Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4733/16.1T8STB-A.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL DE AUGI
COMPARTICIPAÇÃO NAS DESPESAS DE RECONVERSÃO
ACTA DA ASSEMBLEIA GERAL
TÍTULO EXECUTIVO
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I - Em oposição deduzida por um executado a execução intentada contra dois executados, configura um ato inútil a apreciação de questão relativa à legitimidade do outro executado, considerando que a decisão a proferir não o vincula;
II - Não ocorre omissão de pronúncia sobre requerimentos probatórios se foi comunicado às partes que o estado do processo permitia conhecer do mérito da causa e lhes foi concedido prazo para o exercício do contraditório, sendo certo que daquela comunicação decorre a transmissão da informação de que se considera desnecessária a produção de prova;
III - Não resultando da factualidade controvertida o efeito jurídico pretendido pela parte que a alegou, não assumindo tal matéria de facto relevo à luz das várias soluções plausíveis da questão de direito, mostra-se desnecessária a produção de prova, assim permitindo o estado do processo o conhecimento do mérito da causa no despacho saneador;
IV - Em processo de reconversão de área urbana de génese ilegal (AUGI), as deliberações da assembleia que determinem o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão vinculam os proprietários ou comproprietários, titulares dos prédios abrangidos pela AUGI, aos quais incumbe o dever de comparticipar nas despesas de reconversão, sendo admitida a impugnação judicial por parte daqueles que as não tenham aprovado;
V - A impugnação da deliberação constitui o meio processual adequado à manifestação, por parte de titular de prédios abrangidos pela AUGI, da discordância relativamente ao critério fixado;
VI - O recurso a elementos exteriores ao título executivo indicados no requerimento executivo, para efeitos de concretização da obrigação exequenda, não põe em causa a força executiva da ata contendo a deliberação da assembleia, nem importa se conclua pela respetiva insuficiência.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:


1. Relatório

O executado BB deduziu oposição à execução para pagamento de quantia certa que a Comissão de Administração Conjunta da Área Urbana de Génese Ilegal do P… R… lhe move e a CC, na qual é apresentada, como título executivo, fotocópia certificada da ata da assembleia realizada no dia 27-03-2004, contendo deliberação que determina o valor relativo ao custo da reconversão urbanística das áreas urbanas de génese ilegal (AUGI) em causa e a fórmula de cálculo da comparticipação nas despesas de reconversão pelos respetivos proprietários e comproprietários.
O embargante fundamenta a oposição sustentando, em síntese, a ilegitimidade da executada CC, a inexequibilidade do título executivo e a exceção de não cumprimento do contrato; termina pedindo a procedência da oposição deduzida e a consequente extinção da execução.
Recebida a oposição à execução, a embargada contestou, pugnando pela respetiva improcedência.
Foi realizada audiência prévia, na qual, após comunicação de que o estado do processo permite conhecer do mérito da causa, se concedeu prazo às partes para se pronunciarem, conforme consta da respetiva ata.
O embargante emitiu pronúncia, deduzindo oposição à decisão do mérito da causa sem a realização de audiência final, por entender mostrar-se necessária a produção de prova sobre factos alegados na petição de embargos.
Foi proferida decisão, na qual se fixou o valor à causa, se proferiu despacho saneador, se discriminou os factos considerados provados e se conheceu do mérito da causa, tendo os embargos de executado sido julgados improcedentes e o embargante condenado nas respetivas custas.
Inconformado, o embargante interpôs recurso desta decisão, pugnando para que seja revogada e substituída por outra que determine a remessa dos autos à 1.ª instância para realização da audiência final ou que julgue procedente a oposição à execução e determine a extinção da execução, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«1. O presente recurso, bem como o processo executivo que está na origem da oposição de cuja decisão se recorre, têm como único Apelante/Executado o ora recorrente BB e as respectivas decisões não podem, de forma alguma, condenar a sua ex-cônjuge, CC, cuja oposição separada foi considerada procedente por provada, tendo transitado em julgado no processo 4733/16.1T8STB-B.
2. Movida execução pela comissão de administração da AUGI de P… R… contra o Apelante, este apresentou oposição por embargos, na qual invocou a inexequibilidade da acta que serviu de título executivo — por incerteza sobre as despesas com a execução das obras de urbanização a comparticipar, sobre as áreas do loteamento, dos futuros lotes do Oponente e das respectivas áreas de construção, dado inexistir ainda alvará de loteamento; por a fórmula de cálculo da comparticipação não ser suficiente para a determinação do valor da comparticipação, bem como por o pretenso título executivo não constituir nem certificar a existência de uma concreta obrigação. Opôs-se, ainda, o Apelante invocando a excepção de incumprimento por parte da Exequente, Comissão de Administração da AUGI de P… R….
3. O saneador-sentença elencou os factos assentes, dando como assente (nº 9 da sentença) um facto que não é verdadeiro e não corresponde ao presente processo: “Em face da fórmula de cálculo aprovada e do plano de loteamento definido pela Câmara Municipal de Palmela, a exequente efectuou os cálculos relativos aos lotes a atribuir aos embargantes, que terá o número …, com a área de 722,00 m2, e com uma STPL de 298,80 pela aplicação da fórmula e valores aprovados na assembleia geral de 27.03.2004, considerando a licença de loteamento aprovada, a que se refere o edital nº 03/DAU-GRAGI/2010 de 30.07.2010, da Câmara Municipal de Palmela.
4. Na verdade, o Executado tem prevista a atribuição de cinco lotes (e não de apenas um) com os números …3, …4, …5, …6 e …7 (e não o número …) e uma área total de 4.762,00 (e não 744,00) — tudo ao contrário do que se lê no ponto 9 do saneador-sentença.
5. O Apelante requereu na sua oposição diligências e prova documental a carrear para os autos, requerimento que não foi alvo de qualquer decisão, em clara omissão de pronúncia, o que impediu uma decisão justa sobre o mérito da oposição.
6. Os meios de prova requeridos e ignorados incluíam: a) que fosse oficiada a Câmara Municipal de Palmela para que viesse aos autos declarar qual o valor das taxas municipais aplicáveis aos futuros lotes — requerimento que o Meritíssimo Juiz a quo pura e simplesmente ignorou e que o saneador-sentença nem sequer menciona; b) que a Exequente juntasse os relatórios de administração e as respectivas contas anuais, bem como as certificações relativas aos anos de 2004 a 2015.
7. Não tendo existido qualquer decisão sobre esses requerimentos, verifica-se nulidade da sentença, nos termos da al. d) do nº 1 do art. 615º CPC.
8. O saneador-sentença ignorou também a existência nos autos de factos invocados pelo Opoente, que necessitavam de ser analisados e seriam objecto de prova em audiência de discussão e julgamento e que poderiam determinar uma diversa decisão do mérito da causa.
9. Tais factos prendem-se maioritariamente com a invocada excepção de não cumprimento pela comissão de administração da AUGI de P… R….
10. São os seguintes os factos trazidos ao processo na oposição do Apelante e ignorados na decisão recorrida:
a) a comissão de administração da AUGI do P… R… “não fez esgotos, arruamentos nem terraplanagens” (v. art. 46º da oposição);
b) Vinte anos depois de comprar os prédios rústicos, o opoente vê os seus terrenos “EXACTAMENTE NAS MESMAS CONDIÇÕES EM QUE SE ENCONTRAVAM EM 1996” (v. art. 48º da oposição);
c) “Os prédios do Executado continuam a não ter arruamentos, nem água, nem esgotos, nem electricidade... Nem alvará de loteamento!” (art. 49º da mesma oposição);
d) O Executado gastou 92.233,52 EUR e as suas propriedades não se encontram loteadas, não existe qualquer licença de construção para cada um dos lotes, e não só não se valorizaram fruto de uma suposta reconversão urbanística como valem hoje uma ínfima parte do que por elas pagou” (v. art. 50º da oposição);
e) O suposto título executivo refere expressamente que os Executados “têm previstas a atribuição de 5 lotes” (...). Ora, uma previsão não é uma reconversão. E só existe obrigação de pagar os custos de reconversão quando há já, efectivamente, um alvará e uma efectiva reconversão;
f) Esta “previsão” de reconversão já dura há 16 anos (agora 18) – cfr. art. 59º da oposição;
g) Desde a assembleia de 27 de Março de 2004, cuja acta serve de título à execução subjacente ao presente recurso, apenas se realizou uma outra assembleia de comproprietários, em Junho de 2006 (v. art. 61º da Oposição);
h) A Exequente não prestou quaisquer informações sobre a não emissão do alvará de loteamento, nem sobre as diversas alterações ao desenho urbano, nem sobre a falta de realização de quaisquer obras de urbanização (v. arts. 62º e 63º da Oposição);
i) Por carta de Janeiro de 2009 (junta pelo Opoente como Doc. nº 2), a Exequente comunicava nova alteração ao projecto de loteamento, que alterava as áreas dos lotes e previa que o respectivo alvará seria emitido em Junho de 2009 (v. arts. 64º a 67º da oposição) reconhecendo, assim, duas coisas: que não havia alvará e que a acta de 2004, que serviu de título executivo, era anterior às alterações de áreas dos lotes — ao contrário do que afirma o saneador-sentença;
j) O Apelante juntou também à sua oposição uma carta da comissão de administração da AUGI de P… R… (Doc. nº 3) contendo um plano de acção a desenvolver até 2013, que incluía fazer a divisão de coisa comum, transformando os avos em lotes, ligar a energia eléctrica, concluir as obras de infra-estruturas até 2011. Nada disso foi concretizado, como o Opoente alegou e tinha o direito de provar no processo de embargos (v. arts. 68º a 70º da oposição);
k) Os comproprietários não conseguem falar com os membros da comissão de administração da AUGI, cujos telefones se encontram um desactivado e o outro desligado (art. 83º e 84º da oposição);
l) A Câmara Municipal de Palmela informou o Apelante, por escrito, que “continua a aguardar que a Comissão de Administração da AUGI tome a iniciativa de retomar o processo de conversão” ou seja, que este se encontra parado (v. art. 86º);
m) A maioria das chamadas despesas de reconversão correspondem a obras de infraestruturas que não foram realizadas: terraplanagens, empreitadas de construção de estradas, rotundas e demais arruamentos e passeios, rede de esgotos domésticos e pluviais, rede de águas, rede eléctrica de distribuição e de iluminação pública, rede de telecomunicações (v. art. 90º a 92º da oposição).
11. Os factos acima elencados são controvertidos e devem ser sujeitos a julgamento, pelo que deve ser anulada a decisão recorrida que ignorou os mesmos factos, devendo o processo baixar à primeira instância para ser proferido despacho saneador, prosseguindo os autos para julgamento.
12. Quanto ao Direito aplicável, considerou a decisão recorrida que a questão essencial a decidir consistia em determinar a validade da acta da assembleia de comproprietários da AUGI como título executivo.
13. A decisão considerou não resultar dos autos que a aprovação da operação de loteamento tenha ficado sujeita a qualquer condicionamento, nomeadamente a alterações ao projecto apresentado no ano 2000. Isto porque a operação de loteamento fora aprovada e sujeita a duas alterações e só depois da última delas teria sido efectuado o cálculo dos custos de reconversão.
14. Ainda que isso seja verdade, o que não é certo nem foi especificamente alegado pela Exequente, esse facto não é decisivo para apreciar a exequibilidade da acta enquanto título executivo.
15. O que resulta inequivocamente da Lei é que só com a emissão do Alvará de loteamento existe a obrigação de comparticipar nas despesas de reconversão (excepto nas despesas que se prendem com o próprio funcionamento da comissão administrativa).
16. Ora, está provado nos autos que ainda não existe alvará de loteamento.
17. Está igualmente provado que não existiu até agora divisão de coisa comum e que os lotes previstos para cada comproprietário não se encontram ainda registados.
18. Que as obras ainda não começaram e nem sequer foram autorizadas pela Câmara Municipal de Palmela.
19. De igual modo, não existe nos autos qualquer fórmula para o cálculo das taxas municipais que a comissão de administração da AUGI afirma corresponderem aos futuros lotes do ora Apelante.
20. Não existindo também um quadro com as taxas correspondentes a cada um dos lotes — ao contrário do que determina a Lei 91/95.
21. É irrelevante para os presentes autos — e não foi alegado pelo opoente — que houvesse livro de presenças na assembleia de comproprietários e que a deliberação tenha sido publicada num jornal diário. Nem tal foi assacado pelo opoente/executado.
22. O que o opoente, ora Apelante, defendeu foi que a obrigação relativa às despesas com a execução das obras de urbanização é inexequível por ainda não existir aprovação do projecto de urbanização, desconhecendo-se em rigor a área do loteamento e a exacta área dos lotes a atribuir ao executado, bem como as respectivas áreas de construção — elementos que só ficarão definitivamente fixados com a emissão do respectivo alvará e que a lei não permite, até lá, considerar como certos (art. 77º do Decreto-Lei 555/99 de 16/12).
23. Ora, como se disse na oposição por embargos, esses elementos são essenciais para o cálculo da repartição dos custos de reconversão por lote ou seja, para determinar o valor da comparticipação.
24. Acresce que, como se alegou, a fórmula de cálculo da comparticipação nas despesas aprovada na assembleia de 2004 contém elementos que não são concretizáveis (apuramento do elemento GO; datas a considerar para o apuramento do elemento T; valor do elemento IE – pois a fórmula não indica os valores que compõem algumas das suas variáveis).
25. Aliás, como se sustentou na oposição, o que a acta apresenta são os chamados “custos provisionais” e não os “custos de reconversão”.
26. Não contendo o título executivo todos os elementos necessários para a determinação exacta da quantia exequenda, a comparticipação nos “custos de reconversão”, ele é inexequível nos termos da lei.
27. Quanto à excepção de não cumprimento, sustenta o Tribunal recorrido que o opoente teria de especificar e caracterizar as obrigações incumpridas pela exequente, bem assim como a relação sinalagmática existente entre as mesmas e as despesas exequendas.
28. O opoente especificou e caracterizou em detalhe várias obrigações incumpridas pela exequente, incluindo a obrigação de prestação de contas.
29. Todas essas obrigações estão contidas em vários dos factos controversos que o opoente pretendia, e pretende, provar em sede de audiência de discussão e julgamento.
30. Assim, foram alegadas várias situações concretas de obrigações, execução de infraestruturas e obras concretas que não foram promovidas ou executadas pela comissão de administração e que eram sua obrigação no âmbito da operação de reconversão.
31. É a própria lei que estabelece uma espécie de sinalagma entre as prestações quando determina a forma de comparticipação, quando define os custos provisionais e quando regula a própria disciplina financeira a que estão sujeitas as AUGI.
32. Não se vê que este tenha de ser provado pelo oponente, ou mesmo que possa por este ser demonstrado, sobretudo tendo em conta que a comissão de administração da AUGI de P… R… não aprova contas há vários anos — ao contrário do que é a sua estrita obrigação legal.
33. Seria impossível ao opoente/executado detalhar as despesas exequendas dado que nem a própria exequente concretiza as concretas despesas que estão na base da execução.
34. A excepção de não cumprimento não contempla qualquer espécie de “direito a não pagar as despesas necessárias à efectivação da operação de reconversão”. O que se pretende é, pelo contrário, que essas despesas tenham lugar, que a reconversão seja feita e paga pelos comproprietários. E não que se pague antecipadamente tudo, como se os custos finais se confundissem com os custos provisionais, sem que tenha havido quaisquer custos e despesas legalmente documentados. E sem a existência de Alvará que fixe em definitivo os elementos para o cálculo da comparticipação.
35. O Apelante requer que seja atribuído ao presente recurso efeito suspensivo (nº 4 do artigo 647º CPC) dado que o prosseguimento da execução lhe causaria prejuízo considerável pois não tem trabalho e tem a seu cargo a família, com uma filha que é, ainda, estudante — pelo que uma eventual penhora teria um efeito devastador sobre a economia familiar. O Apelante requer que lhe seja permitido substituir a caução pelo estabelecimento de uma garantia real sobre dois dos prédios objecto de reconversão para garantir o pagamento da dívida exequenda.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Face às conclusões das alegações do recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
- eficácia da decisão relativamente à executada;
- da nulidade da decisão recorrida;
- da oportunidade do conhecimento do mérito da causa no despacho saneador;
- da impugnação da decisão de facto;
- da reapreciação do mérito da causa.
Corridos os vistos, cumpre decidir.


2. Fundamentos

2.1. Decisão de facto

2.1.1. Em 1.ª instância, foram considerados provados os factos seguintes:
1. A exequente tem, entre outras, a atribuição de praticar os actos necessários à reconversão urbanística do solo e à legalização das construções integradas na AUGI de P… R….
2. O casamento entre CC e o opoente/executado celebrado 20.01.1983 foi dissolvido por divórcio decretado em 25.09.2003.
3. A favor do executado e de CC encontra-se registada, pela Ap. nº 13 de 1995/06/20, Ap. 21 de 1995/08/14, Ap. 17 de 1995/11/24, Ap. 10 de 1995/12/19 e Ap. 5 de 1996/01/10 na Conservatória do Registo Predial de Palmela a aquisição de 525/230.000, 5000/230.000, 653,5/230.000, 525/230.000 e 525/230.000 do prédio rústico situado em Herdade das Formas, Freguesia de Quinta do Anjo – Palmela, com a área de 230 000 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela com o nº …/19870403, da Freguesia de Quinta do Anjo, inscrito na matriz predial urbana sob o Artº …º da Secção A.
3. O referido prédio faz parte da Área Urbana de Génese Ilegal (AUGI) de P… R….
4. A assembleia geral de comproprietários da AUGI de P… R… realizada em 23.03.2002 fez aprovar a comissão de administração.
5. A assembleia geral de comproprietários da AUGI de P… R…, realizada em 27.03.2004, deliberou, além do mais, aprovar o orçamento provisional das obras de urbanização, elaborado com base nos custos previsíveis, no montante global de € 8.916.880,49 euros.
6. A assembleia geral deliberou ainda sobre a seguinte proposta:
«1 - Que seja adoptada a seguinte fórmula na repartição dos custos de reconversão por lote:
CL = (P+G+GO)*K+((T+IE)/STPT)*STPL, em que:
CL = Custo da reconversão a imputar a cada lote;
P = Custo relativo à 1ª fase do processo (execução e aprovação dos projectos), no montante de € 762,66 (…), com IVA incluído;
G = Custo relativo à gestão do processo, no montante de € 11,67 (…), com IVA incluído, por cada mês, desde Julho de 2000 até à aprovação das contas finais;
GO = Custo relativo à gestão das obras, no montante de € 20,95 (…), a que acresce o IVA em vigor, por cada mês, desde o início das obras até à sua conclusão;
T = Valor das taxas a liquidar à Câmara Municipal de palmela pela realização das infra-estruturas adicionado ao de quaisquer outras obras que, legalmente, sejam devidas;
IE = Custo de todas as infra-estruturas a realizar;
STPT = Área máxima total de construção atribuída ao loteamento no respectivo alvará;
STPL = Área máxima de construção atribuída ao respectivo lote no alvará de loteamento;
K = Índice relativo à dimensão dos lotes, de acordo com a tabela em anexo.
2 - Que seja estabelecido o dia 30 de Abril do corrente ano como data limite para o pagamento dos custos adicionais, calculados de acordo com o orçamento aprovado por esta assembleia, sem qualquer encargo adicional;
3 - Que seja estabelecido um prazo máximo de 30 dias meses, a contar dessa mesma data, como prazo limite para pagamento desses custos, desde que seja apresentado e aceite por esta Comissão no prazo de um mês um plano de pagamento e que, neste caso, que o valor em dívida sujeito a um encargo equivalente a 6% (…) ao ano.»
7. Consta o seguinte da ata da assembleia geral, logo após o texto da proposta referida no ponto anterior: «Apresentada esta proposta (…), face à indefinição quanto à STPL (área de construção) a atribuir a cada lote, foi dado um prazo de 15 dias aos comproprietários que ainda o não fizeram para decidirem sobre a(s) área (s) de construção do (s) seu (s) lote (s) findo o qual se considerará a área prevista no actual projecto aprovado, atribuindo-se então o respectivo valor dos custos de reconversão por lote com base na fórmula em aprovação».
8. As aludidas propostas foram aprovadas por maioria absoluta.
9. Em face da fórmula de cálculo aprovada e do plano de loteamento definido pela Câmara Municipal de Palmela, a exequente efectuou os cálculos relativos aos lotes a atribuir aos embargantes, que terá o número …, com a área de 744,00 m2, e com uma STPL de 298,80 pela aplicação da fórmula e valores aprovados na assembleia geral de 27.03.2004, considerando a licença de loteamento aprovada, a que se refere o edital Nº 03/DAU-GRAGI/2010 de 30.07.2010, da Câmara Municipal de Palmela.
10. Do referido cálculo resulta que a comparticipação do opoente/executado e de CC, com os custos de reconversão, ascende aos € 159.744,43 euros.
11. Dessa quantia, o opoente/executado pagou o valor de € 92.233,52 euros.
12. Foi enviada ao opoente/executado, uma carta datada de 20.11.2014, na qual a exequente solicitou o pagamento da quantia remanescente, no valor de € 67.510,91 euros no prazo máximo de 15 dias.
13. O opoente/executado não efectuou o pagamento do valor constante da carta referida em 12.
14. A deliberação aprovada na assembleia geral de comproprietários de 27.03.2004 foi publicada no dia 05.04.2004, no jornal “Correio da Manhã”.
15. Por edital de 30.07.2010, foi tornada pública a aprovação pela edilidade camarária da licença de loteamento, e respectivas alterações, referente à Reconversão da AUGI da Quinta do P… R…, por deliberação da Câmara tomada em reuniões de públicas de 13.12.2000, 18.10.2006 e 19.08.2009.
16. Por deliberação da Câmara Municipal de Palmela de 19.08.2009, foi aprovada a licença de loteamento e respectivas alterações, referentes à reconversão da AUGI da Quinta do P… R….
17. Por despacho exarado pelo Sr. Vereador do Pelouro em 19.07.2010, no uso da competência subdelegada pela Sra. Presidente da Câmara (através do despacho nº.20/2009 de 23.11), foi deferido o licenciamento de obras de urbanização.

2.1.2. Com relevo para a apreciação do objeto da apelação, decorre do apenso B o facto seguinte:
A executada CC deduziu oposição à execução que constitui o processo principal, a qual foi tramitada no apenso B e decidida por sentença de 19-06-2018, transitada em julgado, que julgou procedentes os embargos e decidiu o seguinte:
Por consequência, determino a extinção da execução.
Custas pela exequente, fixando-se o valor dos embargos em conformidade com o indicado no requerimento inicial.
Registe e notifique.


2.2. Apreciação do objeto do recurso

2.2.1. Eficácia da decisão relativamente à executada
O apelante BB, na oposição que deduziu à execução para pagamento de quantia certa que a Comissão de Administração Conjunta da Área Urbana de Génese Ilegal do P… R… lhe move e a CC, invocou, além do mais, a ilegitimidade da executada.
Este fundamento de oposição à execução, apresentado pelo apelante, foi apreciado e julgado improcedente pela 1.ª instância, pelos motivos expostos na decisão recorrida.
Na apelação deduzida, o apelante manifesta a sua discordância quanto à circunstância de ter a questão que suscitara sido apreciada, sustentando que as decisões proferidas na oposição que deduziu não podem afetar a executada CC, a qual deduziu oposição autónoma, tramitada no apenso B, e que foi julgada procedente por sentença transitada em julgado.
Não obstante mostrar-se a atuação do apelante processualmente contraditória, ao invocar um fundamento de oposição à execução e, de seguida, defender que o mesmo não deveria ter sido considerado, cumpre apreciar a questão suscitada.
Efetivamente, não tendo a executada intervindo na presente oposição à execução, a decisão a proferir não a vincula, pelo que configura um ato inútil a apreciação da questão da respetiva ilegitimidade suscitada pelo apelante.
Transitada em julgado, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e foram dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º do Código de Processo Civil, sem prejuízo da possibilidade de vir a ser objeto de recurso de revisão, conforme estatuído no artigo 619, n.º 1, do citado Código. O alcance do caso julgado decorre dos próprios termos da decisão, dado determinar o artigo 621.º do mesmo Código que “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga”. Daqui resulta que o caso julgado abrange apenas a parte decisória e não, em princípio, os fundamentos de facto e de direito em que se baseia, podendo os seus limites integrar a decisão de questões que constituam antecedente lógico que conduza à decisão final. Por outro lado, tem eficácia relativa, isto é, por regra, apenas vincula as partes da ação, não afetando terceiros, salvo em situações excecionais, como sucede, por exemplo, com a eficácia externa do caso julgado no âmbito das questões relativas ao estado das pessoas (artigo 622.º do Código de Processo Civil) ou com a extensão do caso julgado a terceiros em resultado da oponibilidade emergente do registo da ação (artigos 3.º, n.º 1, e 5.º, n.º 1, do Código do Registo Predial).[1]
Como tal, considerando que a decisão a proferir no presente incidente de oposição à execução não vincula a executada CC, que nele não intervém, não há lugar à apreciação da exceção de ilegitimidade da mesma deduzida pelo apelante na oposição, em consequência do que se revoga, nesta parte, a decisão recorrida, decidindo-se não conhecer da questão.

2.2.2. Nulidade da decisão recorrida
O embargante arguiu a nulidade por omissão de pronúncia da decisão que, tendo julgado improcedente a oposição, determinou o prosseguimento da execução.
Sustenta o recorrente que requereu a realização de determinadas diligências, com vista a carrear para os autos prova documental, o que não foi objeto de decisão; esclarece que requereu se oficiasse à Câmara Municipal de Palmela para que viesse aos autos declarar qual o valor das taxas municipais aplicáveis aos futuros lotes e se determinasse a junção pela exequente dos relatórios de administração e as respetivas contas anuais, bem como as certificações relativas aos anos de 2004 a 2015, não tendo sido proferida decisão sobre tais requerimentos.
A causa de nulidade invocada pelo recorrente, prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, do CPC, ocorre quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, assim incumprindo o estatuído no artigo 608.º, n.º 2, 1.ª parte, do mesmo código, nos termos do qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Não esclarece o recorrente as concretas questões relativamente às quais entende ter a sentença omitido pronúncia, baseando o invocado vício na não apreciação pelo Tribunal de 1.ª instância de requerimentos probatórios anteriormente apresentados.
Porém, a eventual falta de apreciação pelo Tribunal de requerimentos anteriormente apresentados não determina, por si só, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia. Não resultando da alegação do recorrente que a sentença devesse apreciar e tenha omitido pronúncia sobre qualquer das questões anteriormente suscitadas nos aludidos requerimentos probatórios, a eventual omissão de apreciação de tais requerimentos não integra o vício imputado à decisão recorrida.
A alegação do recorrente configura a arguição de nulidades processuais cometidas nos autos, emergentes da eventual omissão da prática de atos que a lei prescreve, e não a omissão de pronúncia como vício da própria sentença recorrida.
A nulidade emergente da omissão de qualquer ato que a lei prescreva, a qual possa influir no exame ou na decisão da causa, deve ser arguida perante o Tribunal que omitiu o ato e não em sede de recurso. Acresce que, não configurando nulidade principal, a omissão invocada encontra-se sujeita ao regime de arguição fixado nos artigos 197.º e 199.º do CPC, do qual decorre, além do mais, a regra geral sobre o prazo de arguição das nulidades secundárias: se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, dispõe para a arguição do prazo geral de 10 dias, contado desde o conhecimento de que foi cometida a nulidade. Tendo decorrido o prazo respetivo, sempre seria de considerar extemporânea a invocação da omissão, em sede do presente recurso de apelação.
Sempre se dirá, porém, que, no caso presente, não ocorreu a invocada omissão de pronúncia sobre os requerimentos probatórios apresentados, tendo em conta a comunicação efetuada na audiência prévia, na qual foi dado conhecimento às partes de que o processo continha todos os elementos que permitiam a prolação de decisão de mérito, sendo-lhes concedido prazo para que se pronunciassem.
Definindo as finalidades do despacho saneador, dispõe o n.º 1 do artigo 595.º do CPC que se destina a: a) conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente; b) conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.
Prevê a alínea b) do citado preceito o conhecimento do mérito da causa no despacho saneador, se o estado do processo o permitir, sem necessidade de mais provas.
Como tal, da comunicação efetuada pelo Tribunal, de que o estado do processo permitia conhecer do mérito da causa, decorre a transmissão da informação de que se considera desnecessária a produção de prova, o que configura pronúncia no sentido da não realização das diligências probatórias requeridas.
Em conclusão, não enferma a decisão recorrida da causa de nulidade arguida pelo recorrente.

2.2.3. Oportunidade do conhecimento do mérito da causa no despacho saneador
A 1.ª instância conheceu do mérito da causa no despacho saneador, o que vem questionado na apelação, defendendo o recorrente que o estado do processo não permitia a decisão da oposição à execução sem a produção de prova.
A justificar tal alegação, sustenta que o conhecimento da questão da exceção de não cumprimento, com fundamento na qual peticionou a extinção da execução, exigia a produção de prova quanto aos factos, que alegou no articulado de oposição, elencados nas alíneas a) a m) da conclusão 10.ª das alegações da apelação, supra transcrita, pelo que deveria ter-lhe sido permitido produzir prova sobre tal factualidade.
Vejamos se lhe assiste razão.
Conforme se expôs em 2.2.2., prevê a alínea b) do n.º 1 do artigo 595.º do CPC o conhecimento do mérito da causa no despacho saneador, se o estado do processo o permitir, sem necessidade de mais provas.
Esta desnecessidade de mais provas verificar-se-á, entre outras situações, quando não existam factos controvertidos, estando em causa unicamente matéria de direito, mas também nos casos em que da factualidade controvertida não resulte o efeito jurídico pretendido pela parte que a alegou, não assumindo tal matéria de facto relevo à luz das várias soluções plausíveis da questão de direito. Nestes casos, perante a inconcludência do pedido, não se podendo retirar da matéria de facto alegada o efeito jurídico pretendido, esclarece José Lebre de Freitas (A Ação Declarativa Comum: À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, p.. 183) que “é inútil produzir prova sobre os factos alegados, visto que eles nunca serão suficientes para a procedência do pedido”.
Face à alegação do recorrente, e verificando que não foram considerados provados os factos elencados nas alíneas a) a m) da conclusão 10.ª das alegações da apelação, cumpre averiguar da relevância de tal factualidade em sede de apreciação da exceção de não cumprimento pela exequente, invocada pelo embargante, de forma a decidir se se mostra necessária a produção de prova sobre tal factualidade.
Na oposição que deduziu, o embargante invoca o incumprimento da operação de reconversão urbanística a que respeitam as despesas cujo pagamento é peticionado na execução que constitui o processo principal, pretendendo afastar o seu próprio incumprimento da obrigação de pagamento da comparticipação nas despesas de reconversão determinada na assembleia realizada no dia 27-03-2004, cuja ata é apresentada como título executivo.
A questão foi apreciada na decisão recorrida nos termos seguintes:
Quanto à invocada excepção de não cumprimento suscitada pelo opoente/executado.
Finalmente, alegou o opoente/executado que os montantes das quantias entretanto por si pagas não são devidas porque os serviços que pretendem suportar não foram prestados.
A matéria alegada faz apelo à excepção de não cumprimento dos contratos, prevista no art.º 428.º, do Código Civil.
O art.º 428º nº 1, do Código Civil estabelece como pressuposto da excepção de não cumprimento dos contratos, além do mais, a existência de um negócio bilateral e de um nexo de correspectividade entre as prestações em confronto.
A obrigação de contribuir para as despesas de reconversão e nos encargos com a operação de reconversão não tem natureza contratual, mas sim real (cfr. artº 3º nº 6 da invocada lei), o que desde logo suscita dúvidas quanto à consideração da natureza bilateral da obrigação.
Admite-se no entanto que a excepção de não cumprimento possa ser invocada no âmbito de negócios que não tenham natureza estritamente obrigacional, mas em que seja demonstrada a existência de sinalagma funcional entre as prestações.
Para tanto seria ónus do opoente/executado especificar e caracterizar as obrigações incumpridas pela exequente, bem assim como a relação sinalagmática existente entre as mesmas e as despesas exequendas.
Nada foi alegado de concreto, sendo certo que as despesas de reconversão não correspondem ao preço de qualquer serviço prestado, mas sim a um dever imposto ao comproprietário no pagamento das despesas necessárias para a efectivação da operação de reconversão, de acordo a quota de comparticipação atribuída, por cada lote, nos custos de execução dessas obras – cfr. artºs. 3º nº 1 , 3 e 4 e 26º).
Conclui-se assim pela improcedência da oposição também nesta parte.
Analisando a fundamentação apresentada, verifica-se que foram tidas em conta na decisão recorrida as várias soluções plausíveis da questão de direito, no que respeita à admissibilidade da aplicação da exceção de não cumprimento prevista no artigo 428.º do Código Civil a outras situações, além dos contratos bilaterais a que alude o preceito, tendo-se considerado que não decorre da matéria de facto alegada o preenchimento dos pressupostos de aplicação da exceção em causa, não se extraindo de tal factualidade a existência de uma relação sinalagmática entre obrigações incumpridas pela exequente e as despesas exequendas.
Está em causa a eventual aplicação analógica do disposto no artigo 428.º, n.º 1, do Código Civil, a situações não abrangidas na previsão do preceito, o qual dispõe o seguinte: Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.
Tratando-se de contratos bilaterais em que não haja prazos diferentes para o cumprimento das prestações, a exceção de não cumprimento, prevista no artigo 428.º n.º 1, do Código Civil, concede a cada um dos contraentes a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.
Esta exceção pressupõe a manutenção do vínculo, tendo apenas uma função dilatória de suspensão do cumprimento da obrigação. Constituindo a exceção um meio de pressão ou coação, defensivo, contra o credor que reclama o seu crédito sem cumprir a obrigação própria, a obrigação do excipiente suspende-se enquanto o outro contraente não cumprir ou oferecer o cumprimento simultâneo, o que afasta a mora do excipiente, mas não extingue a sua obrigação. É certo que o incumprimento que justifica a invocação da exceção pode não ser total, podendo tratar-se de um incumprimento parcial, designadamente ligado à pontualidade e integralidade do cumprimento das obrigações, no entanto, só é oponível tratando-se de obrigações correspetivas, no sentido de que cada uma delas é causa da outra.
Admitindo a aplicação do regime previsto no preceito a outras situações, além dos contratos bilaterais nele indicados, afirmam Pires de Lima/Antunes Varela (Código Civil Anotado, volume I, 4.ª edição revista e atualizada, com a colaboração de Henrique Mesquita, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 407) o seguinte: “A exceptio tem ainda aplicação nos casos em que, por força da própria lei, embora contra a vontade de uma das partes, se cria entre estas uma situação análoga à proveniente do contrato bilateral. É o que sucede na expropriação por utilidade pública, quanto à entrega do preço e à entrega da coisa expropriada”. No mesmo sentido, esclarece Almeida Costa (Direito das Obrigações, 12.ª edição revista e atualizada, 2.ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2013, p. 363, nota 1), o seguinte: “Os contratos bilaterais constituem, na verdade, o âmbito natural da excepção de não cumprimento (…). Mas isso não significa que não se possa ir mais além. Assim, por ex., a «exceptio» aplica-se às obrigações de restituir derivadas da declaração de nulidade, anulação ou resolução dos contratos (arts. 290.º e 433.º); (…)».
No entanto, ainda que se admita a aplicação analógica do disposto no artigo 428.º a outras situações, que não os contratos bilaterais, a existência de obrigações correspetivas constitui pressuposto de tal aplicação, assim se mostrando necessário averiguar da existência no caso presente de tal interdependência entre a obrigação exequenda e obrigações eventualmente incumpridas pela exequente.
No caso presente não está em causa um contrato bilateral, mas sim um processo de reconversão de área urbana de génese ilegal (AUGI), cujo regime se encontra estabelecido pela Lei n.º 91/95, de 02-09 (com as alterações que lhe foram introduzidas pelas Leis n.ºs 165/99, de 14-09, 64/2003, de 23/08, 10/2008, de 20/02, 79/2003, de 26/12, e 70/2015, de 16-07).
Dispõe o artigo 3.º da referida lei, no seu n.º 1, que a reconversão urbanística do solo e a legalização das construções integradas em AUGI constituem dever dos respetivos proprietários ou comproprietários, o qual inclui, nos termos dos n.ºs 2 e 3, o dever de conformar os prédios que integram a AUGI com o alvará de loteamento ou com o plano de pormenor de reconversão, nos termos e prazos a estabelecer pela câmara municipal, bem como o dever de comparticipar nas despesas de reconversão, nos termos fixados na presente lei; esclarece o n.º 4 do preceito que são responsáveis pelos encargos com a operação de reconversão os titulares dos prédios abrangidos pela AUGI, sem prejuízo do disposto no número seguinte e do direito de regresso sobre aqueles de quem hajam adquirido, quanto às importâncias em dívida no momento da sua aquisição, salvo no caso de renúncia expressa; o n.º 5 acrescenta que o dever de reconversão compete, ainda, aos donos das construções erigidas na área da AUGI, devidamente participadas na respetiva matriz, bem como aos promitentes-compradores de parcelas, desde que tenha havido tradição, os quais respondem solidariamente pelo pagamento das comparticipações devidas.
Definindo o regime da administração do prédio ou prédios integrados na mesma AUGI, dispõe o artigo 8.º daquela lei que ficam sujeitos a administração conjunta, assegurada pelos respetivos proprietários ou comproprietários, sendo os órgãos da administração conjunta são os seguintes: a assembleia de proprietários ou comproprietários, a comissão de administração e a comissão de fiscalização.
O artigo 10.º da indicada lei estabelece as competências da assembleia, competindo-lhe, nos termos do n.º 1, acompanhar o processo de reconversão e fiscalizar os atos da comissão de administração, sem prejuízo das competências atribuídas à comissão de fiscalização, bem como, nos termos do n.º 2, o seguinte: deliberar promover a reconversão da AUGI; eleger e destituir a comissão de administração; eleger e destituir os representantes dos proprietários e comproprietários que integram a comissão de fiscalização; aprovar o projeto de reconversão a apresentar à câmara municipal, na modalidade de pedido de loteamento; avaliar a solução urbanística preconizada, na modalidade de reconversão por iniciativa municipal; aprovar os mapas e os respetivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações referidos na alínea c) do n.º 1 do artigo 15.º; aprovar, após parecer da comissão de fiscalização, os orçamentos apresentados pela comissão de administração para a execução das obras de urbanização; aprovar o projeto de acordo de divisão da coisa comum; aprovar, após parecer da comissão de fiscalização, as contas anuais e intercalares, da administração conjunta; aprovar, após parecer da comissão de fiscalização, as contas finais da administração conjunta.
O n.º 5 do citado artigo 10.º atribui força executiva à fotocópia certificada da ata que contenha a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão.
Está em causa, na execução de constitui o processo principal, o cumprimento pelo embargante do dever de comparticipar nas despesas de reconversão, com a cobrança coerciva de parte da comparticipação considerada devida conforme deliberação da assembleia realizada no dia 27-03-2004, que determinou o valor relativo ao custo da reconversão urbanística das AUGI em causa e a fórmula de cálculo da comparticipação nas despesas de reconversão pelos proprietários e comproprietários.
Neste contexto, vejamos se os factos invocados pelo apelante poderão justificar a respetiva recusa do pagamento da parte em falta da prestação que lhe cabe nas despesas de reconversão, não olvidando que o montante da comparticipação em causa ascende a € 159 744,43 e que foi já paga a quantia de € 92 233,52.
Para o efeito, cumpre atender à alegação dos elementos seguintes: a comissão de administração da AUGI do P… R… não fez esgotos, arruamentos nem terraplanagens; vinte anos depois de comprar os prédios rústicos, o opoente vê os seus terrenos nas mesmas condições em que se encontravam em 1996; os prédios do executado continuam a não ter arruamentos, água, esgotos e eletricidade, nem alvará de loteamento; o executado gastou € 92 233,52 e as suas propriedades não se encontram loteadas, não existe licença de construção para cada um dos lotes e não só não se valorizaram fruto de uma suposta reconversão urbanística como valem hoje uma ínfima parte do que por elas pagou; só existe obrigação de pagar os custos de reconversão quando há um alvará e uma efetiva reconversão; a previsão de reconversão indicada no título executivo já dura há 16 anos; desde a assembleia de 27-03-2004 apenas se realizou uma outra assembleia de comproprietários, em junho de 2006; a exequente não prestou quaisquer informações sobre a não emissão do alvará de loteamento, as diversas alterações ao desenho urbano ou a falta de realização de quaisquer obras de urbanização; por carta de janeiro de 2009, a exequente comunicava nova alteração ao projeto de loteamento, que alterava as áreas dos lotes e previa que o respetivo alvará seria emitido em junho de 2009, reconhecendo que não havia alvará e que a ata de 2004, que serviu de título executivo, era anterior às alterações de áreas dos lotes; a comissão de administração fez constar de carta recebida pelo apelante um plano de ação a desenvolver até 2013, que incluía fazer a divisão de coisa comum, transformando os avos em lotes, ligar a energia elétrica, concluir as obras de infraestruturas até 2011, o que não concretizou; os comproprietários não conseguem falar com os membros da comissão de administração da AUGI, cujos telefones se encontram um desativado e o outro desligado; a Câmara Municipal de Palmela informou o apelante, por escrito, que “continua a aguardar que a Comissão de Administração da AUGI tome a iniciativa de retomar o processo de conversão”; a maioria das despesas de reconversão correspondem a obras de infraestruturas que não foram realizadas: terraplanagens, empreitadas de construção de estradas, rotundas e demais arruamentos e passeios, rede de esgotos domésticos e pluviais, rede de águas, rede elétrica de distribuição e de iluminação pública, rede de telecomunicações.
Analisando a factualidade alegada pelo embargante, verifica-se que dela não resulta um nexo causal recíproco entre quaisquer concretas obrigações incumpridas pela exequente e o dever de comparticipação nas despesas da reconversão cujo cumprimento coercivo lhe é exigido na execução que constitui o processo principal, não decorrendo de tal alegação a interdependência de quaisquer concretas prestações que possa constituir base de apreciação da eventual aplicação da exceção invocada. Acresce que, da alegação do embargante não decorre que o eventual atraso na tramitação do processo de reconversão urbanística seja imputável à administração conjunta da AUGI, a qual não executa autonomamente o projeto de reconversão, tendo em conta que a operação em causa exige licenciamento com intervenção de outras entidades, designadamente a câmara municipal.
Assim sendo, mostra-se acertada a decisão recorrida, ao considerar desnecessária a produção de prova sobre a indicada factualidade, considerando que a mesma não assume relevo à luz das várias soluções plausíveis da questão de direito, não se mostrando os factos em causa suficientes para a procedência da exceção arguida.
Improcede, assim, nesta parte, a apelação.

2.2.4. Impugnação da decisão de facto
O apelante põe em causa a decisão sobre a matéria de facto incluída no saneador-sentença recorrido, sustentando que o facto constante do ponto 9 não é verdadeiro e não corresponde ao presente processo.
O facto em causa tem a redação seguinte:
9. Em face da fórmula de cálculo aprovada e do plano de loteamento definido pela Câmara Municipal de Palmela, a exequente efectuou os cálculos relativos aos lotes a atribuir aos embargantes, que terá o número …, com a área de 744,00 m2, e com uma STPL de 298,80 pela aplicação da fórmula e valores aprovados na assembleia geral de 27.03.2004, considerando a licença de loteamento aprovada, a que se refere o edital Nº 03/DAU-GRAGI/2010 de 30.07.2010, da Câmara Municipal de Palmela.
Sustenta o recorrente que se encontra prevista “a atribuição de cinco lotes (e não de apenas um) com os números …3, …4, …5, …6 e …7 (e não o número …) e uma área total de 4.762,00 (e não 744,00)”, contrariamente ao constante do aludido ponto de facto.
Analisando o requerimento executivo, verifica-se que a exequente alega, além do mais, o seguinte: “os Executados têm previstas a atribuição de 5 lote(s) de acordo com a última aprovação (lote …3, …4, …5, …6, …7),com uma área de 4762,00; 556,00; 495,00; 495;00; 495, com uma STPL de 1000; 220; 220; 220; 220 m2, respetivamente”.
Assim sendo, verifica-se que assiste razão ao apelante, enfermando o ponto 9 de evidente lapso, o qual cumpre retificar, tendo em conta que a admissão por acordo do alegado no requerimento executivo quanto ao facto em causa.
Nesta conformidade, na procedência da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, decide-se alterar o ponto 9 de 2.1.1., o qual passará a ter a redação seguinte:
9. Em face da fórmula de cálculo aprovada e do plano de loteamento definido pela Câmara Municipal de Palmela, a exequente efectuou os cálculos relativos aos lotes a atribuir aos embargantes, que terão os números …3, …4, …5, …6, …7, com as áreas de 4762, 556, 495, 495 e 495 m2, respetivamente, e com uma STPL de 1000, 220, 220, 220 e 220, respetivamente, pela aplicação da fórmula e valores aprovados na assembleia geral de 27.03.2004, considerando a licença de loteamento aprovada, a que se refere o edital Nº 03/DAU-GRAGI/2010 de 30.07.2010, da Câmara Municipal de Palmela.

2.2.5. Reapreciação do mérito da causa
A decisão recorrida considerou verificada a exequibilidade da ata da assembleia realizada no dia 27-03-2004, contendo a deliberação que determina o valor relativo ao custo da reconversão urbanística da AUGI e a fórmula de cálculo da comparticipação nas despesas de reconversão pelos proprietários e comproprietários, apresentada como título executivo.
Discordando de tal entendimento, sustenta o apelante que inexiste obrigação de comparticipação nas despesas de reconversão, salvo no que respeita às despesas do próprio funcionamento da comissão administrativa, dado não ter sido emitido alvará de loteamento; acrescenta que não foi efetuada a divisão de coisa comum, que os lotes previstos para cada comproprietário não se encontram registados, que as obras não começaram e não foram autorizadas pela câmara municipal, que não existe qualquer fórmula para o cálculo das taxas municipais que a comissão de administração afirma corresponderem aos futuros lotes do executado e que não existe um quadro com as taxas correspondentes a cada um dos lotes. Defende o recorrente que a obrigação exequenda é inexequível por não existir projeto de urbanização, desconhecendo-se a área do loteamento e a área dos lotes a atribuir ao executado, bem como as áreas de construção, elementos estes que só ficarão definitivamente fixados com a emissão do alvará e cuja falta não permite calcular a repartição dos custos da reconversão por lote, determinando o valor da comparticipação, pelo que alega não conter o título executivo os elementos necessários à determinação da comparticipação devida, pelo que se mostra inexequível.
Analisada a alegação do apelante, verifica-se que se baseia em factualidade não provada, sendo certo que se encontra provado que, por deliberação da Câmara Municipal de Palmela, tomada em reuniões de públicas de 13-12-2000, 18-10-2006 e 19-08-2009, foi aprovada a licença de loteamento, e respetivas alterações, referente à Reconversão da AUGI do P… R…, tornada pública por edital de 30-07-2010, e foi aprovada, por deliberação da mesma câmara municipal de 19-08-2009, a licença de loteamento e respetivas alterações, referentes à reconversão daquela AUGI; por outro lado, por despacho exarado pelo Sr. Vereador do Pelouro em 19-07-2010, no uso da competência subdelegada pela Sra. Presidente da Câmara (através do despacho n.º 20/2009 de 23-11), foi deferido o licenciamento de obras de urbanização.
Assim, concorda-se com a decisão recorrida, ao considerar o seguinte:
No caso sub judice, tendo sido aprovado o licenciamento de loteamento e respectivas alterações, foi também deferido o licenciamento das obras de urbanização, conforme resulta do edital n.º 03/DAU-GRAGI/2010 de 30.07.2010, da Câmara Municipal de Palmela.
Assim, como a exequente procedeu ao cálculo dos custos de reconversão após a aprovação do loteamento e o deferimento do licenciamento de obras de urbanização, é irrelevante que à data da assembleia geral ainda não existisse projecto aprovado. Aliás, só com a aprovação do projecto de reconversão é que seria possível requerer a licença de loteamento, como resulta do disposto no art. 10º, n.º 2, d) da Lei 91/95.
(…) a operação de loteamento foi aprovada e sujeita a duas alterações, e só depois da última alteração é que foi efectuado o cálculo dos custos de reconversão.
Estando em causa a reconversão urbanística de área urbana de génese ilegal, incumbe aos proprietários ou comproprietários, titulares dos prédios abrangidos pela AUGI, o dever de comparticipar nas despesas de reconversão, nos termos fixados na Lei n.º 91/95, de 02-09, conforme se expôs em 2.2.3..
Dispõe o artigo 15.º, n.º 1, al. c), da citada lei, que compete à comissão de administração elaborar e submeter à assembleia de proprietários ou comproprietários os mapas e os respetivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações; por outro lado, estabelece o artigo 10.º da indicada lei, na alínea f) do n.º 2, que compete à assembleia aprovar os mapas e os respetivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações referidos naquela alínea c) do n.º 1 do artigo 15.º, atribuindo o n.º 5 do preceito força executiva à fotocópia certificada da ata que contenha a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão.
Regulando o funcionamento da assembleia, dispõe o artigo 12.º da mesma lei, no seu n.º 1, que a assembleia delibera nos termos previstos no Código Civil para a assembleia de condóminos dos prédios em propriedade horizontal, com as especificidades previstas nos demais números do preceito, designadamente relativas à publicidade das deliberações, conforme decorre dos n.ºs 6 e 7; estabelece o n.º 8 do preceito que as deliberações da assembleia podem ser judicialmente impugnadas por qualquer interessado que as não tenha aprovado, no prazo de 60 dias a contar da data da assembleia ou da publicação referida no n.º 6 do presente artigo, consoante aquele haja ou não estado presente na reunião.
Atribuindo o artigo 10.º, n.º 5, da Lei n.º 91/95, de 02-09, força executiva à fotocópia certificada da ata que contenha a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão, trata-se de título executivo da espécie prevista no artigo 703.º, n.º 1, al. d), do CPC, isto é, um documento particular a que é atribuída força executiva por disposição especial, documento pelo qual cabe determinar o fim e os limites da ação executiva, conforme dispõe o artigo 10.º, n.º 5, do CPC.
Do regime exposto decorre que as deliberações da assembleia que determinem o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão vinculam os proprietários ou comproprietários, titulares dos prédios abrangidos pela AUGI, aos quais incumbe o dever de comparticipar nas despesas de reconversão, sendo admitida a impugnação judicial por parte daqueles que as não tenham aprovado, nos termos e prazos fixados no citado artigo 12.º daquela lei.
O embargante põe em causa, na oposição deduzida, o critério de determinação do montante da comparticipação que lhe é cobrada, nos termos fixados por deliberação da assembleia realizada no dia 27-03-2004. Ora, do pagamento parcial da comparticipação que lhe compete, nos termos decorrentes do critério deliberado pela assembleia, decorre desde logo a aceitação por parte do embargante de tal critério e da respetiva concretização posterior. Acresce que, sendo titular de prédios abrangidos pela AUGI, poderia o embargante ter impugnado a deliberação em causa, o que não fez, sendo certo que a impugnação da deliberação constitui o meio processual adequado à manifestação da discordância relativamente ao critério fixado.
Neste sentido, entendeu-se no acórdão da Relação de Lisboa de 14-11-2017 (relator: Manuel Marques), proferido no processo n.º 531/13.2TBALM-C.L1-1 e publicado em www.dgsi.pt, que, no que toca ao conteúdo e à exigibilidade das deliberações e à falta de elaboração dos mapas de comparticipação, trata-se de matéria que só poderia ser apreciada em sede de impugnação judicial das deliberações da assembleia (art. 12º, n.º 8, da Lei n.º 91/95) e não em sede de oposição à execução, pois que não se mostra que as deliberações tomadas violem em si mesmas normas imperativas, mas tão só que não foram precedidas da elaboração e aprovação daqueles mapas.
Vem posta em causa pelo apelante a suficiência do título executivo para determinação dos concretos montantes devidos a título de comparticipação nas despesas da reconversão.
Consta da decisão recorrida o seguinte:
Relativamente à taxa, a exequente aplicou os valores constantes do Regulamento e Tabela de Taxas Municipais, aprovado pela Câmara Municipal de Palmela e disponível em www.cm-palmela.pt.
No que concerne às obras e à aprovação das contas finais, deve em primeiro lugar atentar-se no artº. 15º, nº 1, da já mencionada lei, que estatui que compete à comissão de administração:
c) Elaborar e submeter à assembleia de proprietários ou comproprietários os mapas e os respectivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações e cobrar as comparticipações, designadamente para as despesas do seu funcionamento, para execução dos projectos, acompanhamento técnico do processo e execução das obras de urbanização;
d) Elaborar e submeter à assembleia de proprietários ou comproprietários os orçamentos para execução das obras de urbanização, o relatório da administração conjunta e as contas anuais, intercalares, relativas a cada ano civil, e as contas finais.
Em segundo lugar, deve considerar-se que o artº. 16º-C, n.º 1, da mesma lei, prescreve que as comparticipações nos encargos da reconversão são consideradas provisões ou adiantamentos até à aprovação das contas finais da administração conjunta.
Estes dois aspectos do regime jurídico aplicável revelam que o desconhecimento do início das obras, ou do momento da aprovação das contas finais, não afasta que a fotocópia certificada da acta que contém a deliberação da assembleia que determina o pagamento da comparticipação nas despesas de reconversão, possa valer como título executivo, nos termos do artº. 10º, n.º 5.
Assim, resultando da factualidade assente que, na assembleia de 27.03.2004, foi determinada a forma de cálculo das despesas que os proprietários de cada um dos lotes deveriam pagar à comissão de administração, forçoso será concluir que a dívida exequenda é exigível e determinável por cálculo aritmético, constituindo a acta de tal assembleia, indubitavelmente, título executivo; porque a tal não obsta a circunstância de se tratar de provisões ou adiantamentos até à aprovação das contas finais da administração conjunta, atento o que dispõe o já referido artº. 16º-C, n.º 1, da lei a que se veio fazendo referência.
Posto isto, e sendo o opoente/executado titular de prédio abrangido pela AUGI, tem o dever de comparticipar nas despesas de reconversão e nos encargos com a operação de reconversão (artº. 3º, nºs 3 e 4).
Concorda-se com esta apreciação, dado que o eventual recurso a elementos exteriores ao título executivo, para efeitos de concretização da obrigação exequenda, não põe em causa a força executiva da ata contendo a deliberação da assembleia, nem importa se conclua pela respetiva insuficiência.
Efetivamente, dispondo o artigo 724.º, n.º 1, al. e), do CPC que o exequente, no requerimento executivo, expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo, daqui decorre que é de admitir o recurso a elementos exteriores ao título para efeitos de determinação da obrigação exequenda (neste sentido, cf. o acórdão da Relação de Lisboa de 29-04-2019 (relatora: Gabriela Cunha Rodrigues), proferido no processo n.º 7334/16.0T8LRS-A.L1-2 e publicado em www.dgsi.pt).
Improcede, assim, também nesta parte, a apelação.


Em conclusão:
I - Em oposição deduzida por um executado a execução intentada contra dois executados, configura um ato inútil a apreciação de questão relativa à legitimidade do outro executado, considerando que a decisão a proferir não o vincula;
II - Não ocorre omissão de pronúncia sobre requerimentos probatórios se foi comunicado às partes que o estado do processo permitia conhecer do mérito da causa e lhes foi concedido prazo para o exercício do contraditório, sendo certo que daquela comunicação decorre a transmissão da informação de que se considera desnecessária a produção de prova;
III - Não resultando da factualidade controvertida o efeito jurídico pretendido pela parte que a alegou, não assumindo tal matéria de facto relevo à luz das várias soluções plausíveis da questão de direito, mostra-se desnecessária a produção de prova, assim permitindo o estado do processo o conhecimento do mérito da causa no despacho saneador;
IV - Em processo de reconversão de área urbana de génese ilegal (AUGI), as deliberações da assembleia que determinem o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão vinculam os proprietários ou comproprietários, titulares dos prédios abrangidos pela AUGI, aos quais incumbe o dever de comparticipar nas despesas de reconversão, sendo admitida a impugnação judicial por parte daqueles que as não tenham aprovado;
V - A impugnação da deliberação constitui o meio processual adequado à manifestação, por parte de titular de prédios abrangidos pela AUGI, da discordância relativamente ao critério fixado;
VI - O recurso a elementos exteriores ao título executivo indicados no requerimento executivo, para efeitos de concretização da obrigação exequenda, não põe em causa a força executiva da ata contendo a deliberação da assembleia, nem importa se conclua pela respetiva insuficiência.

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em negar provimento à apelação e, em consequência, manter a decisão recorrida, ainda que com fundamentação parcialmente diversa.
Custas pelo recorrente.
Notifique.

Évora, 27-06-2019
Ana Margarida Leite
Cristina Dá Mesquita
Silva Rato

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[1] Sobre o caso julgado e seus limites, cf. João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, II Volume (revisto e atualizado), apontamentos das lições redigidas com a colaboração de um grupo de Assistentes, Lisboa, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1987, p. 768-792; Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª edição, Lisboa, Lex, 1997, p. 567-597).