado e revisto pelo relator).


João Gomes de Sousa

Carlos Campos Lobo

Ana Bacelar