Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1559/15.3T8STR-C.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: INCUMPRIMENTO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ACORDO
INTERPRETAÇÃO DE DECLARAÇÕES NEGOCIAIS
Data do Acordão: 02/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
I - A interpretação de um acordo de regulação das responsabilidades parentais implica analisar todo o conjunto de direitos e deveres estabelecidos entre as partes, por um lado, e atender a todos os elementos que, coadjuvando a declaração de vontade das partes, auxiliem no apuramento da sua vontade real, por outro lado.
II - Comportando a expressão «despesas escolares» ambos os sentidos defendidos por cada um dos progenitores da criança, e conhecendo o declaratário o sentido que o declarante pretendeu exprimir, é de acordo com a vontade das partes que o negócio vale, afastando-se a regra geral. E é assim, tanto quando a declaração seja ambígua, como quando o seu sentido objetivo seja inclusivamente contrário àquele que as partes lhe atribuíram.
II – Se à data da celebração do acordo de regulação das responsabilidades parentais, o menor já frequentava um colégio privado, a inclusão nesse acordo de uma cláusula onde se estipulou que a requerida contribuiria no pagamento de 1/3 das despesas escolares do filho, tendo em conta a teoria da impressão do destinatário, só pode significar que essas despesas abrangem o pagamento de um terço das mensalidades daquele colégio.
Decisão Texto Integral:


Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
BB instaurou ação por incumprimento da regulação das responsabilidades parentais, relativamente ao menor CC, contra DD, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 3.108,33, acrescida de juros de mora até efetivo e integral pagamento.
Alegou, em resumo, que a requerida não pagou as despesas relativas às mensalidades do colégio do filho no período compreendido entre Julho de 2014 e Fevereiro de 2017, inclusive, cuja comparticipação ascende a um total de € 3.108,33, cujo pagamento peticiona.
Citada a requerida, veio a mesma sustentar que não deu o seu acordo à frequência do colégio pelo seu filho, o qual é um estabelecimento de ensino privado.
A Digna Magistrada do Ministério Público emitiu o parecer constante de fls. 66-67, promovendo que fosse proferida decisão a julgar improcedente o incumprimento suscitado.
Respondeu o requerente, concluindo como na petição inicial.
Foi então proferida sentença, datada de 16.02.2018, a qual julgou improcedente a ação e absolveu a requerida do pedido.
Inconformado com o decidido, o requerente interpôs o presente recurso, finalizado a respetiva alegação com as conclusões que a seguir se transcrevem:
«I. O ora recorrente deduziu apenso de incumprimento das responsabilidades parentais, contra a requerida, por falta de pagamento da sua quota-parte das despesas do jardim-de-infância do menor CC, filho de ambos, que importa no montante total de € 3.108,33 (três mil cento e oito euros e trinta e três cêntimos).
II. A requerida alegou no sentido de, após o divórcio, não concordar com a manutenção do filho no referido colégio.
III. O tribunal a quo decidiu pela improcedência do peticionado pelo aqui recorrente, considerando que este não logrou demonstrar que essa opção tenha sido tomada com o acordo da requerida, após o respetivo divórcio.
IV. A decisão da frequência do estabelecimento de ensino foi tomada e iniciada ainda antes do casamento dos progenitores do menor, tendo ambos comparecido no estabelecimento para fazer a sua inscrição.
V. Que não reduziram a escrito tal decisão, pese embora, a tenham tomado de comum acordo, o que aliás resulta das regras da experiência comum, da normalidade social e do bom senso que assim seja.
VI. Por acordo em anexo ao processo de Divórcio por Mútuo Consentimento com o nº 11958/2014, decretado no dia 21 de Julho de 2014, requerente e requerida acordaram quanto ao exercício das responsabilidades parentais, além do mais, no artigo 13º, o seguinte: “as despesas de saúde e escolares serão suportadas por ambos os progenitores, na proporção de um terço pela mãe e dois terços pelo pai.”
VII. E foi exactamente por o menor já se encontrar a frequentar um estabelecimento de ensino privado que requerente e requerida acordaram suportar essa despesa na proporção de um terço pela mãe e dois terços pelo pai.
VIII. E foi também por essa mesma razão (por o menor já se encontrar a frequentar um estabelecimento de ensino privado) que requerente e requerida acordaram que esta não pagaria pensão de alimentos.
IX. O requerendo interpelou a requerida, verbalmente, variadíssimas vezes para que procedesse ao pagamento da sua quota-parte das despesas de educação do menor apresentando-lhe, as fotocópias das facturas/recibos dos respectivos pagamentos, mas sem que esta, em momento algum, manifestasse qualquer desagrado/discordância em que o menor se mantivesse a frequentar aquele estabelecimento de ensino privado.
X. Do relatório de Audição Técnica Especializada (ATE) junto ao apenso A, mais concretamente a fls. 9, pode ler-se o seguinte: “ de acordo com as declarações da educadora, quando os progenitores viviam juntos era a progenitora quem assumia maioritariamente as deslocações do menor entre casa e jardim-de-infância
(…) A educadora referiu, ainda, que a progenitora tem manifestado junto de si o desejo de poder participar de modo mais próximo nas actividades promovidas pelo jardim-de-infância e de ser informada acerca das mesmas, ainda que não seja a encarregada de educação.”
XI. Também neste âmbito (ATE), em momento algum a requerida manifestou qualquer desagrado/discordância em que o menor se mantivesse a frequentar aquele estabelecimento de ensino privado.
XII. O desagrado/discordância da requerida apenas surge quando o requerente, perante o incumprimento daquela e a falta de resposta às cartas que lhe foram enviadas (cf. documentos junto aos autos), intenta o presente apenso de incumprimento.
XIII. Não podemos aqui deixar de recordar que, em Maio de 2017, a requerida, por não estar de acordo quanto à escolha do estabelecimento de ensino para inscrever o menor, suscitou o processo tutelar que correu sob o apenso B, o que poderia ter feito quanto ao jardim-de-infância.
XIV. Desobrigar a requerida do pagamento das quantias peticionadas pelo requerente (e acordadas no processo de divórcio) seria isentá-la de toda e qualquer despesa do menor e premiar a inadimplência, sobrecarregando o requerente com todas as despesas do menor, pese embora, não tenha sido o acordado, em 21 de Julho de 2014, no processo de divórcio.
XV. Reitera-se, em momento algum a requerida demonstrou vontade de que o menor saísse do jardim-de-infância que frequentava, desde 2 de Maio de 2012, ou alegou qualquer fundamento para não efectuar o pagamento das referidas despesas.
XVI. De tudo o exposto resulta inequívoco que, a requerida para além de ter dado o seu acordo à inscrição do menor no estabelecimento de ensino “O Meu Pequeno Mundo”, em momento algum, manifestou vontade de que essa frequência cessasse, nem sugeriu outro estabelecimento para onde o menor deveria mudar, à semelhança do que fez com a escola.
XVII. Donde, a requerida deve ao requerente o montante total de € 3.108,33 (três mil cento e oito euros e trinta e três cêntimos), valor este que corresponde a um terço das despesas escolares (no montante total de € 9.325,00) suportadas pelo requerente nos meses de Julho de 2014 a Fevereiro de 2017, inclusive, a que acrescem os respectivos juros de mora até efectivo e integral pagamento, o que se reitera.
Termos em que, e nos demais de Direito que V. Exas. superiormente suprirão, deverá o presente recurso merecer provimento e em consequência ser a requerida condenada a pagar ao recorrente o montante total de € 3.108,33 (três mil cento e oito euros e trinta e três cêntimos), valor este que corresponde a um terço das despesas escolares (no montante total de € 9.325,00) suportadas pelo requerente nos meses de Julho de 2014 a Fevereiro de 2017, inclusive, conforme peticionado, a que acrescem os respectivos juros de mora até efectivo e integral pagamento.
Fazendo-se, assim, a habitual e necessária
JUSTIÇA.»

A requerida e o Ministério Público responderam, pugnando pela confirmação do julgado.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questão essencial a decidir consiste em saber se a requerida e progenitora do CC, deve comparticipar nas despesas de educação do colégio particular frequentado pelo menor.
Como questão prévia haverá ainda que tomar posição sobre a rejeição do recurso por falta de indicação das normas legais violadas, questão suscitada pela requerida nas contra-alegações.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Na 1.ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
1. CC, nascido em 14 de Junho de 2011, é filho do requerente e da requerida.
2. Por acordo homologado por decisão proferida no processo de divórcio por mútuo consentimento dos requeridos (cfr. fls. 22-27 dos autos principais) em 21 de Julho de 2014, foi estipulado, além do mais, que o menor ficaria a residir com o pai e que a requerida contribuiria no pagamento de 1/3 das despesas de saúde e escolares do filho.
3. O requerente suportou € 9.325,00 em mensalidades pela frequência do filho no colégio “O Meu Pequeno Mundo”, no período compreendido entre Julho de 2014 e Fevereiro de 2017.
4. A requerida não pagou qualquer comparticipação nas despesas referidas em 3.

E foi considerado não provado o seguinte facto:
a) A requerida deu o seu acordo à frequência do Colégio referido em 3. por parte do filho.

O DIREITO
Questão prévia
A recorrida defende que dever ser rejeitado o recurso, porquanto o recorrente não indicou as normas jurídicas que, no seu entender, foram violadas.
Prescreve o artigo 639º, nº 2, alínea a), do CPC que versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar as normas jurídicas violadas.
Ora, no caso em apreço, está essencialmente em causa um alegado erro de julgamento de facto, pelo que não necessitava o recorrente de indicar as normas jurídicas violadas, sendo certo que as normas jurídicas a ter em consideração, como é perfeitamente apreensível para todos, são as dos artigos 1878º, nº 1 e 1879º do Código Civil, 41º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível e 607º, nº 4, do Código de Processo Civil.
Não há, pois, que rejeitar o recurso, como pretendido pela requerida.

Do mérito da decisão
A discordância do recorrente relativamente à decisão recorrida, assenta no facto desta ter considerado que não ficou provado ter tido a aprovação da recorrida a opção do menor CC frequentar um colégio privado e, nessa medida, não lhe ser exigível a comparticipação nas respetivas despesas.
Vejamos, pois, de que lado está a razão.
O dever de sustento que recai sobre os pais em relação aos filhos menores decorre do disposto no nº 1 do artigo 1878º do Código Civil [CC], enquanto integrando o conteúdo das responsabilidades parentais. A prestação de alimentos engloba tudo o que é necessário para prover ao sustento – alimentação e saúde - às necessidades com a habitação e vestuário – artigo 2003º, nº 1, do CC - e no caso dos filhos menores ainda o necessário para a instrução e educação do menor (art. 1879º do CC).
A prestação dos alimentos dos pais em relação aos filhos menores coloca-se de forma autónoma apenas no caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens ou declaração de nulidade ou anulação do casamento dos progenitores – arts. 1905º, nº1 e 1909º do CC. Nestas situações há necessidade de providenciar que o sustento dos filhos menores continua assegurado, determinando em que medida cada um dos progenitores haverá de contribuir para tal.
Está dado como provado que por acordo homologado por decisão proferida no processo de divórcio por mútuo consentimento dos requeridos, em 21.07.2014, foi estipulado que o menor ficaria a residir com o pai e que a requerida contribuiria no pagamento de 1/3 das despesas de saúde e escolares do filho.
Provado está igualmente que o requerente suportou € 9.325,00 em mensalidades pela frequência do filho no colégio “O Meu Pequeno Mundo”, no período compreendido entre Julho de 2014 e Fevereiro de 2017, sendo que a requerida não pagou qualquer comparticipação nessas despesas.
Ora, analisando o acordo de regulação das responsabilidades parentais[1], no mesmo estipulou-se, na cláusula 12ª, que «[o] pai suportará as despesas com alimentação e vestuário do menor», e na cláusula 13ª que «[a]s despesas de saúde e escolares serão suportadas por ambos os progenitores, na proporção de um terço pela mãe, e dois terços pelo pai».
Nada se diz no acordo quanto ao estabelecimento de ensino que o menor frequentava na altura, que segundo a alegação do recorrente era já o colégio “O Meu Pequeno Mundo”, e não se sabe outrossim se foi por o menor frequentar um estabelecimento de ensino privado, que requerente e requerida acordaram suportar as despesas de educação na proporção em que o fizeram. Sabe-se, isso sim, que a prestação de alimentos da requerida se cinge ao pagamento das despesas de saúde e escolares na proporção de um terço.
O acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais celebrado entre requerente e requerida e devidamente homologado, é um negócio formal.
Ora, a interpretação desse acordo implica analisar todo o conjunto de direitos e deveres estabelecidos entre as partes, por um lado, e atender a todos os elementos que, coadjuvando a declaração de vontade das partes, auxiliem a descoberta da sua vontade real, por outro lado[2].
Para a interpretação da cláusula 13ª do acordo de regulação das responsabilidades parentais, deve ter-se em conta o critério previsto no artigo 236º, nº 1 e 2, do CC, que consagra a teoria da impressão do destinatário: o sentido das declarações negociais será aquele que possa ser deduzido por um declaratário normal colocado na posição do declaratário real, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
Tratando-se de negócios formais, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 238º, nº 1, do CC).
Como elementos essenciais, haverá a considerar na interpretação «a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e costumes por ela recebidos»[3].
A interpretação da referida cláusula tendo em conta a teoria da impressão do destinatário, aponta, prima facie, para que as despesas escolares a suportar pela requerida, na proporção de um terço, são todas as despesas relacionadas com a educação, quer se trate de um estabelecimento de ensino público ou privado.
Sucede, porém, que a requerida diz não ter acordado com o requerente que o filho frequentasse o referido colégio privado e, tratando-se de questão de particular importância, não está obrigada a suportar as despesas do colégio na referida proporção de um terço. A isto contrapõe o requerente que à data da celebração do dito acordo, o menor já frequentava esse colégio.
Ora, parece-nos de meridiana clareza que a referência numa cláusula a «despesas escolares» tanto pode abranger uma noção mais ampla, como a defendida pelo requerente, incluindo as devidas pela frequência de um colégio particular, como uma noção mais restrita, reportada às despesas escolares stricto sensu, com aquisição de livros, material escolar, etc.. Portanto, tendo qualquer um dos indicados sentidos, um mínimo de correspondência no texto do acordo, não será o recurso ao disposto no artigo 238.º do CC que resolverá a interpretação que deve prevalecer, porquanto a contrario, ambas podem valer.
Desta sorte, aquilatar qual a vontade real dos declarantes ao tempo da emissão daquela declaração de vontade deverá fazer-se por via do preceituado no artigo 236º do CC. Na verdade, comportando a expressão «despesas escolares» ambos os sentidos defendidos pelos progenitores da criança, e conhecendo o declaratário o sentido que o declarante pretendeu exprimir, é de acordo com a vontade das partes que o negócio vale, afastando-se a regra geral. E é assim, tanto quando a declaração seja ambígua, como quando o seu sentido objetivo seja inclusivamente contrário àquele que as partes lhe atribuíram[4].
Como vimos supra, está provado que o requerente suportou € 9.325,00 em mensalidades pela frequência do filho no colégio “O Meu Pequeno Mundo”, no período compreendido entre Julho de 2014 e Fevereiro de 2017, sendo que a requerida não pagou qualquer comparticipação nessas despesas.
Ora, o acordo de regulação das responsabilidades parentais foi celebrado em 21 de Julho de 2014, ou seja, quando o menor CC já frequentava o colégio “O Meu Pequeno Mundo”, o que é, aliás, confirmado pela fatura-recibo de fls. 8, emitida em 8 de Julho desse mesmo ano e relativa a esse mês.
Assim, a interpretação da referida cláusula 13ª do acordo de regulação das responsabilidades parentais, tendo em conta a teoria da impressão do destinatário, tem o significado de que as despesas escolares a suportar pela requerida, abrangem necessariamente o pagamento de um terço das mensalidades do colégio do filho, pois sabendo a mesma que este frequentava o referido colégio, se pretendesse que assim não fosse, não deixaria de o fazer consignar em tal acordo.
Um declaratório normal, colocado na posição da requerida, interpretaria a referida cláusula no sentido ora exposto, pois na mesma não é feita qualquer menção ao tipo de ensino em causa, se público ou particular, sendo certo que se assim fosse nada impedia tal inclusão.
Este entendimento é ainda reforçado pelo facto da requerida apenas contribuir a título de alimentos para o filho, com um terço das despesas escolares e de saúde, pelo que a sufragar-se o entendimento da requerida, esta não teria que pagar sequer as despesas de educação do seu filho, o que se afigura de todo irrazoável.
Torna-se assim despicienda a discussão efetuada na sentença recorrida sobre a escolha entre a frequência de ensino público e privado como questão de particular importância, pois resulta dos autos que houve pelo menos uma aceitação tácita por parte da requerida quanto ao seu filho frequentar um colégio privado, pelo que a consideração como não provado na sentença recorrida de que a requerida deu o seu acordo à frequência do colégio “O Meu Pequeno Mundo”[5], é insubsistente.
Tem assim o requerente direito a receber da requerida a quantia de € 3.108,33 correspondente a um terço das despesas escolares a que a mesma se encontra obrigada, a que acrescem os respetivos juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das prestações, até integral pagamento – cfr. artigos 804º, nº 1, 805º, n.º 2, alínea a) e 806º, nº 1 e 2, todos do CC.
O recurso merece, pois, provimento.

Sumário:
I - A interpretação de um acordo de regulação das responsabilidades parentais implica analisar todo o conjunto de direitos e deveres estabelecidos entre as partes, por um lado, e atender a todos os elementos que, coadjuvando a declaração de vontade das partes, auxiliem no apuramento da sua vontade real, por outro lado.
II - Comportando a expressão «despesas escolares» ambos os sentidos defendidos por cada um dos progenitores da criança, e conhecendo o declaratário o sentido que o declarante pretendeu exprimir, é de acordo com a vontade das partes que o negócio vale, afastando-se a regra geral. E é assim, tanto quando a declaração seja ambígua, como quando o seu sentido objetivo seja inclusivamente contrário àquele que as partes lhe atribuíram.
II – Se à data da celebração do acordo de regulação das responsabilidades parentais, o menor já frequentava um colégio privado, a inclusão nesse acordo de uma cláusula onde se estipulou que a requerida contribuiria no pagamento de 1/3 das despesas escolares do filho, tendo em conta a teoria da impressão do destinatário, só pode significar que essas despesas abrangem o pagamento de um terço das mensalidades daquele colégio.

IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida, condenando a requerida a pagar ao requerente a quantia de € 3.108,33, correspondente a um terço das despesas escolares suportadas pelo requerente no período compreendido entre Julho de 2014 e Fevereiro de 2017, acrescida de juros de mora desde o vencimento de cada uma das prestações, até efetivo e integral pagamento
Custas pela requerida, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
*
Évora, 14 de Fevereiro de 2019
Manuel Bargado
Albertina Pedroso
Tomé Ramião

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[1] Ao qual tivemos acesso no Citius através da consulta do proc. 1559/15.3T8STR.
[2] Cfr. Acórdão desta Relação, de 11.01.2018, proc. 939/16.1T8BJA-A.E1, in www.dgsi, relatado pela aqui 1ª Adjunta e em que interveio como 1ª Ajunto o ora 2º Adjunto.
[3] Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 3ª ed., p. 416. Ver também E. Santos Júnior, Sobre a Teoria da Interpretação dos Negócios Jurídicos, pp.146 e ss..
[4] Cfr. o Acórdão desta Relação de 11.01.2018, acima citado.
[5] Escreveu-se na sentença que «este facto resultou não provado atendendo a que, apesar de notificado para o efeito, o requerente não demonstrou documental ou testemunhalmente o acordo da requerida à frequência daquele estabelecimento de ensino por parte do filho, mormente após o divórcio (ou seja após o mês de Julho de 2014) …», quando assim não é, pois tal prova existe nos autos como se viu supra.