Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2150/09.9TBLLE.E1
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: RECURSO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
FALTA DE PROCURAÇÃO
RATIFICAÇÃO DO PROCESSADO
NOTIFICAÇÃO
Data do Acordão: 01/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
1. Não tendo sido junto com o recurso de impugnação judicial procuração forense passada a favor da Exma. Advogada que o subscreveu, impunha-se que a senhora juíza notificasse tanto a Arguida como a Ilustre Advogada subscritora do recurso para que a procuração em falta fosse junta e, quanto àquela, também para ratificasse o que por esta fora processado, a não ser que a procuração tivesse sido outorgada em data anterior à da impugnação judicial da coima, pois que, nesse caso, o processado estaria coberto pela outorga da procuração e nada haveria a ratificar.

2. A omissão da notificação do despacho recorrido à própria Arguida configura uma nulidade processual, atacável por via de recurso porquanto coberta por decisão judicial, cuja consequência, naturalmente, importa que todo o que posteriormente haja sido processado e que esteja absolutamente dependente da sua prática tenha que ser repetido.

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora (2.ª Secção Criminal):

I - Relatório.

1. A Câmara Municipal de Loulé instaurou um procedimento por contra-ordenação contra K.., SA. e na conclusão dele decidiu sancioná-la com uma coima.

Foi então apresentado no procedimento um recurso em nome da Arguida mas subscrito pela Ilustre Advogada Sr.ª Dr.ª M., a qual, porém, não se fazia acompanhar de procuração que a tal a habilitasse.

A Mm.ª Juíza proferiu então o despacho de folhas 46, no qual determinou o seguinte:

«Antes de mais, notifique a signatária do recurso de impugnação judicial de fls. 30 e seguintes para, em dez dias, juntar aos autos a competente procuração forense.»

Notificado que foi o despacho à Ilustre Advogada (e apenas a esta), decorreu o prazo para que a procuração tivesse sido junta.

Concluso que foi o processo, a Mm.ª Juíza proferiu então o despacho recorrido (folhas 48), cujo conteúdo é o seguinte:

O recurso de impugnação judicial que deu origem aos presentes autos mostra-se subscrito pela Exm.ª Sr.ª Dra. M., a qual não juntou a competente procuração forense.

Foi, então, notificada para, em dez dias, juntar o aludido documento, que protestara juntar.

Decorrido este prazo, nada foi requerido.

Nestes termos, julgo sem efeito o aludido recurso de impugnação judicial. Condeno a ilustre advogado no pagamento das custas, fixando a taxa de justiça em 1 UC - cfr. artigo 40.º do Código de Processo Civil (ex vi do artigo 4.º do Código de Processo Penal, aplicável por remissão do operada pelo artigo 41.º do RGCO).

2. Inconformada com tal despacho, dele recorreu a Arguida, pugnando pela sua revogação, ordenando a notificação da arguida para juntar a procuração devida e ratificar todo o processado, ou convidando-a simplesmente, a apresentar novo articulado de impugnação, subscrito pela própria, rematando a motivação com as seguintes conclusões:

1. A arguida K., S. A., impugnou a decisão condenatória da C. M. de Loulé, em que a condenava em duas coimas de 2.500,00 Euros cada.

2. Pela falta de licença de utilização, em dois dos seus estabelecimentos K e K.
3. Impugnou as decisões (C.O.s. 579/2006, 580/2006 e 332/2006 e 331/2006, em período de férias judiciais, encontrando-se os representantes legais fora de Lisboa.

4. A mandatária recebeu posteriormente, duas notificações de dois processos judiciais, sem qualquer equivalência aos processos contra-ordenacionais. Não sabendo se a falha da procuração na impugnação judicial, era da mandatária, ou se como outrora já aconteceu, se era da falta de junção dos originais do articulado e da procuração, que seguiram via postal, para os respectivos autos.

5. Compulsando estes, não foram conclusivos e por lapso, não foi requerida a referida equivalência dos processos judiciais aos contra-ordenacionais e foi o recurso, assim rejeitado.

6. Tanto mais que tinha sido solicitada a conexão de processos, invocando a aplicação de uma coima única, por haver ali um concurso de infracções. Mesmo tendo sido requerido, a entidade administrativa não deu qualquer resposta, apesar de a isso estar obrigada, nos termos do art.º 9.º do C.P.A.

7. O que deu origem a uma ilegalidade, e consequente Nulidade ou irregularidade, ambas supríveis. Abstendo-se igualmente o douto Tribunal do saneamento prévio do processo.

8. A falta de procuração junta aos autos, apenas afasta a legitimidade da mandatária, para representar a mandante. Contudo nestes processos contra-ordenacionais, não é obrigatória a constituição de mandatário ou a nomeação de defensor.

9. Bastando-se a arguida a si própria para se representar, aproveitando o tribunal recorrido, os actos que já tinham sido praticados e que não invalidam todo o processado.

10. Por outro lado, cabia ao douto tribunal a quo, notificar a arguida para juntar procuração, ou pelo menos mandar-lhe uma cópia, para esta tomar conhecimento das decisões que pendiam sobre si e que podiam atentar contra o seu direito de defesa. Tudo em conformidade com os art.ºs 46.º, 47.º do RGCO e 113.º / 9 do C.P.P. aplicável por força do art.º 41.º do RGCO.

3. O Ministério Público respondeu ao recurso, pronunciando-se o pela sua improcedência.

4. Nesta Relação, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta aderiu à fundamentação do douto despacho recorrido e à resposta do Ministério Público junto da 1.ª Instância e emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

5. Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417°, n.º 2 do Código de Processo Penal, sem qualquer sequela por parte do Recorrente.

6. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir.

II - Fundamentação.
1. Factos relevantes:

A Câmara Municipal de Loulé instaurou um procedimento por contra-ordenação contra K.. —S. A. e na conclusão dele decidiu sancioná-la com uma coima.

Foi então apresentado no procedimento um recurso em nome da Arguida mas subscrito pela Ilustre Advogada Sr.ª Dr.ª M.

O qual, porém, não se fazia acompanhar de procuração que a tal a habilitasse.

A Mm.ª Juíza proferiu então o despacho de folhas 46, no qual determinou o seguinte:

«Antes de mais, notifique a signatária do recurso de impugnação judicial de fls. 30 e seguintes para, em dez dias, juntar aos autos a competente procuração forense

Notificado que foi o despacho à Ilustre Advogada (e apenas a esta), decorreu o prazo para que a procuração tivesse sido junta.

Concluso que foi o processo, a Mm.ª Juíza proferiu então o despacho recorrido (folhas 48), cujo conteúdo é o seguinte:

«O recurso de impugnação judicial que deu origem aos presentes autos mostra-se subscrito pela Exm.ª Sr.ª Dra. M. a qual não juntou a competente procuração forense.

Foi, então, notificada para, em dez dias, juntar o aludido documento, que protestara juntar.

Decorrido este prazo, nada foi requerido.

Nestes termos, julgo sem efeito o aludido recurso de impugnação judicial. Condeno a ilustre advogado no pagamento das custas, fixando a taxa de justiça em 1 UC - cfr. artigo 40.º do Código de Processo Civil (ex vi do artigo 4.º do Código de Processo Penal, aplicável por remissão do operada pelo artigo 41.º do RGCO).
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2. Poderes de cognição desta Relação e objecto do recurso.

2.1. A abrir diremos que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente que culminam as suas motivações e é por elas delimitado.[1] Mas porque as conclusões são um resumo das motivações,[2] não pode conhecer-se de questões constantes daquelas que não tenham sido explanadas nestas. Daí que as questões a apreciar neste recurso sejam as seguintes:

1.ª Impugnada judicialmente a decisão proferida num procedimento contra-ordenacional subscrita por advogado que não juntou procuração do Arguido, deve o Tribunal convidar aquele a juntar procuração e a ratificar o processado?

2.ª Ou antes deve fazê-lo ao Arguido?

3.ª Quais as consequências de assim não ter procedido e a procuração não ter sido junta?

2. Apreciemos então as questões atrás enunciadas.

Conforme vem referido no douto despacho recorrido, a norma relevante para a solução do dissídio desenhado neste recurso é efectivamente a dos n.ºs 1 e 2 do art.º 40.º do Código de Processo Civil,[3] os quais rezam assim:

«1. A falta de procuração e a sua insuficiência ou irregularidade podem, em qualquer altura, ser arguidas pela parte contrária e suscitadas oficiosamente pelo tribunal.

2. O juiz fixa o prazo dentro do qual deve ser suprida a falta ou corrigido o vício e ratificado o processado. Findo este prazo sem que esteja regularizada a situação, fica sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário, devendo este ser condenado nas custas respectivas e, se tiver agido culposamente, na indemnização dos prejuízos a que tenha dado causa

Assim postas as coisas, não restam dúvidas de que a Mm.ª Juíza poderia conhecer, como conheceu, ex officio, da falta de procuração outorgada pela Arguida que habilitasse a Ilustre Advogada a subscrever a impugnação judicial da coima em que aquela fora condenada pela Câmara Municipal de Loulé.[4]

Por outro lado, pese embora conheçamos jurisprudência em sentido não exactamente coincidente, estamos seguros de que o procedimento que a Mm.ª Juíza deveria ter seguido era o de notificar tanto a Arguida como a Ilustre Advogada para que a procuração em falta fosse junta e, quanto àquela, também para ratificasse o que por esta fora processado.[5]

Com efeito, sabemos que a lei estabelece que «diz-se procuração o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos»,[6] o que no caso sub iudicio vale por dizer que é o acto pelo qual a Arguida conferiu ou virá a conferir poderes de patrocínio à Ilustre Advogada no recurso da coima que àquela foi aplicada pela Câmara Municipal de Loulé. Já a «ratificação é o acto pelo qual, na representação sem poderes ou com abuso no seu exercício, a pessoa em nome de quem o negócio é concluído declara aprovar tal negócio, que doutro modo seria ineficaz em relação a ele.»[7]

Pelo que se impõe a conclusão que no caso se tratará de uma declaração por parte da Arguida segundo a qual aprova a actuação da Ilustre Advogada em questão, caso em que o recurso interposto se torna plenamente eficaz.[8]

Ora, neste como em similares, uma de duas coisas pode ter acontecido: ou a procuração já fora outorgada pela Arguida à Ilustre Advogada ou ainda não. Naquele, a junção poderia desde logo ser feita por esta, bastando que fosse notificada para o fazer. Mas em todo o caso teria que ser notificada a própria Arguida para ratificar o processado. Caso ainda não tivesse sido outorgada a procuração por parte da Arguida à Ilustre Advogada, naturalmente que também aquela teria que ser notificada, isto porque está para além de qualquer dúvida que o acto de outorga da procuração teria que ser praticada pela Arguida.[9]

Daí que, como atrás referimos, há quem entenda que em casos como o que ora foi trazido ao nosso desembargo em primeiro lugar deve o juiz notificar o advogado para juntar a procuração e só depois a parte para ratificar o que por ele foi processado.[10] Ou que basta que determine seja feita a notificação à própria parte e não também ao advogado, argumentando-se agora que os poderes de conferir a procuração e de ratificar o processado pelo advogado radicam na própria parte.[11]

Porém, não sabendo nem podendo saber o juiz se a procuração já fora ou não conferida ao advogado e sabido que esse como o de ratificar são actos pessoais do arguido, não só porque este poderá ou não já ter praticado aquele acto,[12] mas, sobretudo, porque em qualquer dos casos o advogado terá sempre um interesse autónomo em saber que o juiz afirmou conhecer da existência daquela nulidade como também determinou que fosse sanada pelo patrocinado, interesse esse traduzido na possibilidade de poder vir a sofrer uma sanção caso tal aquele não venha a ratificar o acto,[13] isso fundamenta a nossa opção pela tese que, com alguma propriedade, poderemos considerar como mais rigorista, exigindo, por conseguinte, que a notificação em causa seja efectuada quer ao patrocinado, quer ao advogado.[14]
A omissão da notificação do despacho recorrido à própria Arguida configura, como atrás já se disse, uma nulidade processual, atacável por via de recurso porquanto coberta por decisão judicial, cuja consequência, naturalmente, importa que todo o que posteriormente haja sido processado e que esteja absolutamente dependente da sua prática tenha que ser repetido.[15]

Aqui chegados, cumpre agora decidir em conformidade com o atrás referido.

III - Decisão.
Termos em que se concede provimento ao recurso e, em consequência, se declara a nulidade de todos os actos e termos do processo subsequentes ao despacho recorrido absolutamente dependentes da sua notificação à Arguida e se determina que, na 1ª Instância, se ordene seja efectuada tal notificação.

Sem custas (art.º 513.º, n.º 1, a contrario sensu, do Código de Processo Penal).

Évora, 13-01-2011.

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(António José Alves Duarte - relator)

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(Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz - adjunta)
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[1] Art.º 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.

[2] Idem.

[3] Isto por força da indirecta remissão feita pelo art.º 41.º, n.º 2 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas para o art.º 4.º do Código de Processo Penal.

[4] Por força do n.º 1 do art.º 40.º do Código de Processo Civil, como ali foi sustentado. Que a questão deve ser assim enquadrada e não como irregularidade em processo penal, vd. o Acórdão da Relação do Porto, de 15-07-1987, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 369.º, página 605

[5] A não ser, naturalmente, que a procuração tivesse sido outorgada em data anterior à da impugnação judicial da coima, pois que, nesse caso, o processado estaria coberto pela outorga da procuração e nada haveria a ratificar.

[6] Art.º 262.º, n.º 1 do Código Civil.

[7] Prof. Rui. Alarcão, in Confirmação dos Negócios Anuláveis, 1.º, página 118.

[8] Posto que, como se vê do art.º 268.º do Código Civil, o seu n.º 1 estabelece que «o negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado» e o n.º 2 que «a ratificação está sujeita à forma exigida para a procuração e tem eficácia retroactiva, sem prejuízo dos direitos de terceiro.»

[9] Ou, naturalmente, por alguém a quem ela tivesse outorgado poderes especiais para isso, em consonância com o art.º 258.º do Código Civil.

[10] São os casos dos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 09-10-2001, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano de 2001, tomo IV, página 202, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29-04-2004, em www.dgsi.pt e, por fim, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23-05-2006, em www.dgsi.pt

[11] Foi o caso dos Acórdãos da Relação de Lisboa, de 23-05-2006 e da Relação do Porto, de 15-07-2009, ambos disponíveis em www.dgsi.pt

[12] Pelo que a notificação também ao advogado agilizará sempre a normal marcha do processo.

[13] Em consonância com o citado n.º 2 do art.º 40.º do Código de Processo Civil.

[14] Neste sentido também seguiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-03-2009, consultáveis em www.dgsi.pt , citando em abono deste entendimento Lebre De Freitas, Castro Mendes e Antunes Varela / M. Bezerra / Sampaio e Nora, respectivamente no Código de Processo Civil, Anotado, volume 1.º, página 81, Direito Processual Civil, II, página 83; e Manual de Processo Civil, 2.ª edição, página 94; e os Acórdãos da Relação do Porto, de 15-10-2008 e de 01-2009, ambos igualmente disponível em www.dgsi.pt .

[15] Art.º 201.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. Neste sentido, cfr. os acima citados Acórdãos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-03-2009 e da Relação do Porto de 19-01-2009, ambos, conforme referido, vistos em www.dgsi.pt .
Decisão Texto Integral: