Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | RENATO BARROSO | ||
Descritores: | SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO REQUISITOS EXAME DE PESQUISA DE ÁLCOOL NO SANGUE ANALISADORES QUALITATIVOS ANALISADORES QUANTITATIVOS PRAZO DE VALIDADE | ||
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Data do Acordão: | 07/12/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I. A suspensão provisória do processo, enquanto mecanismo de diversão processual, só logrará efetivar-se conjugando-se vontades e juízos do Ministério Público, do assistente (se estiver constituído no processo), do arguido e do juiz de instrução criminal (artigo 281.º e 307.º CPP). II. Tendo em consideração a perigosidade emergente da circulação de veículos, o legislador consagrou um sistema probatório (de verdadeira prova tarifada) a respeito da constatação da existência, por parte dos condutores de demais utentes da via, de especiais estados de perigosidade, mormente causados pelo consumo de álcool e substâncias psicotrópicas. III. Nesse âmbito o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito (artigo 153.º, n.º 1 do Código da Estrada), tendo o legislador, no plano regulamentar, consagrado a necessária realização do teste indiciário de deteção, através de indicador qualitativo (artigo 1.º, n.º 1 da Lei n.º 18/2007), o qual se destina exclusivamente a aferir a (in)existência de álcool no organismo. IV. Sendo o resultado positivo (ou seja, tendo o analisador qualitativo identificado a presença de álcool no organismo), deve o cidadão ser sujeito a teste de pesquisa de álcool no ar expirado de natureza quantitativa (artigo 1.º, n.º2 e 2.º, n.º1 da Lei n.º 18/2007) ou ser sujeito a análise de sangue, a qual deve ser efetuada quando não por possível realizar o teste em analisador quantitativo (artigo 1.º, n.º2 e 3 da Lei n.º 18/2007). V. Estabelece o Decreto-Lei n.º 291/90 (artigo 2.º, n.º 7), relativamente ao regime de controlo metrológico de métodos e instrumentos de medição que «os instrumentos de medição em utilização cuja aprovação de modelo não seja renovada ou tenha sido revogada podem permanecer em utilização desde que satisfaçam as operações de verificação aplicáveis.». Daí que a falta de renovação ou, até, a revogação da aprovação do modelo, não determina a imediata impossibilidade de recurso a tais equipamentos desde que se mostrem cumpridas as operações de verificação aplicáveis, mantendo-se, por isso, legítima e legalmente conforme à lei a sua utilização. VI. Sendo clara a razão de assim ser: assegurada a conformidade do aparelho com as regras da ciência através das verificações legalmente previstas (ou seja, dito de modo coloquial, se o aparelho se encontra a funcionar de acordo com o que é suposto), inexistem razões para inviabilizar a utilização de um mecanismo metrologicamente válido independentemente no momento em que tenha sido proferida a decisão de autorização de colocação do mesmo em uso, na medida em que a verificação periódica assegura a conformidade dos resultados produzidos pelo equipamento com os parâmetros métricos. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE ÉVORA 1. RELATÓRIO A – Decisão Recorrida No processo sumário nº 12/23.6GAARL, do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local Criminal, Juiz ..., submetido a julgamento por acusação do MP, foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p., pelo Artº 292 nº1 do C. Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), num total de € 400,00 (quatrocentos euros). Mais foi condenado, nos termos do Artº 69 nº1 al. a) do C. Penal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses. B – Recurso Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, tendo concluído as respectivas motivações da seguinte forma (transcrição): I.O Arguido ao ser detido e apresentado no dia 20.01.2023 ao Ministério Público (MP), informou que já tinha constituído mandatário; II. Em momento anterior à apresentação do Arguido ao MP, já tinha sido apresentado requerimento a constituir mandatário; III.O que ocorreu por comunicação electrónica dirigida aos serviços do MP junto do Tribunal ..., no dia 20.01.2023 pelas 13:57:13 horas, sendo lida nesse mesmo dia, nos serviços, pelas 13:58:12 horas, conforme consta dos autos; IV. Já em momento cronologicamente anterior, à apresentação do requerimento, os serviços de secretariado do escritório do mandatário tinham informado telefonicamente os serviços do MP, da constituição de mandatário; V. Não foi proposto em momento algum ao Arguido, na pessoa do seu mandatário, a possibilidade de aplicação da suspensão provisória do processo; VI. Tudo como melhor consta do requerimento apresentado aos autos no dia 31.01.23023, constante da plataforma "Citius" com a "Data" de 31.01.2023; a "Referência" ...; "Acto Processual" Requerimento - outros; "Interveniente" BB; "Qualidade" Mandatário; VII. Existe uma completa omissão por parte do Ministério Público da descrição exacta pela qual não optou pelo instituto na sua acusação; VIII.O Arguido não foi ouvido, e o seu mandatário não foi convocado para comparecer em Tribunal, apesar de já constar dos autos a sua constituição; IX. Estando o MP vinculado a um critério de legalidade estrita, o juízo de ponderação que subjaz à não aplicação do SPP e formas especiais de processo consubstancia um acto decisório e, como tal, sujeito ao dever de fundamentação – Art.º 97º n.º 3 e 5 do CPP; X. No fundo, exige-se ao MP na fase de inquérito a mesma ponderação e fundamentação que ao juiz é exigido na escolha e determinação da medida concreta da pena; XI. Em face do exposto, o Arguido arguiu em requerimento autónomo, apresentado aos autos antes da audiência de julgamento, a nulidade do despacho de acusação, pelo facto do MP ter optado pela forma de processo sumário sem antes verificar se existiria outra forma de processo ou instituto de consenso que fosse aplicável; XII. Mais requereu que os autos regressassem ao Ministério Público a fim de ser verificada a possibilidade de aplicação de suspensão provisória do processo e assim obtida a concordância do arguido na presença do seu mandatário; XIII. Realizou-se o julgamento sem que o Arguido e o seu mandatário fossem notificados da prolação de qualquer despacho que sobre o requerido tenha recaído; XIV.O Alcoolímetro Drager Alcotest 7110 MK IIIP foi aprovado pelo IPQ - através do Despacho n.º 11037/2007 - Aprovação de Modelo n.º 211.06.07.3.06, publicado na 2ª série n.º 109 do DR de 6 de Junho de 2007; XV.A prova incriminatória, foi obtida nos presentes autos com base no resultado da medição feita com este concreto alcoolímetro; XVI. Do referido despacho consta que a validade da aprovação de modelo é de 10 anos a contar da data da publicação; XVII. Os factos reportam-se a 20.01.2023, dato em que foi obtido o resultado da medição levada a efeito pelo alcoolímetro Drager Alcotest 7110 MK IIIP ARA 0059, decorridos mais de 6 anos do seu período de validade de 10 anos: XVIII. A questão da caducidade do prazo de validação da aprovação do modelo pelo IPQ situado cm 10 anos, apesar de controvertida, na doutrina e na jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, tem ali encontrado acolhimento, sustentando-se que o prazo de validade deste concreto modelo de alcoolímetros é de 10 anos contado do data de aprovação do modelo pelo IPQ; XIX. Razões pelas quais a medição assim efectuada não serve como prova incriminatória, única que pode sustentar a condenação do arguido; Nestes termos e melhores de Direito, que V.a Exas, Venerandos Desembargadores doutamente suprirão, deverá ser admitida a Apelação e dado provimento ao presente recurso, determinando a Revogação o douto despacho que recebeu a acusação, Se assim não se entender, que seja revogada a douta sentença que condenou o arguido, e em sua substituição que determine a sua absolvição, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA. C – Resposta ao Recurso O M. P, junto do tribunal recorrido, respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões (transcrição): 1. O arguido AA apresentou recurso da Douta Sentença proferida no dia 03 de fevereiro de 2023, referência ...97, pelo Juízo Local Criminal ... (Juiz ...) que o condenou pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 80 dias de multa à razão diária de €5,00 que perfaz o montante total de €400,00, e na pena acessória de proibição de condução de veículos a motor pelo período de 4 meses; 2. Para sustentar o seu recurso concluiu o arguido/recorrente, em síntese, que: - O Arguido arguiu em requerimento autónomo, apresentado aos autos antes da audiência de julgamento, a nulidade do despacho de acusação, pelo facto do MP ter optado pela forma de processo sumário sem antes verificar se existiria outra forma de processo ou instituto de consenso que fosse aplicável; - Invoca que realizou-se o julgamento sem que o Arguido e o seu mandatário fossem notificados da prolação de qualquer despacho que sobre o requerido tenha recaído; - Sustenta que “Os factos reportam-se a 20.01.2023, data em que foi obtido o resultado da medição levada a efeito pelo alcoolímetro Drager Alcotest 7110 MK IIIP ARA 0059, decorridos mais de 6 anos do seu período de validade de 10 anos”; - E que “A questão da caducidade do prazo de validação da aprovação do modelo pelo IPQ situado em 10 anos, apesar de controvertida, na doutrina e na jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, tem ali encontrado acolhimento, sustentando-se que o prazo de validade deste concreto modelo de alcoolímetros é de 10 anos contado da data de aprovação do modelo pelo IPQ;” - Concluindo que “a medição assim efectuada não serve como prova incriminatória, única que pode sustentar a condenação do arguido; - Por último, sustenta que sendo “dado provimento ao presente recurso, determinando a Revogação o douto despacho que recebeu a acusação; Se assim não se entender, que seja revogada a douta sentença que condenou o arguido, e em sua substituição que determine a sua absolvição (…)”. 3. No que respeita ao despacho proferido em 03.02.2023 (ref.ª ...13) verifica-se que o recurso não foi admitido, conforme decidido no despacho judicial datado de 14.03.2023 (referência ...93). 4. A acusação proferida pelo Ministério Público não padece de qualquer nulidade, contrariamente ao invocado pelo arguido. 5. Analisada a acusação pública verifica-se que foi proferido um despacho prévio a fundamentar o motivo de não aplicação do instituto da suspensão provisória do processo. 6. Acresce que o arguido não solicitou a aplicação do regime da SPP ou indicou existir abertura para tanto, nem requereu a possibilidade de ser interrogado noutra data. Pelo contrário, apenas requereu prazo para preparação de defesa e citou expressamente o artigo387.º, n.º2, al. a), do CPP, que diz respeito ao prazo legal para início do julgamento sob a forma sumária quando existe requerimento de prazo para preparação de defesa do julgamento. 7. Não foi invocada qualquer irregularidade no início da audiência de julgamento sobre a ausência de qualquer notificação e na sentença proferida foi consignado que se dava por reproduzido o despacho referência ...13. 8. Acresce que o arguido refere expressamente que recorre daquele despacho referência ...13, o que demonstra o efetivo conhecimento do mesmo, apesar de ser irrecorrível. 9. Aliás, sublinhar que o arguido não invoca qualquer consequência concreta ou vício relacionado com o referido em XIII das conclusões do recurso interposto. 10. Nos presentes autos foi legítimo o recurso ao alcoolímetro de marca Dräger, modelo 711º MKIII P, aprovado por despacho n.º 11037/2007, de 24/04/2007, do presidente com Conselho de Administração do Instituto Português da Qualidade, I.P. 11. Desta forma, deve ser considerada a taxa de álcool no sangue resultante da submissão do arguido no teste realizado naquele analisador quantitativo. 12. Pelo exposto, o recurso interposto pelo arguido não merece provimento, devendo manter-se a Douta Sentença recorrida. D – Tramitação subsequente Aqui recebidos, foram os autos com vista à Exmª Procuradora-Geral Adjunta, que pugnou pela manutenção da decisão recorrida. Cumprido o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, não foi apresentada resposta. Efectuado o exame preliminar, determinou-se que este fosse julgado em conferência. Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir. 2. FUNDAMENTAÇÃO A – Objecto do recurso De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria), o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. Na verdade e apesar de o recorrente delimitar, com as conclusões que extrai das suas motivações de recurso, o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, este contudo, como se afirma no citado aresto de fixação de jurisprudência, deve apreciar oficiosamente da eventual existência dos vícios previstos no nº2 do Artº 410 do CPP, mesmo que o recurso se atenha a questões de direito. As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem, assim, da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no nº 2 do Artº 410 do CPP, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no nº1 do Artº 379 do mesmo diploma legal. In casu não se verifica a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada (Artº 410 nº3 do CPP). O objecto do recurso cinge-se às conclusões do recorrente, onde invoca, por um lado, a nulidade da submissão dos autos a julgamento por falta de ponderação, por parte do MP, da possibilidade de aplicar a suspensão provisória do processo e, por outro lado, a nulidade probatória do exame de pesquisa de álcool no sangue efectuado ao arguido em 20/01/23. B – Apreciação Definidas as questões a tratar, atente-se na factualidade dada como provada pela instância recorrida (transcrição): 5.FUNDAMENTAÇÃO 5.1. DE FACTO 5.1.1. FACTOS PROVADOS Com interesse para a decisão da causa, resultaram da instrução da causa provados os seguintes factos: 1. No dia 20-01-2023, pelas 11h15m, o arguido AA conduziu o automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-AV-.., na Estrada Nacional n-º ..., ao Km 10,500 local sito na área da localidade de ..., do concelho ..., com taxa de alcoolemia de 1,564 g/l, correspondente à TAS registada de 1,70 g/l, após dedução do erro máximo admissível. 2. Agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que tinha antes ingerido bebidas alcoólicas em quantidade passível de determinar acumulação no seu organismo de taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida aos condutores de veículos nas vias públicas, que por efeito do álcool não estava em condições de exercer em segurança tal actividade de condução e que a sua conduta era proibida e punível por lei. Ficaram ainda provados os seguintes factos relativamente à situação económica e pessoal do arguido: 3. O arguido não tem condenações averbadas no certificado de registo criminal. 4. O arguido declarou ter praticado parcialmente os factos constantes da acusação. 5. O arguido encontra-se desempregado desde Outubro de 2022, não beneficiando de qualquer rendimento. 6. Reside com a mãe em imóvel registado como sua propriedade e relativamente ao qual paga mensalmente a título de crédito à habitação o valor de €235,00. 7. Despende mensalmente cerca de €640,00 a título de crédito pessoal. 8. Não tem filhos 9. Despende mensalmente e em média a quantia de €120,00 para pagamento de água, electricidade e gás. 10. Completou o 9.º ano de escolaridade. 11. É titular de carta de condução desde 1999, sendo titular da categoria C+E, bem como de formação para transporte de materiais perigosos. *** 5.1.2. FACTOS NÃO PROVADOS Resultaram não provados os seguintes factos: A. Que a dinâmica referida em 1) tenha ocorrido pelas 12h14m do referido dia B.1. Da falta de ponderação da suspensão provisória do processo Alegou o arguido, em sede recursiva, a nulidade da submissão dos autos a julgamento por falta de ponderação, por parte do MP, da suspensão provisória do processo. Em sede de sentença, esta matéria foi objecto da seguinte apreciação (transcrição): 3. QUESTÃO PRÉVIA: DA ALEGADA NULIDADE DA SUBMISSÃO DOS AUTOS A JULGAMENTO POR FALTA DE PONDERAÇÃO DA SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO Em sede de contestação, reiterou o arguido a questão suscitada nos autos por requerimento apresentado em 31/01/2023, sobre a qual recaiu despacho proferido no dia de hoje (ref.ª ...13) o qual julgou improcedente por não provada a aludida alegação. Uma vez que a lei proscreve a prática de actos inúteis (artigo 130.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal) e já tendo a questão sido anteriormente alvo de apreciação judicial sem qualquer inovação adicional, a qual considerou não provada a aludida nulidade, impõe-se dar por reproduzido o referido despacho para os devidos efeitos legais (ref.ª ...13), bem como considerar, nesses termos e fundamentos, improcedente por não provada alegada nulidade do despacho de acusação proferido pelo Ministério Público que determinou a remessa dos autos para julgamento, com fundamento na preterição de ponderação da suspensão provisória do processo. Reproduz-se agora o despacho judicial, proferido nos autos (ref.ª ...13) e que se faz referência na sentença recorrida (transcrição): Por requerimento apresentado nos autos em 31/01/2023, veio o arguido AA arguir, em síntese, a nulidade do despacho de acusação proferido pelo Ministério Público, invocando, para o efeito, que não foi proposta ao arguido, na pessoa do seu Il., Mandatário, a possibilidade de aplicação de suspensão provisória do processo, que, de todo o modo, o arguido não se opôs à suspensão provisória do processo, apenas tendo referido que não iria tomar qualquer decisão sem a presença do respectivo mandatário; que o Ministério Público omitiu a descrição exacta pela qual não optou pelo instituto da suspensão provisória do processo, encontrando-se vinculado à sua ponderação, tendo, no caso, o Ministério Público violado o dever de fundamentação ao ter deduzido acusação antes de ter ponderado a aplicabilidade de outra forma de processo ou instituto de consenso. Pugna assim o arguido que seja declarada a nulidade do despacho de acusação e, consequentemente, que seja determinado o regresso dos autos ao Ministério Público para tal escopo. Em sede de contraditório, pronunciou-se o Ministério Público pela inexistência de qualquer nulidade, sendo certo que o despacho proferido pelo Ministério Público que fundamentou a não aplicação da suspensão provisória do processo nos autos não pode ser sindicado pelo Tribunal. Por fim, conclui o Ministério Público que o arguido actua de modo contraditório na medida em que no requerimento apresentado nos autos em 20/01/2023, requereu, ao abrigo do artigo 387.°, n.º2, al. c) do Código de Processo Penal, prazo para preparação de defesa previamente ao julgamento. * Para apreciação do requerido, resulta demonstrado que, por despacho proferido em 20/01/2023 (ref.ª ...28), o Ministério Público declarou, previamente à dedução de acusação, o seguinte: "verificam-se os pressupostos legais da suspensão provisória do processo, considerando a taxa de alcoolemia de que o arguido era portador no exercício da condução e que não tem antecedentes criminais nem beneficiou de SPP. Porém, o arguido informou verbalmente ter sido aconselhado pelo seu ilustre mandatário a não aceitar qualquer acordo/proposta de suspensão; O que inviabiliza a aplicação desta instituto” * Apreciando e decidindo, o regime geral das nulidades processuais penais encontra-se vertida, em síntese, no disposto nos artigos 119.° e 120.° do Código de Processo Penal, repartindo-se entre nulidades insanáveis e dependentes de arguição. Cotejado o elenco legal das nulidades, a alegada desconformidade à lei invocada pelo arguido são inscreve no catálogo legalmente previsto, inexistindo cabimento à sua ocorrência ao abrigo da citada norma. Acresce ao antedito, igualmente, o regime próprio das nulidades da acusação, previsto pelo artigo 283.°, n.º3 do Código de Processo Penal, sendo que o arguido não se inscreve, igualmente, no seu âmbito. Aproximando da situação em concreto e já no âmbito das normas que regem o processo sumário, estatui o artigo 384.º n.º1 do Código de Processo Penal que “nos casos em que se verifiquem os pressupostos a que aludem os artigos 280.º e 281.º, o Ministério Público, oficiosamente ou mediante requerimento do arguido ou do assistente, determina, com a concordância do juiz de instrução, respectivamente, o arquivamento ou a suspensão provisória do processo” A ponderação da suspensão provisória do processo, enquanto mecanismo de diversão processual, corresponde um poder-dever legalmente imputado ao Ministério Público, o qual deverá avaliar se, perante os factos que lhe são apresentados, se mostra possível o restabelecimento da paz jurídica sem submeter o arguido a julgamento, arquivando-se os autos em fase de inquérito sem que seja materialmente formulado um qualquer juízo a respeito da prática dos factos que lhe são imputados. No caso, por despacho de acusação proferido, entendeu o Ministério Público que se mostra inaplicável a suspensão provisória do processo tendo em consideração que o arguido não se mostrou receptivo a tal instituto, circunstância que ficou consignada do aludido despacho, O juízo acerca da adequação dos autos à suspensão provisória do processo corresponde a uma decisão de legalidade que cabe ao Ministério Público, limitando-se o Tribunal (nas vestes de Juízo de Instrução Criminal, seja como acto jurisdicional de inquérito ou em fase de instrução, quando a espécie processual a comporte) a aferir do preenchimento dos requisitos legais e, ainda, da adequação das injunções propostas pelo Ministério Público e aceites pelo arguido, Donde, na falta de impulso do Ministério Público (por omissão ou por considerar que o caso não se satisfaz com esse meio alternativo) ou perante a verificação de um impulso (negativo) defeituoso quando à realidade em que assenta (por exemplo, recusando a proposta da suspensão provisória de processo com fundamento na prévia condenação pela mesma qualificação jurídica, havendo tal registo de ter sido alvo de cancelamento) ou quanto ao enquadramento legal, não cabe ao Tribunal sindicar a bondade de tal decisão ou, ainda, substituir-se a uma decisão reservada ao titular da acção penal. A única forma destinada a sindicar tal decisão encontra-se, quando legalmente admissível, na intervenção hierárquica ou através da abertura da fase facultativa de instrução, a qual não se mostra legalmente admissível nesta fase processual. É certo que, conforme invoca o arguido, o Ministério Público deverá fundamentar as razões que conduzem ao exercício de tal poder-dever funcional, fundamentação essa que deverá ser suficiente na economia que preside à forma especial do processo - artigo 268.°, n.º3 da Constituição da República Portuguesa. Todavia, é jurisprudência pacífica entre nós que “quando o Ministério Público não determina, ainda que o devesse fazer, a suspensão provisória do processo, não tem o juiz o poder de o substituir” - cf., por todos, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/04/2017, proc. 1401/16.8PBCSC, rel. Abrunhosa de Carvalho. Neste particular, recorde-se o teor do citado aresto: “E se o Ministério Público, verificados os respectivos pressupostos, não aplicar este instituto (nada dizendo, como aconteceu neste caso, ou analisando essa possibilidade e concluindo pela sua não aplicação)? A verdade é que o código de Processo Penal não prevê directamente qualquer forma de reagir a esta inacção do Ministério Público. Há quem defenda que se pode suscitar a intervenção hierárquica (Paulo Albuquerque, acima citado), solução que nos suscita dúvidas, atenta a redacção do art.º 278º do CPP, donde parece resultar que essa intervenção só pode ser suscitada para que seja deduzida acusação ou para que sejam realizadas mais diligências de inquérito. Outros defendem que pode ser requerida a abertura da instrução, a fim de o juiz de instrução aplicar esse instituo, nos termos do art. 307º/2 do CPP (Simas Santos, no acórdão supra citado, e Sónia Fidalgo, no texto também citado). É claro que esta solução não teria aplicação no nosso caso, por se tratar de um processo sumário, que não admite instrução (art.º 286º/3 do CPP)” Ademais, do teor do aludido despacho resulta que não é intenção do Ministério Público submeter, no caso em concreto, o processo ao instituto da suspensão provisória, facto que determina, por si, a inviabilidade do recurso ao mecanismo dada a necessária concordância do titular da acção penal, inexistindo qualquer meio processual destinado a compelir o titular da acção penal a proferir decisão diversa. Donde, concluindo o que anteriormente ficou dito: o despacho proferido pelo Ministério Público não enferma de qualquer nulidade, nos termos previstos nos artigos 119.°, 120.° e 283.° do Código de Processo Penal, nem tampouco, ainda que se concebesse que o concreto despacho padecesse de irregularidade por violação do dever de fundamentação (o que não é o caso, na medida em que assenta na manifestação expressada no despacho) tal não determinaria a repetição do acto na medida em que não afecta o valor do acto praticado ou a tramitação subsequente dos autos dada a manifesta falta de concordância do Ministério Público no recurso à aludida forma processual. Aqui chegados, nos termos e fundamentos anteriormente expostos, julga-se infundada a arguida nulidade do despacho de acusação proferido pelo Ministério Público. Notifique. Antes de mais, importa dizer que tendo o arguido recorrido, na mesma peça processual, do despacho que antes se transcreveu, bem como, da sentença condenatória, o recurso relativo ao aludido despacho, em si mesmo, não foi admitido, como se alcança do despacho datado de 14/03/23. Todavia, porque o dito despacho foi incorporado na sentença recorrida, desta fazendo parte integrante na sua fundamentação jurídica, deve o mesmo ser objecto de apreciação em relação á questão colocada pelo recorrente. E assim se fazendo, dir-se-á, desde já, não assistir qualquer razão ao recorrente, porquanto inexiste qualquer nulidade na submissão dos autos a julgamento. Dispõe o Artº 384 nº1 do CPP que “Nos casos em que se verifiquem os pressupostos a que aludem os artigos 280.º e 281.º, o Ministério Público, oficiosamente ou mediante requerimento do arguido ou do assistente, determina, com a concordância do juiz de instrução, respectivamente, o arquivamento ou a suspensão provisória do processo” Ora, na avaliação deste poder-dever que lhe incumbe, de avaliar se, perante o circunstancialismo concreto da situação, se mostra possível restabelecer a paz pública mediante um mecanismo de consenso e sem a submissão do arguido a julgamento, o MP entendeu, e bem, que tal opção estava obstaculizada, desde logo, pela oposição verbal que à mesma foi manifestada pelo arguido. Na verdade, ao contrário do invocado pelo recorrente, o MP, em momento prévio à dedução da acusação, fez constar do processo que apesar de se verificarem os pressupostos legais para uma eventual aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, a mesma estava inviabilizada pela circunstância de aquele ter informado verbalmente ter sido aconselhado pelo seu Ilustre Mandatário a não aceitar qualquer acordo/proposta de suspensão. Deste modo, justificada está, anteriormente à acusação, a não aplicação do referido instituto, não se verificando a alegada falta de fundamentação invocada pelo recorrente, sendo certo que, mau grado todas as considerações genéricas feitas pelo recorrente sobre a natureza da suspensão provisória do processo, a verdade é que um dos requisitos para a sua aplicação é, evidentemente, a da concordância do arguido e esta havia sido, ainda que verbalmente, por si afastada. Pode o arguido não concordar com os fundamentos ali consignados para a não aplicação da suspensão provisória do processo, mas não pode alegar que inexiste fundamentação para tal assim acontecer, já que o motivo para o afastamento daquele mecanismo é expressamente indicado, sendo seguro que aquela fundamentação, ainda que exigível, deverá ser suficientemente conforme à economia que preside à forma especial do processo, nos termos do Artº 268 nº3 da Constituição da República Portuguesa. Se assim é, e tal parece-nos cristalinamente evidente face ao que consta do processado, torna-se igualmente claro que inexiste qualquer nulidade da acusação - a qual, na argumentação recursiva, se fundava, precisamente, na ausência de fundamentação para a não aplicação da suspensão provisória do processo - cujo elenco decorre das disposições combinadas dos Artsº 119, 120, 283 e 311, todos do CPP, neles não se descortinando a que agora é reportada pelo recorrente. Por fim, importa notar, que em requerimento precedente à dedução da acusação, subscrito pelo seu Ilustre Mandatário, o arguido não solicitou a aplicação do regime da suspensão provisória do processo, nem requereu a possibilidade de ser interrogado para tanto, limitando-se a requer prazo para preparação da defesa relativa ao início do julgamento, nos termos do Artº 387 nº2 al. a) do CPP. Em suma, não se verifica qualquer nulidade na submissão dos autos a julgamento, já a que não aplicação do mecanismo da suspensão provisória do processo foi suficientemente fundamentada pelo MP em momento anterior à prolacção do libelo acusatório. Assim sendo, o recurso improcede, nesta parte. B.2. Da nulidade probatória do exame de pesquisa de álcool Alegou ainda o arguido, que tendo os factos dos autos ocorrido em 20/01/23, a medição à sua taxa de álcool no sangue (TAS) foi obtida através de um alcoolímetro cujo prazo de validade estava, há muito (6 anos), caducada, tendo em conta que o mesmo é de 10 anos contados desde a data da sua aprovação (06/06/17), pelo que tal medição não pode servir como prova incriminatória. Na sentença recorrida, esta matéria foi tratada do seguinte modo (transcrição): 4. DA NULIDADE PROBATÓRIA DO EXAME DE PESQUISA DE ÁLCOOL NO SANGUE EFECTUADO AO ARGUIDO EM 20/01/2022 Invoca o arguido que, no que respeita à acusação deduzida pelo Ministério Público, deverá ser proferido despacho de não pronúncia com fundamento, por um lado, na caducidade da aprovação do alcoolímetro Dräger Alcotest 7110 MK IIIP utilizado no exame realizado ou, por outro lado, por ter sido utilizado na realização do teste alcoolímetro cuja validade da verificação periódica já houvera expirado. * Para apreciação das questões suscitadas, resultam demonstrados os seguintes factos, tendo por base os meios probatórios que se elencam: a. No dia 20/01/2022, pelas 12h14m, o arguido AA efectuou teste de pesquisa de álcool no sangue através do alcoolímetro de marca Dräger, modelo 7110 MKIII P, n.º de série ARAN-0037 – resulta demonstrado a partir da conjugação do teor do auto de notícia de fls. 3 ss bem como do talão n.º ...73, a fls. 14 dos autos, dos quais resulta atestada a submissão do arguido aquele meio, através do referido equipamento. b. Em 16/11/2022 foi emitido pelo Instituto Português da Qualidade o certificado de verificação n.º 701.51/2243157, tendo por objecto verificação periódica efectuada ao equipamento referido em a) em 31/10/2022, tendo sido emitido, como resultado, a qualificação de “aprovado” - resulta demonstrado a partir do teor do certificado de verificação de fls. 5, no qual se mostram apostas as assinaturas digitais que atestam a emissão do aludido certificado na data indicada, bem como os elementos que constam do seu teor, inexistindo razões que suscitem qualquer dúvida a respeito do teor que o mesmo verte. c. O certificado referido em b) declara que “ao abrigo do artigo 7.º da Portaria n.º 1556/2007 de 10 de Dezembro, que aprova o regulamento do contrato metrológico legal dos alcoolímetros, a operação associada a este certificado de verificação é válida por um ano” - resulta demonstrado a partir do teor do certificado de verificação de fls. 5 (constando do seu teor). d. O modelo de equipamento referido em a) foi aprovado pelo despacho n.º 11037/2007, de 24/04/2007, do presidente com Conselho de Administração do Instituto Português da Qualidade, I.P. - resulta demonstrado a partir do teor do certificado de verificação de fls. 6 (constando do seu teor), consubstanciando ainda elemento jurídico de conhecimento normativo porquanto publicado na 2.ª série do Diário da República n.º 109, de 6/06/2007. e. O despacho referido em d) declara o seguinte: “Validade. – A validade desta aprovação é de 10 anos a contar da data de publicação no Diário da República”- resulta demonstrado a partir do teor do aludido despacho consubstanciando elemento jurídico de conhecimento normativo porquanto publicado na 2.ª série do Diário da República n.º109, de 6/06/2007. f. Por despacho proferido em 25/06/2009, pelo presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, foi aprovada a utilização na fiscalização de trânsito do alcoolímetro quantitativo referido em a) - resulta demonstrado a partir do teor do aludido despacho consubstanciando elemento jurídico de conhecimento normativo porquanto publicado na 2.ª série do Diário da República n.º 106, de 27/08/2009, rectificado pela declaração de rectificação n.º 1078/2016, publicada na 2.ª série do Diário da República n.º 212, de 4/11/2016. * 4.1. DA UTILIZAÇÃO (IR)REGULAR DE APARELHO APÓS A ALEGADA CADUCIDADE DO DESPACHO DE APROVAÇÃO DE MODELO DRÄGER ALCOTEST 7110 MK IIIP. Atenta a questão suscitada, o objecto a decidir passa, desde logo, por apurar se a utilização do alcoolímetro de marca Dräger, modelo 7110 MKIII P, n.º de série ARAN-0037, aprovado pelo despacho do presidente do Conselho de Administração do Instituto Português e da Qualidade, I.P. e publicado em Diário da República em 06/06/2007, poderá ser utilizado decorrido o prazo de validade de 10 anos pelo qual foi concedido. Vejamos. Prevê o artigo 125.º do Código de Processo Penal que são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei, norma que consagra o princípio da atipicidade dos meios de prova legalmente admissíveis a juízo. Sem prejuízo do comando genérico, estabelece o artigo 126.º, .º1 do Código de Processo Penal a nulidade das provas obtidas “mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas”, considerando-se ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, ainda que com o seu consentimento, mediante “perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos, perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação, utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei, ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto” ou mediante “promessa de vantagem legalmente inadmissível”. Tais limitações radicam, por um lado, de concretas manifestações da dignidade da pessoa humana enquanto parâmetro normativo do ordenamento jurídico, concedendo-se assim protecção à integridade pessoal dos cidadãos, da intimidade da vida privada e, ainda, da inviolabilidade do domicílio, correspondência e telecomunicações, previstas nos artigos 25.º, n.º1 e 2, 26.º e 34.º da Constituição. Ora, os aludidos normativos correspondem à concretização do disposto no artigo 32.º, n.º8 da Constituição, o qual afirma a nulidade de “todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”. Aproximando do caso e tendo em consideração a perigosidade emergente da circulação de veículos, o legislador consagrou um sistema probatório (de verdadeira prova tarifada) a respeito da constatação da existência, por parte dos condutores de demais utentes da via, de especiais estados de perigosidade, mormente causados pelo consumo de álcool e substâncias psicotrópicas. Para o efeito, estabelece o artigo 152.º, n.º1 do Código da Estrada que devem submeter às provas estabelecidas para a detecção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas os condutores, os peões, sempre que sejam intervenientes em acidentes de trânsito e as pessoas que se propuserem iniciar a condução. Seguindo a metodologia legal, o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito (artigo 153.º, n.º1 do Código da Estrada), tendo o legislador, no plano regulamentar, consagrado a necessária realização do teste indiciário de detecção, através de indicador qualitativo (artigo 1.º, n.º1 da Lei n.º 18/2007), o qual se destina exclusivamente a aferir a (in)existência de álcool no organismo. Sendo o resultado positivo (ou seja, tendo o analisador qualitativo identificado a presença de álcool no organismo), deve o cidadão ser sujeito a teste de pesquisa de álcool no ar expirado de natureza quantitativa (artigo 1.º, n.º2 e 2.º, n.º1 da Lei n.º 18/2007) ou ser sujeito a análise de sangue, a qual deve ser efectuada quando não por possível realizar o teste em analisador quantitativo (artigo 1.º, n.º2 e 3 da Lei n.º 18/2007). Para o efeito, estabelece ainda o artigo 14.º, n.º1 e 2 da citada Lei n.º 18/2007 que “nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária”, sendo que “a aprovação a que se refere o número anterior é precedida de homologação de modelo, a efectuar pelo Instituto Português da Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros”. No caso, dúvidas não restam que o aparelho em crise foi devidamente aprovado pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária para utilização em fins de cumprimento de normas estradais, bem como pelo Instituto Português da Qualidade. Contudo, o período de 10 anos relativamente à validade da aprovação do modelo mostravam-se decorridos a partir de 06/06/2017, data em que se completaram 10 anos da publicitação do despacho de aprovação do modelo. Tal circunstância implica a inadmissibilidade da sua utilização como meio probatório? A resposta mostra-se, necessariamente, negativa. Ora, conforme resulta do citado artigo 14.º, n.º 2 da Lei n.º 18/2007, a aprovação de modelo de teste quantitativo de álcool no ar expirado deverá obedecer ao regulamento do controlo metrológico dos alcoolímetros. O regulamento do controlo metrológico de alcoolímetros, à data dos factos, estabelecido pela Portaria n.º 1556/2007, estabelecia exclusivamente que “a aprovação de modelo é válida por 10 anos, salvo disposição em contrário no despacho de aprovação de modelo” (artigo 6.º, n.º3 da citada portaria), disposição que, em concreto, inexiste conforme já se viu. Todavia, paralelamente, estabelece o artigo 2.º, n.º7 do Decreto-Lei n.º 291/90, que estabelece o regime de controlo metrológico de métodos e instrumentos de medição “os instrumentos de medição em utilização cuja aprovação de modelo não seja renovada ou tenha sido revogada podem permanecer em utilização desde que satisfaçam as operações de verificação aplicáveis”. Ora, conjugado o aludido preceito com o disposto no n.º 2 do artigo 2.º do mesmo Decreto-Lei n.º 291/90, resulta que pese embora a aprovação de determinados modelos que cumpram funções metrológicas apresentem um prazo de validade findo o qual tal aprovação deverá ser renovada, a verdade é que a falta a falta de renovação ou, até, a revogação da aprovação do modelo não determina a imediata impossibilidade de recurso a tais equipamentos desde que se mostrem cumpridas as operações de verificação aplicáveis, mantendo-se, pro isso, legítima e legalmente conforme à lei a sua utilização. A razão de ser da norma é clara: sendo assegurada a conformidade do aparelho com as regras da ciência através das verificações legalmente previstas (ou seja, dito de modo coloquial, se o aparelho se encontra a funcionar de acordo com o que é suposto), inexistem razões para inviabilizar a utilização de um mecanismo metrologicamente válido independentemente no momento em que tenha sido proferida a decisão de autorização de colocação do mesmo em uso, na medida em que a verificação periódica assegura a conformidade dos resultados produzidos pelo equipamento com os parâmetros métricos. Tal interpretação normativa tem encontrado eco maioritário na jurisprudência nacional citando-se, por todos, designadamente os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 20/01/2015, proc. 314/13.0GFLLE, rel. Sérgio Corvacho, e do Tribunal da Relação de Guimarães, de 05/03/2018, rel. 122/17.9PFGMR, rel. Jorge Bispo. Não se olvida a interpretação vertida no aresto citado pelo arguido, pelo Tribunal da Relação de Évora de 17/06/2010 no processo n.º 89/07.1GTABF, rel. Maria da Graça Santos Silva. Contudo, como se impõe assinalar, o aludido aresto foi proferido à luz de enquadramento legislativo diverso (no caso, o Decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30 de Outubro, bem como a Portaria n.º748/94), circunstância que determina que a ratio decidendi que presidiu ao acórdão proferido não poderá ser, sem mais, transporto para o presente caso desde logo tendo em consideração o distinto quadro normativo que se impõe considerar. Assim, pelas razões expostas, impõe-se concluir que não assiste qualquer fundamento ao arguido na questão invocada porquanto se mostra plenamente admissível, enquanto meio de obtenção de prova, o recurso ao alcoolímetro de marca Dräger, modelo 7110 MKIII P, aprovado por despacho n.º 11037/2007, de 24/04/2007, do presidente com Conselho de Administração do Instituto Português da Qualidade, I.P, desde que sujeito a verificação periódica nos termos legalmente estabelecido, o que aconteceu na medida em que entre a data de verificação – 31-10/2022 – e a data do teste – 20/01/2023 – decorreu período inferior a um ano, improcedendo, por isso, a questão suscitada. Concorda-se, por inteiro, com o teor do decidido pela instância recorrida, que analisa, certeiramente, as implicações jurídicas da questão, pouco, ou nada, havendo a acrescentar. Apenas mais duas ou três notas em remate do que se transcreveu. A primeira, para reforçar que o aresto desta Relação citado pelo arguido no seu recurso reporta-se, como bem nota a decisão recorrida, a um quadro normativo que é diverso do presente, pelo que a sua relevância, como decisão a seguir, fica manifestamente enfraquecida. A segunda, no seguimento deste raciocínio, para confirmar que a interpretação secundada pela decisão recorrida é largamente maioritária na jurisprudência, onde, para além dos acórdãos ali referenciados, se pode acrescentar, por todos, o da Relação de Coimbra, de 27/06/18, no Proc. 1358/17.8PBCBR.E, cujo sumário é elucidativo: “I – O controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do Instituo Português da Qualidade, I.P. –IPQ e compreende as seguintes operações: a) Aprovação de modelo; b) Primeira verificação; c) Verificação periódica; d) Verificação extraordinária II – Sendo a aprovação do modelo válida por 10 anos, salvo disposição em contrário. III – Atingido o prazo inicial de aprovação de 10 anos, o mesmo modelo pode ser renovado, ou seja, com o atingir do prazo, não significa que o modelo não esteja apto a continuar a proceder a medições técnicas de qualidade. IV – Quando o modelo atingiu o prazo de validade por que foi aprovado, significa que a partir deste prazo, não podem ser introduzidas novos aparelhos, deste modelo, para uso, para medição, com sujeição à respectiva primeira verificação prevista no artigo 3.º do DL nº 291/90. V – O que expirou (expira), é a aprovação do modelo em si, mas não expirou (expira) a qualidade técnica de um modelo aprovado, embora não renovada essa aprovação, para poder continuar a ser usado, nos condicionalismos legalmente previstos.” A terceira e última, somente para dizer que tal entendimento é o exigido pelo teor do Artº 2 nsº2 e 7 do D.L 291/90, de onde resulta que a intenção da lei é precisamente que a não renovação de um determinado modelo de alcoolímetro, não acarreta que os aparelhos em causa não possam continuar a ser utilizados em actividade de medição, desde que se mostrem em bom funcionamento, de acordo com as regras da ciência e das verificações legalmente previstas, questão que o arguido nem sequer sugere, limitando-se a invocar uma proibição de prova em consequência de o aparelho ter sido utilizado já depois de passado o seu prazo de validade. Em suma, considerando-se, pelas razões expostas na sentença sindicada e que merecem total acolhimento, que o aparelho em causa poderia ser validamente utilizado para a mediação da TAS apresentada pelo arguido, torna-se obrigatório concluir pela inexistência de prova proibida, aceitando-se assim como bom o resultado obtido com tal medição. Improcede, deste modo, o recurso. 3. DECISÃO Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso e em consequência, manter, na íntegra, a sentença recorrida. Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça, atendendo ao trabalho e complexidade das questões suscitadas, em 3 UC, ao abrigo do disposto nos Arts 513 nº 1 e 514 nº 1, ambos do CPP e 8 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa. xxx Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos signatários. xxx Évora, 12 de Julho de 2023 Renato Barroso (Relator) Fernando Pina (Adjunto) Ana Bacelar Cruz (Adjunta) |