Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
6289/06.4TBSTB.E2
Relator: ANTÓNIO RIBEIRO CARDOSO
Descritores: CULPA IN CONTRAHENDO
DEVER DE INFORMAR
BOA-FÉ
CASO JULGADO
Data do Acordão: 03/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A obrigação de indemnizar por culpa in contrahendo, nos termos do art. 227º, nº 1, do CC, exige: - por um lado, que haja, por parte do incumpridor, uma conduta fortemente censurável, ou seja, intoleravelmente ofensiva do sentido ético-jurídico da boa fé, que deve presidir quer nos preliminares, quer na fase decisória da formação dos contratos; - por outro lado, que a parte fiel não tenha contribuído, também, com culpa sua, para o insucesso negocial.
Sumário do Relator
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO 6289/06.4TBSTB.E2 (1ª secção)
COMARCA DE SETÚBAL
SETÚBAL - INSTÂNCIA CENTRAL – J2
Apelante – (…) – COMPANHIA DE SEGUROS, SA.
Apelados – (…) – ASSISTÊNCIA NAVAL, LDA.
(…) - SOCIEDADE MEDIADORA DE SEGUROS
COMPANHIA DE SEGUROS (…), SA


(…) - ASSISTÊNCIA NAVAL, S.A. intentou a presente acção contra a COMPANHIA DE SEGUROS (…), S.A. e (…) - SOCIEDADE MEDIADORA DE SEGUROS, Lda., pedindo que sejam condenadas a pagarem-lhe, solidariamente, a quantia de € 58.741,52, acrescida de juros até integral pagamento.
Como fundamento, alegou ter celebrado com a 1ª Ré através da 2ª Ré um contrato de seguro relativamente ao seu rebocador “(…)”, mas a 1ª Ré, com sucessivas reservas e alterações ao contrato e âmbito territorial da cobertura, foi arrastando a emissão da apólice definitiva e a emissão dos recibos para pagamento dos prémios, de tal forma que, quando lhe comunicou o sinistro ocorrido com o rebocador, a Seguradora não aceitou ressarcir a A., e devolveu os valores que havia pago à mediadora relativos aos prémios, assim violando as mais elementares regras da boa fé na formação dos contratos, para o que contribuiu a actuação negligente da mediadora.
As Rés contestaram tendo a Ré (…)-SEGUROS excepcionado a ineptidão da petição e, ambas as Rés, o caso julgado, para além de impugnarem os factos alegados.

A requerimento da Ré (…)-SEGUROS foi ordenada a intervenção da (…) – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., a qual, citada, veio contestar e arguir a sua ilegitimidade.

No saneador, foram as excepções da ineptidão da petição e da ilegitimidade da (…), julgadas improcedentes, mas procedente a arguida excepção do caso julgado e as Rés absolvidas da instância.

Interposto recurso, foi a decisão relativa à excepção do caso julgado, revogada e ordenado o prosseguimento dos autos.

Seleccionados os factos assentes e organizada a base instrutória, realizou-se a audiência de julgamento e foi proferida sentença julgando a acção procedente quanto à Ré (…) e improcedente quanto à Ré (…)-Seguros.

Inconformada com tal decisão, interpôs a Ré (…) o presente recurso, impetrando a revogação da sentença e a sua absolvição do pedido.

A Ré (…)-Seguros, a chamada (…) Seguros (na qual foi, entretanto, incorporada a …) e a A. (…), contra-alegaram pugnando pela manutenção do julgado.

O processo foi aos vistos simultâneos.

Formulou a apelante, nas alegações de recurso, as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o seu objecto [1] e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:
a. Por sentença de 29 de Maio de 2014 veio o tribunal a quo considerar procedente por provada a acção,
b. condenando desta forma a ora Recorrente no pagamento da quantia de € 58.741,52 (cinquenta e oito mil setecentos e quarenta e um euros e cinquenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral e efectivo pagamento,
c. entendendo para o efeito que a Recorrente violou o dever de informação,
d. actuando com negligência grosseira,
e. ao não informar da não cobertura da apólice de seguros da navegação em águas internacionais do reboque (…).
f. Salvo melhor opinião errou o Tribunal a quo. Porquanto,
g. Considerou o tribunal como provado nos pontos 9 e 12 dos facto assentes que: “No dia 12 de Março de 2004, a Autora efectuou o pagamento do prémio de seguro titulado pelo recibo n.º 512031, correspondente à anuidade de 31/03/2003 a 30/03/2004” – ponto 9 dos factos assentes - e “No dia 20/4/04, a Autora efectuou o pagamento da quantia de € 8.662,50, referente ao segundo semestre correspondente à anuidade de 31/3/2003 a 30/3/2004” - ponto 12 dos factos assentes.
h. Por sentença transitada em julgado e cuja cópia se encontra junta aos autos com a petição inicial, o Tribunal Marítimo absolveu a ora Recorrente da acção instaurada pela Autora,
i. Considerando que os prémios de seguros foram liquidados fora de prazo.
j. Pelo que deverá a douta sentença ser alterada considerando-se que os prémios foram liquidados fora de prazo.
k. Por sua vez entendeu ainda o Tribunal a quo considerar como não provado que:
a. A Apelante se recusou a cobrir os riscos inerentes na navegação em costa internacional;
b. Deu conhecimento prévio à Autora;
c. A Autora assinou a proposta e aceitou as condições com prévio conhecimento que a cobertura por navegação em águas internacionais não estava contemplada nessa apólice.
n. À luz do contrato de resseguro em vigor à data, a Apelante não podia fazer a cobertura da navegação em águas internacionais,
o. Facto esse que era do conhecimento da (…)-seguros,
p. conforme por fax datado de 9 de Abril de 2003, remetido para o número (…), ao cuidado de Sr. (…), onde a Apelante informa “Não nos é possível dar cobertura aos riscos pretendidos.
Aceitamos a taxa de 0,75% mas para as condições abaixo:
- Rebocador em aço;
- Ano de construção: 2003;
- Área de navegação: Costa Continental Portuguesa;
- D.P. 2.200.000,00 euros;
- Riscos 01-02-03-04-05-12-13;
- R.C. 2.200.000,00 euros;
- Risco 06-07;
Franquia de 3.000,00 euros”.
q. Ao contrário da douta sentença, era do conhecimento da Ré (…)-seguros, na qualidade de representante da Autora no processo de formação do contrato de seguros, quais as condições em que a Apelante aceitava o mesmo,
r. designadamente a exclusão da cobertura de navegação em águas internacionais.
s. Finalmente quanto à responsabilidade civil,
t. Entendeu o douto tribunal a quo que a Apelante violou o princípio da boa-fé contratual,
u. agindo com negligência grave, omitindo comunicações essenciais sobre a cobertura do seguro,
v. condenando a Apelante no montante de € 58.741,52 (cinquenta e oito mil, setecentos e quarenta e um euros e cinquenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral e efectivo pagamento.
w. São pressupostos da responsabilidade civil o facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade.
x. À data dos factos objecto da presente acção judicial a ora Apelante à luz do tratado de resseguro não podia cobrir a navegação da embarcação (…) em águas internacionais, tendo se socorrer de entidades terceiras que aceitassem a cobertura em causa,
y. Tendo dado conhecimento das condições que aceitava celebrar o seguro à (…)-Seguros.
z. Nunca a Apelante aceitou segurar a navegação em águas internacionais ou cobrou qualquer prémio adicional pelas extensões pretendidas pela Autora.
aa. O sinistro ocorreu em 19 de Março de 2004,
bb. depois de emitida a apólice – em Dezembro de 2003 - ,
cc. com a exclusão da navegação em águas internacionais.
dd. Se as condições não fossem do conhecimento da Autora, podia ter resolvido o contrato e socorrer-se de terceira entidade para segurar a embarcação em causa nas condições pretendidas ou seja navegação costeira e internacional.
ee. Ao invés a Autora aceitou o contrato, com as condições gerais e especiais,
ff. procedendo ao pagamento do prémio de seguro,
gg. ainda que depois do prazo convencionado.
hh. Ao contrário do decido pelo Tribunal a quo, a Apelante cumpriu com o dever de informar,
ii. Dando conhecimento das condições em que legalmente podia celebrar o seguro.
jj. Pelo que não se encontrando preenchidos os requisitos da responsabilidade civil deverá a sentença ora recorrida ser alterada absolvendo-se a Apelante.

ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO
Face às conclusões formuladas e apesar da sua desnecessária prolixidade, as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber:
1 - Se deve ser alterada a matéria de facto dos pontos 9 e 12, julgando provado que “os prémios de seguro foram liquidados fora de prazo” e que, “em 9 de Abril de 2003, a (…) deu conhecimento à Ré (…)-Seguros, na qualidade de representante da A. das condições em que aceitaria segurar a embarcação (…)”;
2 – Se se encontram preenchidos os requisitos da responsabilidade civil decorrente da culpa in contrahendo.

Vejamos então de per si as referidas questões que constituem o objecto do recurso, não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas [2] bem como, nos termos dos arts. 608º, n.º 2 e 663º n.º 2 do Código de Processo Civil, não tem que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

1 - Se deve ser alterada a matéria de facto dos pontos 9 e 12, julgando provado que “os prémios de seguro foram liquidados fora de prazo” e que, “em 9 de Abril de 2003, a (…) deu conhecimento à Ré (…)-Seguros, na qualidade de representante da A., das condições em que aceitaria segurar a embarcação (…)”
Estabelece o art. 662º do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Por seu turno, determina o art. 640º, nº 1, al. b) que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Resulta daqui que, sendo impugnada a decisão sobre determinados pontos da matéria de facto julgada provada na primeira instância, o tribunal de recurso pode alterar tal decisão, se a reapreciação dos meios de prova indicados pelo recorrente nas suas alegações, impuserem decisão diversa.
Pretende a recorrente que, alterando a decisão do tribunal recorrido, de “não provado” se julgue provado que “os prémios de seguro foram liquidados fora de prazo”.
Nos pontos 9 e 10 da matéria de facto considerou o tribunal “a quo” provado que (9) no dia 12 de Março de 2004, a Autora efectuou o pagamento do prémio de seguro titulado pelo recibo nº. 512031, correspondente à anuidade de 31/03/03 a 30/03/04 e que (12) no dia 20/04/04, a Autora efectuou o pagamento da quantia de € 8.662,50, referente ao segundo semestre correspondente à anuidade de 31/03/03 a 30/03/04.
Invoca a recorrente que, tendo sido proferida sentença pelo Tribunal Marítimo, com trânsito em julgado, em que considerou que o referido pagamento dos prémios foi efectuado fora de prazo, não devia o tribunal “a quo” pronunciar-se sobre a questão da data do pagamento dos prémios.
Mas, com todo o respeito, não tem razão.
O que transitou em julgado foi a decisão absolutória do pedido formulado naquela acção, com base naquela causa de pedir e não a interpretação que o Tribunal Marítimo fez dos factos e da prova produzida no processo.
Estabelecia o art. 673º do CPC à data vigente e estabelece-o agora o art. 621º do NCPC que “a sentença constitui caso julgado nos precisos termos em que se julga” e não relativamente aos fundamentos e pressupostos desse julgamento, nomeadamente, quanto à valoração dos elementos de prova.
“O princípio da eficácia extraprocessual das provas, consagrado no art. 522º, nº 1, do Código de Processo Civil, significa que a prova produzida (depoimentos e arbitramentos) num processo pode ser utilizada contra a mesma pessoa num outro processo, para fundamentar uma nova pretensão, seja da pessoa que requereu a prova, seja de pessoa diferente, mas apoiada no mesmo facto. Não pode é confundir-se o valor extraprocessual das provas produzidas (que podem ser sempre objecto de apreciação noutro processo) com os factos que no primeiro foram tidos como assentes, já que estes fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial. Transpor os factos provados numa acção para a outra constituiria, pura e simplesmente, conferir à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado que não tem, ou conceder ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui” [3].
O facto do Tribunal Marítimo ter entendido, com base na prova produzida, que os prémios foram pagos fora de prazo, não impede que a questão seja reapreciada neste processo com base noutros elementos de prova e se conclua diversamente.
Entendemos assim, que, apesar do trânsito em julgado da sentença proferida pelo Tribunal Marítimo, não estava o tribunal “a quo” impedido de se pronunciar sobre tal questão.
Pretende a recorrente que dê como provado que os prémios de seguro foram liquidados fora de prazo.
Mas, como é evidente, esta pretensão não pode ser acolhida, uma vez que não estamos perante um facto mas perante uma conclusão.
Factos, são as datas em que os prémios deveriam ser pagos e a data do respectivo pagamento. Do confronto destas duas datas se concluirá se a liquidação ocorreu dentro ou fora do prazo.
Nos números 9 e 12 consignou-se, e bem, as datas em que os pagamentos foram efectuados.
Para além disso, nos números 8 e 29 considerou-se provado que em 16 e 20 de Dezembro de 2003, a Ré Companhia de Seguros (…) emitiu os recibos juntos a fls. 50 a 53 dos autos, cujo teor de dá por integralmente reproduzidos, relativos ao prémio devido no primeiro e segundo semestre [4] e que, numa reunião realizada no mês de Janeiro de 2004, foi acordado entre a Ré Companhia de Seguros (…), através do seu gestor no balcão de Setúbal, e a (…) Seguros, representada pelo Sr. (…), que os pagamentos dos prémios deviam efectuar-se com uma diferença de 30 dias, entre o primeiro e o segundo pagamento.
São estes os factos que relevam e dos quais se concluirá se o pagamento foi ou não tempestivo.
Refira-se, para finalizar esta questão, que a recorrente pretende que a alteração pretendida, seja feita tendo em conta “a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento – nesse sentido vide depoimento da testemunha (…) – bem como a documental”.
Quanto à prova documental a mesma consta dos autos e, por isso, sempre o tribunal “a quo” ou este tribunal de recurso, teria que tê-la em consideração, ainda que não tivessem sido consignados na matéria provada, os factos que os mesmos suportam (607º/4 do CPC).
Já quanto à prova testemunhal, nunca este tribunal poderia tê-la em consideração, face à inobservância pela recorrente do ónus imposto pelo art. 640º, nºs 1, al. b) e nº 2, al. a) do CPC.
Pelo referido, e outros fundamentos se nos afiguram desnecessários, mantêm-se inalterados os números 9 e 12 da matéria de facto, improcedendo, assim, o recurso nesta parte.

Pretende também a recorrente que se considere provado que “em 9 de Abril de 2003 a (…) deu conhecimento à Ré (…)-Seguros, na qualidade de representante da A. das condições em que aceitaria segurar a embarcação (…)”, tendo por fundamento o documento de fls. 464 no qual consta, para além do mais: “não nos é possível dar cobertura aos riscos pedidos” e, como “área de navegação: Costa Continental Portuguesa”.
Quanto a este documento, invocou a recorrida (…)-Seguros a fls. 467, que nunca teve dele conhecimento e, por isso, o impugnou.
A recorrida (…) não se pronunciou quanto ao mesmo, mas em sede de alegações deste recurso invoca que “a ora Recorrente não logrou provar em Juízo que a Ré (…)-Seguros, nem o Sr. (…) tenham tido conhecimento de tal fax”.
O tribunal “a quo” considerou não provado que “na ocasião a Ré Companhia de Seguros manifestou a recusa em cobrir riscos decorrentes na navegação em costa internacional e que, dessa recusa a Ré deu conhecimento à Autora”.
Fundamentou esta decisão, na consideração de que “a prova não se apresentou suficientemente segura e consistente para permitir formar convicção para os dar como assentes”.
Consta dos factos provados que nas negociações a Autora esteve representada pela (…)-Seguros, com conhecimento e aceitação da Ré (…).
Resulta também da fundamentação da decisão do tribunal sobre a matéria de facto, que foi a testemunha (…), que interveio nessas negociações pela Ré (…)-Seguros. Consta, também, na fundamentação que (…) referiu “que a (…)-Seguros, como mediador de seguros, sempre prestou orientação, aconselhamento e acompanhamento na celebração dos seguros da Autora, bem como, geria toda a situação relativa aos mesmos. Nessa altura, a Autora sob a sua orientação e acompanhamento procedia à transferência de uma carteira de seguros para a (…). A (…)-Seguros estabeleceu todas as negociações, em representação da (…), com a Ré (…), dizendo que o seguro pretendido pela Autora destinava-se à cobertura de risco em águas nacionais e internacionais sem que, em momento algum, a (…) tivesse feito qualquer advertência ou esclarecido que não cobria o risco de navegação em águas internacionais”.
Já os funcionários da recorrente referiram, segundo consta na fundamentação, que comunicaram à (…)-Seguros que a recorrente não aceitava a cobertura das águas internacionais.
Terá sido perante estas divergências e pela impugnação do documento de fls. 464, feita pela (…)-Seguros, que o tribunal considerou não provado que “na ocasião a Ré Companhia de Seguros manifestou a recusa em cobrir riscos decorrentes na navegação em costa internacional e que, dessa recusa a Ré deu conhecimento à Autora”.
Mas, com todo o respeito, não concordamos com esta decisão de não prova.
É certo que a (…)-Seguros impugnou o documento de fls. 467. Mas será que essa impugnação é suficiente para afastar a prova que do mesmo resulta?
Entendemos que não.
Na verdade, em 11.11.2013, antes da junção do documento de fls. 464, a recorrida (…) remeteu aos autos o requerimento de fls. 403 a 405, capeando os documentos de fls. 406 a 412, no qual refere: “iv) Juntar, de acordo com o previsto no n.º 2 do art.º 423º do Novo Código de Processo Civil, um relatório preparado pela Ré (…)-Seguros sobre a ocorrência em análise nos presentes autos, com data de 23 de Março de 2006. Este documento, ora junto como Documento N.º 1, enviado para a Autora no dia 24 do mesmo mês”.
Consta expressamente nesse “relatório”: “09.04.2003 – O subscritor recusa o Risco”. Ora, esta data “09.04.2003”, corresponde exactamente à data em que a recorrente refere ter comunicado a recusa da cobertura da navegação em águas internacionais, ou seja, à data do documento de fls. 464, no qual consta também: “Fax: (…) Ao cuidado do Sr. (…)”. Assim, conjugando estes elementos, pese embora a impugnação da (…)-Seguros e a alegação em sede de recurso da (…), concluímos que, efectivamente, a (…)-Seguros e, por inerência, a recorrida (…) (uma vez que, como vem provado, a (…)-Seguros actuou nas negociações em representação da …) em Abril de 2003 teve conhecimento da recusa da recorrente em assumir os riscos relativos às águas internacionais.
Mais consta do referido “relatório”: “00.09.2003 – Pela via utilizada anteriormente (Assistente Comercial), a Companhia solicita-nos uma nova PROPOSTA, onde relativamente ao quesito de – ÁREA DE OPERAÇÃO – devíamos responder, exclusivamente, conforme registo oficial da embarcação – TRÁFEGO LOCAL E COSTEIRO. Ao exigirmos explicação sobre o pormenor da situação, foi-nos transmitido, verbalmente, pelo Gestor do Balcão de Setúbal, que se tratava de um pormenor técnico, de rigor, da Companhia, relativamente aos Resseguradores…” e mais adiante: “00.12.2003 - …No final da reunião fizemos a entrega pela 3ª vez, de uma PROPOSTA, onde de facto não constavam as palavras “Nacional e/ou Internacional”, apenas – TRÁFEGO LOCAL E COSTEIRO – conforme registo da embarcação”.
A isto acresce que o tribunal “a quo” julgou provado que em Dezembro de 2003, a Ré Companhia de Seguros (…) enviou à (…)-Seguros a documentação inerente à apólice-Condições Gerais Especiais e Particulares e que, nessa ocasião, verificou-se que as condições particulares não estavam em conformidade com as condições inicialmente contratadas, nomeadamente na definição do âmbito de cobertura da apólice na sua vertente territorial.
Em face do referido, não nos oferece dúvida de que, na ocasião, a Ré Companhia de Seguros manifestou a recusa em cobrir riscos decorrentes na navegação em costa internacional e que, dessa recusa a Ré deu conhecimento à Autora, “rectius” à (…)-Seguros, sua representante nas negociações, pelo que se impõe a respectiva adição aos factos provados, alterando, nessa medida, a decisão recorrida.
Termos em que, nesta parte, o recurso merece provimento.

FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Face ao decidido, são os seguintes os factos provados:
1 - A Autora (…) é proprietária do Rebocador (…), o qual se encontra registado como rebocador costeiro/local na Capitania do Porto de Setúbal com o conjunto de identificação (…).
2 - A Ré (…)-Seguros – sociedade mediadora de seguros, Lda., exerce a actividade de mediadora de seguros da Ré (…).
3 - A Ré Companhia de Seguros (…) explora comercialmente, entre outros, o seguro de barcos de uso comercial, do ramo marítimo.
4 - Mediante a celebração de um contrato de seguro titulado pela apólice grupo nº. (…), a Ré (…)-Companhia de Seguros, SA. assumiu a posição de seguradora líder.
5 - A Autora (…) e a Ré Companhia de Seguros (…) celebraram um contrato de seguro do ramo marítimo (barcos de uso comercial) para o período compreendido entre 31 de Março de 2003 e 30 de Março de 2004, tendo por objecto o referido rebocador (…), que se encontra titulado pela apólice nº. (…), emitida em 16 de Dezembro de 2003.
6 - Nos termos da mencionada apólice o capital seguro estava subdividido em: danos materiais sofridos pela embarcação e responsabilidade civil no montante de € 2.200.000,00 cada.
7 - Nessas negociações desse acordo a Autora esteve representada pela (…)-Seguros, com conhecimento e aceitação da Ré (…).
8 - Em 16 e 20 de Dezembro de 2003, a Ré Companhia de Seguros (…) emitiu os recibos juntos a fls. 50 a 53 dos autos, cujo teor de dá por integralmente reproduzidos, relativos ao prémio devido no primeiro e segundo semestre.
9 - No dia 12 de Março de 2004, a Autora efectuou o pagamento do prémio de seguro titulado pelo recibo nº. 512031, correspondente à anuidade de 31/03/03 a 30/03/04.
10 - A Ré (…)-Seguros fez o processamento imediato da prestação de contas à Ré (…) e emitiu a folha de fecho de contas e da guia nº. 400505760, com data de 12/03/04.
11 - A Autora dirigiu à (…)-Seguros a comunicação junta a fls. 62 dos autos, informando que, no dia 9/03/04, o rebocador (…) saía do Porto de Setúbal com destino a Las Palmas.
12 - No dia 20/04/04, a Autora efectuou o pagamento da quantia de € 8.662,50, referente ao segundo semestre correspondente à anuidade de 31/03/03 a 30/03/04.
13 - No período de 31 de Março de 2003 a 30 de Março de 2004, o rebocador (…) navegou desde o Porto de Avilez, em Espanha até ao Porto de Setúbal.
14 - Em 17 de Abril de 2003, o rebocador (…) efectuou uma viagem aos Açores.
15 - Em 16 de Maio de 2003 o rebocador (…) efectuou uma viagem à Tunísia.
16 - A Autora deu prévio conhecimento dessas viagens à Ré (…).
17 - No dia 25 de Agosto de 2003, a Autora comunicou à Ré (…)-Seguros uma participação de acidente de cabo ao hélice do Rebocador (…), no seguimento de uma manobra efectuado ao navio (…), no dia 23 de Agosto de 2003, entre o Cais da Eco-Oil e a Doca 21, nos estaleiros da Lisnave-Mitrena, Setúbal.
18 - No dia 26 de Agosto de 2003, a Ré (…)-Seguros comunicou o sinistro de 23/08/ 03, à Ré (…).
19 - No dia 19 de Março de 2004, na viagem entre o Porto de Las Palmas e o Porto de Cádiz ocorreu um sinistro com o Rebocador (…).
20 - No dia 17 de Maio de 2004, a (…)-Seguros enviou a Ré Companhia de Seguros (…) a missiva junta a fls. 74 e 75 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, participando a ocorrência do sinistro com o rebocador (…).
21 - Com data de 20 de Julho de 2004, a Ré Companhia de Seguros enviou à (…)-Seguros a missiva junta a fls. 77 dos autos, que se dá por reproduzida, da qual consta além do mais que “(…) na sequência da n/reunião do passado dia 15 do corrente, sobre o assunto em epígrafe, serve a presente para confirmar que a apólice nº. (…), relativa ao rebocador (…) não garante a operação do rebocador em águas internacionais, razão pela qual devolvemos o sinistro que nos foi participado.
Assim sendo, confirmamos que a mesma se encontra sem efeito desde o seu início, não tendo havido cobrança de qualquer prémio relativamente à mesma apólice (…)”.
22 - A emissão da apólice de seguro só teve lugar depois de várias insistências da (…)-Seguros.
23 - A Ré (…) levou a cabo conversações e contactos ao nível da operação de resseguro e solicitou, por mais de uma vez, documentos à (…)-Seguros que já tinha na sua posse o que se prolongou por vários meses.
24 – Atrasando, assim, a definição do âmbito da cobertura da apólice, na vertente territorial.
25 - No mês de Setembro de 2003, a Ré (…) solicitou à Ré (…)-Seguros o envio da nova proposta.
26 - Em Dezembro de 2003, a Ré Companhia de Seguros (…) enviou à (…)-Seguros a documentação inerente à apólice-Condições Gerais Especiais e Particulares.
27- Nessa ocasião, verificou-se que a as condições particulares não estavam em conformidade com as condições inicialmente contratadas, nomeadamente na definição do âmbito de cobertura da apólice na sua vertente territorial.
28 - Nessa sequência a Autora deu conhecimento de tal situação ao gestor da Ré Companhia de Seguros (…), junto do balcão de Setúbal.
29 - Numa reunião realizada no mês de Janeiro de 2004, foi acordado entre a Ré Companhia de Seguros (…), através do seu gestor no balcão de Setúbal, e a (…)-Seguros, representada pelo Sr. (…), que os pagamentos dos prémios deviam efectuar-se com uma diferença de 30 dias, entre o primeiro e o segundo pagamento.
30 - No dia 15 de Julho de 2004, é efectuada uma reunião na qual o Director Comercial da Ré (…) informou a Autora que aquela não tinha conseguido ultrapassar as questões referentes à extensão dos limites da navegação a cobrir pela apólice.
31 - E nessa reunião deu ainda conta que a Ré (…) não iria efectuar a cobrança dos prémios emitidos.
32 - O processo relativo ao seguro em questão foi moroso.
33 - A Autora pretendia que a apólice de seguro a celebrar cobrisse a navegação em costa nacional e internacional.
34 - Em consequência do sinistro com o rebocador (…) a Autora dispendeu as seguintes quantias:
- € 7.957,50 com o serviço de assistência marítima do Rebocador (…);
- a quantia suplementar de € 1.062,50 com o serviço de assistência marítima do Rebocador (…);
- € 5.520,00 com o serviço de assistência marítima do rebocador (…);
- € 5.728,15 com combustível consumido na viagem de regresso ao porto abrigo;
- € 2.286,83 com serviço de assistência marítima do rebocador (…) ao (…);
-€ 8.457,80 na aquisição de materiais para reparação no (…);
- € 18.804,04 em mão de obra para reparações no (…);
- € 3.4869,33 com equipamentos diversos a repor e/ou a substituir no (…).
35 - na ocasião a Ré Companhia de Seguros manifestou a recusa em cobrir riscos decorrentes na navegação em costa internacional e que, dessa recusa a Ré deu conhecimento à Autora.

2- Vejamos agora se se encontram preenchidos os requisitos da responsabilidade civil decorrente da culpa in contrahendo.
Estabelece o art. 227º, nº 1 do CC que “quem negocia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares, como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.
Como refere Almeida Costa [5], “no nº 1 do artigo reconhece-se a responsabilidade pré-contratual em termos gerais. Nele se inclui: a) ausência ou não conclusão de um contrato cujas negociações se iniciaram; b) celebração de um contrato ferido de invalidade ou ineficácia; c) conclusão de um contrato válido e eficaz, em que surgiram das respectivas negociações danos a indemnizar; d) ruptura das negociações preparatórias”.
“A relação jurídica pré-contratual tem como conteúdo as vinculações interpessoais decorrentes do dever de boa fé. A boa fé exigida às partes na fase das negociações é a boa fé objectiva, a boa fé como regra de conduta. Como critério de comportamento das partes na fase da negociação, a boa fé traduz-se no dever de actuação honesta, leal e transparente, como pessoa de bem. A concretização in casu do dever de boa fé não dispensa uma referência ética. As partes em negociação devem comportar-se honestamente, como pessoas de bem, - honestae agere - e procurar evitar causar danos ao seu parceiro negocial - alterum non laedere. Os padrões de comportamento determinantes do juízo de boa fé não se encontram enunciados na lei. E necessária uma referência aos padrões de comportamento aceitável e exigível vigentes na sociedade, no círculo de pessoas e de actividades em que o contrato se insere, ou nos usos próprios ou típicos da negociação e da celebração daquele contrato. Os deveres de boa fé na negociação têm sido tipificados em deveres de protecção, deveres de esclarecimento e deveres de lealdade [6].
“A concretização do artigo 227.º/1 do Código Civil obriga o responsável a indemnizar” cuja determinação “não deve ser solucionada conceptualmente com base na própria culpa in contrahendo, antes há que ponderar as regras gerais da responsabilidade civil” [7].
Entendeu-se na sentença recorrida que, “a actuação da Ré Companhia de Seguros (…) colocou em causa deveres de boa-fé, de lealdade e de lisura contratual que impõem que a parte, que conheça ou saiba – ou deva saber com a normal diligência – que algum risco ameaça o sucesso do processo negocial, o comunique à contraparte, advertindo-a, em particular, da necessidade de adequada prudência. Não são permitidos os comportamentos pré-contratuais - por acção ou omissão - que inculquem, na parte contrária, uma ideia distorcida sobre a realidade contratual.
Com efeito, está provado que a Ré Companhia de Seguros (…) e a (…), representada pela (…)-Seguros estabeleceram conversações com vista á celebração de um contrato de seguro relativo ao rebocador (…) com o objecto de cobrir o risco de navegação em águas nacionais e internacionais”.
Como fundamento deste entendimento esteve o facto de a (…) ter comunicado em três ocasiões que o rebocador iria navegar em águas internacionais, visando a extensão dos limites de navegação, sem que, em qualquer delas, a recorrente lhe comunicasse que tais viagens não estavam cobertas pelo seguro, criando assim naquela a convicção de que a seguradora assumia o risco.
Mas será o suficiente para se poder concluir que a recorrente violou qualquer daqueles deveres que devem presidir e orientar as partes na fase de negociação dos contratos?
Atalhando razões, diremos que não.
Importa ter em consideração que o acidente em causa ocorreu em Março de 2004, já depois da emissão da apólice em Dezembro de 2003 e não durante a fase das negociações iniciadas em Março de 2003, facto que se nos afigura determinante.
Ora, quando em 9.03.2014 (documento de fls. 62) a (…) comunicou
à recorrente que, naquele mesmo dia, o rebocador iria iniciar uma viagem do porto de Setúbal para Las Palmas – Canárias, tinha perfeito conhecimento que o seguro não cobria a navegação em águas internacionais.

Desde logo, porque se fez tal comunicação para efeitos de “extensão dos limites de navegação”, é porque sabia que o seguro não cobria tal risco pois, se o cobrisse, não seria necessário proceder a qualquer extensão.
Por outro lado, consta naquela comunicação “Apólice Nº (em emissão)”. Ora, como vem provado, a apólice já havia sido emitida em Dezembro de 2003, tendo a recorrente, nessa data, enviado à (…)-Seguros a documentação inerente à apólice-Condições Gerais Especiais e Particulares, verificando-se, nessa ocasião que a as condições particulares não estavam em conformidade com as condições inicialmente contratadas, nomeadamente na definição do âmbito de cobertura da apólice na sua vertente territorial.
Acresce que a (…)-Seguros, já tinha conhecimento, desde Abril de 2003, que a seguradora não aceitava cobrir o risco da navegação em águas internacionais.
Ora, sabendo, como sabia, que o seguro não cobria aquele risco, se mesmo assim decidiu efectuar a viagem, fê-lo com perfeito conhecimento dos riscos que corria.
A sentença recorrida assentou no pressuposto de que sobre a seguradora impendia a obrigação de avisar a (…) de que o seguro não cobria aquele risco.
Mas, com todo o respeito, não descortinamos em que se fundamenta tal obrigação.
Desde logo porque, como referido, a (…) tinha perfeito conhecimento de que o seguro não cobria aquele risco. Depois, porque a (…)-Seguros, sua representante nas negociações, sabia que a recorrente não assumia aquele risco. Finalmente, sabedora de tudo isto, deveria apenas iniciar a viagem depois de se assegurar junto da seguradora de que esta aceitava a extensão do risco, nem que fosse pontualmente, ou seja, para aquela viagem. Era esta a conduta que, seguramente, o “bónus pater familiae” adoptaria.
A nosso ver, não era a seguradora que deveria avisar que o risco não estava coberto. Era a (…) que se deveria assegurar da respectiva e efectiva cobertura antes de decidir aventurar-se com o seu rebocador por águas internacionais.
Repare-se, aliás, que a viagem (de 9.03.2004 que é que única que aqui releva) foi iniciada no próprio dia em a comunicação é feita, ou seja, sem esperar sequer a resposta, positiva ou negativa da recorrente.
Os únicos factos provados em que a sentença assentou a conclusão da convicção da (…) de que o seguro cobria a navegação em águas internacionais, foi a falta de resposta às comunicações das viagens efectuadas em 17 de Abril de 2003, aos Açores e em 16 de Maio de 2003, à Tunísia.
Nada mais vem provado que legitimasse a (…) a convencer-se de que a seguradora aceitaria o risco da viagem a Las Palmas, para além de que, como referido e aqui sublinhamos, a sua representante (…)-Seguros, sabia que a recorrente não aceitava tal cobertura e a própria A. também sabia, desde Dezembro de 2003, que as condições particulares estabelecidas na apólice não cobriam os riscos de navegação em águas internacionais.
“A obrigação de indemnizar por culpa in contrahendo, nos termos do art. 227º, nº 1 do CC, exige: - por um lado, que haja, por parte do incumpridor, uma conduta fortemente censurável, ou seja, intoleravelmente ofensiva do sentido ético-jurídico da boa fé, que deve presidir quer nos preliminares, quer na fase decisória da formação dos contratos; - por outro lado, que a parte fiel não tenha contribuído também, com culpa sua, para o insucesso negocial” [8].

Entendemos pois, que a recorrente não violou qualquer dos deveres de boa-fé, de lealdade e de lisura contratual.

Mas, para além disso, importa ainda considerar que no recibo emitido em 5.01.2004 relativo à 1ª prestação do pagamento do prémio, se fixava como data limite do seu respectivo pagamento, o dia 4.02.2004, sendo também esta a data da anulação por falta de pagamento.
É certo que a (…) invocou que, em Janeiro de 2004, foi acordado com a seguradora através do gestor do balcão de Setúbal, “que os pagamentos dos prémios deviam efectuar-se com uma diferença de aproximadamente 30 dias, entre o primeiro e o segundo pagamento, não tendo sido marcada qualquer data para se efectuar o primeiro pagamento, uma vez que havia questões a resolver que podiam influenciar o valor dos prémios”.
Todavia, apenas se provou que “numa reunião realizada no mês de Janeiro de 2004, foi acordado entre a Ré Companhia de Seguros (…), através do seu gestor no balcão de Setúbal, e a (…)-Seguros, representada pelo Sr. (…), que os pagamentos dos prémios deviam efectuar-se com uma diferença de 30 dias, entre o primeiro e o segundo pagamento.
Competia, à A. provar o que alegou, ou seja, que a data limite do pagamento aposta no recibo do prémio foi derrogada não se tendo estabelecido qualquer outra data alternativa, ou seja, que a obrigação do pagamento da primeira prestação do prémio era sem prazo e que o único prazo acordado foi o da segunda prestação ser feito 30 dias depois do pagamento da 1ª prestação.
Não tendo provado, como lhe competia, que a data limite do pagamento não era o dia 4.02.2004, impõe-se a óbvia conclusão que a data fixada e limitativa do prazo de pagamento era a aposta no recibo.
Assim, tendo o pagamento sido efectuado apenas em 12.03.2004, é evidente que foi feito fora de prazo.
Mesmo aceitando a tese da A., o pagamento da segunda prestação teria que ser efectuado até ao dia 13.04.2004. Mas, como se provou, aquela apenas o efectuou em 20.04.2004, ou seja, igualmente fora de prazo.
Face à factualidade provada, não há, por isso, a menor dúvida de que quando a A. comunicou a viagem a Las Palmas e ocorreu o acidente, já tinha ocorrido a anulação do contrato por falta do pagamento do prémio, pese embora não tenha sido este o fundamento invocado pela recorrente para não assumir a reparação do acidente em causa.

Em suma, o recurso merece provimento, impondo-se a revogação da douta sentença recorrida.

Em conclusão (art. 663º/7 do Código de Processo Civil):
1 – Sendo impugnada a decisão sobre determinados pontos da matéria de facto julgada provada na primeira instância, o tribunal de recurso pode alterar tal decisão, se a reapreciação dos meios de prova indicados pelo recorrente nas suas alegações, impuserem decisão diversa.
2 - O que transita em julgado é a decisão absolutória do pedido formulado na anterior acção, com base naquela causa de pedir e não a interpretação que o tribunal fez dos factos e da prova produzida no processo.
3 - “No nº 1 do artigo 227 do CC reconhece-se a responsabilidade pré-contratual em termos gerais. Nele se inclui: a) ausência ou não conclusão de um contrato cujas negociações se iniciaram; b) celebração de um contrato ferido de invalidade ou ineficácia; c) conclusão de um contrato válido e eficaz, em que surgiram das respectivas negociações danos a indemnizar; d) ruptura das negociações preparatórias”.
4 - “A concretização do artigo 227.º/1 do Código Civil obriga o responsável a indemnizar” cuja determinação “não deve ser solucionada conceptualmente com base na própria culpa in contrahendo, antes há que ponderar as regras gerais da responsabilidade civil”.
5 - “A obrigação de indemnizar por culpa in contrahendo, nos termos do art. 227º, nº 1 do CC, exige: - por um lado, que haja, por parte do incumpridor, uma conduta fortemente censurável, ou seja, intoleravelmente ofensiva do sentido ético-jurídico da boa fé, que deve presidir quer nos preliminares, quer na fase decisória da formação dos contratos; - por outro lado, que a parte fiel não tenha contribuído também, com culpa sua, para o insucesso negocial”.


DECISÃO
Termos em que se acorda, em conferência, nesta Relação:
1– Em conceder provimento ao recurso;
2 - Em revogar a sentença recorrida e absolver a Recorrente do pedido;
3 – Em condenar a recorrida nas custas.

Évora, 26.03.2015

António Manuel Ribeiro Cardoso

Acácio Luís Jesus das Neves

José Manuel Bernardo Domingues


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[1] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, o ac. RE de 7/3/85, in BMJ, 347º/477, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.
[2] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 663º, n.º 2 e 608º, n.º 2 do CPC.
[3] Ac. do STJ de 5.05.2005, proc. 05B691, in www.dgsi.pt.
[4] Nos recibos em causa e que se deram por reproduzidos, consta como data limite dos pagamentos dos prémios os dias 4.02.2004 e 10.02.2004.
[5] RLJ, 116º, pág. 101 e segs..
[6] Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2012, 7ª edição, pág. 421.
[7] António Menezes Leitão, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte geral, Tomo 1, 2ª edição, 2000, págs. 406 e 407.
[8] Ac. do STJ de 3.07.2003, documento nº 03B1589, in www.dgsi.pt.