Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | SILVIO SOUSA | ||
Descritores: | AVALIAÇÃO VALOR VENAL VALOR REAL E CORRENTE DOS BENS | ||
Data do Acordão: | 11/19/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | No processo de insolvência, a solvabilidade ou não do devedor deve aferir-se não pelo valor tributável dos prédios e, sim, pelo seu valor real ou de mercado; decidindo-se, em função daquele valor, deve anular-se, oficiosamente, a sentença, a fim de se apurar este valor. Sumário do Relator | ||
Decisão Texto Integral: | Apelação nº 1245/14.1T8STR-B.E1
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora: Relatório Caixa (…), com sede na Rua do (…), nº (…), Lisboa, requereu a insolvência de (…), residente na Rua da (…), nº 8, Vila Nova da Barquinha, articulando factos que, em seu critério, condizem à procedência do pedido, que foi julgado procedente.
Fundamentação
A-Factos Na decisão recorrida, foram considerados os seguintes factos: - O requerido celebrou com a Caixa (…), no exercício da actividade bancária desta, os seguintes contratos: a) contrato de mútuo com hipoteca, no valor de € 130.000,00, pelo prazo de 40 anos; b) contrato de mútuo, no valor de € 9.893,68, pelo prazo de 96 meses; - Para garantia do capital mutuado, em relação ao primeiro contrato, respectivos juros e demais despesas, constituiu o requerido a favor da requerente, hipoteca sobre o prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova da Barquinha, sob o nº (…), freguesia da (…), inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…), tendo-se procedido ao registo da mesma; - O requerido não cumpriu com as obrigações a que se comprometeu e assumiu, não tendo pago a prestação vencida em 04 de Fevereiro de 2012, relativamente ao primeiro contrato, nem a vencida a 28 de Janeiro de 2013, quanto ao segundo contrato, nem as subsequentes; - O requerido tem registadas em seu nome, as aquisições dos seguinte bens imóveis: a) do prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova da Barquinha, sob o número (…), freguesia de (…), inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo (…), cujo valor tributável é de € 79.587,42; b) do prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Nelas, sob o número (…), freguesia de (…), inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…), cujo valor patrimonial tributável é de € 21,15; c) do prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Nelas, sob o número (…), freguesia de (…), inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…), cujo valor patrimonial tributável é de € 25,70; d) do prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Nelas, sob o número (…), freguesia de (…), inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…), cujo valor patrimonial tributável é de € 15,81; e) do prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Nelas, sob o número (…), freguesia de (…), inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…), cujo valor patrimonial tributável é de € 278,17; f) do prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Nelas, sob o número (…), freguesia de (…), inscrito na respectiva matriz sob o artigo 917, cujo valor patrimonial tributável é de € 5.250,00; g) do prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Nelas, sob o nº (…), freguesia (…), inscrito na respectiva matriz sob o artigo 40, cujo valor patrimonial tributável é de € 13,31; h) do prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Nelas, sob o número (…), freguesia de (…), inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…), cujo valor patrimonial tributável é de € 5,23; i) do prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Nelas, sob o número (…), freguesia de (…), inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…), cujo valor patrimonial tributável é de € 19,56; j) do prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Nelas, sob o número (…), freguesia de (…), inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…), actual artigo (…), cujo valor patrimonial tributável é de € 3,07; - Sobre o prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova da Barquinha, sob o número (…), freguesia de (…), inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo (…), encontra-se inscrita penhora do Serviço de Finanças de Vila Nova da Barquinha datada de 09 de Julho de 2007, pela quantia de € 7.330,17; - Sobre o mesmo prédio, encontra-se, igualmente, inscrita hipoteca legal, a favor do ISS, IP, para garantia do pagamento da quantia de € 5.774,41, correspondente a contribuições e quotizações até junho de 2013, juros de mora no montante de € 2.768,83 e custas processuais, no montante de € 125,18; - O requerido não tem quaisquer créditos sobre terceiros; - Em 2 de Dezembro de 2014, o requerido não tinha dívidas à Fazenda Nacional ou a outra entidade cujos créditos sejam cobrados através de processo de execução fiscal; - Em 10 de Dezembro de 2014, o requerido tinha uma dívida de contribuições para com o ISS,IP, no valor de € 5.658,16, acrescida de juros de mora, estando a cumprir acordo de pagamento prestacional; - Em meados de 2013, o requerido iniciou uma prática de depósitos monetários, na ordem de € 250,00 mensais, em conta aberta na requerente, tendo em vista o pagamento da dívida acumulada, referente ao incumprimento das obrigações; - A partir de Novembro de 2014 passou a depositar mensalmente a quantia de € 500,00 com o mesmo propósito; - O requerido vive, actualmente, em união de facto com (…), empresária, com uma filha de 16 anos e com o pai do requerido, de 91 anos; - O requerido celebrou contrato de trabalho, sem termo, com a empresa “(…)-Consultadoria Unipessoal, Lda.”, no dia 16 de Fevereiro de 2015; - A empresa “(…)-Consultadoria Unipessoal, Lda.” foi constituída em 18 de Dezembro de 2014, tem um capital social de €2.000,00, e tem como sócia única e gerente, a companheira do requerido; - As pensões recebidas pelo pai do requerido são canalizadas para pagamento das despesas deste; - A companheira do requerido aufere mensalmente cerca de € 600,00 e o requerido, que trabalha na empresa que de facto pertence a ambos, cerca de € 800,00; - Em despesas com água, luz e alimentação, o requerido e o seu agregado familiar despendem cerca de € 500,00; - Em 10 de Março de 2015, o requerido tinha as quantias de € 137.942,70 e € 9.568,62 em dívida para com a requerente, relativamente aos créditos por esta concedidos. B - O direito - Considera-se insolvente o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações já vencidas [1]; só o incumprimento de obrigações vencidas susceptibiliza "o requerimento de insolvência por iniciativa de outro legitimado que não o próprio devedor” [2]; - A “paralisação generalizada do cumprimento das obrigações do devedor de índole pecuniária” constitui um facto-índice ou presuntivo da insolvência [3]; - Também constitui facto-índice “a falta de cumprimento de uma só ou mais obrigações que, pelas respectivas circunstâncias, revele a impossibilidade do devedor de prover à satisfação pontual da generalidade das suas obrigações” [4]; - É, igualmente, facto-índice o não pagamento, “pelo período de seis meses anteriores à introdução em juízo”, de determinadas categorias de dívidas, como as tributárias, as referentes à segurança social e as prestações de empréstimos, garantidos por hipoteca, “relativamente a local em que o devedor realize a sua actividade ou tenha a sua sede ou residência” [5]; - No processo de insolvência, o juiz pode fundar a sua decisão em factos não alegados pelas partes, o que implica a faculdade de “recolher as provas e informações que entender convenientes” [6]; - “A quem invoca um direito em juízo incumbe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, que o facto seja positivo, quer negativo. À parte contrária compete provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito” [7]; - Quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto que a ela conduz [8]; “as presunções legais importam a inversão do ónus da prova” [9]; - Na falta dos elementos probatórios que permitam a reapreciação da matéria de facto, pode ainda a Relação, mesmo a título oficioso, anular a decisão proferida na 1ª instância quando considere “deficiente, obscura ou contraditória” a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou indispensável a sua ampliação, tendo em vista obter “uma base suficiente para a decisão de direito” [10]. Um dos temas de prova eleitos pelo Tribunal recorrido coincidiu com a “composição do património do requerido e suficiência do mesmo para garantir o pagamento da dívida para com a requerente”. Se é certo que se apurou a “composição do património”, tal já não aconteceu com a sua quantificação, em termos de valor mercado, a fim de se saber se o mesmo é ou não suficiente para garantir a dívida de, nomeadamente, a de € 137.942,70. Na verdade, o Tribunal recorrido – tal como a requerente Caixa Económica (…) – limitou-se a aceitar o “valor tributável”, que, como se sabe, não coincide com o de mercado. Apesar disso, a sentença recorrida concluiu pela “insuficiência de bens penhoráveis do requerido (…) para o pagamento das suas obrigações vencidas”. Não se subscreve, por ora, tal conclusão. Por outras palavras: importa demonstrar a “penúria” do devedor (…). Assim sendo, anula-se a sentença recorrida, a fim de se determinar o valor de mercado dos dez prédios – dois urbanos e oito rústicos – da titularidade do dito devedor, decidindo-se, depois, em conformidade. Decisão Pelo exposto, decidem os Juízes deste Relação anular a sentença recorrida, tendo em vista o objectivo acima mencionado. Custas pela parte vencida, a final. Évora, 19 de Novembro de 2015 Sílvio José Teixeira de Sousa Rui Manuel Machado e Moura Maria da Conceição Ferreira __________________________________________________ [1] Artigo 3.º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. [2] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª edição (2008), pág. 71. [3] Artigo 20.º, nº 1, a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. [4] Artigo 20.º, nº 1, b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª edição (2008), pág. 134. [5] Artigo 20.º, nº 1, g), i e iv), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª edição (2008), pág. 140. [6] Artigo 11.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª edição (2008), pág. 104. [7] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição (1985), pág. 452, e artigo 342.º, nºs 1 e 2, do Código Civil. [8] Artigo 350.º, nº 1, do Código Civil. [9] Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, 4ªedição, pág. 312, e artigo 344.º do Código Civil. [10] Artigos 17º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e 662.º, nº 2, c) do Código de Processo Civil, redacção anterior a 01 de Setembro de 2013 e acórdãos do STJ, de 09 de Junho de 2005 e 29 de Fevereiro de 2000, in www.dgsi.pt. (cfr. ainda os Acórdãos da Relação de Évora de 7 de Abril de 2005, da Relação do Porto de 17 de Maio de 1993 e 21 de Maio de 1991 e da Relação da Lisboa de 4 de Dezembro de 1997 e 31 de Março de 1992, in www.dgsi.pt.). |