Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1839/17.3T8LLE.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: USUFRUTO
PRIVAÇÃO DE USO DE IMÓVEL
Data do Acordão: 01/31/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Constituído usufruto simultâneo a favor de duas pessoas, sem resultar do título qualquer restrição ou modificação dos respetivos direitos e obrigações, os direitos dos co-usufrutuários são qualitativamente e quantitativamente iguais, ou seja, ambos têm a faculdade de usar, fruir e administrar a coisa em igualdade de circunstâncias e inexistindo acordo quanto ao exercício do direito, parece adequado que as despesas ocasionadas com a administração, uso e fruição qualitativamente iguais devem correr por ambos, em partes iguais.
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1839/17.3T8LLE.E1

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório.
1. (…), residente na Praceta (…), nº 1, r/c, esq. Bobadela, instaurou contra (…), residente na Rua (…), nº 2, Portela da Azóia, Santa Iria da Azóia, ação declarativa com processo comum.

Alegou, em resumo, que em conjunto com o R., seu pai, é usufrutuária da fração autónoma correspondente ao 2º andar, frente direito, do prédio urbano sito na Rua (…), em Quarteira, que o R. mudou, por diversas vezes, a fechadura da porta impedindo-a de ter acesso à fração, que o R. arrendou a fração sem autorização da A., que a fração, caso estivesse arrendada, proporcionaria um rendimento mensal médio de € 600,00, que o R. se locupletou com este rendimento durante quarenta e seis meses e que a A. pagou as quantias de € 225,82 e € 383,12 respetivamente de água e eletricidade da fração usada exclusivamente pelo R.

Concluiu pedindo a condenação do R. (i) no pagamento da quantia de € 13.800,00, por ter impedido a A. de usar e fruir a fração, no período compreendido entre Agosto de 2013 a Maio de 2017, acrescida do pagamento da quantia de € 300,00 por mês, desde Junho de 2017 até efetiva entrega da chave da fração, acrescida de juros desde a citação, (ii) a reconhecer o direito da A. a utilizar a fração na sua totalidade (sem divisões ou armários trancados), no período compreendido entre Julho e Dezembro de cada ano; subsidiariamente, pede a condenação do R. (i) a reconhecer o direito da A. a utilizar a fração na sua totalidade (sem divisões ou armários trancados), (ii) a entregar, em qualquer dos casos, à A. cópia das chaves da fração, (iii) no pagamento da quantia de € 225,82, a título de conta de água e a quantia de € 383,12 a título de conta de eletricidade, acrescidas de juros desde a citação.

Contestou o R. argumentando, em síntese, que não impede a A. de exercer o usufruto da fração e que mudou a fechadura da fração porquanto a A. havia mudado a mesma fechadura para impedir o seu acesso ao imóvel que comprou, que entre si e a A. existem diferenças inconciliáveis impeditivas de qualquer acordo quanto ao uso da fração, cujo recheio é de sua pertença, com exceção do fogão, que nunca arrendou a fração, que a pretensão da A. de repartir o uso e fruição do imóvel é descabida por colidir com o título constitutivo do usufruto e que o uso simultâneo da fração é impossível, devido ao elevado de grau de conflitualidade existente entre ambos.

Concluiu pela improcedência da ação.

2. Foi proferido despacho que afirmou a regularidade e validade da instância, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença que dispôs designadamente a final:

“(…) julga-se a ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência:

A) Condena-se o Réu (…) a reconhecer o direito da Autora (…), enquanto co-usufrutuária, a utilizar, na sua totalidade, sem divisões ou armários trancados, a fração autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao segundo andar frente direito, do prédio urbano sito na Rua (…), freguesia de Quarteira, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…);

B) Condena-se o Réu (…) a entregar a chave da fração referida em A) à Autora (…);

C) Estabelece-se o uso alternado da fração referida em A), pelas partes, por períodos de seis meses que se fixam entre 16 de Janeiro a 15 de Julho e de 16 de Julho a 15 de Janeiro, atribuindo à Autora o período de 16 de Julho a 15 de Janeiro e ao Réu o período de 15 de Janeiro a 16 de Julho, e assim sucessivamente;

D) Condena-se o Réu (…) a pagar à Autora (…) a quantia de € 300,00 (trezentos euros) mensais desde a data da citação até efetiva entrega à Autora da chave da fração identificada em A), acrescida de juros de mora desde a data da citação até efetiva entrega dessa chave;

E) Condena-se o Réu (…) a pagar à Autora (…) o montante de € 304,47 (trezentos e quatro euros e quarenta e sete cêntimos) acrescido de juros desde a citação;

F) Absolve-se o Réu do demais peticionado.

3. O R. recorre da sentença e conclui assim a motivação do recurso:
“a) Recorre-se da Sentença de 13.03.2018, que o condena a reconhecer o direito da Autora, (…), enquanto co-usufrutuária, a utilizar, na sua totalidade, sem divisões ou armários trancados, a fração autónoma designada pela letra “F”, mais em entregar a chave da fração referida, que estabelece o uso alternado da fração referida pelas partes por períodos de seis meses que se fixam entre 16 de Janeiro a 15 de Julho e de 16 de Julho a 15 de Janeiro, bem como a pagar a quantia de € 300,00 mensais desde a data da citação até efetiva entrega à autora da chave da fração, acrescida de juros de mora desde a data da citação até a efetiva entrega, e por fim condenado ao pagamento do montante de € 304,47 acrescido de juros desde a citação.
b) A Sentença proferida pelo douto Tribunal é profundamente injusta para com o Réu, atribuindo-lhe o período de uso do imóvel nos meses acima mencionados, já que sendo um homem de idade e com problemas de saúde, necessita de usar o imóvel nos meses de calor mais intenso para usufruir da praia.
c) Deverá ser fixado o uso simultâneo da fração, até porque são pai e filha.
d) Vem o Réu condenado a pagar à Autora a quantia de € 300,00 mensais.
Pergunta-se a que título foi fixado este montante ao Réu?
e) Na verdade, a Autora vem pedir esse pagamento, mas onde se baseia para fundamentar o pedido?
f) É que ficou provado em sede de julgamento que o Réu não arrendou o imóvel, nunca tendo retirado nenhum provento do mesmo.
g) Muito pelo contrário, o referido imóvel só lhe deu despesas até ao momento já que, para além de outras despesas, foi o Réu que liquidou as despesas do condomínio, até 2014, altura em que deu entrada o primeiro de diversos processos neste douto Tribunal, sobre o imóvel.
h) É ainda o Réu condenado ao pagamento da quantia de € 304,47, mas não se entende a que título vem este pagamento, a sua base legal e o seu fundamento.
i) O Réu apenas utiliza e tem usufruto de um imóvel que o mesmo adquiriu e liquidou, fruto do seu trabalho e devido ao pagamento de uma indemnização devido à insolvência da empresa onde trabalhou durante muitos anos e que colocou em nome da sua única filha.
j) A testemunha (…) vive no mesmo prédio e mesmo patamar do citado imóvel e paga de renda € 300,00 – pág. 17 da Transcrição.
k) Ora, como é que pode o douto Tribunal vir dizer que ficou provado que a renda do imóvel acedia a € 600,00?
l) Esta matéria não ficou provada em absoluto.
m) Além de que, ficou provado que o Réu nunca arrendou o imóvel e também não se provou que a Autora tenha despendido qualquer outra quantia no pagamento de uma casa de férias no Algarve.
n) O douto Tribunal ao condenar o Réu a entregar o montante de € 300,00 sem fundamentar o mesmo ou existir sequer suporte legal ou factual para a entrega do referido montante, há um enriquecimento sem causa por parte da Autora.
o) Não há conhecimento que a Autora alguma vez se tenha aproximado do Réu e tenha expressado a sua vontade ou intensão de ocupar o imóvel ou nele passar férias.
p) O Réu não conhece os netos e em boa verdade esse era o seu desejo. Em vez de se dirigir ao Réu, a Autora prefere intentar ações em Tribunal.
q) A relação do Réu e da Autora tem alguma animosidade, mas não pode, por esse motivo, ser o Réu prejudicado em benefício exclusivo da Autora.
r) A partir de determinada altura e sem comunicar ao Réu, a Autora foi fazer a mudança dos contadores da água e da eletricidade para seu nome. Até então o Réu assumia as despesas.
s) O Réu também pagou despesas de condomínio e também de água e luz, não tendo sido ressarcido das quantias que despendeu.
Nestes termos, requer-se que o presente recurso seja conhecido e perante o exposto,
- Seja reconhecido o direito de uso simultâneo e em iguais condições da Autora e Réu.
- Seja o Réu absolvido relativamente às quantias a pagar, € 300,00 e € 304,00 por não existir fundamento legal e fatual para a sua condenação. Assim se fazendo JUSTIÇA!”
Não houve lugar a resposta.

Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II - Objeto do recurso.
O objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso e pelas questões de conhecimento oficioso, sem prejuízo do não conhecimento de questões prejudicadas pela solução dada a outras – cfr. artºs. 635º, nº 4, 639º, nº 1, 608º, nº 2 e 663º, nº 2, todos do Código de Processo Civil.
Vistas as conclusões das motivações dos recursos, importa decidir: (i) a impugnação da matéria de facto, (ii) se a decisão recorrida deve ser revogada na parte em que regulou o exercício do uso da fração e na parte em que condenou o Recorrente no pagamento da quantia de € 300,00 mensais até entrega da chave da fração e no pagamento da quantia de € 304,00 por despesas de água e eletricidade.


III. Fundamentação.
1. Factos.
1.1. A decisão recorrida julgou assim os factos:
Factos provados:
1. Encontra-se inscrito no registo predial a favor da Autora e do Réu, pelas Ap. (…) de 2013/07/25 e Ap. (…) de 2000/07/20, respetivamente, o direito de usufruto da fração autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao segundo andar frente direito, do prédio urbano sito na Rua (…), freguesia de Quarteira, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…).
2. A propriedade da fração descrita em 1. encontra-se inscrita no registo predial a favor da Autora pela Ap. (…) de 2000/07/20.
3. A fração descrita em 1. foi adquirida por 11.000.000$00 (onze milhões de escudos), por escritura pública celebrada no 2.º Cartório Notarial de Faro no dia 7 de Julho de 2000, tendo a nua propriedade sido vendida à Autora pelo preço de 5.500.000$00 (cinco milhões e quinhentos mil escudos) e, em simultâneo, o usufruto vendido aos pais desta, o ora Réu e (…), pelo preço de 5.500.000$00 (cinco milhões e quinhentos mil escudos).
4. Após o divórcio, os pais da Autora deixaram de se entender quanto ao exercício do usufruto que ambos detinham sobre a fração autónoma, tendo o Réu passado a usar a mesma como se de único usufrutuário se tratasse.
5. Através de escritura pública celebrada em 19 de Julho de 2013, (…) doou à filha, ora Autora, o seu direito de usufruto sobre a aludida fração.
6. A Autora intentou ação de divisão de coisa comum contra o Réu, que correu termos sob o n.º 2489/13.9TBLLE, Juízo Local Cível de Loulé-J1, com vista a pôr termo à situação de co-usufruto, pedindo que lhe fosse adjudicado o usufruto exclusivo sobre a aludida fração autónoma.
7. O Réu foi citado dos termos da ação referida em 6., tendo o aviso de receção sido assinado por terceira pessoa no dia 13 de Setembro de 2013.
8. Na Conferência de Interessados, no âmbito do processo referido em 6., que teve lugar no dia 15 de Março de 2017, a Autora desistiu do pedido.
9. O Réu mudou, pelo menos por uma vez, em data que não se logrou apurar, a chave da porta da fração referida em 1.
10. O Réu não deu uma cópia da chave à Autora.
11. A Autora não tem acesso à fração autónoma referida em 1.
12. A fração em causa é de tipologia T2, com a área 73 m2, e fica aproximadamente a 200 metros da praia de Quarteira.
13. O valor de mercado da fração para efeitos de arrendamento cifra-se, pelo menos, em € 600,00 (seiscentos euros) por mês.
14. A Autora tem dois filhos menores em idade escolar.
15. A Autora efetuou o pagamento referente ao fornecimento de água no período compreendido entre Agosto de 2013 e Julho de 2015, no montante de € 225,82 (duzentos e vinte e cinco euros e oitenta e dois cêntimos).
16. A Autora efetuou o pagamento referente ao fornecimento de eletricidade no período compreendido entre Setembro de 2013 e Julho de 2015, no montante de € 383,12 (trezentos e oitenta e três euros e doze cêntimos).
17. A Autora é filha do Réu e a relação entre os mesmos é conflituosa.
18. A fração referida em 1. é usada como habitação de férias.
Factos não provados:
a) O Réu sabe que a Autora é titular do direito real de usufruto desde 19 de Julho de 2013.
b) O Réu tem impedido o exercício do usufruto à Autora desde que esta o adquiriu.
c) Para além do provado em 9., o Réu mudou a chave da porta diversas vezes.
d) O Réu arrendou a fração autónoma a terceiros.
e) A Autora pediu uma cópia da chave da fração ao Réu.
f) O Réu locupletou-se dos rendimentos da fração desde Agosto de 2013 a Maio de 2017.

1.2. A impugnação da matéria de facto.

Com fundamento na ausência de prova, considera o Recorrente que a matéria de facto vertida no ponto 13 dos factos provados – o valor de mercado da fração para efeitos de arrendamento cifra-se, pelo menos, em € 600,00 (seiscentos euros) por mês – não se prova.
A decisão recorrida motivou assim a resposta à matéria impugnada: “quanto ao facto vertido em 13., relativamente ao valor locativo da fração, pese embora a ausência de prova direta quanto ao mesmo, o Tribunal ancorou-se nas regras do mercado e da experiência comum, tendo em consideração a tipologia do apartamento (T2) e a localização próxima de uma das praias mais conhecidas do Algarve, como é do conhecimento geral. Assim, e independentemente de eventuais oscilações no valor locativo consoante a época do ano, é do conhecimento geral que o valor de arrendamento no período sazonal de Verão sobe muito acima da média relativamente aos demais períodos do ano, sendo seguramente, superior a € 600,00 (seiscentos euros) por mês.
O juízo de facto impugnado não se fundamentou na prova produzida, mas na circunstância de haver considerado que o facto é do conhecimento geral, ou seja, na metodologia da decisão recorrida a matéria de facto impugnada comporta uma facto notório e estes, decorre da lei (artº 412º, nº 1, do CPC), não carecem de prova.
Ao afirmar que a matéria de facto impugnada não decorreu da prova produzida o Recorrente não diverge dos fundamentos da decisão recorrida, converge com eles e, assim, ainda que depois de ouvida a prova se lhe houvesse que dar razão, por se constatar então que sobre o facto não foi produzida qualquer prova, inexistiria qualquer fundamento para se alterar o ajuizado, porquanto ele não se funda na existência de prova sobre o facto e, pelo contrário, inicia por assinalar a sua ausência.
Discutível será o trato do facto provado como facto notório, isto é, se é seguro afirmar-se que é do conhecimento da grande maioria dos cidadãos do País, que possam considerar-se regulamente informados[1] que o valor de mercado para efeitos de arrendamento duma fração com as características e localização da fração reportada nos autos se cifra, pelo menos, em € 600,00 por mês.
O Recorrente, porém, não coloca esta questão, ou seja, ela não constitui fundamento ou razão da pretendida alteração da matéria de facto e, assim, dela não se pode conhecer no recurso sob pena de nulidade da decisão (artºs 615º, nº 1, al. d) e 666º, nº 1, ambos do CPC).
Fundamentada em razões que a decisão recorrida já incorpora e que com ela convergem, a impugnação da matéria de facto improcede.

2. Direito

2.1. Se a decisão recorrida deve ser revogada na parte em que regulou o exercício do uso da fração.

O Recorrente e a Recorrida, pai e filha, são usufrutuários da fração autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao segundo andar frente direito, do prédio urbano sito na Rua (…), freguesia de Quarteira, mas não se entendem quanto ao exercício dos respetivos direitos, o R. mudou a fechadura da porta da fração, não deu uma cópia da chave à A. e esta não pode usar e fruir da fração porque a ela não pode aceder.
A decisão recorrida dirimiu o conflito regulando o uso da fração e, como se trata de uma casa de férias, fixou dois turnos, um entre o dia 16 de Janeiro e 15 de julho e o outro entre o dia 16 de Julho e 15 de Janeiro, atribuindo o primeiro turno à Recorrida e o segundo ao Recorrente.
O Recorrente diverge da decisão recorrida argumentando que lhe foi atribuído um período que não se ajusta à sua idade e problemas de saúde – necessita de usar o imóvel nos meses de calor mais intenso – e defende que deverá ser fixado o uso simultâneo da fração.
O usufruto é o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância (artºs 1439º, do CC), como faria um bom pai de família, respeitando o seu destino económico (artº 1446º do CC).
O usufruto constitui-se por negócio jurídico, inter vivos ou mortis causa, usucapião ou por disposição da lei (artº 1440º, do CC) e pode beneficiar várias pessoas, simultânea ou sucessivamente (artº 1441º, do CC); constituído simultaneamente a favor de várias pessoas configura-se uma situação de comunhão no direito a que são aplicáveis, sem prejuízo da disciplina própria do usufruto, as regras da compropriedade (artº 1404º do CC), designadamente as relativas ao uso da coisa ou direito (artº 1406º do CC).
O usufrutuário tem, em primeiro lugar, o poder de usar e fruir a coisa como faria um bom pai de família, respeitando o seu destino económico e as eventuais restrições (modificações) documentadas no título constitutivo.
Constituído simultaneamente a favor de duas pessoas, ambos têm o poder de usar e fruir a coisa, mas a lei estabelece os critérios para o exercício dos poderes de uso: (i) por acordo dos interessados e (ii) na falta de acordo, qualquer dos interessados pode servir-se da coisa desde que não prive o outro do uso a que igualmente tem direito (artº 1406º, nº 1, do CC).
Inexistindo acordo quanto ao uso da coisa e servindo-se um dos co-usufrutuários em exclusivo dela, privando o outro do seu direito de uso, ocorre a violação deste direito e com ela a responsabilidade pelos prejuízos causados nos termos da responsabilidade por facto ilícitos (artº 483º do CC).
À luz destes considerandos vejamos o caso dos autos.
Mostra-se constituído o direito de usufruto simultâneo a favor do Recorrente e da Recorrida sobre a fração, propriedade da primeira, por ser assim, ambos têm o poder de usar e fruir a fração e não tendo encontrado, por acordo, forma de exercerem os seus simultâneos e qualitativamente idênticos direitos, a qualquer um deles é licito servir-se da fração desde que, respetivamente, não privem o outro do uso a que igualmente tem direito.
Aceção que não apoia a decisão recorrida assente como se mostra numa regulamentação judicial do uso da fração que a lei não contempla e que, salvo melhor opinião, a ela se opõe porquanto decreta para ambos os co-usufrutuários uma privação temporária do uso da coisa, em derrogação da faculdade que a lei reconhece, a qualquer deles, na falta de acordo, de usar a coisa sem qualquer restrição temporal, salvo os limites que decorrem do tempo de vida do usufrutuário ou do termo do prazo por que o direito foi conferido [artº 1476º, nº 1, al. a)].
Em conclusão, no usufruto simultâneo, o uso exclusivo da coisa por um dos co-usufrutuários, com privação do uso da coisa pelo outro, não confere ao titular preterido o direito à regulação judicial do exercício do uso sobre a coisa, sem prejuízo do direito a indemnização por perdas e danos.
Nesta parte e com este alcance, o recurso procede.

2.2. Se a sentença recorrida deve ser revogada na parte em que condenou o Recorrente no pagamento da quantia de € 300,00 mensais até entrega da chave da fração.

Na consideração que o Recorrente tem feito uso exclusivo da fração e privado a Recorrida do uso a que igualmente tem direito, a decisão recorrida a reconheceu a esta o direito a uma indemnização mensal de € 300,00, correspondente a metade do valor de mercado da fração para efeitos de arrendamento, com início na data da citação e termo com a entrega da chave da fração pelo Recorrente.

O Recorrente diverge deste segmento da decisão argumentando essencialmente que não ficou provado o valor da fração para efeitos de arrendamento e que nunca arrendou o imóvel [cclªs j) a n)].

O Recorrente impugnou, sem êxito, a decisão de facto na parte em que julgou provado o valor de mercado da fração para efeitos de arrendamento e, assim, sobre a primeira das apontadas divergências, importa afirmar que o valor da fração para efeitos de arrendamento mostra-se provado (ponto 13º dos factos provados) e que o recurso, quanto a ela, assenta em factos que não se provam e, assim, irrelevantes para a solução de direito (artº 607º, nº 3, a contrario, do CPC).

Prosseguindo, a indemnização em apreciação teve por fundamento a privação de uso da fração; na economia da decisão recorrida, o Recorrente, pelo menos, desde a data da sua citação tem obstado ao uso da fração pela Recorrida designadamente ao não haver colocado à sua disposição, depois de mudar a fechadura, uma cópia da chave da porta da fração. Destarte, e admitindo que o Recorrente nunca arrendou a fração, por ser este o seu argumento, tal facto não constitui fundamento para alterar a decisão, nem obsta à validade dos seus fundamentos, porquanto a decisão não se funda nele, ou seja, a circunstância do Recorrente nunca haver arrendado o imóvel é irrelevante para efeitos de modificar ou destruir, as razões de facto e de direito – privação do uso da fração – que justificaram a decisão recorrida.

O recurso improcede quanto a esta questão.

2.3. Se a sentença recorrida deve ser revogada na parte em que condenou o Recorrente no pagamento da quantia de € 304,00 por despesas de água e eletricidade.

A decisão recorrida condenou o Recorrente a pagar metade das despesas relativas aos fornecimentos de água e luz da fração que se provam haver sido pagas pela Recorrida, respetivamente, nos períodos de agosto de 2013 a Julho de 2015 e Setembro de 2013 a Julho de 2015 (pontos 15 e 16 dos factos provados).

O Recorrente diverge argumentando essencialmente que assumiu tais despesas (fornecimento da água e da luz) até ao momento em que a Recorrida mudou (para o seu nome) a titularidade de tais contratos e que também ele pagou despesas de água, luz e condomínio que esta não comparticipou [(cclªs r) e s)].

Argumentação, também aqui e a nosso ver, irrelevante para alterar a decisão.

Como se anotou na decisão recorrida, as despesas de administração da coisa, correm por conta do usufrutuário. “Estão a cargo do usufrutuário tanto as reparações ordinárias indispensáveis para a conservação da coisa como as despesas de administração” (artº 1472º, nº 1, do CC).

Constituído, como é o caso, usufruto simultâneo a favor de duas pessoas, sem resultar do título qualquer restrição ou modificação dos respetivos direitos e obrigações, como é também o caso, os direitos dos co-usufrutuários são qualitativamente e quantitativamente iguais, ou seja, ambos têm a faculdade de usar, fruir e administrar a coisa em igualdade de circunstâncias e inexistindo acordo quanto ao exercício do direito, como se verifica, parece adequado que as despesas ocasionadas com a administração, uso e fruição qualitativamente iguais devem correr por ambos, em partes iguais.

Regra, aliás, expressamente prevista para os comproprietários, aplicável, como supra referido, à comunhão de outros direitos, sem prejuízo do regime especialmente previsto para cada um destes (artº 1404º do CC).

“Os comproprietários devem contribuir, em proporção das respetivas quotas, para as despesas necessárias à conservação ou fruição da coisa comum, sem prejuízo da faculdade de se eximirem ao encargo renunciando ao seu direito” (artº 1411º, nº 1, do CPC).

As despesas que a Recorrida demonstra haver efetuado com o fornecimento de água e luz à fração comportam despesas ocasionadas pela fruição da coisa comum e, assim, ambos os co-usufrutuários devem contribuir para elas, na proporção das respetivas quotas; idêntica contribuição incumbirá, é certo, à Recorrida quanto a despesas com a conservação ou fruição da coisa comum exclusivamente suportadas pelo Recorrente (supondo que não se mostre privada, como até agora, do seu uso e fruição), mas a eventual existência deste direito não vem exercitado nos autos e, decisivamente, não obsta ao reconhecimento daquele e daqui a irrelevância, inicialmente apontada, da argumentação recursiva para alterar a solução de direito encontrada pela decisão recorrida quanto a esta questão.

Improcede o recurso também quanto a esta questão.

3. Custas

Vencidos parcialmente, o Recorrente e a Recorrida pagarão as custas na proporção de metade (artº 527º, nº 1, do CPC).


IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, na procedência parcial do recurso em:
a) Revogar a decisão recorrida na parte em que determina o uso alternado da fração [alínea C) do dispositivo da sentença].
b) Manter, em tudo o mais, a decisão recorrida.
c) Custas pelo Recorrente e Recorrida, na proporção de metade.

Évora, 31/1/2019
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
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[1] A. Reis, CPC Anot., III, pág. 261.