Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3066/13.0TBFAR-A.E1
Relator: MÁRIO SERRANO
Descritores: RESTITUIÇÃO DE IMÓVEL
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Data do Acordão: 07/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
Sendo o autor titular do direito à entrega de um imóvel, pode recorrer à ação executiva para obter a sua entrega, mostrando-se aquela ação suficiente para assegurar o cumprimento da injunção judicial, sendo inaplicável sanção pecuniária compulsória.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:


I – RELATÓRIO:

Na presente acção de processo comum, a correr termos em Secção Cível da Instância Central de Faro da Comarca de Faro, instaurada por AA e outros contra BB e mulher, CC, foi pelos AA. alegado serem donos e legítimos possuidora de dois prédios mistos, e estarem os RR. a ocupar ilegitimamente tais prédios – pelo que os AA. formularam pedido nos seguintes termos: a) condenar os RR. a reconhecer o direito de propriedade dos AA. sobre esses prédios; b) condenar os RR. a restituir aos AA. os prédios assim ocupados; c) condenar os RR. a pagar aos AA. indemnização de 85.000,00 € e em quantia a liquidar em execução de sentença; d) condenar os RR. a pagar aos AA. sanção pecuniária compulsória, de valor não inferior a € 500,00, por cada dia de atraso na entrega desses prédios.

Na contestação, os RR. impugnaram o pedido, alegando, além do mais, que os aludidos prédios são de sua pertença, por via da sua aquisição por usucapião, e formulando pedido reconvencional, no sentido de obter a aquisição dos prédios também por via de acessão industrial imobiliária ou, subsidiariamente, de serem os AA. condenados a pagar aos RR. indemnização por benfeitorias que estes realizaram nesses prédios.

Na sequência da normal tramitação processual, veio o tribunal de 1ª instância a prolatar saneador-sentença em que, para além de se julgar verificada a ineptidão do pedido reconvencional quanto à pretensão de reconhecimento da aquisição dos prédios por acessão, se decidiu parcialmente de mérito a acção, nos seguintes termos: a) reconhecer os AA. como proprietários dos dois prédios mistos em referência; b) condenar os RR. na entrega imediata aos AA. desses prédios, livres e desocupados; c) condenar os RR. a pagar aos AA. uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na referida entrega, no montante diário de € 100,00 por cada prédio. E mais se determinou o prosseguimento da acção para conhecimento do demais peticionado (pedido dos AA. quanto a indemnização por ocupação dos imóveis e pedido reconvencional dos RR. quanto a indemnização por obras/despesas/melhoramentos realizados nos imóveis).

Para fundamentar essa decisão, quanto ao apreciado segmento de mérito, argumentou o Tribunal, essencialmente, o seguinte: resulta documentalmente provado que os prédios em causa fazem parte de heranças deixadas por óbito de DD e EE, de que parte dos autores (sete) e o réu e sua mãe eram herdeiros, sendo ainda de considerar os demais autores (dois), que adquiriram em processo de execução os direitos do R. e sua mãe sobre os prédios, e isto sem que tenha ainda havido partilhas; os RR. têm possuído as partes dos outros herdeiros sobre os referidos prédios em nome alheio, pelo que só poderiam adquiri-los por usucapião mediante a inversão do título de posse (passando a possuir em nome próprio); mas não foram alegados factos integradores dessa inversão, pelo que esta não ocorreu, e se os RR. não são possuidores em nome próprio, não podem pretender o reconhecimento de uma aquisição por usucapião, assim improcedendo a respectiva excepção peremptória de aquisição por usucapião suscitada pelos RR.; quanto aos pedidos dos AA. de reconhecimento de propriedade e entrega, é de considerar que estes beneficiam da presunção do registo predial a seu favor, que não foi ilidida, pelo que tem de proceder o seu pedido de reconhecimento de propriedade e de imposição aos RR. da obrigação de restituição dos prédios, livres e desocupados; por essa entrega consistir em prestação de facto infungível (já que só os RR. a podem efectuar), enquadrável no artº 829º-A do C.Civil, é de considerar, ao abrigo dessa disposição legal, a possibilidade de coagir o devedor ao cumprimento, através da condenação no pagamento de uma quantia diária por cada dia de atraso (sanção pecuniária compulsória); e, por essa entrega já ter sido solicitada aos RR., sem que a tenham efectuado, afigura-se adequado fixar o montante dessa sanção pecuniária compulsória em 100,00 € diários, por cada prédio; atentos os pedidos formulados e apreciados, determinou-se a condenação dos RR. em custas, fixando o respectivo decaimento em 75%.

Inconformados com essa decisão, dela apelaram os RR., formulando as seguintes conclusões:

«A) Andou mal a decisão recorrida, em virtude da condenação dos RR. em sanção pecuniária compulsória em 100 euros diários para cada prédio, até à entrega, ser legalmente inadmissível nesta demanda, por se tratar de entrega de uma coisa determinada e não em prestação de facto (positivo) infungível por parte dos réus e não ter qualquer suporte no nº 1 do artº 829º do Código Civil.

Aliás os AA. podem jogar mão do artº 827º do Código Civil em conjugação com os artº(s) 10º e 859º do CPCivil, para que os prédios sejam apreendidos e entregues aos AA. através de ação executiva.

Deve ser prolatado acórdão que absolva in totum, os réus, desta decisão ilegal e não permitida por lei.

E caso assim não se entenda, que só por mero raciocínio académico se admite,

B) Então deve ser prolatado acórdão que reduza a condenação em sanção pecuniária compulsória para o montante diário de 5 euros para cada prédio, até à sua restituição, sob pena de violação por erro de interpretação e aplicação do nº 2 do artº 829º-A do Código Civil, na procura da verdade material e da realidade histórica do processo.»


Os AA. apelados contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão recorrida (quanto ao segmento impugnado).

Como é sabido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (cfr. artos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (cfr. artº 608º, nº 2, ex vi do artº 663º, nº 2, do NCPC).

Do teor das alegações dos RR. recorrentes resulta que a matéria a decidir se confina a averiguar do acerto da decisão recorrida, quanto à mencionada aplicação de uma sanção pecuniária compulsória (por os RR. sustentarem não se estar perante prestação de facto positivo infungível, mas antes se tratar de entrega de coisa determinada, susceptível de execução específica em acção executiva), e, subsidiariamente, quanto à concreta fixação do valor supra indicado dessa sanção (por os RR. o entenderem excessivo).

Cumpre apreciar e decidir.

*

II – FUNDAMENTAÇÃO:

O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, que se passam a reproduzir:

«1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o nº …, da freguesia de S. Pedro, inscrito na matriz predial rústica sob o artº …, secção I e na matriz predial urbana sob o artº … (actualmente artº …) o prédio misto, sito em …, composto por terra de cultura, horta, pomar de citrinos e casas de moradas de um pavimento com várias divisões, acessórios e logradouro (cfr. doc. de fls. 32/33, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

2. Encontra-se inscrita a favor dos autores AA, FF, GG, HH, II, JJ, LL, MM e do réu BB, pela ap. nº 20 de 2004.02.17, a aquisição do referido prédio, em comum e sem determinação, por sucessão por morte de DD e EE (cfr. doc. de fls.32/33, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

3. Encontra-se inscrito a favor dos autores NN e OO, pela ap. 2139 de 10.07.2012, a aquisição do direito de PP e do réu BB sobre o referido prédio, por compra em execução (cfr. doc. de fls.32/33, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

4. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob nº …, da freguesia de S. Pedro, inscrito na matriz predial rústica sob o artº …, secção G e na matriz predial urbana sob o artº … (actualmente artº …), o prédio misto, sito em …, composto por terra de cultura, pomar de citrinos, horta, vinha e casas de morada de um pavimento com várias divisões, sobrado e logradouro (cfr. doc. de fls. 38/39, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

5. Encontra-se inscrito a favor dos autores AA, FF, GG, HH, II, JJ, LL e MM e de PP e do réu BB, pela ap. nº 20 de 2004.02.17, a aquisição do referido prédio, por sucessão por morte de JDD e EE (cfr. doc. de fls. 38/39, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

6. Encontra-se inscrito a favor dos autores NN e OO, pela ap. 2139 de 10.07.2012, a aquisição do direito de PP e do réu BB sobre o referido prédio, por compra em execução (cfr. doc. de fls. 38/39, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

7. O direito que o réu e PP detinham sobre os referidos prédios foram adjudicados aos autores NN e OO no processo executivo n.º 3206/08.0TBFAR, do extinto 1º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Faro, em 05.07.2012 (cfr. doc. de fls. 48, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

8. Por escritura pública outorgada em 21 de Agosto de 2001 no Segundo Cartório Notarial de Faro, foi declarado que no dia 20 de Julho de 1990 faleceu DD, no estado de casado com EE, o qual deixou como únicos herdeiros EE, sua mulher, e seus filhos QQ, casado no regime da comunhão geral com PP, NN, casado no mesmo regime com GG, RR, casado no mesmo regime com LL e AA, casada com FF no regime da comunhão de adquiridos (cfr. doc. de fls. 173/176, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

9. Mais foi declarado que no dia 25 de Dezembro de 1996 faleceu também EE ou EE, no estado de viúva daquele, a qual deixou como herdeiros os seus filhos QQ, RR e AA, e os netos do filho pré falecido NN, II, casada com SS, JJ, divorciada e HH, solteira (cfr. doc. de fls. 173/176, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

10. Por escritura pública outorgada em 07 de Outubro de 1996, no Cartório Notarial de Olhão, foi declarado que no dia 16 de Agosto de 1996 faleceu NN, no estado de casado no regime da comunhão geral de bens com GG, deixando como únicos herdeiros a mulher, GG, e as filhas, II, JJ, divorciada e HH, solteira (cfr. doc. de fls. 178/180, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

11. RR faleceu no dia 02 de Abril de 2001 no estado de casado com LL (cfr. doc. de fls. 181/182, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

12. Por escritura pública outorgada em 21 de Agosto de 2001, no Segundo Cartório Notarial de Faro, foi declarado que no dia 02 de Abril de 2001 faleceu RR, no estado de casado no regime da comunhão geral com LL, deixando como herdeiros a referida mulher, LL e a filha MM, solteira (cfr. doc. de fls. 184/185, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

13. Por escritura pública outorgada em 23 de Janeiro de 2003, no Segundo Cartório Notarial de Loulé, foi declarado que no dia 17 de Outubro de 2002 faleceu QQ, no estado de casado no regime da comunhão geral com PP, deixando como herdeiros a referida mulher, PP, e o filho TT, casado com UU, no regime da comunhão de adquiridos (cfr. doc. de fls. 187/188, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

14. Por escritura pública outorgada em 15 de Maio de 2009, no Cartório Notarial de Olhão, foi declarado que no dia 15 de Abril de 2009 faleceu GG, no estado de viúva de NN, deixando como herdeiras as filhas, II, casada no regime da comunhão de adquiridos com SS, JJ, divorciada, e GG, solteira (cfr. doc. de fls. 190/191, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

15. Os réus permanecem nos referidos prédios desde pelo menos 05.07.2012 (acordo das partes).

16. Através de notificação judicial avulsa, intentada em 21.05.2013, os autores solicitaram ao réu a entrega dos prédios identificados em 1. e 4., no prazo de 15 dias, notificação efectuada a este no dia 03.06.2013 (cfr. doc. de fls. 52/62, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).»


B) DE DIREITO:

Como vimos, pretendem os RR. recorrentes impugnar, quanto à decisão recorrida (saneador-sentença), apenas a imposição, dela constante, de uma sanção pecuniária compulsória, como decorrência da condenação dos RR. a restituir aos AA. dois imóveis que se reconheceu a estes pertencer e com o objectivo de, desse modo, incentivar o cumprimento de tal determinação judicial de entrega. Argumentam os apelantes que a obrigação de entrega assim imposta não consubstancia uma prestação infungível – o que impediria a aplicação do artº 829º-A do Código Civil, que prevê tal medida coactiva apenas para situações em que estejam em causa obrigações de facto de natureza infungível.

Rege assim o nº 1 dessa disposição legal: «Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso». E, quanto ao montante dessa sanção, dispõe o subsequente nº 2 nos seguintes termos: «A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade (…)».

Da transcrita redacção do preceito em apreço resulta claramente que o legislador nacional importou o modelo francês das astreintes com uma configuração muito restritiva, reservando o mecanismo coercitivo da sanção pecuniária compulsória apenas para hipóteses em que o cumprimento de uma obrigação só é possível com a intervenção pessoal do obrigado (e, mesmo assim, com excepção das obrigações que exijam especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado).

Como sublinha CALVÃO DA SILVA, «o legislador não consagrou a sanção pecuniária compulsória como mecanismo coercitivo de aplicação em geral, antes a limitou às obrigações de non facere e de facere cujo cumprimento exige a intervenção insubstituível do devedor, com excepção das que requeiram especiais qualidades científicas ou artísticas», ou, dito de outro modo, concebeu-a «como processo coercitivo de aplicação subsidiária, destinado a colmatar a lacuna, existente no nosso sistema jurídico, devida à inidoneidade da execução para realizar in natura as prestações de facto infungíveis» (Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 450). Aprofundando a explicação sobre a razão de ser do instituto e a opção do nosso legislador em «fazer da infungibilidade da obrigação o correlato da sua aplicabilidade», discorre esse autor nos seguintes termos: «(…) o legislador confinou a sanção pecuniária compulsória às obrigações de carácter pessoal – obrigações de carácter intuitus personae, cuja realização requer a intervenção do próprio devedor, insubstituível por outrem – fazendo dela um processo subsidiário, aplicável onde a execução específica não tenha lugar. E, assim, graças à sanção pecuniária compulsória, ao constrangimento que ela exerce sobre a vontade do devedor rebelde, o credor pode alimentar a esperança de obter a originária prestação infungível que lhe é devida (…), sem ter de cingir-se e resignar-se à execução por equivalente». E prossegue: «(…) o legislador preocupou-se com a realização das prestações insusceptíveis de execução específica, consagrando um meio de pressionar o devedor ao cumprimento, apenas, dessas obrigações. Logo, onde o credor disponha de execução sub-rogatória, não há lugar à aplicação da sanção pecuniária compulsória» (idem, pp. 450-451).

Ora, este critério (devidamente explicitado pelo autor em presença) de caracterização da obrigação elegível para a aplicação do instituto da sanção pecuniária compulsória, em termos de tal obrigação dever ter um carácter intuitus personae (i.e., que só pode ser realizada pelo próprio devedor, sem que possa ser cumprida nos mesmos termos por outro meio processual), é particularmente relevante no caso dos autos. Pergunte-se: perante a ordem decretada na sentença recorrida de entrega aos AA. dos prédios ocupados pelos RR., só estes podem proceder a essa entrega? ou há outro meio de fazer cumprir essa ordem de entrega? Tratando-se de coisa determinada, não se vê obstáculo a que essa entrega – e a realização da respectiva prestação – se possa fazer mediante a utilização do processo executivo para entrega de coisa certa (como se prevê no artº 827º do C.Civil, depois desenvolvido nos artos 859º e seguintes do NCPC), sem necessidade de qualquer medida compulsória adicional incidente sobre o próprio obrigado e tendente ao cumprimento por este da sua obrigação. Estamos, pois, precisamente diante de um daqueles casos em que a lei confere meios de execução sub-rogatória, que levam à exclusão da aplicação do instituto contemplado no artº 829º-A do C.Civil.

Este tem sido, aliás, o entendimento prevalecente da jurisprudência em inúmeros casos de injunções sentenciais de entrega de bens móveis ou imóveis (designadamente, em acções de reivindicação e em acções de resolução de contratos de locação ou de contratos-promessa de compra e venda, em que se obteve a procedência de pedidos de restituição de bens ocupados, locados ou prometidos comprar e vender), de que destacamos, por todos, os seguintes arestos:

– Ac. RC de 3/3/2009 (Proc. 228/04.4TBILHV.C1, in www.dgsi.pt): «a sanção pecuniária compulsória, prevista no n.º 1 do art.º 829º-A do C. Civil, apenas está prevista como instrumento de coacção ao cumprimento de obrigações de prestação de facto e não de entrega de coisa [objecto de contrato-promessa de compra e venda]»;

– Ac. RP de 7/7/2011 (Proc. 667/10.1TVPRT.P1, idem): «Resolvido o contrato-promessa de compra e venda, a condenação do promitente-comprador na restituição do bem objecto do contrato ao promitente-vendedor constitui uma obrigação de entrega de coisa determinada, e não de prestação de facto (positivo), pelo que não é legalmente admissível a condenação daquele devedor em sanção pecuniária compulsória judicial prevista no nº 1 do art.º 829º-A do Código Civil»;

– Ac. RP de 8/5/2012 (Proc. 1181/09.3TVPRT.P1, idem): «Sendo o autor titular do direito à entrega de uma coisa determinada [em acção de reivindicação], pode recorrer à acção executiva para a sua apreensão e entrega. Mecanismo coactivo que é suficiente para assegurar o cumprimento da injunção judicial, sendo inaplicável sanção pecuniária compulsória»;

– Ac. RL de 23/5/2013 (Proc. 952/11.5TVLSB.L1-2, idem): «(…) é manifesto que a entrega do veículo objecto do contrato de ALD celebrado com a autora é uma prestação fungível, já que é possível ser realizada por outrem, mesmo sem ou contra a vontade do devedor, nomeadamente por recurso ao processo executivo para obter a prestação através da acção de outrem, à custa do devedor (…) [pelo que não deve ser] acolhido o pedido de condenação dos réus no pagamento da peticionada quantia, a título de sanção pecuniária compulsória»;

– Ac. RC de 10/2/2015 (Proc. 1289/12.8TBACB.C1, idem): «(…) A restituição do prédio (…) [em acção de reivindicação] é uma obrigação que tem como objecto uma prestação de coisa, pelo que, sendo o seu cumprimento possível através da execução específica, não é – uma vez que o processo de execução serve até ao fim a lei substantiva – passível de se fazer acompanhar a condenação principal (à restituição) da condenação acessória que a sanção pecuniária compulsória representa (cfr. art.º 829.º-A/1 do C. Civil)».

Merecendo a nossa concordância a orientação doutrinária e jurisprudencial que vimos de expor, forçoso é concluir que não devia ter sido determinada a condenação dos RR., ora apelantes, no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, por não verificação dos pressupostos de aplicação do artº 829º-A do C.Civil, nos termos supra demonstrados – e, assim, deve proceder integralmente o presente recurso, que apenas visava impugnar esse segmento da decisão recorrida.

Em conformidade, deve determinar-se a revogação do segmento impugnado da sentença recorrida, julgando improcedente o pedido dos AA. quanto à condenação dos RR. no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, com a consequente absolvição dos RR. desse segmento do petitório. E, com isso, fica prejudicada a apreciação da questão (subsidiária) do valor alegadamente excessivo da sanção pecuniária compulsória aplicada na sentença recorrida.

Perante a alteração da dimensão do decaimento dos RR. emergente do saneador-sentença recorrido (em que se procedeu a uma apreciação parcial dos pedidos formulados no processo pelas partes), em benefício daqueles, impõe-se – e sem prejuízo da manutenção da condenação em custas ali operada – proceder à reformulação da respectiva proporção, que agora se fixará em 2/3 (em vez de 75%, como se consignou na decisão recorrida).

Em suma: pelas razões aduzidas, a presente apelação merece provimento, devendo revogar-se a decisão recorrida quanto à condenação dos RR. no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, com a sua consequente absolvição desse segmento do pedido formulado pelos AA. na acção.

*

III – DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se em conceder integral provimento à presente apelação, respeitante ao segmento impugnado da sentença recorrida, revogando esta na parte em que nela se condena os RR. no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, pelo que se julga improcedente o respectivo segmento do pedido formulado pelos AA. na acção e, em consequência, do mesmo se absolve os RR..

Custas da acção nos termos já constantes da decisão recorrida, com alteração para 2/3 da respectiva proporção do decaimento dos RR.. Custas da apelação pelos AA. apelados (artº 527º do NCPC).

Évora, 12/07/2016
Mário António Mendes Serrano
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes (dispensei o visto)
Mário João Canelas Brás (dispensei o visto)