Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
47/22.6GBASL E1
Relator: EDGAR VALENTE
Descritores: ALCOOLÍMETRO
TEMPO DE AQUECIMENTO
TEMPERATURA DE UTILIZAÇÃO
Data do Acordão: 10/25/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Do binómio tempo de espera “após ligação” (12 minutos) e temperatura (20 BC) entendemos que estamos perante indicações sobre a “normalidade” temporal do aquecimento do aparelho do modelo n.º 211.06.07.3.06 aprovado pelo Despacho 11 037/2007 e não perante prescrições absolutas que invalidem os resultados obtidos, caso tais condições “normais” não estejam reunidas. Assim, o indicado tempo de espera e a temperatura são meras indicações de condições ideais para o aquecimento do aparelho, não existindo qualquer cominatório (nomeada e expressamente com a nulidade do resultado, em caso de inobservância) no teor daquela decisão administrativa. Do exposto flui, em nosso entendimento e em face da inexistência daquele cominatório, que se trata de condições que não obstaculizam o regular funcionamento do aparelho e, consequentemente, a validade do resultado obtido.
Em síntese, entendemos que aquela parte do teor do referido despacho não chega sequer a enunciar uma regra processual probatória.

Inexiste, consequentemente, qualquer nulidade da prova da TAS.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório.

No Juízo Local Criminal de … do Tribunal Judicial da Comarca de … corre termos o processo sumário n.º 47/22.6GBASL e aí, após a realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo (transcrição):

“a) – Condeno o arguido AA como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à razão diária de 7€ (sete euros), ou seja, na multa 350€ (trezentos e cinquenta euros).

b) – Nos termos do artigo 69º, n.º 1, do Código Penal, condeno o arguido na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados pelo período de 3 (três meses);

(…).”

Inconformado, o arguido interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

“A- O ora Recorrente considera que o Tribunal a quo valorou incorretamente o resultado obtido da utilização do aparelho quantitativo Drager Alcotest 7110TKIIIP, apresentado como prova, considerando-o como válido.

B- O Tribunal a quo fundou a sua convicção no resultado do exame de determinação quantitativa da presença de álcool no sangue do ora Recorrente, quanto à T.A.S. de que o mesmo era portador.

C- Não obstante devidamente demonstrada, em sede de audiência de discussão e julgamento, a não observância das determinações legais constantes no Despacho 11037/2007, de 6 de junho, que aprova o alcoolímetro, marca DRAGER, modelo Alcotest 7110 MK IIIP, o Tribunal a quo não entendeu a prova obtida através do referido teste como nula.

D- Tendo considerado que do Despacho não se extraem quaisquer consequências no que tange à falta de cumprimento do tempo de aquecimento do aparelho.

E- O ora Recorrente discorda com a Douta interpretação, uma vez que considera estar perante um procedimento imperativo.

F- Outrossim, considera que o desrespeito pelos procedimentos constantes do despacho n.º 11037/2007, de 6 de junho, do Instituto Português da Qualidade, nomeadamente no que tange ao cumprimento do período que medeia o ligar do aparelho e a realização do teste, 12 (doze) minutos, resulta na nulidade da prova produzida, por violação de uma norma imperativa.

G- Uma vez que tal procedimento que não foi respeitado pelo Senhor Agente da Autoridade fiscalizadora, deveria ter sido suscitado, pelo Tribunal a quo, dúvida sobre qual o verdadeiro valor de taxa de álcool no sangue que o arguido apresentava, especialmente tendo em consideração que, deduzido o erro máximo legalmente admissível, o arguido apresentava uma “suposta” taxa de álcool no sangue de 1,216 g/l.

Não obstante,

H- Ao contrário, o Tribunal a quo, não considerou existir qualquer relevância quanto ao tempo decorrido entre o ligar do aparelho, e a sua utilização.

I- Desconsideração que o ora Recorrente discorda totalmente, uma vez que considera que a descrição feita no supra referido Despacho: “Tempo de aquecimento - após ligação, doze minutos à temperatura de 20BC;”, não é meramente indicativa, mas sim imperativa.

Assim,

J- Existindo dúvidas, deveria o Tribunal a quo decidir a favor do réu, em obediência ao princípio basilar do direito penal português (Princípio do in dúbio pro reo).

K- A dúvida resultante da falta de fiabilidade do resultado do alcoolímetro, não pode funcionar em prejuízo do arguido, sob pena de se estabelecer uma presunção de culpa e uma inadmissível subversão do ónus probatório, minando a estrutura acusatória orientadora do nosso processo penal.

L- A incerteza é tanto mais relevante, porquanto o que está em causa são valores próximos do limite legal (1,20 g/l) que criminaliza (se igualou ou é superior à referida taxa), ou não (se inferior), a conduta do arguido, pois apenas deve ser considerado crime quando a taxa de álcool no sangue for igual ou superior a 1,2 g/l (artigo 292.º n.º 1 Código Penal).

M- In casu, é notória a proximidade entre o valor obtido e o limite mínimo necessário para que se encontre preenchido o tipo objetivo tipificado no artigo 292.º, n.º 1, Código Penal, e a conduta seja penalmente relevante e não uma “mera” contra ordenação.

N- Uma mera variação ou falha do instrumento, face ao não cumprimento das determinações técnico/legais, será suficiente para uma diferente qualificação da conduta do arguido e igualmente, acarretar diferentes (mais benéficas) consequências.

Outrossim,

O- Face ao exposto, e encontrando-se a fiabilidade do instrumento, assim como a veracidade dos resultados obtidos em causa, deve a prova recolhida através deste considerada ser nula por violação de norma legal e,

Em consequência,

P- Por se desconhecer efetivamente qual seria a taxa de álcool no sangue do ora Recorrente, à data da prática dos factos, e em respeito à aplicação do princípio in dubio pro reo, deverá ser determinada a absolvição do ora Recorrente.”

Pugnando, em síntese, pelo seguinte:

“Nestes termos, e nos demais de direito por V.Excªs

Doutamente supridos, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, por via dele, ser revogado a Douta Sentença recorrida, substituindo-se a decisão recorrida por outra que determine a absolvição do crime pelo qual foi o ora Recorrente condenado.”

O recurso foi admitido.

O MP na 1.ª instância respondeu ao recurso, nos termos que, em síntese, se reproduzem:

“Em nosso entendimento, não assiste qualquer razão ao recorrente, não merecendo a douta sentença quaisquer reparos.

No que respeita à questão invocada pelo recorrente, importa referir que o tribunal recorrido, no que respeita à motivação da matéria de facto, elenca que para a decisão quanto à matéria de facto… fundou a sua convicção na análise e valoração da prova produzida em audiência e da prova documental junta aos autos, nomeadamente: - No resultado do exame de determinação quantitativa da presença de álcool no sangue do arguido, quanto à TAS de que o arguido era portador, cujo talão se encontra junto aos autos.”

Pugnando, em síntese, pelo seguinte:

“Assim, a decisão proferida pelo Tribunal a quo foi a correcta, não assistindo razão ao recorrente, devendo a decisão recorrida ser mantida, negando-se provimento ao presente recurso.”

A Exm.ª PGA neste Tribunal da Relação emitiu parecer, exarando que “[n]ão vemos qualquer nulidade na sentença recorrida que leve ao procedimento do recurso, parecendo-nos que o teste de pesquisa de alcóol cumpre com as exigências legais, como mais pormenorizado pelo magistrado do Ministério Público em primeira instância.”

Procedeu-se a exame preliminar.

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (1), tendo o recorrente respondido ao parecer do MP, mantendo, no essencial, a posição assumida no requerimento de recurso.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

Reproduz-se a decisão recorrida, na parte que interessa:

“II Fundamentação

1. Matéria de facto provada

Da audiência de discussão e julgamento e com relevo para a decisão do mérito da causa, resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 01-03-2022, pelas 22.30 horas, o arguido conduziu o veículo automóvel de matrícula …, na via pública designada por …, em …, apresentando uma taxa de álcool no sangue de 1,28 g/l, correspondente a uma TAS de 1,216 g/l, deduzido o erro máximo legalmente admissível.

2. O arguido ingeriu prévia e voluntariamente bebidas alcoólicas que lhe produziram aqueles valores de TAS e, apesar disso, não se absteve do exercício da condução.

3. Ao iniciar a condução do referido automóvel, o arguido sabia que era portador de uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/l e que se encontrava a circular numa via pública, e não obstante, quis e conseguiu conduzir o referido veículo nessas circunstâncias.

4. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Mais se provou:

5. O arguido não tem antecedentes criminais nem lhe são conhecidos outros processos pendentes contra si em Tribunal.

6. Vive com a companheira, em casa arrendada, da qual paga mensalmente a quantia de 500€.

7. Aufere entre 700€ a 800€ mensais.

8. A sua companheira aufere cerca de 600€ mensais.

9. Estudou até ao 12º ano de escolaridade.

10. O arguido ao jantar ingeriu dois copos de vinho e um digestivo.

11. Foi mandado parar cerca das 22.30 horas.

12. Foi transportado ao posto da GNR pelas 22.40, onde chegou cerca de 5 minutos depois.

13. O teste no aparelho quantitativo foi realizado às 22.51 horas.

14. O aparelho foi ligado para o arguido efectuar o teste.

Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão a proferir, designadamente a hora em que o arguido tenha jantado por volta das 21 horas, que o arguido tenha feito 3 testes no local da fiscalização e que o aparelho quantitativo tenha sido sujeito a uma operação de reset.

3. Motivação da matéria de facto

Para a decisão quanto à matéria de facto acima descrita e assente, o tribunal fundou a sua convicção na análise e valoração crítica da prova produzida em audiência e da prova documental junta aos autos, nomeadamente:

- No resultado do exame de determinação quantitativa da presença de álcool no sangue do arguido, quanto à T.A.S. de que o arguido era portador, cujo talão se encontra junto aos autos;

- No teor do C.R.C. do arguido, cuja genuidade e fidedignidade não foi posta em causa;

- Nas declarações do arguido que confessou que ao jantar e antes de iniciar a condução tinha ingerido dois copos de vinho e um digestivo que acha ter sido moscatel. Refere que cerca das 21.30, quando conduzia o veículo e no local identificado, foi mandado parar por uma patrulha da GNR que inicialmente o alertou para o facto de estar a conduzir e a utilizar o telemóvel e que lhe solicitaram que efectuasse o teste de álcool. O que o arguido acatou. Como o sopro no aparelho qualitativo revelou uma TAS de 1,07 g/l, o arguido foi conduzido ao posto da GNR para efectuar o teste no aparelho quantitativo. Refere que cerca das 22.40 estava a ser transportado para o posto da GNR e já se encontrava nas imediações da intercepção com a … em …, porque nessa altura falou com a sua irmã, testemunha nos autos, BB, que confirmou a chamada e as horas. Que o percurso para o posto da GNR levou cerca de 5 minutos. Quando chegou ao posto da GNR o aparelho foi ligado para fazer o teste tendo apresentado a taxa constante do talão junto aos autos emitido pela máquina. Referiu que no local fez um primeiro teste que deu erro e depois um segundo. As declarações prestadas pelo arguido, confirmadas pela testemunha BB, mereceram a credibilidade do Tribunal pela forma expontânea e circunstancial com que foram prestadas.

Mais referiu o arguido que sabia que não podia conduzir após a ingestão de bebidas alcoólicas em quantidade que lhe poderia determinar uma TAS igual ou superior a 1,20 g/l e que agiu de forma livre, deliberada e consciente. Referiu que teve necessidade de se deslocar à sua exploração em virtude de ter alguns animais em trabalho de parto.

O arguido referiu ainda que aquando da fiscalização fez um primeiro teste que apresentou uma taxa de 1,07 e um segundo teste de 1,01 g/l. e não três testes como se faz menção na contestação. Não obstante atento o constante do auto de notícia que produz prova documental e não foi impugnado pelo arguido, do mesmo só consta a realização de um teste, cujo resultado foi 1,07 g/l. Mas a realização de dois testes com valores diferentes revela-se irrelevante porquanto o aparelho qualitativo utilizado no local da fiscalização apenas serve para despiste da presença de álcool no sangue do condutor, sendo o teste feito no aparelho quantitativo o exame pericial que determina a taxa de álcool no sangue presente no arguido e a sua quantidade. Na verdade, de acordo com o disposto no artigo 1º, n.º 1 e n.º 2 da Lei 18/2007, que Aprova o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas:

1 - A presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador qualitativo.

2 - A quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue.

Pelo que, o/os testes efectuado/s no local por aparelho qualitativo apenas visam detectar a presença de álcool no sangue e não quantificá-la. E, por conseguinte, produzir prova sobre a taxa concreta que o arguido era portador.

No que concerne à questão da taxa de que o arguido era portador e por conseguinte no que concerne ao talão emitido pelo aparelho quantitativo, com a contestação pretendeu o arguido impugar a prova produzida pelo aparelho quantitativo utilizado, considerando que não foram respeitados os procedimentos de utilização do aparelho e que portanto tal prova era nula.

Desde logo se diga que no que concerne ao disposto no artigo 2º da mencionada Lei 18/2007, atento o tempo decorrido entre o momento da fiscalização (22.30) e da realização de teste em aparelho qualitativo e a hora constante do talão do aparelho quantitativo (22.51), não se mostra ultrapassado o período de 30 minutos que a lei aconselha que seja realizado num intervalo não superior a 30 minutos.

No que concerne à questão da não observância das indicações constantes do Despacho n.º 11037/2007 do Instituto Português da Qualidade de Aprovação do Modelo n.º 211.06.07.3.06, relativo ao aparelho Drager Alcotest 7110TKIIIP, utilizado na realização do teste quantitativo, que não consta da defesa apresentada, mas que foi depois objecto de alegações, desde já se diga que não se vislumbra que por tal facto se possa concluir que a prova decorrente da análise quantitativa ao ar expirado efectuado pelo arguido possa ser considerada nula.

Na verdade o despacho de aprovação de tal modelo estatui:

Descrição sumária. — Este alcoolímetro mede a concentração de álcool por análise do ar alveolar expirado através de um sensor de infra-vermelho num comprimento de onda de 9,5 mm e de um sensor electroquímico.

Constituição. — Apresenta-se na forma de uma caixa paralelepipédica. Na superfície dianteira está disponível o dispositivo de indicação alfanumérico, composto de cristais líquidos, que contém 24 caracteres. Está também disponível na parte dianteira o dispositivo de impressão, bem como o botão de accionamento. Na superfície superior encontra-se o tubo de sopro, isolado termicamente que é mantido a uma temperatura de 41°C. Na superfície traseira estão disponíveis as entradas dos cabos do teclado alfanumérico. O alcoolímetro pode ser alimentado por 12 V DC ou 220 V AC.

Características metrológicas. — As principais características metrológicas são as seguintes:

Unidades de leitura — miligramas de etanol por litro de ar alveolar expirado (TAE) mg/l ou gramas de etanol por litro de sangue (TAS) g/l;

ama de medição — 0,00 mg/l a 3,00 mg/l (TAE) ou 0,00 g/l a 6,90 mg/l (TAS); Valor da divisão de indicação:

No modo normal de funcionamento — 0,01 mg/l (TAE);

No modo de verificação — 0,001mg/l (TAE);

No modo normal de funcionamento — 0,01 g/l (TAS);

No modo de verificação — 0,001g/l (TAS);

Tempo de aquecimento — após ligação, doze minutos à temperatura de 20°C; Temperatura de utilização — 0°C a 40°C;

Inscrições e marcações — cada alcoolímetro deve conter, de forma legível e indelével, as indicações seguintes:

Marca;

Modelo;

Número de série;

Fabricante/importador;

Ano de fabrico;

Unidade de leitura;

Factor de conversão — TAE/TAS= 2,3;

Temperatura de utilização 0°C a 40°C;

Na superfície dianteira a inscrição:

Não soprar se o aparelho estiver desligado ou na posição de espera;

Após beber esperar vinte minutos antes de soprar;

(…)

Na contestação pretendeu-se afirmar que a prova produzida pelo aparelho era nula. Primeiro com a questão dos 30 minutos, mas que depois se percebeu que afinal não tinham passados 30 minutos entre o teste qualitativo e o teste quantitativo. Depois, em momento posterior, já em julgamento, que se o arguido chegou ao posto da GNR de … às 22.45 minutos e fez o teste às 22.51, sendo que foi necessário ligar o aparelho, não teriam decorridos os 12 minutos de aquecimento do aparelho e portanto o resultado apresentado pela máquina é nulo.

Desde já se diga que o despacho acima transcrito em lado algum extrai consequências no que concerne ao tempo de aquecimento do aparelho, nem foi apresentada qualquer prova de quais seriam as consequências do não respeito do mencionado tempo de aquecimento. Assim como também não foi questionada a temperatura no interior do posto da GNR, já que o tempo de aquecimento é à temperatura de 20º C e os factos ocorreram em 01-03-2022, portanto de inverno e à noite.

Aliás, do mencionado despacho apenas se extrai que não se deve soprar se o aparelho estiver desligado (o que parece no mínimo lógico) ou se estiver em espera (não menos lógico).

Mas da simples consulta do manual de instruções do aparelho em causa, disponível na internet, embora em língua inglesa

https://duiform.weebly.com/uploads/1/2/0/1/12016444/7110_instructor_manual.pdf https://www.manualslib.com/manual/1674660/Dr-Ger-Alcotest-7110-

Standard.html?page=10#manual

se extrai primeiro que é o próprio fabricante que não extrai qualquer consequência em termos de fiabilidade do aparelho por falta de respeito do tempo de aquecimento do mesmo, uma vez que este é meramente indicativo e que explica a forma como é obtido o resultado, o qual só o pode ser se o aparelho estiver a funcionar correctamente. Acresce que o mesmo dispõe ainda de um modo de stand by, que pode durar até 1 semana, em que o aparelho pode ser utilizado após 3 minutos de se ter premido o botão para o início do teste.

Pelo que outra conclusão não pode ser que o resultado obtido é válido e acarreta a prova do facto que o arguido conduzia o mencionado veículo nas condições de tempo e lugar descritas apresentando uma taxa de álcool no sangue de 1,28 g/l, correspondente a uma TAS de 1,216 g/l, deduzido o erro máximo legalmente admissível.

O Tribunal teve ainda em consideração as declarações prestadas pelo arguido no que concerne à sua situação social, económica e profissional, bem como o teor do seu CRC no que que concerne à ausência de antecedentes criminais.

Os factos não provados ficaram a dever-se a ausência de prova sobre os mesmos, uma vez que o arguido não referiu a que horas jantou, não referiu ter feito 3 testes no local e não referiu que foi feito um reset ao aparelho quantitativo no posto da GNR.”

2 - Fundamentação.

A. Delimitação do objecto do recurso.

A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (art.º 412.º), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.

A questão (única) a decidir no presente recurso é a seguinte: A prova da TAS obtida através de teste realizado no alcoolímetro, marca DRAGER, modelo Alcotest 7110 MK IIIP é nula, por desrespeito de indicações constantes do Despacho n.º 11037/2007 do Instituto Português da Qualidade de aprovação do referido modelo?

*

B. Decidindo.

Segundo o recorrente, o desrespeito pelos procedimentos constantes do despacho n.º 11037/2007, de 06.06, do IPQ, no que tange ao cumprimento do período que medeia entre ligar o aparelho e realizar o teste (12 minutos), resulta na nulidade da prova produzida, por violação de uma norma legal imperativa.

Desde já adiantamos que entendemos não assistir razão ao recorrente.

Recordemos, antes de mais, o quadro legal que regula a utilização dos aparelhos de pesquisa de álcool no sangue, especificando-se as normas aplicáveis ao caso dos autos:

Segundo o Regulamento de Fiscalização da Condução Sob Influência do Álcool ou Substâncias Psicotrópicas, introduzido pela Lei n.º 18/2007, de 17 de maio:

«(...)

Artigo 1.º

Deteção e quantificação da taxa de álcool

1 - A presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efetuado em analisador qualitativo.

2 - A quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efetuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue.

3 - A análise de sangue é efetuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo.

(...)

Artigo 2.º

Método de fiscalização

1 - Quando o teste realizado em analisador qualitativo indicie a presença de álcool no sangue, o examinando é submetido a novo teste, a realizar em analisador quantitativo, devendo, sempre que possível, o intervalo entre os dois testes não ser superior a trinta minutos.

(…)

Artigo 14.º

Aprovação dos equipamentos

1 - Nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.

2 - A aprovação a que se refere o número anterior é precedida de homologação de modelo, a efectuar pelo Instituto Português da Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.

(…)»

Por seu turno, prescreve o Código da Estrada, com o âmbito recortado supra, o seguinte:

«Artigo 153.º

Fiscalização da condução sob influência de álcool

1 - O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.

2 - Se o resultado do exame previsto no número anterior for positivo, a autoridade ou o agente de autoridade deve notificar o examinando, por escrito ou, se tal não for possível, verbalmente:

a) Do resultado do exame;

b) Das sanções legais decorrentes do resultado do exame;

c) De que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova e que o resultado desta prevalece sobre o do exame inicial; e

d) De que deve suportar todas as despesas originadas pela contraprova, no caso de resultado positivo.

3 - A contraprova referida no número anterior deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando:

a) Novo exame, a efetuar através de aparelho aprovado;

b) Análise de sangue.

4 - No caso de opção pelo novo exame previsto na alínea a) do número anterior, o examinando deve ser, de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efetuado.

Artigo 170.º

Auto de notícia e de denúncia

1 - Quando qualquer autoridade ou agente de autoridade, no exercício das suas funções de fiscalização, presenciar contraordenação rodoviária, levanta ou manda levantar auto de notícia, o qual deve mencionar:

a) Os factos que constituem a infração, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foi cometida, o nome e a qualidade da autoridade ou agente de autoridade que a presenciou, a identificação dos agentes da infração e, quando possível, de, pelo menos, uma testemunha que possa depor sobre os factos;

b) O valor registado e o valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, quando exista, prevalecendo o valor apurado, quando a infração for aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares.

2 - O auto de notícia é assinado pela autoridade ou agente de autoridade que o levantou ou mandou levantar e, quando for possível, pelas testemunhas.

3 - O auto de notícia levantado e assinado nos termos dos números anteriores faz fé sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário.

4 - O disposto no número anterior aplica-se aos elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares.

(…)»

Do exposto flui que a quantificação da taxa de álcool no sangue (TAS) é feita por teste no ar expirado, efetuado em analisador quantitativo, que deve ser homologado pelo IPQ e autorizado pelo Presidente da ANSR.

No caso dos autos, o recorrente não coloca em causa estas homologação e autorização do aparelho utilizado no teste efectuado ao arguido, mas apenas o desrespeito pelo tempo de aquecimento preconizado por esta última, o que, segundo defende, acarretará a nulidade do respectivo resultado.

Vejamos.

Segundo o disposto no art.º 125.º do CPP, são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei. Para a pesquisa da TAS é a própria lei, como vimos, que determina a obrigatória utilização de analisadores quantitativos.

Contudo, quanto à concreta utilização de tais máquinas e às regras que a definem, podem colocar-se questões de patologia probatória.

Tais patologias (na generalidade dos casos, pelo menos), não ascenderão à dignidade de verdadeiras proibições de prova, uma vez que não estão em causa aquelas dimensões da essencial dignidade humana mencionadas nos números 1 a 3 do art.º 126.º (2), mas poderão consubstanciar violações de (meras) regras processuais probatórias (3).

Segundo o recorrente, existe nulidade da prova (a concreta TAS) devido à “não observância das determinações legais constantes do Despacho 11037/2007, de 6 de junho”, “por violação de uma norma imperativa”, mais referindo o “não cumprimento das determinações técnico-legais” e, finalmente, ainda a verificação de “violação de norma legal”.

Uma vez que, obviamente, não estamos aqui perante proibições de prova, importa averiguar se estaremos perante prova obtida mediante meio legalmente admitido (o alcoolímetro aprovado/homologado, como vimos) afectada na sua “regularidade processual”.

É de sublinhar que o recorrente, ao contrário do que conclui, não refere a violação de qualquer norma legal imperativa (as aplicáveis são as que referimos supra e nada dizem sobre o tempo de aquecimento do alcoolímetro), mas sim e tão-só, uma “violação” do teor do despacho (acto administrativo) de aprovação do aparelho em causa.

Vejamos, pois, tal teor:

“Despacho 11 037/2007

Aprovação do modelo n.º 211.06.07.3.06

No uso da competência conferida pela alínea b) do n.º 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei 291/90, de 20 de Setembro, e nos termos do n.º 5.1 da Portaria 962/90, de 9 de Outubro, e da Portaria 748/94, de 13 de Agosto, aprovo o alcoolímetro, marca DRAGER, modelo Alcotest 7110 MK IIIP, fabricado por Drager Safety AG & CO, Revalstrasse, 1 D-23560 Lubeck, Alemanha, requerido por TECNIQUITEL - Sociedade de Equipamentos Técnicos, Lda., com sede na Zona Industrial da Abrunheira, Rua de Thilo Krassman, 2, fracção A, 2710-141 Sintra.

Descrição sumária. - Este alcoolímetro mede a concentração de álcool por análise do ar alveolar expirado através de um sensor de infra-vermelho num comprimento de onda de 9,5 mm e de um sensor electroquímico.

Constituição. - Apresenta-se na forma de uma caixa paralelepipédica. Na superfície dianteira está disponível o dispositivo de indicação alfanumérico, composto de cristais líquidos, que contém 24 caracteres. Está também disponível na parte dianteira o dispositivo de impressão, bem como o botão de accionamento. Na superfície superior encontra-se o tubo de sopro, isolado termicamente que é mantido a uma temperatura de 41BC. Na superfície traseira estão disponíveis as entradas dos cabos do teclado alfanumérico. O alcoolímetro pode ser alimentado por 12 V DC ou 220 V AC.

Características metrológicas. - As principais características metrológicas são as seguintes:

Unidades de leitura - miligramas de etanol por litro de ar alveolar expirado (TAE) mg/l ou gramas de etanol por litro de sangue (TAS) g/l;

Gama de medição - 0,00 mg/l a 3,00 mg/l (TAE) ou 0,00 g/l a 6,90 mg/l (TAS);

Valor da divisão de indicação:

No modo normal de funcionamento - 0,01 mg/l (TAE);

No modo de verificação - 0,001mg/l (TAE);

No modo normal de funcionamento - 0,01 g/l (TAS);

No modo de verificação - 0,001g/l (TAS);

Tempo de aquecimento - após ligação, doze minutos à temperatura de 20BC;

Temperatura de utilização - 0BC a 40BC;

Inscrições e marcações - cada alcoolímetro deve conter, de forma legível e indelével, as indicações seguintes:

Marca;

Modelo;

Número de série;

Fabricante/importador;

Ano de fabrico;

Unidade de leitura;

Factor de conversão - TAE/TAS = 2,3;

Temperatura de utilização 0BC a 40BC;

Na superfície dianteira a inscrição:

Não soprar se o aparelho estiver desligado ou na posição de espera;

Após beber esperar vinte minutos antes de soprar;

(…)”

Do binómio tempo de espera “após ligação” (12 minutos) e temperatura (20 BC) entendemos que estamos perante indicações sobre a “normalidade” temporal do aquecimento do aparelho e não perante prescrições absolutas que invalidem os resultados obtidos, caso tais condições “normais” não estejam reunidas. Assim, o indicado tempo de espera e a temperatura são meras indicações de condições ideais para o aquecimento do aparelho, não existindo qualquer cominatório (nomeada e expressamente com a nulidade do resultado, em caso de inobservância) no teor daquela decisão administrativa. Do exposto flui, em nosso entendimento e em face da inexistência daquele cominatório, que se trata de condições que não obstaculizam o regular funcionamento do aparelho e, consequentemente, a validade do resultado obtido.

Em síntese, entendemos que aquela parte do teor do referido despacho não chega sequer a enunciar uma regra processual probatória.

Mesmo que assim não fosse: “toda a regra processual probatória contém, na medida em que ordena um determinado procedimento, a proibição de proceder de outro modo. Se uma tal proibição é violada, tal não conformaria porém motivo inevitável para recusar como proibida a prova obtida. Justamente por isso, a proibição violada não constitui razão de recurso da decisão que a propósito viesse a ter lugar no processo penal onde se discutisse a validade da prova alcançada. (4) ”

Inexiste, consequentemente, qualquer nulidade da prova da TAS, pelo que o recurso é improcedente.

3 - Dispositivo.

Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC. (art.º 513.º, n.º 1 do CPP e art.º 8.º, n.º 9 / Tabela III do Regulamento das Custas Processuais)

(Processado em computador e revisto pelo relator)

Évora, 25 de Outubro de 2022

----------------------------------------------------------------------------------------

1 Diploma a que se pertencerão as ulteriores referências normativas que não tenham indicação diversa.

2 “1 - São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas. 2 - São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante: a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos; b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação; c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei; d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto; e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível. 3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.”

3 A este respeito, importa reproduzir aqui o significativo teor do Acórdão Acórdão do STJ de 02.05.2012 proferido no processo 177/03.3GGLSB-B.S1 (relator Henriques Gaspar): “As «provas proibidas» são – expressão material de referência - «as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas»; nesta categoria estão incluídas as provas com perturbação da liberdade de vontade ou de decisão, através de maus tratos, ofensa corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos; perturbação da capacidade de memória ou avaliação; utilização da força; ameaça com medida legalmente inadmissível; promessa de vantagem legalmente inadmissível; intromissão na vida privada, no domicílio ou na correspondência, ou nas telecomunicações fora dos casos previstos na lei.

As causas de afectação da prova enunciadas no artigo 126º do CPP remetem, todas elas, para violações insuportáveis, que contendem e afectam a própria dignidade da pessoa, e que constituem sempre condutas absolutamente proibidas; as provas obtidas em tais circunstâncias são sempre, por isso, também «absolutamente proibidas».

Não assume tal natureza a prova obtida mediante meio legalmente admitido ou admissível, cuja regularidade processual poderia ter sido considerada e discutida na decisão condenatória.”

4 Jorge de Figueiredo Dias, “Revisitação de Algumas Ideias-Mestras da Teoria das Proibições de Prova em Processo Penal” in RLJ Ano 146 – 2016, página 6.