Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
513/10.6TBLLE.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
CONTAGEM DOS PRAZOS
Data do Acordão: 07/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Com a aprovação e entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, extinguindo-se a figura da interrupção, passando o requisito da negligência das partes em promover o impulso processual a relevar em termos da deserção.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 513/10.6TBLLE.E1 (2ª Secção Cível)


ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

(…) intentou ação declarativa com processo comum, contra (…) – Britas do Sotavento, Lda., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo do Comércio de Olhão – J1), com vista à declaração de nulidade ou anulação das deliberações sociais tomadas na assembleia geral da ré realizada no dia 22/01/2010, tendo, no decurso dos autos, sido habilitada a intervir nos mesmos em substituição do primitivo autor, (…).
Em sede de audiência preliminar, realizada no dia 15/12/2011, foi solicitada a suspensão da instância pelas partes atenta a possibilidade de acordo, o que foi deferido pelo período de 60 dias.
Por requerimento de 12/03/2010 vieram as partes requerer a suspensão da instância por mais um período de 90 dias.
Em 13/12/2012 foi proferido despacho a ordenar a notificação as partes para requererem o que tiverem por conveniente em face do decurso do período de suspensão da instância.
Por requerimento de 24/01/2013 vieram as partes requerer a suspensão da instância por mais três meses visto terem “em curso negociações com vista à resolução do litígio por conciliação”.
Por despacho de 05/02/2013 que apreciou o requerimento de 24/01/2013 foi deferida a suspensão da instância por um período de 30 dias e foram as partes alertadas para que “decorrido o mencionado prazo sem que, nos dez dias posteriores, algo seja requerido, iniciar-se-á o prazo de interrupção da instância, previsto no artº 285º do CPC”.
Com data de 27/05/2014 foi proferido o seguinte despacho:
Uma vez que o processo se encontra a aguardar impulso processual há mais de seis meses, considero deserta a instância e, em consequência, declaro a mesma extinta (artº 281º, nº 1 e nº 2, e 277º, al. c), do novo Código de Processo Civil, aplicável aos autos por força do disposto no artº 5º, nº 1, da Lei nº 41/2013, de 26.06, que aprovou o novo Código de Processo Civil).”
Inconformada com este despacho veio a autora interpor o presente recurso, terminando, nas suas alegações, por formular as seguintes conclusões que se transcrevem:
1 - É ilegal o despacho recorrido que declara a deserção da instância por, suspensa esta, haverem decorrido mais de seis meses desde o início de vigência do Código de Processo Civil de 2013, sem impulso processual das partes, quando na verdade, a instância, suspensa por trinta dias, por despacho do Juiz, a requerimento das partes, com notificação elaborada no Citius em 6 de Fevereiro de 2013, retomou o seu curso, por a suspensão ter cessado em 12 de Março de 2013, sem que o Tribunal haja designado data para continuação da Audiência Preliminar entretanto iniciada.
2 A suspensão da instância determina que os prazos judiciais não correm, e enquanto durar a suspensão apenas podem praticar-se atos urgentes destinados a evitar dano irreparável (artigo 275° do CPC de 2013 e artigo 282° do CPC anterior).
3 - Ambos os diplomas citados permitem que o Juiz ordene a suspensão da instância de livre iniciativa ou a requerimento das partes.
4 - Na vigência do CPC anterior a 1 de Setembro de 2013, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 276°, n01, alínea c) e 279º, n.º 1 e nº 4, o Juiz podia ordenar a suspensão da instância a pedido das partes, desde que a suspensão não ultrapassasse, no total, seis meses, e, uma vez decorrido o prazo de suspensão, cessava a suspensão da instância e voltavam os prazos a correr e os autos prosseguiam (artigo 284.º, n.º 1, alínea c), cessação que ocorria por mero efeito do decurso do prazo, pois havia sido o Juiz a ordenar a suspensão, embora a requerimento das partes (artigos 279°, nº 4 e 276º, alínea c) e artigo 284°, nº 1, alínea c).
5 - No domínio do CPC anterior a cessação da suspensão da instância ordenada pelo Juiz embora a requerimento das partes não dependia de impulso processual destas, inexistindo preceito legal que impusesse às partes qualquer impulso para fazer cessar a suspensão da instância nessas circunstâncias ou que permitisse ao Juiz, nessas circunstâncias, impor-lhes tal dever de impulso processual.
6 - O CPC de 2013 manteve este regime, o de o Juiz poder ordenar a suspensão da instância a requerimento das partes, embora agora com um máximo de três meses, não sendo necessário o impulso processual das partes para fazer cessar a suspensão, nem podendo o Juiz impor-lhes tal dever suspensão que cessa por mero efeito do decurso do prazo de suspensão, como decorre do artigo 269°, n.º1, alínea c) e última parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 276°.
7 - No caso dos autos, teve início a Audiência Preliminar em 15 de Dezembro de 2011, e nessa audiência foi ordenada pelo Juiz a suspensão da instância a requerimento das partes, por sessenta dias, tendo, depois as partes efetuado mais requerimentos de suspensão que foi sendo ordenada.
8 - Efetuado um último pedido de suspensão, este apenas foi deferido por 30 dias, por o Juiz ter entendido não o poder ser por período superior, pois de outro modo seria ultrapassado o prazo de seis meses previsto no n.º 4 do artigo 279° do anterior CPC, determinação esta e preceito este que já revelam a preocupação de respeitar a celeridade processual e a reforma nesse sentido imprimida pelo Governo ainda na vigência do diploma referido.
9 - Este último despacho que ordenou a suspensão da instância por 30 dias foi objeto de notificação às partes elaborada no Citius com data de 6 de Fevereiro de 2013, pelo que daqui decorre que o prazo de trinta dias de suspensão da instância se completou em 12 de Março de 2013, tendo a instância retomado o seu curso em 13 de Março de 2013, sem necessidade de impulso processual das partes ou notificação de qualquer despacho do Juiz, atento o que resulta das disposições legais já citadas nas conclusões anteriores.
10 - Acresce que foi atingido o máximo de seis meses de suspensão então permitido pela lei processual vigente, pelo que outra vicissitude processual não podia seguir-se, que não fosse retomar a instância o seu curso normal, sem necessidade de impulso processual, não sendo admissível, mesmo que as partes o desejassem a continuação da suspensão da instância.
11 - Cessado o prazo de trinta dias fixado para suspensão da instância, e esgotado o prazo de seis meses previsto no n.º 4 do artigo 279º do CPC anterior, cabia ao tribunal "a quo" designar data para a continuação da Audiência (antes "Preliminar", agora "Prévia"), não cabendo às partes qualquer impulso processual, que não vem previsto nem determinado nem no CPC anterior, nem no actualmente vigente, como causa de cessação de suspensão da instância no caso de a mesma ter sido ordenada pelo Juiz nas circunstâncias descritas.
12 - A suspensão da instância não foi determinada nem causada por facto elencado nem no CPC vigente nem no CPC anterior, que imponha o impulso processual das partes para a respetiva cessação, designadamente, não faleceu nenhuma das partes nem nenhum dos mandatários, simplesmente a suspensão da instância foi ordenada pelo Juiz, e inexistindo causa de cessação "nominada" prevista nos diplomas em causa, para esta hipótese, a cessação dá-se por efeito do decurso do prazo da suspensão, sem mais.
13 - Destas conclusões decorre que não é lícito considerar­se que a instância no presente processo ficou deserta por falta de impulso processual das partes, por terem decorrido mais de seis meses após o inicio de vigência do CPC de 2013, uma vez que nessa data, 1 de Setembro de 2013, a instância não se encontrava suspensa, tendo cessado a suspensão em 12 de Março de 2013, cabendo ao Tribunal, e não às partes, fazer prosseguir os autos, designando data para a continuação da Audiência Prévia.
14 - O despacho recorrido violou os artigos 276º, n.º 1, alínea c), 279.º, n.º 4 e 284.º, n.º 1, alínea c, última parte, do CPC vigente à data da determinação da suspensão da instância e da respectiva cessação e as disposições dos artigos 269°, n.º 1, alínea c), 276°, n.º 1, alínea c), última parte, do CPC vigente e ainda o artigo 281º e deste último diploma.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre apreciar e decidir
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O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.
Assim, a questão a apreciar, resume-se em saber, se o despacho impugnado deve ser revogado, por não se verificarem os pressupostos para que ocorra a deserção da instância.

Com vista a apreciar a questão há que ter em conta, o circunstancialismo factual supra referido no relatório que nos dispensamos de enunciar, de novo.

Conhecendo da questão
Desde já, cabe dar nota que em face dos reiterados pedidos de suspensão durante um período de cerca de dois anos e meio, fica a impressão de que nenhuma das partes tinha verdadeiro interesse em que a questão fosse efetivamente decidida pelo tribunal, não obstante a instauração da ação para o efeito.
Em 05/02/2013 a instância, por solicitação das partes, foi por determinação do juiz declarada suspensa ao abrigo do disposto no artº 279º, n.º 4, do VCPC, fixando-se no despacho o prazo de 30 dias durante o qual a suspensão ocorria, sendo que, findo esse prazo a suspensão se deve ter por cessada conforme decorre do disposto no artº 284º, n.º 1, alínea c), do VCPC, independentemente da prolação de qualquer despacho a declarar a cessação, ou seja, de forma automática.
Por isso, findo o prazo sem que as partes tivessem vindo aos autos requerer, informar ou solicitar o que quer que fosse, seria natural impôr-se ao Juiz ordenar o prosseguimento dos autos realizando a tramitação adequada, conforme defende a recorrente.
No entanto, no caso concreto, há que ter em consideração que o Juiz no despacho que deferiu a suspensão da instância não se limitou apenas a decretar esta, fixando também o momento em que se iniciaria o prazo de interrupção da instância se a inércia das partes fosse a realidade. Por isso, o Juiz não estava obrigado a impulsionar os autos como seria normal já que no próprio despacho em que deferiu a requerida suspensão da instância, determinou e alertou as partes para que findo o período de suspensão, sem que as partes requeressem o que quer que fosse iniciar-se-ia o prazo de interrupção da instância nos termos do artº 285º do VCPC, o que efetivamente veio a ocorrer.
Ou seja, o Julgador “a quo” no despacho em que ordenou a suspensão, acautelou logo a eventual inércia das partes passado que fosse o período da suspensão e determinou que se iniciasse o prazo de interrupção da instância, dando conhecimento às partes dessa realidade para providenciarem no sentido de impulsionarem os autos querendo, passando para elas, designadamente para a autora, o ónus de promover o andamento do processo.
Assim, cabia às partes, designadamente à autora o impulso processual, sob pena de correr o prazo de interrupção da instância e a consequente deserção passados que fossem dois anos por força do disposto no artº 291º, n.º 1, do VCPC.
Com a aprovação e entrada em vigor do NCPC extinguindo-se a figura da interrupção, passando o requisito da negligência das partes em promover o impulso processual a relevar em termos da deserção, pelo que há que ter em conta o âmbito da aplicabilidade de dois regimes processuais (CPC e novo CPC) as disposições referentes ao tempo e sua repercussão nas relações jurídicas, designadamente no que respeita à alteração de prazos o disposto no artº 297º do CC.
O prazo de deserção da instância passou de dois anos previstos no artigo 291º do CPC, na redação introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, para seis meses no novo CPC aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
Sendo o novo CPC aplicável às ações pendentes por força do disposto nos artigos 5º e 6º da citada Lei nº 41/2013, e por isso tem aplicação no processo em questão, há que ter em atenção que a redução do período de tempo necessário para que se considere deserta a instância, importando ter em conta o consignado no artigo 297º Código Civil cujo nº 1 dispõe que “a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
Emerge do circunstancialismo factual que em 1 de Setembro de 2013, ainda faltava muito mais do que seis meses para o prazo de deserção da instância se completar, tendo em conta o período de tempo de dois anos, necessário à verificação de tal desiderato, a partir interrupção.
Tendo em consideração que o fim da suspensão da instância ocorreu em 15/03/2013 e o início da vigência do NCPC ocorreu em 01/09/2013, embora sendo neste diploma fixado o período de inércia das partes em seis meses para a verificação da deserção da instância, não podemos olvidar que à data daquela entrada em vigor ainda faltava muito mais que seis meses para a verificação de tal deserção, iniciando-se a partir de então, o prazo de seis meses previsto no artigo 281º, nº 1, do NCPC.
De tal decorre que em 27/05/2014, data da prolação da decisão pela qual se julgou deserta a instância, já tinha decorrido esse prazo previsto no artigo 281º do NCPC, atendendo ao momento em que se teve por iniciada a contagem seguindo as regras impostas pelo consignado no artigo 297º, n.º 1, do CC e estando o processo a aguardar o impulso processual das partes e a correr o prazo de interrupção da instância, conforme decorre do teor do despacho antecedente ao despacho recorrido, não se impunha, também, qualquer notificação prévia a este a coberto do princípio da cooperação previsto no artº 7º do NCPC.
Em suma, devemos concluir que não era ao Julgador, mas sim às partes, em face das decisões constantes nos autos, que cabia o ónus da movimentação processual impeditiva da deserção da instância, donde o despacho recorrido apresenta-se adequado à tramitação processual, ao contrário do que defende a recorrente, sendo por isso de confirmar.
Irrelevam, assim, as conclusões da recorrente, impondo-se a improcedência da apelação.
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DECISÂO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Évora, 13-07-2017
Maria da Conceição Ferreira

Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura

Mário António Mendes Serrano